Crônicas do limbo, nova fase
Paulo Roberto de Almeida
[Objetivo: informação pública; finalidade: inaugurando nova série de escritos]
Ao revisar, recentemente, uma de minhas apresentações a coletâneas preparadas como livros digitais – Um contrarianista no limbo: artigos em Via Política, 2006-2009 –, a partir de uma versão preliminar preparada exatamente dois anos atrás, deparei-me novamente com um conceito, uma palavra, fetiche em minha trajetória das duas últimas décadas: limbo, ou seja, um lugar incerto e não sabido. Ela pode não querer dizer muita coisa à maioria de meus leitores, mas adquire um sabor especial para mim, independentemente da curiosidade mantida por certas situações não convencionais ao longo de uma vida marcada pela atitude que penso caracterizar mais do que qualquer outra meu comportamento intelectual: o ceticismo sadio.
Chamei assim, de “crônicas do limbo”, vários dos meus escritos dos anos 2006-2009, quando justamente eu estava entregue ao que chamei de ostracismo funcional, depois de ter sido vetado pela nova administração do Itamaraty, a partir do início de 2003, para exercer o cargo de diretor do mestrado (recentemente inaugurado) do Instituto Rio Branco. Como escrevi naquela apresentação: “O fato é que, desde aquela data, e pelos 13 anos seguintes, permaneci sem qualquer função na Secretaria de Estado, uma travessia do deserto que apenas foi interrompida com o impeachment de certa senhora. Tudo coincidência, claro.”
Pois foi assim, um limbo parcialmente superado por uma missão transitória na China, em 2010, mas apenas como diretor adjunto do pavilhão do Brasil na Exposição Universal de Shanghai daquele ano, seguido de mais um ano de limbo e de uma licença – voluntariamente assumida – para dar aulas em Paris em 2012 e, finalmente, um cargo de Cônsul adjunto no consulado geral do Brasil em Harvard pelo período de 2013 a 2015. Voltei para uma nova fase de limbo, que só terminou com o impeachment de dita senhora, e um convite para voltar a trabalhar para o Itamaraty em meados de 2016.
Assumi então o cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), entre agosto de 2016 e março de 2019, quando fui novamente vetado – exonerado é a palavra exata, mas eu prefiro defenestrado – e impedido de novas funções na SERE. Como eu também escrevi naquele texto de dezembro de 2017: “A palavra limbo talvez não é mais adequada à minha situação atual. Ela fica, em todo caso, como conceito chave destas minhas crônicas de um período especial, hoje felizmente superado, mas que talvez possa voltar pelo lado de um contrarianismo sempre presente em meus textos. Nesse caso, eu talvez tenha de escolher algum substantivo mais apropriado. No momento este é o que me convém para expressar estas colaborações a um dos muitos veículos com os quais colaborei ao longo dos anos.” Pois é, parece que um novo limbo chegou, e ele se combina perfeitamente com o que eu chamo de postura de resistência, no meu quilombo preferencial, o blog Diplomatizzando.
Em dezembro de 2017, eu também fazia uma reflexão, e uma pesquisa, sobre o exato significado da palavra, como resultado de doutas consultas em dicionários:
“Num desses quilombos, ou fora deles, a verdade é que eu estava no limbo, o que até pode parecer anacrônico, uma vez que a Cúria do Vaticano parece ter extinguido esse “território” muitos anos atrás. Enfim, sempre podem subsistir limbos virtuais. O limbo, segundo os dicionários, representa, na teologia cristã, uma região próxima do inferno, um refúgio para as almas dos homens bons, que viveram antes da chegada de Cristo, e para as almas das crianças falecidas não batizadas. Num sentido civil, pode aproximar-se de uma espécie de prisão, ou confinamento, o que deve ter sido o meu caso. No sentido mais comum do termo, seria um lugar ou a condição de negligência ou de esquecimento aos quais seriam relegadas coisas ou pessoas não desejadas. Estas são, em todo caso, as definições que retiro do Webster's New Universal Unabridged Dictionary (2nd edition; New York: Simon and Schuster, 1979), p. 1.049. Os muito curiosos por outras significações, ou por explicações mais detalhadas, podem procurar o verbete na Wikipédia.
Retomemos o meu caso. Consciente do ostracismo que me foi imposto, por decisões provavelmente políticas (ainda que não declaradas), continuei a fazer o que sempre fiz, no decorrer de toda uma vida dedicada a uma atividade fundamental: ler, refletir, escrever, eventualmente divulgar meus escritos pelos meios disponíveis. Estes meios não eram muitos; ao início, na verdade, nenhum, uma vez que eu só dispunha, em 2003, de meu próprio site pessoal (www.pralmeida.org), que se destinava unicamente a divulgar alguns trabalhos acadêmicos, em temas sobre os quais eu era frequentemente consultado por estudantes, jornalistas ou colegas acadêmicos: integração regional, política externa brasileira, relações internacionais de modo geral. O site pessoal era um instrumento passivo, pois nunca fiz dele um instrumento de comunicação, ou plataforma para qualquer outro objetivo, senão a compilação de trabalhos de natureza intelectual, que refletiam essa minha produção de tipo acadêmico. A partir de certo momento, para facilitar o trabalho de carregamento e disponibilização de trabalhos mais curtos, passei a utilizar a ferramenta dos blogs, o único free lunch real, conhecido sob o capitalismo.”
