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domingo, 13 de novembro de 2011

Livro: Ascensão e Queda do Comunismo - Archie Brown

Eu já li o livro no original, e recomendo, vivamente.
Fiz um post sobre ele: 

A vida sob o comunismo (como devia ser insuportável...)



Como sempre, recomendo aos que desejarem adquirir esse livro que não o façam na edição brasileira, a menos que desejem perder dinheiro à toa. Por US$ 1 (sim, UM dólar), ou no máximo US$ 4 qualquer pessoa pode encomendar o livro no maior sebo eletrônico de livros do mundo:
www.abebooks.com
Provavelmente o frete vai custar entre 10 e 15 dólares, mas ainda assim vai sair mais barato (ainda que demore um pouco) do que os 60 ou 70 reais (talvez mais) do que vai custar o livro no Brasil.
Se ele estiver disponível em formato digital melhor ainda: chega em um minuto, mas aí pode custar um pouco mais (entre dez e 19 dólares, calculo) e pode ser mais incômodo ler um livro grande na telinha do Kindle ou do seu iPad (mas garanto que ficará mais leve...).
Leiam, eu recomendo vivamente.
Paulo Roberto de Almeida 
PS: Quem quiser ler mais um pouco do livro, suas primeiras páginas, por exemplo, pode fazê-lo na versão para Kindle, que a a Amazon disponibiliza em seu site, neste link.

Reinaldo Azevedo, 12/11/2011
A VEJA desta semana traz uma resenha de autoria deste escriba do livro “Ascensão e Queda do Comunismo”, de Archie Brown. Segue um trecho.

Não foi o então presidente americano, Ronald Reagan, que matou o comunismo. Também não foi o papa João Paulo II. Tampouco foram as fragilidades do modelo. O sistema cometeu suicídio quando resolveu experimentar um pouco de liberdade. É, ao menos, o que sustenta o cientista político e historiador escocês Archie Brown em Ascensão e Queda do Comunismo (tradução de Bruno Casotti; Record; 854 páginas; 89,90 reais). O ambiente era bem deprimente na União Soviética, como revela uma piada que circulava por lá em fevereiro de 1984, quando a primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, compareceu para o funeral de Yuri Andropov, que comandara a “pátria do socialismo” por modestos quinze meses. O escolhido para sucedê-lo foi Konstantin Chernenko, de 72 anos. A piada reproduzia um telefonema fictício de Thatcher para Reagan: “Você deveria ter vindo ao funeral, Ron. Eles fizeram tudo muito bem. Com certeza, vou voltar no ano que vem”. E voltou mesmo, treze meses depois, tempo de sobrevida de Chernenko. Em 68 anos de história, a União Soviética tivera quatro dirigentes máximos: Lênin, Stálin, Krushev e Brejnev. Ao chegar ao poder em 11 de março de 1985, Mikhail Gorbachev era o terceiro governante em vinte e oito meses. Havia algo de podre e muito velho no Império Vermelho.
A piada é narrada no grande (em qualquer sentido) livro de Brown. Ao longo de mais de 800 páginas, noventa delas com notas explicativas, ele detalha a trajetória do comunismo mundo afora, do Manifesto de Karl Marx (1848) à dissolução da URSS. Em 25 de dezembro de 1991, seis anos e nove meses depois de se tornar um dos homens mais poderosos da Terra, Gorbachev renunciava à Presidência de um país que já tinha acabado. O homem da “perestroika”, da reestruturação, fora engolido por sua ingenuidade e traído por sua ousadia. Todos os sinos dobraram pelo Natal; nenhum por quem restituíra a liberdade religiosa. Era execrado pelos destituídos do antigo regime e desprezado pelos beneficiários do novo.
Brown, professor de Oxford, é um profundo conhecedor do assunto. Levou dois anos para escrever o livro, publicado em 2009, mas reuniu informações colhidas ao longo de 45 anos e muitas viagens aos países comunistas, especialmente durante a Guerra Fria. E é com essa autoridade que ele afirma: “Na União Soviética, a reforma produziu a crise mais do que a crise forçou a reforma”. Para Brown, embora o modelo soviético estivesse corroído pela ineficiência, pela estagnação e pela incapacidade de entrar na economia da informação, não havia pressão social ou política que tornasse urgentes as mudanças. O modelo poderia ter durado por muito tempo, não fosse Gorbachev.
A relação de Brown com o líder que matou o comunismo é ambígua. Admira sua vocação democrática e suas escolhas políticas e éticas, mas o caracteriza como um político ingênuo, que fez uma aposta brutalmente errada. Qual foi o erro - e, pois, o grande acerto - de Gorbachev? Para responder a essa questão, é preciso citar aquelas que o historiador considera as “seis características definidoras” do comunismo - elas também explicam por que o autor sustenta que o comunismo acabou, ainda que China, Vietnã, Laos, Cuba e Coreia do Norte se digam comunistas: 1) o partido único detém o monopólio do poder; 2) a burocracia partidária tem plena autonomia para tomar qualquer decisão; é o centralismo democrático; 3) há a posse não-capitalista dos meios de produção; 4) a economia é de comando, definida pelo estado, não pelo mercado; 5) há a convicção de que o comunismo está em plena construção e ruma para a perfeição; 6) os comunistas articulam-se em um movimento internacional.
(…)

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Pre-historia da globalizacao: arqueologia do socialismo

A maioria dos estudantes universitários da atualidade (como é óbvio), nasceu depois que o socialismo fez tilt e morreu. Ele implodiu, mais propriamente, ou se desfez como um castelo de cartas, depois que a realidade passou por ali e deu um leve sopro: ele estava preparado para morrer, só faltava um empurrão.
Esse empurrão foi dado pelas massas, não pelos dirigentes, mesmo se Gorbatchev tenha dado uma ajudinha, tentando reformar um sistema apodrecido desde suas fundações.
Como já tinha dito um século e meio antes Alexis de Tocqueville, o mais perigoso para sistemas esclerosados é quando eles tentam se reformar; aí a coisa degringola e tudo vem abaixo.
O texto abaixo, do jornalista Janer Cristaldo, é de 1988, quando ninguém esperava, ou pelo menos a maioria não esperava, que o socialismo fosse desaparecer com tal rapidez.
Nem mesmo Fukuyama, no seu festejado e depois condenado "The End of Hustory?" (atenção ao ponto de interrogação), esperava que a União Soviética viesse abaixo.

