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sábado, 22 de setembro de 2012

O governo, as contas nacionais e os impostos: esperteza ou maracutaia?

O governo não é bobo, disso sabemos, embora alguns políticos e outros tantos tecnocratas possam ser idiotas, a ponto de ignorar certos preceitos básicos da economia política, e produzirem uma situação sub-ótima do ponto de vista do crescimento econômico e da produtividade microeconômica. Refiro-me, por exemplo, ao extremo intervencionismo governamental, que leva a uma super-extração de recursos dos agentes primários de criação de renda e riqueza -- empresários e trabalhadores -- para os cofres do próprio Estado, de onde esses recursos saem para suas destinações respectivas: muito com o próprio Estado e seus mandarins privilegiadas (nos três poderes, com predominância do Judiciário e do Legislativo), pouco para investimentos, muitas transferências para as unidades subfederadas (com irracionalidades diversas nos programas) e todo um arsenal de políticas setoriais (dirigidas essencialmente para os mais espertos dos espertos, banqueiros, industriais, universitários), e com os mais pobres (aqui criando um exército de assistidos que é também um curral eleitoral).
Em 2005, o governo já tinha efetuado uma revisão das contas públicas, dando maior peso ao item serviços na economia e assim produzindo o "efeito mágico" de um crescimento no PIB de mais de 10% (o que permitiu, inclusive, uma redução proporcional, e artificial, da dívida pública sobre o PIB e, sobretudo, da carga fiscal, que de outro modo já se aproximaria dos 40% hoje, se medida na série antiga).
Agora o governo pretende fazer, e vai fazer, nova revisão das contas públicas, retirando certos itens da categoria serviços e alocando para a categoria indústria. Não creio que seja justificado, por exemplo, colocar limpeza, segurança e atendimento telefônico -- QUE SÃO SERVIÇOS! -- como atividades industriais. Creio que uma das consequências disso -- e aí reside a "experteza" dos burocratas governamentais -- é a tonificação do setor industrial, que anda esquálido, coitadinho, e já alimenta todo um debate sobre a "desindustrialização" do Brasil.
Acredito que o debate é falho e que essa desindustrialização é em grande medida fantasmagórica, mas é um fato que muitas indústrias tem sido levadas a se extinguir, e  unidades a fecharem, no Brasil, uma vez que o país se tornou muito caro e as unidades simplesmente não são e não mais podem ser competitivas, sobretudo e principalmente devido ao chamado custo Brasil, com destaque para a carga tributária, justamente.
Isso o governo reluta em admitir, e como bom stalinista industrial, o governo dos companheiros não quer passar à História e ser acusado de ter sido o responsável pela desindustrialização do país.
Enfim, este é um argumento poderoso, mas acredito que exista outro, ainda mais poderoso -- e talvez o único que justifica essa reclassificação esdrúxula -- que é o deslocamento de bases tributárias. Ao reclassificar essas "indústrias" -- que SÃO SERVIÇOS, repito -- o governo federal retira da esfera da cobrança de ISS, que são MUNICIPAIS, uma faixa ampla, e crescente, de atividades, que passam a recolher tributos INDUSTRIAIS para o governo central.
Vocês já repararam que cada vez que o governo precisa fazer "sacrifícios", ele o faz com o dinheiro dos outros? 
1) Crise das montadoras automobilisticas? Redução do IPI, que é um imposto dividido com Estados e municípios...
2) Excesso de recolhimentos laborais? Redução dos tributos para o INSS e criação de uma taxa (obviamente federal) sobre o faturamento...
3) Perda da CPMF? Sem problemas: criação de um IOF equivalente, e que o governo federal manipula a seu bel prazer, sem ter de passar pelo Congresso.

"Experto" esse governo, não é mesmo? Acho que ele acaba de fazer o mesmo com essa revisão das contas do IBGE, especialmente desenhada para "engordar" o PIB industrial e "engordar" as receitas federais.
Assim vai o Brasil...
Paulo Roberto de Almeida 


Revisão das contas do PIB

O Estado de S.Paulo, 19 de setembro de 2012 | 20h00
Celso Ming
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmou nesta quarta-feira que prepara revisão metodológica das Contas Nacionais (as que calculam as contas do PIB). Os estudos deverão ser finalizados e adotados em 2014, mas serão retroativos até aos números de 2010.
Espera o governo que a novidade aumente a participação da indústria e do investimento (Formação Bruta de Capital Fixo) na renda nacional (PIB). Desde já, admitem os técnicos do IBGE, atividades terceirizadas pela indústria – como limpeza, segurança e acompanhamento telefônico (call centers), hoje entendidas como serviço – serão lançadas como atividade industrial. E desembolsos com Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e software (programas de computador), como investimento.
Em princípio, se forem exclusivamente técnicas, não há nada de errado nessas alterações. Ao contrário, é recomendável que as mensurações da atividade econômica incorporem padrões internacionais para que sejam passíveis de comparação. Em 2001, por exemplo, o IBGE passou a trabalhar com critérios bem mais próximos dos aceitos nas grandes economias para as medições da evolução do mercado de trabalho. Essa metodologia chegou a ser criticada por assumir como emprego atividades que, na verdade, podem não passar de subemprego ou de emprego disfarçado. No entanto, essa incorporação metodológica tornou mais realistas as comparações com o que acontece no resto do mundo.
O que é sempre condenável é a manipulação estatística com objetivo de evitar repasses de recursos, prática que, felizmente, não faz parte do DNA do IBGE, uma instituição de credibilidade. Mudanças que eventualmente expandissem a participação da indústria no PIB nacional e que reduzissem a de serviços poderiam até abafar reiteradas denúncias de desindustrialização do Brasil, mas não alterariam significativamente a renda do setor. O mesmo se pode dizer do investimento. Parece bem mais consistente que despesas com software ou com tecnologia da informação sejam classificadas como investimento. No entanto, o que importa aqui é a capacidade de produzir renda (crescimento potencial), algo que, a rigor, não crescerá com meras variações de metodologia.
O governo do PT, no entanto, já chegou a apelar para mudanças conceituais oportunistas quando se viu apertado para cumprir certas metas, como no caso do superávit primário (que é a sobra da arrecadação para o pagamento da dívida). Aconteceu em 2010: algumas despesas de empresas públicas foram classificadas como investimento e puxaram para baixo a meta de 3,1% do PIB.
Mas, se também essa é somente uma questão puramente técnica, cabe perguntar por qual motivo o IBGE não tomou a iniciativa de adotá-la e precisou que o governo o pressionasse a dar esse passo. Vale questionar, também, se o governo faria questão dessa revisão se, em vez de aumentar a participação da indústria e do investimento, fosse produzido o efeito oposto.
E é necessário examinar eventuais implicações tributárias. Se atividades terceirizadas de faxina, de segurança e de atendimento por telefone ou pela internet vierem a ser identificadas como industriais, pode se tonar inevitável que mude também o fato gerador do tributo cobrado no setor de serviços e, nessas condições, os municípios poderiam perder arrecadação.
CONFIRA
Os preços do petróleo afundaram nesta quarta-feira quase 4%, em consequência da divulgação de estoques americanos mais altos do que os esperados.
O que atrapalha mais? O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, garante que as novas licitações para exploração de petróleo e gás dependem da aprovação do projeto de lei dos royalties. Difícil saber o que pode atrapalhar mais: se a não aprovação do projeto, que impediria as licitações e o aumento de produção; ou se a falta de licitações e a queda de produção, que prejudicariam a distribuição dos royalties.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Desvantagens comparativas da indústria - Sandra Polónia Rios e José Tavares de Araujo Jr


O CINDES tem a satisfação de encaminhar o artigo Desvantagens comparativas da indústria", escrito por Sandra Polónia Rios e José Tavares de Araujo Jr, diretores do Cindes, para o jornal O Estado de São Paulo, de 19 de julho de 2012. O artigo pode ser acessado clicando no link abaixo.