Não tenho certeza de ter sido premonitório, em dezembro de 2017, mas o fato é que estou de volta aos meus ambientes habituais: bibliotecas e cenáculos acadêmicos, o que me deixa muito satisfeito pelas novas possibilidades que a nova situação oferece, no horizonte incerto que pode ser o meu nos meses e anos seguintes: da primeira vez foram praticamente dez anos de ostracismo, desta vez não tenho ideia de quanto pode durar. Em todo caso, vou aproveitar a oportunidade para continuar fazendo o que sempre fiz: ler, anotar, refletir, escrever e eventualmente publicar.
Em alguns textos meus da fase de transição, ou seja, nos últimos três ou quatro anos, eu tentei dar as razões para essa longa travessia do deserto, assim como sobre os percalços na carreira, apenas a propósito desses tempos não convencionais do lulopetismo diplomático:
3003. “Considerações sobre o caráter efêmero das memórias, e das funções públicas (inspiradas em Chateaubriand)”, Brasília, 27 junho, 7 e 20 agosto 2016, 6 p. Notas reflexivas ao assumir funções como diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, subordinado à Funag. Divulgado no blog Diplomatizzando (03/08/2016, link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/08/nomeacao-para-ipri-in-lieu-of.html).
3004. “Crônica final de um limbo imaginário?”, Brasília, 1 julho 2016, 2 p. Reflexões sobre o encerramento de uma etapa e o início de outra. Divulgado no blog Diplomatizzando (link: (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/07/cronica-final-de-um-limbo-imaginario.html).
3066. “Como atravessar o deserto (e permanecer digno ao fim e ao cabo)”, Brasília, 18 dezembro 2016, 7 p. Divulgado no blog Diplomatizzando (24/06/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/06/uma-longa-travessia-do-deserto.html).
3145. “IPRI-Funag/MRE: como cheguei à sua direção?”, Brasília, 4 agosto 2017, 7 p. Relato sobre os trabalhos realizados até dar início às atividades como Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI-Funag/MRE. Transcrição dos principais textos produzidos nos meses anteriores a agosto de 2016. Postado no blog Diplomatizzando (link: (https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/08/apos-um-ano-no-comando-do-ipri-um.html).
3292. “Duas pedras no meio do caminho... (a propósito de uma promoção tardia)”, Estoril, 26 junho 2018, 4 p. Esclarecimento a propósito de minha promoção tardia na carreira. Postado no blog Diplomatizzando (26/06/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/06/duas-pedras-no-meio-do-caminho-paulo.html).
3346. “Fim de uma travessia do deserto? Reflexões antecipadas”, Em voo Paris-Rabat, 15 outubro 2018, 5 p. Divulgado no blog Diplomatizzando (16/10/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/10/fim-de-uma-travessia-do-deserto-paulo.html).
Neste exato momento, contento-me em retomar alguns escritos dos últimos meses, que podem ser todos inscritos nesta série: “Crônicas do limbo”, com o perdão por ser repetitivo. Vou apenas referir-me a alguns textos significativos, para então dar início a novas crônicas desta série tão reveladora sobre minha personalidade e sobre o Zeitgeist.
3452. “A destruição da inteligência no Itamaraty”, São Paulo, 26 abril 2019, 4 p. Notas sobre o stalinismo cultural em curso. “Crônicas do limbo” n. 2. Serviu de base à elaboração de um novo livro, abaixo referido.
3489. Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty, Brasília, 3 julho 2019, 100 p. Consolidação do livro, em edição de autor, para publicação eletrônica, com compilação dos trabalhos n. 3483, 3484, 3485, 3486, 3487 e 3488, com acréscimos (Por que sou um contrarianista?, Breve nota biográfica e lista de livros). Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/39821938/Miseria_da_diplomacia_a_destruicao_da_inteligencia_no_Itamaraty_2019) e na Research Gate (link: https://www.researchgate.net/publication/334450922_Miseria_da_diplomacia_a_destruicao_da_Inteligencia_no_Itamaraty_2019). Nova edição: Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty, Boa Vista: Editora da UFRR, 2019, 165 p., Coleção “Comunicação e Políticas Públicas vol. 42; ISBN: 978-85-8288-201-6 (livro impresso); ISBN: 978-85-8288-202-3 (disponível nos links: https://docs.wixstatic.com/ugd/6e2800_3e88aadf851b4b2ba4b54c6707fd9086.pdf e do Google Books:https://books.google.com.br/books?id=tvqjDwAAQBAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false). Incorporado à plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/39882114/Miseria_da_diplomacia_a_destruicao_da_inteligencia_no_Itamaraty_Ed._UFRR_2019_) e a Research Gate (https://www.researchgate.net/publication/334593501_Miseria_da_diplomacia_a_destruicao_da_inteligencia_no_Itamaraty). Anunciado no blog Diplomatizzando (https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/07/miseria-da-diplomacia-edicao-da-ufrr.html). Relação de Publicados n. 1313 (ST) e 1316 (UFRR).
Nos tempos recentes, tenho dado especial atenção a toda uma série, vários conjuntos, de trabalhos dispersos, publicados antes, durante e depois do meu limbo precedente, como forma de coletar, divulgar, refletir sobre os escritos das últimas duas décadas, bastante instrutivas para mim, não tanto no plano da construção intelectual – basicamente terminada –, mas sobre o caráter de certas pessoas, que podem surpreender pelo inusitado das reações. O que posso prever, no momento, é que continuarei escrevendo, como forma de oferecer um testemunho sobre novos tempos interessantes, ou não convencionais.
Vale!
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 de dezembro de 2019