Em face do que ocorreu, lastimável para os partidos comunistas e excelente para todos os povos, seria preciso preservar o que resta. Quero dizer que os regimes socialistas que ainda restam, os que sobraram (na verdade apenas dois, Cuba e Coreia do Norte), precisam ser salvos, preservados, mantidos, se preciso embalsamados, colocados no formol, transformados em museus, enfim qualquer forma de preservação do que eles são e do que eles representam.
Por que digo isto?
Porque simplesmente se eles desaparecem, os jovens de hoje, e os de amanhã, jamais saberão como eram os socialismos reais, os sistemas stalinistas, a escravidão do homem pelo homem, os regimes miseráveis (materialmente e moralmente), que foram criados no mundo a partir de 1917 e depois se espalharam dentre 1945 e 1991 pelos quatro cantos da terra.
Eu proponho, por exemplo, que esses socialismos que sobraram sejam inscritos no anexo do CITES, a convenção que protege as espécies ameaçadas de extinção.
A UNESCO bem que poderia inscreve-los no patrimônio cultural da Humanidade, para que eles possam sobreviver, em boas condições, quero dizer, para que os mais jovens possam conhecer como eram os socialismos reais.
Será um pouco como essas tribos primitivas, visitadas regularmente pelos antropólogos, ou essas aldeias históricas, onde personagens vestidos a caráter fazem o seu revival, ou seja, o reenactment do socialismo nos seus bons tempos.
Enfim, essa longa introdução para deixar vocês com um texto saboroso, sobre o velho e bom socialismo dos tempos clássicos.
Paulo Roberto de Almeida

FAVOR NÃO BRANDIR MARTÍ
Janer Cristaldo
A Notícia (Joinville, SC), 11.12.1988

Florianópolis — Fui convidado, certa vez, a um debate em torno ao socialismo, do qual participavam vários intelectuais marxistas. Por socialismo, no caso, entenda-se socialismo soviético, é melhor deixar claro isto desde o início, particularmente nestes dias em que todo mundo fala de socialismo sem especificar a qual se refere, se ao socialismo do Leste europeu, da Iugoslávia ou da Albânia, ou das social-democracias européias, regimes estes fundamentalmente capitalistas mas de economia muito mais socializada do que a das ditas “democracias populares”, pleonasmo só concebível em intelectuais sem noções mínimas de grego. Enfim, etimologia à parte, meus colegas de mesa abriram o debate louvando a eficácia, o humanismo e o caráter revolucionário das teorias marxistas.

De Marx, pouco ou nada entendo, e vou dizer porque não entendo. No dia em que me dispus a enfrentar O Capital, percebi que necessitaria de bases anteriores de matemática, estatística, economia, história da Europa e particularmente da Inglaterra no período da Revolução Industrial. Em suma, para poder entender o economista Marx (até hoje não sei porque o consideram filósofo) eu necessitava de alguns anos de formação que não me dispunha a desperdiçar para tão-somente entender um livro. Leigo em matéria de teorias, modestamente me restringi a contar o que vi em minhas andanças por países socialistas, favor não confundir com as social-democracias.

Estive em Berlim Oriental, na Romênia e na Bulgária. Estive ainda na Iugoslávia, regime socialista peculiar, o único onde os nacionais podem sair do país sem maiores problemas e onde, em certas repúblicas, há uma economia dinâmica. Pequenos fatos do cotidiano nos oferecem robustos elementos de comparação.

Por exemplo: é meio-dia e você quer almoçar. Sem ir muito longe, até em Florianópolis o turista encontra um restaurante onde, com mais ou menos sorte, há boa oferta de pratos. Pois estive um dia em uma das capitais mais ricas do mundo socialista e localizar um restaurante foi uma epopéia que me exigiu mais de hora. Mesmo com amigas que falavam fluentemente o alemão, não foi tarefa fácil encontrar um, escondido no segundo andar de um monstruoso bloco de concreto, sem placa alguma que o anunciasse.

Enregelado, minha carcaça submetida a sei lá quantos graus abaixo de zero, esperei mais de hora em uma fila de resignados cidadãos. Tomasse o metrô e voltasse a Berlim Ocidental, quatro mil casas de restauração me atenderiam em um segundo, com carinho e calefação. Enfim, cheguei finalmente à porta, quando Sua Eminência, o Garçom, com um gesto ríspido me ordenou entrar. Penetrei em um galpão imenso, onde mesas imensas, situadas a enormes distâncias umas das outras, esperavam humildemente ser atendidas. Um cardápio me oferecia uma vintena de pratos, mas pelo menos na hora de escolher o garçom foi gentil: melhor nem tentar, só tem o prato do dia. Eu estava em um restaurante de luxo, em Berlim Oriental.

Transportei-me então — em meio ao debate — para Mangália, cidade balneária romena, às margens do Mar Negro. Era verão e a moça que me acompanhava, julgando muito caros os maiôs de Paris, decidiu deixar para comprar um honesto maiô socialista. Não sei, não — objetei — tens certeza de encontrar maiô por lá? Respondeu-me com um gesto indignado, quase ofensivo. Resumindo: após revirar Mangália inteira — cidade balneária e dirigida ao turismo europeu, insisto — em pleno verão, ela teve a ventura de encontrar dois maiôs: um era verde e outro azul. Quanto às dimensões, que se lixasse. Mas isto é o de menos.

Estávamos em um hotel de primeira classe e já na primeira noite o garçom perguntou-me que desejávamos para o almoço do dia seguinte e estendeu-nos uma tira suja de papel mimeografado onde devíamos optar entre porco ou frango. Não que fôssemos muçulmanos, mas preferimos frango. Café ou chá? Café. Dia seguinte, deu porco com chá da China. “Desculpe, mas frango e café estão em falta”. Hóspede de um hotel de primeira classe, pago em moeda forte, imaginei então o que seria a vida de um romeno, detentor de magros leu, a moeda local. Nem foi preciso imaginar: supermercados vazios, clientes disputando a tapas um pedaço de carne e isso que o pedaço era disputado por aqueles que tinham poder aquisitivo suficiente para comprá-la.

O verão fazia jus ao nome. Céu de brigadeiro, na praia os turistas eram brindados com alegres canhoneios de barcos de guerra ao largo. Minha companheira, ostentando seu magnífico maiô verde — e magnífico aqui é superlativo de grande mesmo, que outro número não tinha — desceu comigo à praia, justo no momento em que dois garçons começavam a abrir um bar. Uma hora de sol e pensamos em uma cerveja. Fui lá buscar.

Ah, cerveja não tem. Enfim, água mineral? Muito menos. Tentei outras hipóteses. Existe na Romênia uma cachaça feita á base de ameixa, o haidouc, aguardente típico do país. Também não tem.

Estávamos sob domínio soviético, pensei, quem sabe um vodca. Nem pensar. Parti então para a utopia: serve então um uísque, pode ser? Nem em sonhos. Por curiosidade, já que nem no deserto me ocorreria tal idéia, pedi uma Coca, Pepsi, ou um refrigerante qualquer. Negativo. Não há nada para beber, então? Nada. E para comer, o que é que tem? Nada.