Atenciosamente,
CINDES




SANDRA RIOS , E JOSÉ T. DE ARAÚJO, DIRETORES DO CENTRO DE ESTUDOS DE INTEGRAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, SANDRA RIOS , E JOSÉ T. DE ARAÚJO, DIRETORES DO CENTRO DE ESTUDOS DE 
INTEGRAÇÃO, DESENVOLVIMENTO
Nos últimos meses, cada novo anúncio de indicadores de desempenho do setor industrial desencadeia previsões sombrias sobre o futuro da indústria brasileira e interpretações diversas e divergentes sobre a natureza da crise por ela enfrentada. A perplexidade aumenta ante os nada desprezíveis custos para a sociedade brasileira dos sucessivos pacotes de estímulo à produção doméstica - que incorporam crédito subsidiado, incentivos fiscais, gastos públicos adicionais com compras governamentais que privilegiam fornecedores locais, ainda que com custos mais altos para o contribuinte, entre outros instrumentos de apoio e proteção ao setor.  
Em artigo do Valor Econômico, o economista David Kupfer sugere que há uma clivagem entre os economistas que veem o fenômeno como resultado da predominância dos componentes cíclicos - associados à contração da demanda internacional e aos efeitos sobre a taxa de câmbio e pressão de importações - e aqueles que o vinculam à natureza tendencial da perda de dinamismo da indústria associada a um quadro de rigidez estrutural. Tal quadro estaria relacionado à pauta de produção muito commoditizada, que vem se consolidando no País. As evidências mostram que, quando as condições de concorrência geram oportunidades e incentivos adequados, as firmas brasileiras estão aptas a lidar com os dois desafios, como ilustram os casos de aviões, alimentos, papel e celulose e cosméticos. E vice-versa: quando as empresas se revelam incapazes de adotar determinadas inovações, esta deficiência resulta em boa medida do padrão de competição vigente no País. Por exemplo, nas últimas décadas, o avanço nas tecnologias de informação promoveu uma redução drástica nos custos de transação e estimulou a 
fragmentação das cadeias produtivas de vestuário, calçados e outras. Nestas indústrias, as estratégias empresariais dominantes passaram a ser baseadas na subcontratação de bens e serviços e na formação de parcerias estáveis entre fornecedores e compradores de insumos e componentes industriais. Entretanto, o impacto positivo das tecnologias sobre os custos de transação foi prejudicado pela precariedade da infraestrutura de transportes e pelas tarifas de importação de bens intermediários e equipamentos. Em consequência, as firmas brasileiras continuam operando com graus de integração vertical típicos de meados do século 20 e com reduzida integração às cadeias globais de valor.  
Se o problema da indústria é rigidez estrutural, algumas opções de política no Brasil parecem desenhadas para reforçar essa tendência. Como na regulação dos portos, por exemplo. Apesar dos esforços realizados na década de 90 para modernizar a estrutura portuária, as restrições impostas pelo Decreto 6.620, de 2008, implicam que um 
terminal privativo de uso misto só poderá movimentar cargas de terceiros em caráter eventual e subsidiário. Sua operação apenas será autorizada quando a movimentação da empresa autorizada justificar, por si só, a implantação e a operação da instalação portuária. Ora, o decreto representa uma clara barreira à instalação de novos terminais privativos e afeta a oferta para a circulação de contêineres - usados no transporte de 
produtos manufaturados. 
As empresas produtoras de commodities - com escala de produção suficiente - vêm investindo para resolver seus problemas de logística e transporte e também na construção de terminais privativos de granéis. Como as normas impedem a circulação de contêineres nesses terminais e as empresas produtoras de manufaturados não têm, em geral, escala suficiente para justificar economicamente a construção de terminais 
privativos para a movimentação de carga própria, continuam na dependência da evolução dos serviços dos terminais de uso público. Esse é apenas um exemplo de como as políticas públicas podem ser incoerentes. Enquanto bilhões de reais são gastos para estimular a indústria e promover as exportações, a legislação brasileira impede que o 
investimento privado contribua para baratear o custo e estimular a inserção internacional da indústria de manufaturados. 

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Desindustrializacao: um debate importante

Recebi, a propósito deste meu post:

SEXTA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 2012


o seguinte comentário:

Eu sou bastante cético com esse negócio de desindustrialização. Não tenho dúvidas de que é um processo normal de maturidade: depois que vc encheu a pança e comprou seu mobiliário e bagulhos eletrônicos, nada mais natural que suas demandas passem a ser viagens, jantar fora, cuidar dos dentes, da pele, fazer academia e ter um bom corretor para administrar seus investimentos. Como não dá para importar a maioria dos serviços, eles serão produzidos internamente. Então a Finlândia terá uma participação da indústria no PIB menor que a China, que terá uma participação da agricultura no PIB menor que a de Serra Leoa.
Agora, fica essa dúvida com relação ao timing. O Brasil tem uma relação indústria/PIB de 13%. De fato é pouco comparado com a maioria dos países no nosso estágio. Mas existem exceções, certamente. O Chile mesmo é um país de indústria fraca relativamente e commodities puxando a economia já a bastante tempo. E não parece estar fracassando. A Austrália e a Noruega também são grandes exportadores de commodities. Da última vez que chequei a Noruega tinha o maior PIB per Capita e a Austrália um dos maiores. Ambos superiores à Alemanha, que tem uma porção maior de indústria na composição do PIB.
Sei não... acho que o pessoal menospreza demais o potencial econômico do agrobusiness, do petróleo, do ferro, sei lá mais o que... Tenho sérias dúvidas a respeito da ideia de que é ruim ser um fazendão. Obviamente é contra-intuitivo. À primeira vista parece que vender TV é melhor, ou de alguma forma superior, que vender soja, mas vá falar isso para algum produtor de soja do centro-oeste. Vantagens comparativas.
Quanto à questão da qualificação da mão-de-obra, concordo plenamente. Mas isso independe de sermos um fazendão ou uma Manchester. Se formos ser um fazendão, vamos precisar de bons engenheiros agrícolas, "pesquisadores agrícolas", etc, e de bons dentistas, esteticistas, guias de turismo e chefes de cozinha para satisfazer as demandas do dono da fazenda por serviços.
abraços, Zamba



Permito-me comentar, de meu lado.


O debate vem sendo obscurecido por fatores conjunturais, que podem se tornar estruturais. O problema é que os primeiros também são causados por falhas estruturais e requerem remédios sistêmicos, mais amplos.
Existem vários fatores, entre eles a concorrência estrangeira e o câmbio, mas independentemente disso, é um FATO que o Brasil se tornou caro demais, sob qualquer critério.
Se formos na origem dos problemas que afligem a indústria brasileira, encontraremos fatores inteiramente MADE IN BRAZIL, ou seja, de responsabilidade do governo, uma vez que temos recursos, mercado, energia suscetíveis de competir internacionalmente, menos, é claro, a qualidade dos recursos humanos (mas isso também é responsabilidade da sociedade e do governo). Ou seja, todos os fatores que nos afetam negativamente poderiam ser "consertados" com politicas macro e micro, e setoriais, corretas, duradouras, persistentes, que poderiam ser resumidas não num grande "projeto nacional"-- pois isso é bobagem acadêmica -- mas na criação de condições favoráveis ao empreendedorismo, um bom ambiente de negócios, para o investimento privado (se o Estado, claro, não fosse o despoupador líquido que é).


