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quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Brasil esconde ditadura e fala em anistiar crimes de desaparecimento - Jamil Chade (UOL)

À ONU, Brasil esconde ditadura e fala em anistiar crimes de desaparecimento

Jamil Chade
UOL, 15/01/2020

Um documento elaborado pelo governo de Jair Bolsonaro sobre desaparecimentos forçados no Brasil omite a existência da ditadura militar no país entre 1964 e 1985. O informe entregue pelo Itamaraty em junho de 2019 e tornado público agora trata da situação do crime de desaparecimento no país, uma obrigação que o governo tem diante da ONU por ser parte de tratados internacionais. No texto, o governo ainda deixa claro que defende que qualquer tipificação do crime no Brasil seja limitada pela Lei da Anistia.
Apesar de listar as entidades existentes no Brasil criadas para lidar com as vítimas dos anos de chumbo, não há qualquer referência nas 29 páginas submetidas às Nações Unidas sobre o golpe de Estado ou os crimes da ditadura. Os mecanismos são apenas citados, sem explicar a função de colher informação ou indenizar vítimas de tortura dos militares.

O governo tampouco condena o que ocorreu no país neste período.

Entre o final de março e início de abril de 2020, o Comitê sobre Desaparecimentos Forçados da ONU avaliará o Brasil e convidará o governo a se submeter a uma sabatina para responder às perguntas dos peritos.
A prestação de informação não é opcional. Em 2007, o governo brasileiro aderiu à Convenção Internacional para a Proteção de Pessoas do Desaparecimento Forçado. Em 2009, o texto foi aprovado pelo Congresso e ratificado em 2010. Em 2016, um decreto presidencial o transformou em lei doméstica.
Mas, ao longo do ano de 2019, o Itamaraty enviou para a entidade internacional uma carta em que justificava o regime militar, dentro de um contexto da Guerra Fria. Também no ano passado, num evento público, um diplomata, sob instruções de Brasília, se recusou a esclarecer se houve um Golpe de Estado no Brasil em 1964.
Policiais reprimem manifestantes no Rio de Janeiro no período da ditadura militar - Folhapress
Policiais reprimem manifestantes no Rio de Janeiro no período da ditadura militar (Imagem: Folhapress)
Agora, no informe dedicado ao desaparecimento forçado de pessoas, o governo borra os acontecimentos de sua história.
Num dos capítulos, o governo cita como a lei nacional conta com mecanismos para indenizar vítimas de mortes ou prisões ilegais. O texto também fala do direito à memória e informação, assim como o acesso a arquivos e a obrigação do governo de coletar documentos.
O governo explica como o Ministério da Justiça tem atuado ao lado de procuradores para ajudar famílias de vítimas. Mas sempre sem citar a causa de tais desaparecimentos e nem fazer referências ao papel do Estado.
Num outro trecho do documento, o governo diz que criou mecanismos para "encorajar a não repetição de violações de direitos humanos e desaparecimentos forçados". Mas se omite em dizer o que levou a isso.

"No Brasil, ações coordenadas nos campos administrativos, legislativos e de pesquisa, assim como na sociedade civil, têm sido implementadas nas últimas décadas, com o objetivo de promover a "não-repetição", explica o documento.
Entre os mecanismos criados, o governo fala na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, do Congresso Nacional e no Comitê Especial sobre a Morte e Desaparecidos Políticos.
Até mesmo ao citar a Comissão Nacional da Verdade, o governo omite que o foco do trabalho foi sobre a ditadura e diz que o mecanismo foi criado em 2012 como "uma forma de reparação, direito à verdade e, no médio e longo prazo, como uma orientação para a não-repetição". De acordo com o documento, as conclusões da Comissão da Verdade se referem a "diferentes frentes no campo de direitos humanos" - sem citar as conclusões sobre o papel de militares na repressão.
O mesmo padrão de omissão se repete quando o governo diz que leis instruíram a mudança de de ruas que levavam o nome de "pessoas envolvidas na repressão, violência e esquemas de tortura". Uma vez mais, nada de Regime Militar. Ao citar os monumentos erguidos para homenagear as vítimas, o documento uma vez mais deixa o leitor sem saber quem teria sido o repressor.
Ficha Criminal: Morte de Herzog expôs tortura e levou ditadura a tribunais
UOL Notícias