Nada não entendia eu. Era aquilo um bar? Era, disse o garçom. Estava aberto? Claro que estava, o senhor não está vendo? Eu estava vendo. Mas não há nada para comer ou beber? Não. E por que não há? Porque o distribuidor não trouxe, ora bolas!

Contava eu estas histórias — e contei muitas outras, por exemplo, a dos turistas internos tirando fotos junto a maquetes de veleiros, porque veleiro, que é bom, nem pra remédio, pois bom velejador em dois dias chega às costas da Turquia, sem falar nos vigias de praia, assessorados por cães e metralhadoras de baioneta calada, assestadas contra o primeiro nacional que ousasse abordar um turista em busca de dólares, sem falar na moça da portaria com cara de sargento, que quando reclamei da falta de papel higiênico me perguntou: “quantos dias o senhor vai ficar aqui?”. Neste hotel, dois dias. Olhou-me então de alto a baixo, avaliou meu metabolismo, rasgou uns dois metros de um rolo e passou-me as tiras — enfim, contava eu essas coisas e muitas outras contaria se mais tempo tivesse, quando o organizador do debate interrompeu-me:

— Não é para isso que te convidamos. Estamos discutindo o socialismo em teoria.

Desculpei-me. De teoria eu nada entendia, só conhecia os dados da realidade. As teorias são brilhantes. Na prática, a teoria é outra.

Estas considerações surgem à propósito do artigo de Gilson Pereira, “O coro dos contentes”, publicado domingo passado, onde o autor contesta algumas observações minhas após uma visita a Santiago do Chile. Diz Gilson jamais ter ido a Santiago — o que já não o autoriza muito a falar de Santiago — e acresce ser um daqueles 80 por cento de brasileiros que provavelmente jamais cruzará a fronteira, por absoluta falta de condições. Cantiga para ninar pardais, como dizem os lusos. O articulista demonstra excelente domínio do vernáculo, e mesmo da lógica — a ponto de sofismar à vontade — e hoje, qualquer pessoa que tenha chegado a este quociente mínimo intelectual é homem que, ou viajou, ou não viajou porque não quis. Diz não ser economista, mas brande a teoria da escola monetarista de Chicago. E assim explica o atual período de prosperidade vivido no Chile. Cito literalmente: “repressão ao movimento de massas, arrocho salarial e grandes investimentos estruturais”.

Confesso que nada sei da escola de Chicago. Mas de Stalin entendo um pouco. Sua política foi exatamente essa e mais, continua sendo. Mesmo sob o signo da glasnost e perestroika gorbachovianas, as massas continuam sendo reprimidas (vide os armênios do Azerbaijão e, certamente dentro em breve, os estonianos) e liberdade sindical, que dizem os petistas ser bom, digno e justo e justo, nem sombra dela nas repúblicas soviéticas. Esta política começou com a repressão e morticínio dos kulaks sob Stalin e tem sua seqüência com Lech Walesa. Os grandes investimentos estruturais na América do Sul, pelo menos, ainda não se traduzem em armamento nuclear e militarização do espaço. Em suma, como lemos no Eclesiastes, nada de novo sob o sol.

Com uma diferença: nos países soviéticos esta política não deu certo e hoje a URSS é uma “confederação” que permanece um século atrás da era moderna, onde instrumentos banais do nosso cotidiano, como o xerox e o telefone, são inacessíveis ao cidadão comum. Estou apenas seguindo a argumentação de meu interlocutor, pois não sendo especialista em questões econômicas — e muito menos chilenas — não tenho a mínima idéia a que se deve a atual prosperidade do Chile. É curioso, no entanto, que alguém que jamais atravessou a Cordilheira, tenha uma resposta certinha para explicar uma realidade que jamais viu. O que mais fascina os jovens no marxismo, a meu ver, é esta possibilidade de entender o mundo através de fórmulas figées. Acontece que o universo é por demais complexo para ser captado a partir de doze lições.

Gilson Pereira tem também uma resposta na ponta da língua para explicar a pluralidade de informações que encontrei em Santiago, seja em livrarias como em quiosques de jornais: “para mim está meridianamente claro que o Chile colhe hoje o que plantou no passado”. O que não passa de uma colossal lapalissade, afinal, todo presente, seja qual for, é conseqüência imediata de um passado.

Acontece que o passado do articulista é imediatíssimo, é o de ontem: “Seriam necessários pelo menos mais duzentos anos de ditadura para apagar do Chile as marcas da experiência socialista do governo Allende”. A assertiva carrega em seu bojo a fé de um crente. Mais cauteloso, não me parece que alguns anos de governo possam criar leitores que consomem jornais russos, poloneses, suecos, franceses, ingleses, italianos, americanos e vou ficando por aqui, já que não me preocupei em listar tudo que vi nas bancas.

Que mais não seja, que fatores teriam levado Eça de Queiroz a escrever, em 1890: “Haverá talvez Chiles ricos e haverá certamente, Nicaráguas grotescos”? Todo presente decorre fatalmente de um passado, mas o passado de Gilson é por demais curto e tendencioso. Passado é um conceito elástico, espichado por cada um conforme suas próprias conveniências. Na Espanha, eu me divertia às custas dos madrilenhos quando tentavam provar-me, por exemplo, que Sêneca era um pensador espanhol.

Allende se professava marxista. Desafio meu interlocutor a citar um regime, um só regime marxista, onde haja pluralidade de expressão e informação, onde livrarias e quiosques estejam repletos das mais diversas formas de pensamento.

É ocioso contar mortos, afirma Gilson. Eu diria que não. Até mesmo por uma questão de ofício, jornalistas, estamos sempre contando mortos. O que me desagrada é a diagramação da contagem. Em julho de 83, eu estava na Itália quando começaram uma série de manifestações em Santiago. DOIS MORTOS NO CHILE — titulava um jornal italiano. CINCO MORTOS NO CHILE — dizia outro na manhã seguinte. Passei à França: DEZ MORTOS NO CHILE. (Estes números eu os cito de memória, talvez não sejam exatamente estes, mas a progressão era esta).

Já na Espanha — e sempre em garrafais nas primeiras páginas dos jornais — Pinochet havia matado uma dúzia ou mais. Que a imprensa denuncie tais fatos é salutar. Foi aí que apanhei um Le Monde, talvez um Le Matin, em Madri. Posso não lembrar muito bem o jornal. Lembro apenas que, na última página, uma notinha telegráfica, sem destaque algum, noticiava: russos matam 250 no Afeganistão. Gilson cita Engels: a violência é a parteira da história. Pode ser que tenha sido, meu caro. Mas já está na hora de fugirmos a esse fatalismo tão grato a velhotes gagás como Antônio Callado, que quando babam na gravata, babam ódio e sangue. Não penso ser ocioso contar mortos. Infelizmente, temos de contá-los.