Computado, pois, esse fator de falhas NÃO de MERCADO, mas FALHAS DE GOVERNO, resta a concepção que a sociedade brasileira e suas elites se fazem de uma economia moderna e funcional. Ouso dizer que a maior parte das pessoas defende uma visão industrial que eu chamaria de stalinismo industrial, possuir todas as áreas funcionando, integradas verticalmente, servindo ao mercado interno, o que me parece singularmente atrasado nas condições atuais da globalização.
Mas, mesmo em termos históricos, sem globalização preeminente, países se desenvolveram com base em atividades primárias e agrícolas, como Dinamarca, Canadá, Nova Zelândia, Austrália e os próprios EUA. Não há nada de errado em ter uma agricultura moderna, competitiva, exportar minérios, recursos naturais, etc, bastando agregar valor em várias etapas da oferta, que não precisa ser totalmente manufatureira (mas acaba sendo, quando existe uma valorização e aproveitamento das vantagens comparativas). A capacitação humana e o adensamento de cadeias se dão, quando o governo faz aquilo que só ele pode fazer -- infraestrutura, recursos humanos, bom ambiente de negócios, etc, -- e deixa o setor privado (nacional ou estrangeiro, não importa muito) fazer o que sabe fazer melhor, produzir e vender com o objetivo de maximizar lucro.


Governos intervencionistas costumam fixar objetivos distributivistas que prejudicam os negócios e diminuem o investimento.


Não creio que as elites brasileiras, políticas e econômicas, estejam preparadas para empreender essa pequena revolução mental, que na verdade é grande, dado o volume de true believers no stalinismo industrial.
Acho que vai demorar bastante tempo para o Brasil se educar economicamente, tantas são as deformações de nossas elites...
Paulo Roberto de Almeida 

sábado, 21 de abril de 2012

A (nao) frase da semana: defesa da industria e protecionismo


É esse país que não vai deixar a sua indústria, que é uma indústria razoavelmente complexa, ser sucateada por nenhum processo de desvalorização de moedas nem por guerras comerciais que utilizam métodos, eu diria assim, não muito éticos.
Pronunciada pela presidente da República, no dia do diplomata (20/04/2012), no Itamaraty.
PRA:
Se ouso comentar seria no seguinte sentido.
A indústria relativamente complexa do Brasil vem sendo prejudicada, desde muitos anos aliás, não pela desvalorização de moedas estrangeiras, nem por guerras comerciais. Não vejo nenhum país desenvolvido ou em desenvolvimento empenhado em uma guerra comercial contra o Brasil; não existe irrupção monstruosa de produtos de países desenvolvidos no Brasil. Existe um surto de importações que vem de outro lugar, um aliado do famoso Brics, sempre poupado de qualquer culpa no cartório.
A China, que obviamente não é absolutamente mencionada nesse tipo de declaração -- que se dirige, supostamente, aos países ricos, autores de um fantasmagórico "tsunami monetário" que estaria, de forma deliberada, prejudicando o Brasil -- poderia até ser acusada desse tipo de prática, mas ela não desvaloriza a moeda; ao contrário, o yuan estava teoricamente ancorado no dólar, agora se valorizando progressivamente.
Não os países, mas suas empresas, simplesmente, exportam para quem compra, as simple as that. Não é culpa dessas empresas que importadores brasileiros QUEIRAM importar delas, por razões de qualidade e preço (e lucro para os importadores, evidentemente). Ninguém importa por caridade, para prejudicar alguém, ou como tática conspiratória para desindustrializar um país.
Quais seriam os métodos pouco éticos que alguns escolhem para exportar? Por acaso obrigam os consumidores a escolher seus produtos? Seria a subvaloração? Mas um exportador, ou fabricante faz isso contra seus lucros ou tem condições de oferecer mais barato?
Agora, se existe um inimigo da indústria brasileira, esse inimigo se chama Estado brasileiro, pela carga fiscal, pelo custo do capital, pela falta de infraestrutura, pelos preços cartelizados, enfim, pelo "conjunto da obra", que costuma responder pelo nome de "custo Brasil", um slogan que esconde vários elementos estruturais e muitos outros de tipo político, ou seja, escolhas do governo e da sociedade.
Refletindo, portanto, ou simplesmente constatando, chegamos ¡a conclusão, cristalina, de que todos os problemas da indústria brasileira são, inequivocamente, made in Brazil.
Quando é que o governo, em lugar de buscar bodes expiatórios no estrangeiro -- e nos lugares errados, além de tudo -- vai se ocupar das causas verdadeiras da desindustrialização brasileira?
Paulo Roberto de Almeida 

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Como retornar meio seculo atras - Republica Desindustrial do Brasil


Política industrial segue um rumo equivocado


Editorial O Estado de S.Paulo, 19/04/2012

A industrialização brasileira teve início num quadro de protecionismo, de economia fechada e de taxa cambial favorável a essas duas características. Para ajudar a indústria hoje, o governo tenta recriar o ambiente dos anos 60. É o caso de indagar se não se vai consolidar de novo uma indústria muito frágil sob as asas protetoras do Estado.
A situação atual é mais complexa, pois a intervenção estatal sob a forma de alívios fiscais está sendo dirigida a produtos, e não à indústria em geral, gerando distorções e muitas vezes complicando a vida das empresas que têm, num mesmo produto final, componentes com e sem essa desoneração fiscal, por meio da qual se supõe que a indústria se tornará competitiva. É um tipo de política que corre o risco de repetir os erros do passado, quando nossa indústria se habituou a importar componentes do exterior, sem procurar desenvolver uma tecnologia própria e inovadora.
A Fundação Getúlio Vargas (FGV) acaba de constatar que, provavelmente, neste 1.º trimestre, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que é o total dos investimentos, mais uma vez recuou. Isso enquanto o consumo continua crescendo.
A FBCF depende tanto dos investimentos públicos na infraestrutura quanto dos do setor privado. Estes, em razão do atual marasmo, mesmo com estímulos, se mostram hesitantes na grande maioria dos setores. O problema está no setor público.
De fato, se o total de gastos indica aumento de investimentos do governo federal, logo se verifica que estes se concentram no Programa Minha Casa, Minha Vida, enquanto outros investimentos necessários à infraestrutura sofreram um recuo sensível em relação ao ano passado, quando já haviam sido insuficientes.
O governo precisa se convencer de que são os investimentos públicos que vão permitir um aumento do Produto Interno Bruto (PIB), ao mesmo tempo que oferecerão a todos os setores industriais os meios suscetíveis de reduzir seus custos de produção para enfrentar a concorrência estrangeira.
O crescimento do PIB exige um nível adequado de investimentos. E os investimentos promovem distribuição de renda, antes do aumento da capacidade de produção - o que certamente é um processo mais ortodoxo do que o aumento artificial do crédito para estimular a demanda doméstica. E a oferta de melhores estradas, portos, ferrovias, etc., reduzirá os custos da produção à medida que a demanda aumenta. Num quadro atraente como esse, a indústria poderá voltar a investir na produção.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

(Des)Industrializacao brasileira: duas visoes distintas - Affonso Celso Pastore e Amir Khair


Duas visões distintas mas até certo ponto complementares do debate sobre a desindustrialização no Brasil :
(1) Por que a indústria parou de crescer nos últimos anos ? (Affonso Celso Pastore, professor da USP e ex-presidente do BC)
(2) Estimular a industrialização (Amir Khair
 Ambos no jornal O ESTADO DE SÃO PAULO de Domingo, Abril 08, 2012

Por que a indústria parou de crescer nos últimos anos?
AFFONSO CELSO PASTORE
 O ESTADO DE SÃO PAULO
Domingo, Abril 08, 2012

A incapacidade de responder à competição externa é uma das causas da estagnação

O setor industrial brasileiro é bastante aberto ao comércio internacional. Como câmbio real valorizado, e com os preços em dólares de produtos manufaturados exportados e importados pelo Brasil mantendo-se estáveis devido à recessão e ao baixo crescimento na Europa e EUA, crescem as importações e mantém se estagnadas as exportações brasileiras de bens de consumo. Os dois gráficos ao lado mostram que enquanto os índices de quantum exportado de bens duráveis e não duráveis de consumo vêm se mantendo estáveis ou declinando ligeiramente, entre 2009 e 2011 as respectivas quantidades importadas praticamente dobraram. A incapacidade de responder à competição externa é uma das causas da estagnação da indústria.