Anistia

Num outro trecho do informe, o governo é ainda mais claro em seu posicionamento. Ao tratar do Grupo de Trabalho de Perus, as autoridades citam a coleta de dados genéticos e traços de pessoas que teriam morrido.
Sem citar a suspeita de ali ser um destino das vítimas da ditadura, o governo alerta que "as últimas investigações nesse caso e outros, dados e levantamentos estão sendo investigados para efetivamente encontrar a verdade precisa, sem uma representação desvirtuada e ideológica".
Também chamou a atenção de peritos o fato de o governo insistir que, caso o desaparecimento forçado seja tipificado na lei brasileira, ele terá de se ater aos limites impostos pela Lei da Anistia. Ou seja, qualquer pessoa envolvida num tal ato não poderia ser punida. Um projeto de lei tramita neste sentido no Congresso.

Reações

Como previsto pela ONU, entidades e associações enviaram os comentários sobre o relatório do Brasil. Uma das respostas mais enfáticas é do Instituto Vladimir Herzog, que alertou a ONU sobre o caráter "extremamente grave e problemática" de apresentar a questão da tipificado do crime limitada à Lei de Anistia.
"É uma interpretação extremamente equivocada que está em absoluto desacordo com os regulamentos e tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário, que postulam que as leis de anistia não podem e não devem ser aplicadas em casos de crimes como tortura e desaparecimento forçado", alertou.
"Como já apresentado pela Comissão Nacional da Verdade em sua recomendação, o Estado brasileiro deve proceder com a determinação da responsabilidade criminal, civil e/ou administrativa dos agentes públicos que praticaram graves violações de direitos humanos", destacou.

O Instituto solicitou que a ONU peça uma revisão desse trecho do informe apresentado pelo Brasil e cobre "uma posição do governo brasileiro de que o crime de desaparecimento forçado não deve ser limitado pela Lei de Anistia". "É urgente que o país enfrente uma vergonhosa e imperdoável história de impunidade para os crimes da ditadura", insistiram.
O documento da sociedade civil também revela como o governo interveio na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, "causando uma perda da representação da sociedade civil na comissão e um desvio e desmantelamento de suas funções como comissão estatal - ela deve ser orientada para os diferentes interesses da sociedade civil e não para os interesses ideológicos do atual governo".
O Instituto Vladimir Herzog também quer saber o que o governo insinua quando diz que "investigações e pesquisas de dados" foram realizadas para que "a verdade seja efetivamente alcançada na sua extensão exata" em relação ao trabalho realizado pelo Grupo de Trabalho Perus. "É também importante esclarecer a que se refere o documento quando menciona "distorções ideológicas" no mesmo parágrafo", diz.
"É urgente que o governo esclareça a sua posição, os seus compromissos e as políticas que pretende promover para enfrentar o desaparecimento forçado nos próximos anos", pediu a entidade.
"O Estado brasileiro deve continuar a agir de acordo com suas responsabilidades, e o atual governo - promovendo comemorações e defendendo a revisão do golpe de Estado de 1964, tendo um líder que faz apologia pela tortura e homenagens a torturadores, e ao desmantelar as comissões e mecanismos que trabalham pela Memória, Verdade e Justiça - mostra que não cumprirá e respeitará suas responsabilidades perante a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado", completou.
Entre os documentos submetidos às Nações Unidas, uma outra entidade ainda sugere que os peritos questionem o Brasil, durante a sabatina, sobre seu posicionamento.
Para o Center for Justice and International Law, os peritos deveriam pedir que o governo informe "como pretende responsabilizar os autores de crimes contra a humanidade cometidos contra opositores políticos que desapareceram à força durante a ditadura militar de 1964-1985".