Ao reivindicar como seu modelo intelectual o cubano José Martí, o articulista faz-me lembrar meus alunos de Letras que, ao ver na televisão Quanto mais Quente Melhor ou O Anjo Azul sonhavam, idílicos: “já pensou? Eu tomando um trago com a Marylin na Florida, convidando a Dietrich para uma esticada noturna em Paris?” Nesta nossa era televisiva, passado, presente e até mesmo o futuro parecem ter sido mesclados em um tempo só. Como as imagens são oferecidas simultaneamente no vídeo, os jovens gostariam talvez de achar o número de telefone da Monroe ou quem sabe contemplar as pernas célebres da Dietrich, que hoje tem pelo menos o pudor de escondê-las em seu refúgio parisiense.

Pior mesmo, só quando essa mixagem de tempos — recurso inerente ao cinema — é transporta para a história ou literatura e é isto que faz Gilson, quando insere Martí na Cuba contemporânea. Que sempre lutou pela independência de Cuba e dos países latino-americanos, isto todos sabemos, e talvez muito poetinha de esquerda que adora falar em Nuestra America ignore ter sido Martí quem cunhou tal expressão. Gilson tem em mãos o epistolário. Boa leitura. Mas conheceria melhor o poeta se tivesse suas obras completas.

Constataria, por exemplo, nos Discursos, a fé de Martí no futuro de Cuba e na capacidade de os cubanos governarem-se livremente, a fé de Martí no continente que ele considerava ser o da esperança humana. Seria também interessante ler El Presídio en Cuba, de 1871, fruto de sua condenação ao regime de trabalhos forçados. O livrinho tem mais de um século, mas sua publicação seria atualíssima na Cuba de Castro, afinal presídios, sejam os de ontem, sejam os de hoje, em pouco ou nada diferem.

Martí contesta efetivamente a hegemonia ianque. Mas contestou-a estabelecido em Nova York, onde foi cônsul, sucessivamente, do Uruguai, Paraguai e Argentina. Constituiria um interessante exercício intelectual imaginá-lo hoje em Cuba, contestando a ditadura de Castro.

Por outro lado, se contestava a hegemonia econômica e política dos Estados Unidos, era homem fascinado pela cultura de seus irmãos do Norte, a ponto de estudar, em Norte-americanos, as obras de Emerson, Beacher, Cooper, Wendell Philips, Grant, Sheridan, Whitman e fico por aqui.

Yo quiero cuando me muera
sin patria, pero sin amo
tener en mi losa un ramo
de flores y una bandera.

Martí, pensador libertário, morreu em 1895. Que seu cadáver — por favor! — não seja brandido em defesa de tiranetes dos trópicos.

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O texto acima faz parte da antologia editada sob forma de e-book:
Crônicas da Guerra Fria
Crônicas da Guerra Fria (1889-1991)
Janer Cristaldo (1947— )
Edição: eBooksBrasil.com
Fonte digital: Documento do Autor

Copyright
©2000-2006 Janer Cristaldo
cristal@altavista.net

SOBRE O AUTOR
Janer Cristaldo nasceu em 1947, em Santana do Livramento, RS. Cursou o secundário em Dom Pedrito e Santa Maria, onde formou-se em Direito. Em Porto Alegre, em Filosofia. Iniciou-se em jornalismo no extinto Diário de Notícias, Porto Alegre. Escreveu no Correio do Povo e Folha da Manhã. Nos anos 71 e 72, exilou-se voluntariamente em Estocolmo, onde estudou cinema e língua e literatura suecas.
De volta ao Brasil, publicou suas primeiras traduções: Kalocaína, de Karin Boye (do sueco), e Crônicas de Bustos Domecq, de Jorge Luís Borges e Adolfo Bioy Casares (do espanhol). Em 1973, publicou O Paraíso Sexual Democrata, que teve quatro edições no Brasil e uma em espanhol, em Buenos Aires, proibida na Argentina. Em 1975, passa a assinar coluna diária para a Folha da Manhã, Porto Alegre. Em 77, recebe bolsa do governo francês para um doutorado em Letras Francesas e Comparadas. De Paris, mantém correspondência diária para a Folha da Manhã. Em 1981, doutorou-se pela Université de la Sorbonne Nouvelle (Paris III), com a tese La Révolte chez Ernesto Sábato et Albert Camus, traduzida ao brasileiro sob o título de Mensageiros das Fúrias. Participou de diversos colóquios na França e Alemanha, como também de festivais cinematográficos em Berlim, Cannes e Cartago, na condição de jornalista. Ainda em Paris, iniciou a tradução da obra ficcional e ensaística de Ernesto Sábato, a pedido do próprio autor.
No Brasil, foi professor visitante de Literatura Brasileira e Comparada, na Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, de 1982 a 1986. Neste período, traduziu vários outros romances, introduzindo no universo literário brasileiro autores como Roberto Arlt, Camilo José Cela, José Donoso, Michel Déon e Michel Tournier. Em 86, publica seu primeiro romance, Ponche Verde, que tem como fulcro a peregrinação dos exilados brasileiros por Estocolmo, Berlim, Paris e Lisboa.
Em 87, recebe bolsa do governo espanhol para um curso de Língua e Literatura Espanholas. Residiu seis meses em Madri. De 91 a 93, foi redator de Política Internacional da Folha de São Paulo e do Estado de São Paulo.
Crônicas da Guerra Fria é uma compilação de artigos publicados em sua maior parte entre 1989, ano da queda do Muro de Berlim, e 1991, ano da dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

O Partido Comunista Frances: 90 anos e desaparecendo...

Uma história que se aproxima do fim, sem glória e sem honra...
Paulo Roberto de Almeida

Le Parti communiste, nonagénaire sans avenir
Editorial - Le Monde, 27.12.2010

Dans la nuit du 29 au 30 décembre 1920 naissait le Parti communiste français. Au terme de débats fiévreux, le vote décisif du congrès de Tours était sans appel : 3 208 délégués approuvaient l'adhésion à l'Internationale communiste, créée par Lénine, à Moscou, un an auparavant ; 1 022 délégués seulement préféraient, avec Léon Blum, garder la "vieille maison" socialiste.

S'il mérite le respect dû aux nonagénaires, il faut bien dire que le PCF a connu des anniversaires plus glorieux. Et pour cause. Après avoir dominé la gauche française pendant près d'un demi-siècle, entre les années 1930 et 1970, après avoir constitué un pôle majeur de la vie politique nationale, le PCF décline inexorablement depuis. Comme le notait sans fard L'Humanité, en annonçant les deux journées discrètes de commémoration organisées les 11 et 12 décembre, "le Parti communiste français ne prétend plus depuis longtemps incarner une avant-garde autoproclamée du mouvement ouvrier".