Mas isso não conta toda a história. O setor industrial é, também, muito menor do que o setor produtor de serviços. O PIB do setor de serviços representa mais de 65% do PIB brasileiro, empregando em torno de 60 milhões de trabalhadores, enquanto que o PIB da indústria de transformação representa apenas 25%, empregando um volume de trabalhadores muito menor, em torno de 20 milhões. Por outro lado, os dados das contas nacionais negam o "saber convencional" de que somente a indústria paga os "bons salários". No ano de 2009 (o último dado disponível)o salário médio pago pela indústria era de R$ 15.870, enquanto o salário médio pago pelo setor de serviços atingia R$ 14.006, que é muito próximo do salário médio da indústria. Obviamente amassa real de salários do setor de serviços é em torno de 3 vezes maior do que a massa de salários paga aos trabalhadores da indústria, sendo a maior responsável pela sustentação da demanda agregada.

Atualmente setor industrial está deprimido, sofrendo com a competição externa, mas o setor produtor de serviços que não sofre essa competição está superaquecido, e se beneficia dos estímulos dados pelo governo à expansão da demanda. Como o setor de serviços é o grande empregador de mão de obra, leva a economia a operar muito perto - ou mesmo acima - do pleno emprego. Não há, assim, nenhum paradoxo no fato de que ao lado de um setor industrial que não cresce, a taxa de desemprego no Brasil é a menor da história.

Com esse comportamento do mercado de trabalho crescem os salários reais tanto no setor de serviços quanto no setor industrial. O crescimento dos salários reais não levaria a um aumento de custos de produção da indústria caso a produtividade da mão de obra tivesse crescimento semelhante. Contudo, um estudo recente do Ipea (Comunicado N.º 133) mostra que a produtividade da mão de obra na indústria não vem crescendo, o que leva ao aumento do custo unitário do trabalho na indústria. Os dados do IBGE permitem estimar esse aumento: entre 2009 e 2011 o custo unitário do trabalho (salários divididos pela produtividade média da mão de obra) na indústria elevou-se em torno de 15% em termos reais.

A elevação dos salários reais não é acarretada pelo aumento da demanda de mão de obra da indústria, que segundo os dados do Caged vem contratando muito pouco ou mesmo nada. Ela é proveniente do aquecimento do setor de serviços que acarreta, simultaneamente: o aumento da demanda agregada de bens de consumo, devido à sua contribuição ao aumento da massa real de salários; e o aumento do custo unitário do trabalho para a indústria.

O setor produtor de serviços também sofre as consequências da elevação do custo unitário do trabalho, mas, como é fechado ao comércio internacional, pode repassá-lo pelo menos parcialmente aos preços. Já o setor industrial é muito aberto, e a competição dos produtos importados limita a sua capacidade de repassar aumentos de custos para preços.

Em consequência, estreitam-se as "margens" da indústria, limitando a sua capacidade de crescer. Em grande parte os estímulos derivados do aumento da demanda doméstica "vazam" para as importações. Mas esse "vazamento" não decorre apenas da valorização cambial e dos baixos preços internacionais de produtos importados e exportados pelo Brasil, e também da elevação do custo unitário do trabalho.

Diante desse quadro, o governo acena com três reações. Primeiro, procura acentuar estímulos à demanda, quer para elevar o consumo, quer, como diz a presidente Dilma, para "libertar o espírito animal" dos empresários, levando ao aumento da formação bruta de capital fixo. Além de o BC prosseguir baixando a taxa real de juros, devem ampliar-se as pressões para expansão do crédito, com o uso dos bancos públicos. Já há alguns meses vêm caindo as taxas de 12 meses de expansão do crédito de bancos privados nacionais, o que se deve em grande parte à inadimplência elevada do crédito ao consumidor provocada pelo exagero no financiamento a automóveis em 2010, mas em contrapartida vem se elevando a taxa de 12 meses de expansão do crédito de bancos públicos, e entre eles o BNDES, que deve ser premiado com novas transferências do Tesouro.

Segundo, o governo quer evitar a continuidade da valorização cambial e, se possível, gerar algum enfraquecimento adicional do real. Para isso manterá elevadas as intervenções no mercado de câmbio e, se necessário, poderão ser tomadas novas medidas tributárias para desestimular ingressos de capitais. Terceiro, pode intensificar formas disfarçadas de protecionismo, como o uso de alíquotas diferenciadas de impostos indiretos domésticos, como aumento das alíquotas do IPI sobre produtos importados que tenham simulares domésticos, como já ocorreu nos automóveis.

Outra linha de ação é o aumento puro e simples do protecionismo. Há sinais de que o ministro do Desenvolvimento vem criticando a "timidez" do ministro da Fazenda em elevar as barreiras protecionistas e o controle da taxa cambial, e não sabemos até que ponto a presidente Dilma é simpática a ações discricionárias mais fortes neste campo.

No pressuposto de que "a demanda cria a própria oferta" o governo provavelmente vai disparar novos estímulos à demanda e novas formas de evitar os "vazamentos" da demanda para o exterior.Oque esperar?

Se no contexto de fortes estímulos à demanda doméstica o governo tiver sucesso em enfraquecer o real e/ou elevar direta ou indiretamente o protecionismo, colherá um aumento adicional da inflação. Os dados de preços mostram que a inflação de "serviços" continua elevada devido às pressões salariais. Essas pressões tenderão a se acentuar com novos estímulos à expansão da demanda. Lembremos que a contribuição maior para reduzir a inflação vem dos preços dos bens "tradables" industrializados, que se interromperá com o enfraquecimento do real e o aumento do protecionismo.

Se o governo ainda estiver comprometido com a inflação baixa, terá de limitar o enfraquecimento do real e o protecionismo.  Com isso, evitará inflação mais alta nos bens "tradables industrializados", mas ao continuar estimulando a expansão da demanda não conterá a alta de salários reais.O mais provável, contudo, é que a perseguição de uma meta de inflação mais baixa seja coisa do passado.

Infelizmente esse é um quadro no qual não há preocupações com a produtividade e com a eficiência econômica. A busca desses objetivos não parece ter importância, mesmo porque produz resultados apenas a longo prazo, e o horizonte do governo é o do seu mandato, e não o que garanta o crescimento de longo prazo.