sábado, 25 de agosto de 2018

O caminho do totalitarismo - Uki Goñi (NYRBooks)

Uma sociedade que separa as crianças dos pais, já está no caminho do totalitarismo.
Isso aconteceu, pela primeira vez, no período do Holocausto nazista.
Voltou a acontecer sob a ditadura militar argentina.
E foi o que fez o governo Trump, recentemente...
Paulo Roberto de Almeida

Uki Goñi at The Buenos Aires Herald, in 1982

On the NYR Daily this week

The New York Review of Books, August 25, 2018

The genesis of “‘Silence Is Health’: How Totalitarianism Arrives,” Uki Goñi’s chilling essay about how a society slides from democracy to dictatorship, was a conversation on a warm Sunday afternoon in early fall last year on a park bench looking out over New York Harbor. Uki had just given a talkat the Museum of Jewish Heritage in Lower Manhattan about how his country, Argentina, had offered sanctuary to numerous Nazi war criminals, including, most notoriously, Adolf Eichmann. It’s a story brilliantly told in his 2002 book on the subject, The Real Odessa.
Because we’d worked together in the past, Uki had asked me to be his interlocutor at the event, and it was afterwards, outside in the September sunshine, that we got to talking about authoritarianism, the 1976–1983 military dictatorship in Argentina, and the disturbing trends in American politics. And that was the seed of what became this week’s featured essay on the Daily. I asked Uki how he’d come to make these connections.
“Researching the Nazi arrivals helped me understand how secret policies are decided on and carried out, in this case the Vatican, Argentine, and Swiss policies to aid fleeing Nazis,” he said. “I also wanted to determine if it was just a historical coincidence that Nazi-like extermination policies were carried out in the country where so many Nazis found refuge after the war.”
The essay relates how Uki had a ringside seat for the deadly collapse of democracy in his country, when he went to work for the English-language Buenos Aires Herald, the only newspaper to report on the junta’s abuses even as thousands of people were “disappeared.” Didn’t he feel vulnerable, wasn’t it terrifying?
“You did it despite the fear. It was like being in a slow-motion car crash. You knew you’d come out damaged, but there was no way out,” he said. The paper’s ethos owed much to its editor Robert Cox—though, eventually, he was forced into exile by death-threats.
“After Cox left, the newspaper toned down its human rights reporting,” Uki recalled. “It was a sad, muted epilogue to a truly unique journalistic crusade to save lives.”
One of the most telling moments in the piece, for me, was an epiphany about family separation. Among the Argentine dictatorship’s roundup of opponents were several hundred pregnant women; the regime waited until they had given birth before executing them, placing their orphaned babies with approved conservative-Catholic, “patriotic” families. This chimed with me because General Franco’s Falangist Spain had done the exact same thing, and on an industrial scale, as I learned this week in Omar Encarnación’s powerful essay “Spain Exhumes Its Painful Past.” But I know that’s not what Uki, who grew up in the US, was thinking of when he wrote: “A society that separates children from their parents, for whatever reason, is a society that is already on the path to totalitarianism.” 
Considering that, I was rather desperate for some ray of hope—and I wanted to get Uki’s perspective on how a renewal of democracy, too, can come about, since he had seen out the junta’s bloody rule. “Argentina is a unusual case in that it put its own generals on trial after the return of democracy. But the dictatorship did not fall because of widespread civic resistance, or outspoken politicians or churchmen demanding its end,” he explained. “[It] fell because its mismanagement of the economy left it no other choice but to take the exit door. It was not the triumph of good; it was more evil taking a rest.”
Hmm. Not quite the sunburst of optimism I was looking for. The nearest to that, perhaps, came from the surprise gift Uki sent along after we’d posted his piece—a tweetfrom the British ambassador to the Argentine Republic, Mark Kent: “Total respect to @ukigoni. Military dictatorship is abhorrent wherever and whenever. Well said Uki.” Now, that is Excellency.

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Matt Seaton
Editor,NYR Daily