Le contraire serait surprenant. Premier parti de France au lendemain de la guerre (28,6 % des voix aux élections de novembre 1946), encore soutenu par un électeur sur cinq jusque dans les années 1970, le PCF n'a connu, depuis, qu'une longue dégringolade électorale. Il a touché le fond lors de l'élection présidentielle de 2007 : Marie-George Buffet, alors secrétaire générale, n'a recueilli que 700 000 voix, soit 1,9 % des suffrages, loin derrière le candidat trotskiste, Olivier Besancenot.

En trente ans, le parti a également perdu les trois quarts de ses adhérents (officiellement 100 000 cartes, dont 60 000 à jour de cotisation) et la plupart de ses parlementaires (17 députés élus en 2007).

Incapable de prendre la mesure des transformations profondes de la société française, le PCF est également en panne de base sociale et il a perdu l'essentiel des relais qui ont longtemps fait sa force. Le "parti de la classe ouvrière" ne l'est plus : 4 % seulement des ouvriers ont soutenu Mme Buffet en 2007. La CGT, ancienne "courroie de transmission" syndicale, a pris ses distances depuis dix ans. Quant aux villes et aux "banlieues rouges" du communisme municipal, elles ne sont guère qu'une survivance : le Parti communiste ne dirige plus que 28 villes de plus de 30 000 habitants (contre 72 il y a trente ans).

Enfin, privé de modèle de référence depuis la disparition de l'Union soviétique au début des années 1990, le PCF est, à l'évidence, en panne de stratégie. Ses hésitations à l'approche de l'élection présidentielle de 2012 en témoignent : ou bien il se contente d'être une force d'appoint du Parti socialiste, en espérant sauver ainsi ses derniers bastions ; ou bien il accepte l'OPA que Jean-Luc Mélenchon entend faire sur ses dernières troupes, ce qui revient à remettre son sort entre les mains d'un tribun venu du PS.

Dans les deux hypothèses, on voit mal le PCF capable de "relever le défi d'un nouveau siècle d'émancipation", comme l'y invitait récemment son nouveau secrétaire général, Pierre Laurent. Sombre alternative. Pour ne pas dire impasse totale.

Article paru dans l'édition du 28.12.10

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Cuba e o comunismo: a quadratura do circulo (e a total falta de logica)

Primeiro, a transcrição do que disse um dinossauro que não sabe que ele já está extinto.
Depois comento a falta de lógica.
Paulo Roberto de Almeida

Raul Castro defende abertura, não capitalismo, em Cuba

Em discurso na Assembleia, líder cubano diz que 'geração histórica' precisa corrigir 'erros dos últimos 50 anos'.

BBC Brasil, 19 de dezembro de 2010 | 14h 12

Castro: 'Não me elegeram presidente para restaurar o capitalismo'
O presidente de Cuba, Raúl Castro, defendeu mudanças no regime cubano, sem abrir mão do socialismo.
Em um discurso de duas horas encerrando os trabalhos da Assembleia Nacional, no sábado, Raul Castro disse que não foi eleito para "restaurar o capitalismo em Cuba", mas reconheceu que foi um erro "estatizar quase toda a atividade econômica do país".
"Temos o dever fundamental corrigir os erros que cometemos nessas cinco décadas de construção do socialismo em Cuba", afirmou o líder cubano.
Castro lembrou que tanto Karl Marx quanto Vladimir Lênin, ideólogos do comunismo, definiram que o Estado só deveria "manter a propriedade sobre os meios fundamentais de produção".
Entretanto, o presidente cubano estabeleceu o limite das mudanças. "O planejamento, e não o mercado, será o traço definitivo da economia e não se permitirá a concentração da propriedade. Mais claro que isso, nem água".
Mudanças
Em seu discurso, Castro delineou a estratégia política que seu governo continuará no ano que vem, tanto no plano econômico quanto no social e político.
Segundo o presidente, as mudanças estruturais continuarão: créditos e subsídios serão eliminados, as funções do partido e do governo serão separadas, o emprego autônomo será promovido e o governo colocará um ponto final em restrições "desnecessárias".
Entre os anúncios mais importantes feitos por Raul Castro está o de que ele pretende separar as estruturas do governo e do Partido Comunista - que atualmente se confundem em todos os níveis, dos municípios para à Presidência da República.
"O partido deve dirigir e controlar, e não interferir nas atividades de governo, em qualquer nível", disse Raúl Castro.
Presidente disse que quer separa o partido e o governo
O tema será discutido na Conferência Nacional do Partido Comunista, em meados do próximo ano, o último do qual participará o que ele chamou de "geração histórica".
Descentralização
Castro assegurou que promoverá uma descentralização do poder de Havana, "aumentando gradualmente a autoridade dos governos provinciais e municipais, dando-lhes maiores poderes para administrar seus orçamentos."
Hoje, a dependência dos governos municipais em relação a Havana é tal que os seus representantes não têm sequer autoridade para comprar ou receber um carro doado, ou para abrir uma conta bancária em Cuba.
Para o presidente cubano, estes governos devem assumir o controle real de suas regiões, cobrar impostos de empresas localizadas em sua jurisdição e até mesmo investir em projetos de desenvolvimento regional.
Para implementar algumas das novas políticas econômicas, Cuba teria de mudar a Constituição. Castro informou que as leis serão adaptadas para permitir as mudanças.
Sobre as relações com Washington, Raul Castro disse não ver sinais de distensão, porque nos EUA "não existe a menor vontade de corrigir a política contra Cuba, mesmo para eliminar os seus aspectos mais irracionais".
* Com reportagem de Fernando Ravsberg, da BBC Mundo em Havana. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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Comento:
Como é possível restaurar a economia da ilha miserável sem abandonar o socialismo, que é, justamente, o responsável pela situação deplorável ali vivida?
Mas a falta de lógica continua, de modo alucinante:
Raul Castro "reconheceu que foi um erro "estatizar quase toda a atividade econômica do país". "Temos o dever fundamental corrigir os erros que cometemos nessas cinco décadas de construção do socialismo em Cuba", afirmou o líder cubano."
Se eles querem corrigir os erros cometidos DURANTE 50 ANOS, como, então, afirmar que "O planejamento, e não o mercado, será o traço definitivo da economia..."
Ou seja, ele pretende que algo mude, mas não quer mudar nada???!!!

Mas, a maior dislexia mental, a total falta de lógica aparece nesta frase de Raúl Castro"
"O partido deve dirigir e controlar, e não interferir nas atividades de governo, em qualquer nível".
Ou seja, o partido deve dirigir e controlar, mas não vai interferir???!!!
Alguém entendeu?
Prêmio IgNóbil de falta de lógica.
Falta algum remédio no menu do gerontocrata...