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Amir Khair
Estimular a industrialização
As atenções do governo estão voltadas ao processo de desindustrialização em curso no País. Para isso acabou de lançar o segundo pacote de estímulos à indústria, com medidas mais fortes do que o primeiro, o Brasil Maior, lançado em agosto.
Trata-se de um conjunto de medidas de estímulo à competitividade que envolve desonerações fiscais, crédito mais abundante, proteção contra o produto importado, medidas cambiais e preferência nas compras governamentais às empresas sediadas no País.
Conquanto essas medidas estejam no rumo certo, considero que tem alcance limitado, ficando aquém da necessidade para a retomada firme da industrialização no País.
Mas o que falta?
Alguns acham que é necessário fazer reformas, e citam a tributária, a trabalhista e a previdenciária. Outros o câmbio com o real sobrevalorizado e outros as taxas de juros cobradas pelos bancos. Vamos avaliar os argumentos, a posição do governo e apresentar propostas que possam contribuir ao debate.
O pano de fundo é a maior guerra comercial da história, com maior concorrência atingindo as indústrias em todos os países, não só aqui.
1. Reformas. Virou lugar comum falar que são necessárias reformas. Fato é que não são fáceis de serem aprovadas, pois envolvem fortes interesses em disputa no âmbito do Congresso. Foram inúmeras as propostas de reforma tributária, todas desejando simplificar as 27 legislações estaduais sobre o ICMS por uma única legislação federal com cobrança desse imposto no destino, onde o bem é consumido ou usado, ao invés de sê-lo na origem onde é vendido. Essa reforma só poderá ser aprovada se o governo bancar as perdas de arrecadação nas operações interestaduais que poderão ocorrer para oito Estados.
A reforma previdenciária no sistema geral deixou de ser necessária, pois ficou provado que o sistema urbano é e continuará sendo superavitário e o sistema rural, que é deficitário, tende a sê-lo cada vez menos com a redução da população rural. Além disso, nenhum impacto teria essa reforma para a indústria.
A reforma trabalhista, sim, teria o impacto na indústria caso fosse possível flexibilizar as regras no mercado de trabalho, mas dificilmente passa no Congresso dada a forte resistência das centrais sindicais para não permitir a perda de direitos conquistados.
Assim, apostar na solução das reformas não vai resolver, podendo inclusive piorar a situação.
2. Câmbio. É a maior dor de cabeça do governo e da indústria. A valorização do real chegou a tal ponto que é quase impossível competir com o produto estrangeiro. Para se ter uma ideia, no Plano Real, para controlar a inflação, usou-se mega taxa de juro para atrair especuladores externos para valorizar o real. Com isso formou-se a âncora cambial com o real equivalendo a um dólar. Em valores de hoje esse câmbio do Plano Real, considerando a inflação pelo IPCA valeria R$ 2,60 por dólar e pelo IGP-DI, R$ 3,60. O governo, no entanto, entende que o câmbio a R$ 1,80 por dólar está bom para preservar a competitividade industrial e teme que se for acima disso pode disparar processo inflacionário. Não creio.
O principal problema do governo, no entanto, é tentar segurar em R$ 1,80 face à enxurrada de dólares que está entrando no País. São US$ 8,8 trilhões que foram despejados no mercado pelos países desenvolvidos para evitar o colapso do seu sistema bancário desde a crise de 2008. Só parte insignificante desses recursos invadiu o País, mas a pressão continuará para penetrar nossa economia, tirando mais ainda competitividade das nossas empresas. O governo tem como estratégia para manter o câmbio em R$ 1,80, a compra de dólares pelo Banco Central (BC), que emite títulos para enxugar a liquidez advinda com a emissão monetária para efetuar a conversão. Com isso, está enxugando gelo e causando profundo rombo nas finanças do governo. Em 2011 ultrapassou R$ 100 bilhões essa operação. São recursos que poderiam ser usados para uma forte desoneração industrial.
Tenho defendido em artigos que a melhor forma de enfrentar o excesso de moeda externa é emitindo o correspondente em reais, ou seja, ampliando a base monetária. Isso não causará inflação, pois o controlador da inflação é externo ao País nos preços estagnados ou cadentes dos bens e serviços internacionais como decorrência da crise. E isso poderá se estender por vários anos.
Creio que um câmbio mais favorável à competitividade industrial deve ficar acima de R$ 2,00. Não prevejo inflação com essa depreciação, pois os preços dos importados cairão em dólar para tentar penetrar no País, dada a super oferta internacional.
3. Taxa de juro. Na crise de 2008, o presidente Lula determinou aos bancos oficiais a redução das taxas de juros e, apesar da avaliação dos bancos privados de que isso iria prejudicar os lucros e elevar a inadimplência dos bancos oficiais, o que ocorreu foi o contrário.
O governo finalmente adota essa estratégia. Ela visa ampliar o consumo e, com isso fortalecer a indústria, pois a maior parte do crescimento será atendida por ela usando sua capacidade ociosa, sem necessidade de investimento. Com o aumento das vendas, crescem os lucros e a capacidade de expansão com novos investimentos. É o círculo virtuoso do crescimento.
Atendendo determinação da presidente, na quinta feira, o Banco do Brasil reduziu suas taxas de juros e a Caixa deverá fazê-lo na próxima semana. A presidente afirmou que "não há justificativa técnica para o elevado spread bancário no País". De fato, a desculpa apresentada pelos bancos de que o spread é elevado devido à inadimplência elevada é risível, pois a inadimplência é consequência e não causa da taxa de juro. A parte do leão que querem preservar é o elevado ganho no spread.
O governo deve enfrentar essa questão conjugando outras medidas que induzam os bancos a reduzir suas taxas de juros, como, por exemplo, regular o porcentual de depósito compulsório dos bancos no BC de acordo com a taxa de juro praticada.
O caminho para o fortalecimento industrial passa pelo crescimento, que poderá ocorrer com a redução das taxas de juros bancárias e com o câmbio pouco acima de R$ 2,00. Vamos acompanhar.

sábado, 24 de março de 2012

Rubens Ricupero: debate sobre a desindustrializacao (2006)

Um texto de 2006, preparado com base nos relatórios da UNCTAD de 2003, que pode contribuir para o esclarecimento de um debate relevante.


Desindustrialização precoce: futuro ou presente do Brasil?        

Rubens Ricupero


  • O que se entende por desindustrialização precoce? 
A desindustrialização precoce é a variante patológica da chamada “desindustrialização positiva”. Quando a industrialização completou com êxito o processo do desenvolvimento e elevou a renda per capita a nível elevado e auto-sustentável, o setor manufatureiro começa a declinar, em termos relativos, como proporção do produto e do emprego. Isso ocorre em contexto de crescimento rápido e pleno emprego, no momento em que se atinge renda per capita entre $ 8,000 e $ 9,000, medidos em preços constantes de 1986, correspondendo hoje a valores nominais bem mais altos. O fenômeno é patológico quando aparece em economias onde a renda per capita é menos da metade ou até de um terço desse nível e em contexto de baixo crescimento e desemprego de massa. Nesse caso, o processo de industrialização abortou antes de dar nascimento a uma economia próspera de serviços, capaz de absorver a mão de obra desempregada pela indústria. É a “construção interrompida” do título do livro de Celso Furtado.

  • Onde ocorre o fenômeno?
Ele vem ocorrendo em numerosas economias da Africa, América Latina e do Oriente Médio no curso dos últimos 25 anos, desde a crise da dívida externa dos anos 80s. Em 2003, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) estudou o que vinha acontecendo no relatório Comércio e Desenvolvimento (Trade and Development Report) daquele ano, que pode ser encontrado e obtido no site da UNCTAD: www.unctad.org.

  • Qual foi o resultado do levantamento?
A UNCTAD chegou à conclusão de que, em relação a esse problema, as economias em desenvolvimento poderiam ser divididas em cinco grandes categorias, a saber:
    1. O grupo original e mais avançado dos “tigres” asiáticos (Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura e Hong Kong), principalmente a Coréia do Sul e Taiwan, que já atingiram nível adiantado de maturidade industrial por meio de rápida acumulação de capital, crescimento do emprego em geral, da produtividade e do emprego industriais, assim como das exportações de manufaturas. Nessas economias, a porcentagem da produção industrial no PIB é bem superior à dos velhos países industrializados mas o rítmo da expansão da capacidade produtiva e da produção no setor industrial desacelerou-se muito em comparação ao que ocorria em décadas passadas.
    2. O segundo grupo, também maciçamente asiático, inclui a Malásia e a  Tailândia, bem como, em nível menos avançado, a China e, em grau menor, a India. São os países que, há várias décadas, vêm se industrializando de modo acelerado, aumentando a proporção de manufaturas no emprego, na produção e nas exportações, ao mesmo tempo em que estão transformando sua estrutura, passando dos produtos intensivos em mão de obra e recursos naturais para os artigos de média e alta tecnologia.
    3. O terceiro abrange os países que se integraram nas redes internacionais de produção mediante a concentração em operações intensivas em mão de obra destinadas à montagem de produtos cujos insumos são em grande parte importados. O México e as Filipinas, bem como, mais recentemente, países do Caribe e da América Central signatários de acordos de livre comércio com os Estados Unidos, destacam-se na categoria. Tais economias tiveram rápido aumento no emprego industrial (o desemprego no México, por exemplo, é bem inferior ao da média da Argentina, do Brasil e do Chile). Outra característica do grupo é o veloz aumento de exportação de manufaturas. Não obstante, esses países vêm apresentando desempenho modesto em termos de investimento, de valor agregado em manufaturas, de crescimento da produtividade e de crescimento econômico de maneira geral.
    4. A quarta classe é a dos países que alcançaram um nível razoável de industrialização mas se revelaram incapazes de sustentar um processo dinâmico de aprofundamento industrial em contexto de crescimento rápido. É o caso da Argentina e, em nivel muito menos grave, o do Brasil, onde tem sido pobre o desempenho do investimento, a indústria vem perdendo importância relativa no emprego total e no valor adicionado, o crescimento da produtividade resultou mais da redução da mão de obra que da acumulação rápida e do progresso técnico, o upgrading industrial é ainda limitado e as exportações continuam  dominadas por produtos primários e manufaturas de baixo valor agregado. Nessas economias, o avanço em certas indústrias como a aeronáutica e de automóveis não teve a profundidade e o vigor necessários para disseminar-se pelo restante do tecido industrial e para  estabelecer um processo dinâmico e de alta tecnologia na indústria como um todo.
    5. O quinto grupo é o de países que obtiveram crescimento forte e sustentado mediante a intensificação da exploração de seus recursos naturais abundantes através de um rítmo acelerado de acumulação de capital. O exemplo mais notável é o do Chile. No entanto, essas economias têm demonstrado desempenho fraco em termos de valor agregado em manufaturas e de exportações industriais, persistindo nelas elevado desemprego. Parecem limitadas as perspectivas de mudança estrutural adicional e de futuro crescimento de produtividade na base exclusiva de estratégia fundamentada nos recursos naturais.    
  • O que emerge dessa análise comparativa?
O contraste entre a Asia do Leste e a América Latina é marcante. Todos os países maiores da América Latina (Argentina, Brasil, México) situam-se em grupos sem dinamismo em industrialização, mudança estrutural e aumento da produtividade, ao passo que a maioria das economias do leste asiático se encontra em vários estágios de industrialização de êxito. Persistem, portanto, as fraquezas estruturais que, a partir dos anos 80s, deram impulso a radicais mudanças de política na América Latina. Apesar dos avanços indiscutíveis, não há como negar que as reformas de políticas não conseguiram criar as condições necessárias para iniciar um rápido processo de acumulação de capital e de transformação tecnológica capaz de reestruturar as economias latino-americanas com vistas a enfrentar os desafios de integração no sistema globalizado de comércio. Tudo indica que existe relação nítida entre o prosseguimento e adensamento da industrialização e a criação dessas condições.

Não se poderia afirmar, ao contrário, que a desindustrialização é a consequência positiva do abandono da política de substituição de importações e da adoção de estratégia voltada para as exportações, permitindo a melhor alocação de recursos a setores nos quais essas economias são mais competitivas, como no de recursos naturais em agricultura e mineração?

Essa afirmação seria verdadeira se o declínio relativo da indústria tivesse coincidido com a aceleração significativa do crescimento, o que, de fato, ocorreu no Chile, mas não na Argentina, no Brasil e no México. Além disso, a comparação com economias européias ricas em recursos naturais como algumas da Escandinávia indica que, até mesmo no Chile, a porcentagem do emprego industrial no final dos anos 90s se situava apenas entre a metade e um terço do nível atingido pelos escandinavos, quando estes se encontravam em patamares de renda comparáveis. Nessas economias escandinavas ricas em recursos naturais, essa porcentagem só começou a cair a partir de nível de renda muito superior ao que sucedeu na América Latina.

Isso significa que não existiriam exemplos de países que alcançaram o desenvolvimento pleno sem industrialização, exclusivamente na base da exploração eficiente de recursos naturais?
Na verdade, a experiência histórica confirma que as economias de países como a Austrália, o Canadá e de alguns dos escandinavos, que utilizaram mais amplamente as exportações de produtos primários para atingir altos níveis de renda, passaram todas por períodos de forte desenvolvimento e diversificação da indústria como componentes essenciais de sua estratégia de crescimento. Mesmo as cidades-estados do nosso tempo – Hong Kong e Cingapura – hoje predominantemente economias de serviços, recorreram no início e por longo tempo à industrialização a fim de superar a estreiteza do mercado nacional e para deslanchar o processo de desenvolvimento.

De que maneira opera a industrialização nesse processo?
Em longo prazo, são as conquistas de produtividade que asseguram o êxito econômico e não apenas a acumulação de capital por si mesma. Um processo virtuoso de acumulação e crescimento sustentado está sempre associado a mudanças estruturais na produção e no emprego como resultado tanto da expansão e diversificação das atividades econômicas, passando da agricultura à indústria e desta aos serviços, quanto da evolução para atividades de maior valor adicionado dentro de cada setor, mediante a introdução de novos produtos e processos.
Há diferenças sensíveis entre os vários setores em termos dos respectivos potenciais para o progresso técnico e para o crescimento da produtividade. A importância de estabelecer uma ampla base industrial deriva justamente do grande potencial da indústria para um forte crescimento da produtividade e da renda. Esse potencial provém, do lado da oferta, da predisposição da indústria para desenvolver economias de escala, para a especialização e o aprendizado e, do lado da demanda, de condições globais de mercado e de preços habitualmente mais estáveis e favoráveis do que para os produtos primários, sujeitos a frequentes oscilações e com certa tendência a um declínio secular. Trabalhos de Kaldor e Kuznets demonstraram a existência de estreita corrrelação entre as taxas de crescimento da industrialização e da produtividade, assim como entre a aceleração do crescimento e o deslocamento do fator trabalho, do setor primário, de baixa produtividade, para o industrial, de produtividade mais elevada. Não se deve esquecer, aliás, que a agregação de valor a produtos primários da agropecuária e da mineração se faz geralmente mediante processos industriais, daí se originando  denominações como agro-indústria, indústria agro-alimentícia etc.

Mas, se as vantagens de manter forte base industrial são tão evidentes, como se explica que os países latino-americanos se tenham resignado a sacrificá-la em muitos casos? 
A explicação reside, em última análise, no impacto da crise da dívida dos 80s, verdadeiro divisor de águas que desviou, de maneira duradoura, muitos países da trajetória de desenvolvimento que até então vinham seguindo. Os latino-americanos tiveram de adotar drásticas mudanças de política econômica, no esforço para reduzir os níveis de endividamento e controlar inflações que ameaçavam deteriorar em hiperinflações. Embora tenha sido inegável o êxito em atingir alguns desses objetivos, as reformas nunca foram capazes de fazer com que o nível de investimento retornasse à fase pré-crise. De modo geral, a América Latina parece haver estabilizado seu nível de formação de capital em torno do investimento por ano de apenas 20% ou menos do PIB, significativamente inferior aos 25% considerados como o ideal para economias em estágio intermediário de desenvolvimento e igualmente muito abaixo da média do investimento prevalecente na fase pré-crise.
Tal situação de debilidade macroeconômica, de investimento insuficiente e de instabilidade permanente de taxas de juros e de câmbio preparou mal as economias latino-americanas para o “choque de competição” decorrente da liberalização comercial e financeira simultânea ao processo de ajuste. Inúmeros setores, especialmente na indústria manufatureira, não foram capazes, devido ao estado critico em que se encontravam, de reagir à concorrência de produtos importados no momento em que perderam a proteção. O processo latino-americano de abertura de choque, conduzido em fase de crítica precariedade da situação macroeconômica, contrasta com o das economias asiáticas, muito mais gradual, progressivo, seguro e realizado a partir de posição de força, por economias capazes de investir 30% ou mais do PIB anualmente e bafejadas por juros extremamente baixos, frequentemente subsidiados, por taxa de câmbio desvalorizada, carga tributária pequena e mínimos encargos trabalhistas e previdenciários.