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Cuba comunista: Brasil pronto a ajudar, diz Celso Amorim

A nota abaixo figura num newsletter da liderança do PT na Câmara dos Deputados (21.09.2010). Transcrevo a tal qual.
Apenas achei curioso que se maifesta, expressamente, a vontade de cooperar com o "desenvolvimento econômico da ilha comunista" (sic, como se escreve, neste caso, três vezes). Curiosa essa cooperação.
Seria para manter a economia da ilha no sistema comunista?
Seria para manter uma das últimas ditaduras totalitárias do mundo?
Isso não tem nada a ver com política externa, pois se trata apenas de "desenvolvimento econômico", ao que parece, embora também pertença ao domínio dos atos de política externa, pois um país pratica diplomacia ao oferecer cooperação a outros.
Sempre existe a escolha de fazer ou não fazer. Geralmente os Estados cooperam com outros Estados que costumam partilhar interesses, valores, princípios, objetivos prioritários.
Não sei existe tal coisa entre o Brasil e a tal de "ilha comunista", como voluntariamente descrita pelos petistas.
Creio que é uma questão de escolha. Alguns diriam até que é uma questão de caráter...
Paulo Roberto de Almeida

Brasil está pronto para ajudar Cuba, diz Celso Amorim

O chanceler brasileiro, Celso Amorim, afirmou ontem que o Brasil está pronto para ajudar Cuba a desenvolver pequenos e médios negócios a fim de contribuir com o desenvolvimento econômico da ilha comunista. A cooperação na área de negócios foi um dos temas discutidos por Amorim com o presidente cubano, Raúl Castro, em Havana, no sábado (18).

Amorim disse que o Brasil tem uma vasta experiência na promoção do empreendedorismo para desenvolver a economia formal. Cuba, acrescentou, precisará desse conhecimento para ajudar seu setor privado a absorver 500 mil funcionários públicos que o governo estuda demitir até março, como parte de uma estratégia para tornar sua economia mais eficiente.

A iniciativa do chanceler brasileiro foi elogiada pelo deputado Nilson Mourão (PT-AC). “É uma manifestação politicamente correta e solidária do Brasil para com Cuba. No momento em que economia cubana vive momentos difíceis, o Brasil pode e deve colaborar com suas experiências para que Cuba enfrente suas dificuldades econômicas”, disse.

Mais de 5 milhões de pessoas, ou 85% da força de trabalho cubana, trabalham para o governo, muitos dos quais em funções improdutivas. A transferência de meio milhão de trabalhadores para o setor privado é vista como a mais importante decisão política de Cuba desde que Raúl assumiu as tarefas diárias de seu irmão enfermo Fidel, em 2006, tornando-se oficialmente presidente em 2008.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

1339) A vida sob o comunismo (como devia ser insuportável...)


Estou lendo este livro:

The Rise and Fall of Communism
by Archie Brown
London: Bodley Head, 2009, 736pp, £25

Mais abaixo uma das muitas resenhas publicadas na imprensa inglesa. Li a introdução e o capítulo sobre o começo do comunismo (o que eu já conhecia).
Agora que o comunismo acabou, em larga medida, os jovens de hoje não tem uma ideia clara sobre o que representou o comunismo -- e o socialismo de maneira geral -- para as gerações precedentes. Mas ele sobrevive apenas em dois pequenos Estados: Cuba (irracionalmente apoiada por "inteliquituais" brasileiros) e Coréia do Norte. O caso da China é diferente: se trata de um país capitalista com um Estado comunista (deu para entender?; eu posso desenhar, ou explicar melhor...).

Estou lendo agora o capítulo 28, "Why Did Communism Last So long?".
Claro, no caso dos países da Europa central e oriental, foi por causa da ocupação soviética, do contrário as sociedades teriam rejeitado o sistema. Bem que tentaram, na DDR, em 1953, na Hungria, em 1956, na Tchecoslováquia, em 1968, mas os tanques soviéticos estavam ali para garantir a sobrevivência de regimes altamente impopulares.
No caso da própria URSS, foi pela eficiência repressora dos mecanismos de controle social do sistema, baseados no terror, nos tempos de Lênin e Stalin, e nos constrangimentos policialescos, na censura extensiva, e no uso da "repressão econômica", ou seja, deixar o dissidente sem trabalho e sem remuneração, o que simplesmente tornaria a sua vida impossível.

Refletindo sobre esse aspecto, isso também ocorre em certos países capitalistas, digamos assim. Por exemplo: deixar um funcionáario do Estado -- e no comunismo TODOS eram funcionários do Estado -- sem função específica e sem remuneração adequada durante muito tempo. Como sob o comunismo, isso atua como um forte desincentivo à contestação e à dissidência individual. Não sei se funciona sempre, mas deve funcionar para a maioria. No meu caso, não funcionou... (de que é exemplo este blog).
Acredito que quem pratica esse tipo de repressão econômica tem uma alma de ditador soviético. Aliás, tem muita gente por aí com alma de ditador soviético...
Paulo Roberto de Almeida (13.02.2010)
PS: leiam a introdução, as primeiras páginas, nesta versão eletrônica para Kindle, no site da Amazon, neste link.

The Rise and Fall of Communism by Archie Brown: review
Simon Heffer praises a book by Archie Brown that strips away the romance of communism
By Simon Heffer
Daily Telegraph, 30 May 2009

As an academic historian, Archie Brown has become possibly Britain’s leading expert on communism. Of an age to have travelled widely behind the Iron Curtain when the Cold War was still raging, he brings to his study of the subject not merely decades of immersion in archives and books, but also first-hand observation and experience. All these qualities inform this superb book, which in just over 700 pages gives not only the history of communism, but also the background to it and the reasons for its decline.

Although the doctrine still prevails in one enormously significant country – China – and in four smaller ones (North Korea, which is becoming a bigger problem by the day, Vietnam, Laos and Cuba), Brown’s work is largely in the nature of a retrospective. He traces the philosophical beginnings of the creed through to its implementation in what became the Soviet Union after the 1917 revolution: and it is the Soviet Union that is the bedrock of his book from then on. It is not simply, of course, that the USSR was first: it was that it had the manpower, the resources, the firepower and (until Gorbachev) the ruthlessness to impose its will and its system on its satraps and imitators.

The key figure in this was Stalin, whose doctrines (if not his methods of enforcing them) prevailed right up until the mid Eighties. During the Terror Stalin created a rule that was truly totalitarian, and which Brown distinguishes to an extent from communism. He is correct to do so, though he is equally correct to point out that communism, because of its anti-freedom ideology, can only be imposed with varying degrees of coercion. He says communist regimes imposed as a result of indigenous revolution turn out to be more durable than those enforced from outside. The history of what used to be called the Soviet bloc bears that out exactly.

Brown’s relatively concise but also precise exposition of Stalin’s regime is a masterpiece, laced with flashes of dark humour but never understating the sheer monstrousness of a man who goes down in history as a mass murderer on a scale that puts even Hitler in the shade. The brutality that he inflicted on those whom he conquered – such as the unfortunate Latvians, Lithuanians and Estonians – becomes more comprehensible when one reads of the arbitrary viciousness he used on people who were supposed to be his adherents, supporters and colleagues.

Although Nikita Khrushchev famously denounced Stalin and his crimes at the 1956 party congress, three years after the tyrant’s death, the ethos did not crack. The Hungarian uprising later that year was put down with typical brutality, for the Soviets then knew no other way. At home, dissidents were no longer shot in the back of the head for having a difference of opinion, and the Gulag became considerably less populated: but Khrushchev himself was happy, in defence of Russian hegemony, to push the world to the brink of war during the Cuban missile crisis in 1962.

When Leonid Brezhnev succeeded him in 1964 the tone became even more Stalinist: Brezhnev was conscious of having to protect what was effectively Stalin’s inheritance, and did not hesitate to do so. It may have been a time of stability for the USSR, but it also remained one of repression. Just as in Hungary 12 years earlier, Soviet troops put down an attempt by Czechoslovakia to reform after the Prague Spring. As late as 1981, a tame Polish leader, General Wojciech Jaruzelski, was prevailed on to squash dissidence in that country, contingent on the rise of the Solidarity movement. Communism could not be allowed to be diluted in the Soviet bloc, for it would challenge the Marxist-Leninist doctrines that underpinned the Soviet Union: so the old Stalinist methods of compliance by coercion were brought back whenever necessary.

Brown has crammed an amazing amount of information and analysis into a hugely readable book. He gives the most comprehensible breakdown of how Chinese communism developed, and how the apparent capitalist society the country now has is still, in fact, communist. But his greatest achievement is to strip away, without any partisanship, what some have held to be the romance of communism. He details how corrupt the regime was in Cuba before Castro overthrew it, and he talks of the wonders done in Cuba in the field of health care, in particular. But he equally leaves us in no doubt that Cuba remains a repressive and impoverished place thanks to communism. There are constant reminders of the basic liberties denied to those in communist countries in order to maintain the doctrine; and reminders too of how painfully aware so many of those people were of the freedoms and luxuries of the West.

If this book has any deficiency it is that I should have liked to read more about the systems of repression in places like the Baltic states, where museums exist to catalogue Soviet barbarism against the Baltic peoples. It is most amazing of all that this was so widespread just 20 years ago. Brown’s book is, above all, a monument to the triumph of liberty.

sábado, 7 de novembro de 2009

1481) Declaração de Praga condena o comunismo por crimes contra a humanidade

Normalmente não assino manifestos. Aliás, não me lembro de jamais ter assinado algum. Seja porque não sou dado a aderir a "causas", quaisquer que elas possam ser (mesmo as mais beneméritas), seja porque nunca me ofereceram diretamente de assinar algum manifesto em favor de alguma causa qualquer. Sim, já recebi muitos, mas não sou, como disse, de assinar manifestos.
O que segue abaixo é um manifesto contra o comunismo, especificamente em sua forma européia, mas que pretende alcançar todas as suas formas (aliás, atualmente existentes fora do continente europeu).
De fato, os experimentos comunistas, desde 1917, são responsáveis por um número inacreditavelmente alto de mortos: fuzilados, massacrados, mortos em prisões, em gulags, assassinados por oposição política, sem esquecer os mortos de fome "fabricada" ou induzida por políticas esquizofrências, posto que também as houve, algumas deliberadas, em todos eles.
Também existiu (ainda existe em seus exemplares remanescentes) a miséria moral, a repressão aos direitos elementares, a censura, o totalitarismo, enfim, todo o cortejo de males bem conhecido de todos aqueles que podem e querem ver a realidade.
Claro, sempre existem aqueles que negam, minimizam ou que pretendem responder com alegações relativas aos "mortos sob o capitalismo" Patético, é o que se pode dizer...
Bem, o manifesto ou declaração abaixo está à disposição de todos aqueles que pretendem juntar-se a essa causa.
Eu não pretendo fazê-lo, pelas razões já expostdas, e por algumas outras sobre as quais elaborarei oportunamente.
Cabe leitura, reflexão, pesquisas adicionais, conscientização, apenas isto...
Paulo Roberto de Almeida


DECLARAÇÃO DE PRAGA

Tendo em conta o futuro digno e democrata de nossa comum pátria européia,

- Considerando que as sociedades que esquecem seu passado carecem de futuro;

- Considerando que a Europa não se unirá a menos que seja capaz de unificar sua história, de reconhecer o comunismo e o nacional-socialismo como um legado comum e de conseguir um debate sincero e profundo sobre todos os crimes totalitários do século passado;

- Considerando que a ideologia comunista é diretamente responsável por crimes contra a humanidade;

- Considerando que a má consciência que se deriva do passado comunista é uma pesada carga para o futuro da Europa e para nossos filhos;

- Considerando que diferentes valorações do passado comunista ainda podem dividir a Europa em Ocidente e Oriente;

- Considerando que a unidade européia foi uma resposta direta às guerras e à violência causada pelos sistemas totalitários no continente;

- Considerando que a consciência dos crimes de lesa-humanidade cometidos pelos regimes comunistas em todo o continente deve informar a todas as mentes européias, na mesma medida que os crimes do regime nacional-socialista;

- Considerando que existem similitudes entre o nacional-socialismo e o comunismo no que se refere a seus caráter horrível e espantoso, e a seus crimes contra a humanidade;

- Considerando que os crimes do comunismo ainda necessitam ser avaliados e julgados desde os pontos de vista jurídico, moral e político, assim como do ponto de vista histórico;

- Considerando que tais crimes foram justificados em nome da teoria da luta de classes e do princípio da ditadura do proletariado, que utilizam o terror como método para preservar o poder dos Governos que o aplicaram;

- Considerando que a ideologia comunista foi utilizada como uma ferramenta em mãos de imperialistas na Europa e na Ásia para alcançar seus planos expansionistas;

- Considerando que muitos dos autores que cometem e cometeram crimes em nome do comunismo ainda não foram levados ante a justiça, e suas vítimas ainda não foram indenizadas nem satisfeitas;

- Considerando que o objetivo de proporcionar informação completa sobre o passado totalitário comunista, que conduza a uma compreensão mais profunda e ao debate é uma condição necessária para a futura integração de todas as nações européias;

- Considerando que a reconciliação definitiva de todos os povos europeus não é possível sem um esforço potente para estabelecer a verdade e para restaurar a memória;