Não é verdade, então, que a situação macroeconômica da região melhorou? 
Não até o ponto desejável. De fato, uma saudável macroeconomia exige não apenas estabilidade de preços, mas outras condições indispensáveis para propiciar níveis elevados de investimento. Muitas das condições que exercem forte influência nas decisões de investimento e de alocação de recursos, incluindo preços-chaves tais como a taxa de câmbio, a taxa de juros e os salários reais, de grande impacto na demanda agregada, têm sido extremamente instáveis no continente. Isso se deve, em parte, ao aumento da instabilidade do sistema internacional de pagamentos e à volatilidade externa associados com choques financeiros e comerciais. Por outro lado, alguma responsabilidade cabe igualmente à perda de autonomia em matéria de política macroeconômica resultante da rápida liberalização e da estreita integração nos mercados financeiros globais. Além disso, em lugar de “get the prices right”, as forças de mercado tenderam a manter as taxas de juros e de câmbio em níveis que impediram a rápida acumulação de capital e a mudança tecnológica. Em outras palavras, a nova estratégia econômica fracassou em produzir um meio-ambiente macroeconômico apropriado para encorajar investidores e empresas, apoiando-os na criação e expansão da capacidade produtiva e no aprimoramento da produtividade e da competitividade internacional.

Não se poderia descrever o que aconteceu na América Latina como mais uma manifestação do processo de “destruição criativa” de Schumpeter?
Seria difícil argumentar nesse sentido. Durante a fase de ajustamento pós-crise da dívida, estima-se que cerca de 7.000 firmas chilenas desapareceram, a maioria de porte médio. Na Argentina, esse número foi de l5. 000. Muitas foram substituídas por grandes empresas estrangeiras cujos setores de engenharia e de pesquisa e desenvolvimento se encontravam no país de origem. Algo similar ocorreu no Brasil com a aquisição por firmas estrangeiras de boa parte do setor de autopeças ( Cofap, Metal Leve ) e do setor eletrônico e de equipamento de telecomunicações sediado em Campinas. De novo, em muitos casos, o setor de pesquisa foi radicalmente reduzido ou teve sua natureza alterada, passando a ocupar-se apenas da adaptação da tecnologia da matriz a condições locais, o que se chama no jargão de “tropicalização” da tecnologia. Engenheiros de pesquisa foram reciclados em gerentes de vendas. Um estudo de Cimoli e Katz observa que, em 1974, o lançamento do Taurus pela Ford Argentina demandou 300.000 horas de trabalho por uma equipe de 120 engenheiros, ao passo que hoje, para produzir o “world car”, a Ford não emprega nenhum engenheiro na Argentina. O que houve, portanto, foi que a parte de “destruição” ocorreu na Argentina, enquanto a parte mais interessante, a da “criação”, foi transferida para o país exportador ou sede da empresa transnacional.
            O problema foi agravado por algumas das privatizações de empresas estatais que, em certos países, eram responsáveis, juntamente com universidades e instituições públicas, por 80% dos gastos em pesquisa tecnológica, em áreas como as telecomunicações e energia, como era o caso do Brasil. Frequentemente, repetiu-se aqui o padrão de muita destruição e pouca criação. O balanço líquido foi um retrocesso na geração local de tecnologia e o aumento de uma dispendiosa dependência tecnológica em relação ao estrangeiro. Essa foi uma das razões que levaram a uma mudança na composição da produção e das exportações de países da região, que se concentraram mais ainda do que no passado nos produtos oriundos de recursos naturais, distanciando-se dos setores com maior potencial de aumento da produtividade. Não é de admirar, nessas condições que, fora exemplos esporádicos como o da indústria aeronáutica, cuja existência, aliás, se deve a uma política de Estado, seja extremamente limitada a oferta de países como o Brasil em matéria de manufaturas de alta tecnologia e valor agregado capazes de competir com os produtos asiáticos em mercados altamente competitivos como os dos Estados Unidos e dos países europeus.

Que tipos de indústrias conseguiram sobreviver a essas condições adversas?
Como é sabido, muitas das indústrias de ponta, responsáveis pelos produtos mais dinâmicos do comércio mundial – computadores, componentes eletrônicos, máquinas e equipamentos de escritório, química fina, fármacos – praticamente desapareceram do panorama produtivo da América Latina, salvo sob o aspecto de linhas de montagem. O que sobrou foi basicamente: a) indústrias de processamento de recursos naturais a fim de produzir commodities industriais, tais como papel, celulose, suco de laranja, farelos e óleos vegetais, ferro, aço, alumínio, metais, cimento; b) indústrias de alimentos, de material de limpeza, cosméticos, de móveis etc; c) linhas de montagem de equipamento eletrônico, aparelhos de TV e vídeo, de telecomunicações como os telefones celulares; d) indústrias têxteis, de vestuário e calçados, crescentemente pressionadas pela concorrência chinesa; e) petroquímica em alguns países, graças à significativa proteção tarifária; f) indústria de automóvel e de equipamento de transporte, objeto de tratamento protetivo especial, às vezes no contexto de acordos subregionais como o Mercosur. Fora poucas exceções, como a da indústria automobilística, esses não são em geral os tipos de setores que desempenham papel decisivo para aumentar a competitividade internacional por meio da pesquisa e desenvolvimento de produtos e do progresso tecnológico.
            No caso do Brasil, o panorama é mais diversificado, já que o país foi capaz de preservar estrutura industrial bem mais ampla e completa do que na maioria de outras nações do continente. Essa estrutura, felizmente para nós, inclui até mesmo um setor bastante razoável de bens de capital, maquinária e equipamento. Alguns ou muitos desses setores sofrem hoje outro tipo de “choque de competição”, o da concorrência chinesa, que opera como uma espécie de segunda geração de pressões e desafios em relação ao primeiro impacto da liberalização dos anos 90s. A sobrevivência até o instante de base industrial mais diversificada no Brasil é razão a mais para identificar políticas e medidas de indiscutível qualidade econômica, que sejam capazes de evitar que a indústria, sobrevivente do primeiro choque, não se afogue agora no segundo.
            O processo de rápida liberalização produziu na América Latina dois padrões específicos, mas contrastantes na especialização industrial. Os países mais estreitamente ligados ao mercado dos Estados Unidos, seja pela vizinhança geográfica, seja por acordos comerciais, se concentraram nas indústrias de linha de montagem tipo maquiladoras que produzem quase exclusivamente para o mercado americano ou para reexportação para terceiros a partir dos EUA, criando empregos de baixa especialização e modestos salários. Por outro lado, as economias da América do Sul tais como as da Argentina, do Chile e, com as qualificações e diferenças acima expostas, no exemplo particular do Brasil, expandiram as indústrias baseadas em recursos naturais, aumentando a intensidade em capital de tais atividades, mas sem impacto correspondente na geração de empregos. Ambos os tipos de atividades possuem conteúdo relativamente baixo de valor agregado interno e nenhuma delas proporciona o gênero de transformação da produção nacional e do padrão exportador capaz de fazer do comércio um motor de crescimento.