- Considerando que o passado comunista da Europa deve ser tratado a fundo, tanto na academia como ao público em geral, e as gerações futuras devem ter fácil acesso à informação sobre o comunismo;

- Considerando que em diferentes partes do mundo só uns poucos regimes totalitários comunistas sobrevivem, porém que, todavia, oprimem aproximadamente a um quinto da população mundial, e ainda se aferram ao poder cometendo delitos e impondo um alto custo para o bem-estar de seus povos;

- Considerando que em muitos países, apesar de que os partidos comunistas já não estão no poder, não se distanciaram publicamente dos crimes dos regimes comunistas nem os condenaram;

- Considerando que Praga é um dos lugares que sofreu tanto com o nazismo quanto com o comunismo,

Estando convencidos de que os milhões de vítimas do comunismo e suas famílias têm direito a desfrutar da justiça, da solidariedade, da compreensão e do reconhecimento de seus sofrimentos da mesma forma que as vítimas do nazismo foram moral e politicamente reconhecidos,

Nós, os participantes da Conferência de Praga Consciência européia e o comunismo,

- Ante a Resolução do Parlamento Europeu sobre o sexagésimo aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial na Europa, em 8 de maio de 1945, de 12 de maio de 2005,

- Ante a Resolução 1.481 da Assembléia Parlamentar do Conselho da Europa, de 26 de janeiro de 2006,

- Ante as resoluções sobre os crimes comunistas adotadas por vários Parlamentos nacionais,

- Ante a experiência da Comissão pela Verdade e a Reconciliação na África do Sul,

- Ante a experiência dos Institutos da Memória e os Memoriais na Polônia, Alemanha, Eslováquia, República Checa, Estados Unidos, o Instituto para a Investigação de Crimes Comunistas na Romênia, os museus da ocupação da Lituânia, Letônia e Estônia, assim como a Casa do Terror na Hungria,

- Ante as presidências atuais e futuras na UE e no Conselho da Europa.

- Ante o fato de que 2009 é o vigésimo aniversário da queda do comunismo na Europa Central e Oriental, assim como dos assassinatos em massa na Romênia e no massacre da Praça de Tianamen em Pekin,

Pedimos:

1. Chegar a um entendimento entre todos os europeus de que os regimes totalitários nazista e comunista devem ser julgados por seus próprios méritos terríveis, por ser destrutivo em suas políticas de maneira sistemática na aplicação das formas extremas de terror, da supressão de todos os direitos civis e das liberdades humanas, começando pelas guerras de agressão e, como uma parte inseparável de suas ideologias, o extermínio e a deportação de nações inteiras e grupos de população, e que como tais devem ser considerados os principais desastres que frustraram o século 20,

2. O reconhecimento de que muitos crimes cometidos em nome do comunismo devem ser qualificados como crimes de lesa-humanidade, de modo que constituam uma advertência para as gerações futuras da mesma maneira que os crimes nazistas foram julgados pelo Tribunal de Nüremberg,

3. A formulação de um enfoque comum a respeito dos crimes dos regimes totalitários, incluídos os regimes comunistas, e uma versão européia dos crimes comunistas, a fim de definir claramente uma atitude comum frente aos crimes dos regimes comunistas,

4. A introdução de uma legislação que permita aos tribunais de justiça julgar e condenar os culpados pelos crimes comunistas e compensar as vítimas do comunismo,

5. A garantia do princípio de igualdade de tratamento e não-discriminação entre as vítimas de todos os regimes totalitários,

6. A pressão européia e internacional para a condenação efetiva dos crimes do passado comunista e da luta eficaz contra os crimes comunistas em curso,

7. O reconhecimento do comunismo como parte integrante e horrível da história comum da Europa,

8. A aceitação por toda a Europa da responsabilidade pelos crimes cometidos pelo comunismo,

9. O estabelecimento de 23 de agosto, dia da assinatura do pacto Hitler-Stalin, conhecido como o Pacto Molotov-Ribbentrop, como um dia de lembrança das vítimas dos regimes totalitários nazista e comunista, do mesmo modo que a Europa recorda as vítimas do Holocausto em 27 de janeiro,

10. A reclamação aos Parlamentos nacionais para que reconheçam os crimes comunistas como crimes contra a humanidade, e modifiquem a legislação pertinente,

11. O debate público sobre o mal uso comercial e político dos símbolos comunistas,

12. A continuação das audiências da Comissão Européia com respeito às vítimas dos regimes totalitários, com vistas à elaboração de uma comunicação da Comissão,

13. O estabelecimento de comitês compostos por experts independentes nos Estados europeus que foram governados por regimes comunistas totalitários, com a tarefa de recolher informação sobre violações dos direitos humanos sob cada regime comunista totalitário em nível nacional, com o fim de colaborar estreitamente com o Conselho de Comitê de experts da Europa,

14. A elaboração de um claro marco jurídico internacional em relação a um acesso livre e irrestrito aos arquivos que contêm informação sobre os crimes do comunismo,

15. A fundação de um Instituto Europeu da Memória e da Consciência, que teria duas funções:

A) a de um instituto europeu dedicado à investigação dos estudos do totalitarismo, o desenvolvimento de projetos científicos e educacionais e o apoio à criação de redes de institutos de investigação nacionais especializados no tema da experiência totalitária,

B) e a de um museu memorial de âmbito europeu das vítimas de todos os regimes totalitários, com o objetivo de recordar as vítimas destes regimes e de dar a conhecer os crimes cometidos por eles,

16. A organização de uma conferência internacional sobre os crimes cometidos pelos regimes comunistas totalitários, com a participação de representantes de governos, parlamentares, acadêmicos, experts e associações, cujos resultados devem ser difundidos no mundo inteiro,

17. O ajuste e a revisão de livros de texto de história européia, para que as crianças possam aprender e ser advertidas sobre o comunismo e seus crimes, da mesma forma que se lhes ensinou a compreender os crimes nazistas,

18. A abertura de um amplo e profundo debate em toda a Europa sobre a história européia e a herança comunista,

19. A comemoração conjunta do 20º aniversário no próximo ano da queda do Muro de Berlim, do massacre da Praça Tianamen e da matança na Romênia.

Nós, os participantes da Conferência de Praga Consciência Européia e o Comunismo, nos dirigimos a todos os povos da Europa, a todas as instituições políticas européias, inclusive os Governos e os Parlamentos nacionais, o Parlamento Europeu, a Comissão Européia, o Conselho da Europa e outros órgãos internacionais pertinentes, e os exortamos a abraçar as idéias e as propostas enunciadas nesta Declaração de Praga, e a convertê-las em medidas práticas e políticas.

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Para os que desejarem juntar-se a essa causa, existe este link.