O que fazer? 
Acima de tudo, evitar fórmulas simplistas e simplórias. Como, por exemplo, a do famoso “choque de competitividade” de vez em quando ressuscitada por assessores do Ministério da Fazenda e gente vinculada ao mercado financeiro. A última versão foi a da redução substancial das tarifas industriais.  Embora pareça supérfluo, não custa repetir que é absurdo falar de “choque de competitividade” no momento em que o setor produtivo enfrenta no Brasil condições incomensuravelmente mais adversas do que os concorrentes potenciais em todos os fatores-chaves determinantes da competitividade internacional, a saber, a taxa de juros, a taxa de câmbio, a carga tributária e o custo de transação resultante da infraestrutura de serviços.
Um fenômeno de causas tão complexas e variadas como é a desindustrialização precoce só poderá ser combatido por terapêutica igualmente diversificada, que contenha ingredientes capazes de atacar as raízes macroeconômicas descritas acima, assim como os problemas de diferente natureza aqui exemplificados na área de ciência e tecnologia, de pesquisa e desenvolvimento de produtos, de inovação etc. Identificar os diversos componentes de tal terapêutica é precisamente o objetivo do seminário que se realizará na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), no próximo dia 28 de novembro. Nessa ocasião, um dos mais importantes objetivos seria estimular um esforço sistemático e constante com vistas a valorizar o papel transformador e de liderança da indústria manufatureira no processo de desenvolvimento, reatando com a tradição de pioneiros como Roberto Simonsen e Euvaldo Lodi. Para isso, será indispensável reagir contra o verdadeiro preconceito que, consciente ou inconscientemente, se criou contra o setor, voltando a dar-lhe condições normais para poder concorrer internacionalmente e sobreviver no âmbito interno.
Um elemento indispensável em tal sentido é uma estratégia para as negociações internacionais que não aumente ainda mais as dificuldades que já enfrenta em função das condições hostis de juros, câmbio e tributos internos. Esse perigo existe não só nas negociações de acordos de livre comércio como nas da Rodada Doha, da Organização Mundial de Comércio (OMC). Nestas últimas, ficou claro nas semanas recentes que a tática dos “usual suspects” em matéria de protecionismo agrícola (França et caterva) é repetir o bem-sucedido jogo utilizado na Rodada Uruguai: alegar a impossibilidade de qualquer movimento em agricultura se não houver antes concessões substanciais do Brasil principalmente, da India e de alguns outros em NAMA ou Non-Agricultural Market Access, isto é, em produtos industriais (e também em serviços). Conforme se sabe, pagamos, naquela ocasião, preço altíssimo em reduções tarifárias industriais, propriedade intelectual, medidas de investimento relacionadas ao comércio (como a proibição do conteúdo local ou índice de nacionalização no processo manufatureiro), em perda de flexibilidade ou “policy space” para adotar políticas de estímulo à indústria, de amplo e irrestrito uso pelos países avançados quando ainda se encontravam em fase de industrialização. Nossos ganhos em agricultura, em compensação, foram modestos e mais conceituais do que concretos.
No momento, algumas das fórmulas propostas em Genebra por países desenvolvidos implicariam reduções, da parte de países em desenvolvimento, de mais de dois terços na média ponderada das tarifas aplicadas e de mais de três quartos dos níveis atuais da média ponderada de suas tarifas consolidadas. Conforme tem sido demonstrado nos estudos recentes dos economistas da UNCTAD, S.F.Fernández de Cordoba, Sam Laird e David Vanzetti, tais reduções constituiriam cortes incomparavelmente mais profundos do que os efetivados pelos principais países ricos ao longo dos 30 anos após a Segunda Guerra Mundial. A experiência histórica indica que, no processo de industrialização, o que conta não é tanto o nível médio das tarifas, mas seu perfil setorial. A tarifa ideal é a desenhada para proteger o processo de aprendizagem e de aquisição de competitividade nos setores dinâmicos, não nas indústrias em declínio. Um dos fatores que diferenciaram a Coréia do Sul e Taiwan e explicam o êxito da industrialização dessas duas economias foi justamente uma estrutura tarifária racional inspirada no princípio da proteção seletiva e temporária (Yilmaz Akyuz, The WTO Negotiations on Industrial Tariffs: What is at Stake for Developing Countries, TWN, Penang, Malaysia, 2005).
Essa verdade nos aconselha extrema cautela nas atuais negociações, uma vez que as fórmulas mais favorecidas pelos negociadores representariam perdas substanciais e súbitas de proteção em setores como o automobilístico e o eletrônico, exatamente os que apresentam as características desejáveis de dinamismo e alta capacidade multiplicadora de efeitos benéficos para a indústria como um todo. 
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Nota: Salvo algumas observações pessoais, sobretudo em relação ao Brasil, o presente trabalho é, em grande parte, extraído do 2003 Trade and Development Report da UNCTAD, época em que desempenhei as funções de Secretário Geral da Organização. Busquei aqui organizar e sintetizar as principais teses e demonstrações do relatório, com ênfase nos capítulos IV (Economic Growth and Capital Accumulation), V (Industrialization, Trade and Structural Change), e VI (Policy Reforms and Economic Performance: the Latin American Experience). O mérito do trabalho cabe aos redatores do relatório, dentre os quais o Dr. Yilmaz Akyuz, então Diretor da Divisão sobre Globalização e Estratégias de Desenvolvimento e Chief Economist da UNCTAD e a seus principais colaboradores, Richard Kozul-Wright e Jorg Meyer.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Os iPads na ilha da fantasia - Kleuber Cristofen Kleber Cristofen PiresPires

Meu amigo economista Kleuber Cristofen Pires faz uma análise irretocável das bobagens do governo no que esse ajuntamento de esquizofrênicos econômicos acredita ser "política industrial", um travestimento ridículo para dar dinheiro a capitalistas de guichê, que vão ganhar dinheiro em cima de todos os brasileiros apenas porque alguém no governo quis porque quis ter iPads fabricados no Brasil (sem perguntar o custo e as distorções dessa medida totalmente artificial).
A pretensão, repito, é ridícula, e custosa, e vai revelar mais uma vez como o Brasil é não apenas mercantilista, mas totalmente em descompasso com as tendências mundias de integração produtiva.
Nossos dirigentes são caipiras, e mais do que isso, são totalmente defasados no plano econômico e diplomático. O Brasil se isola num mundo cada vez mais globalizado, com políticas mesquinhas no plano econômico.
Paulo Roberto de Almeida
Os Ipad's na Ilha da Fantasia
Kleber Cristofen Pires
Posted: 26 Jan 2012 11:53 AM PST

Com a nacionalização de Ipad's,governo usa o casuísmo para fins eleitorais.


No dia 25/01/2012, foi publicada noDiário Oficial da União a Portaria Interministerial nº 034, de 23 de janeiro de 2012, que concede diversos benefícios fiscais à empresa taiwanesa FOXCONN Indústriade Eletrônicos Ltda, especialmente isenção de IPI, PIS e Cofins, para a produção de Ipad's em território nacional, mediante os compromissos de investimento em pesquisa e desenvolvimento e utilização de componentes de fabricação nacional segundo os percentuais estipulados pela parafernália de artigos contidos no Decretonº 5. 906/2006 e leis que o sustentam.
Desta forma, pretendem os nossos burocratas que os consumidores brasileiros sejam contemplados com os disputados produtos da Apple, tão inacessíveis atualmente, comunidades produzidas nacionalmente e a preços razoáveis.
Vejam, prezados leitores, a que ponto chegou o particularismo legislativo: Desta nossa Constituição esquizofrênica, da qual que se pode extrair o que se quiser conforme as interpretações convenientes ao momento, dá-se um pisão naquele artigo 5º, que diz sermos todos iguais perante a lei, e criam-se leis que fingindo de abstratas, foram e vão sendo sancionadas com vistas a atender interesses bastante específicos;adiante, baixa-se um decreto que as regulamente e que torça ainda um pouco mais a palmeira para se alcançar o coco que finalmente, será colhido por meio de uma portaria.
Tudo muito constitucional, tudo muito legal....mas nada justo!
Agora, por que eu, como dono de uma padaria ou de uma fábrica de fios têxteis, não tenho direito igualmente a tais isenções fiscais? Então eu também não preciso investir no desenvolvimento dos meus produtos?
O sistema constitucional e legal erguido sobre a doutrina positivista sempre há de desembocar nos particularismos justificados pelos argumentos mais criativos, para privilegiar os setores que o estado considera como estratégicos ou convenientes, por qualquer motivo, por mais esdrúxulo que seja,desde que ele seja a razão de ser de si próprio.
Na correr deste rio, são tragados como as terras caídas os nefastos potencialismos de seleção por parte de quem ocupa as cadeiras decisórias do estado, a decidir quem pode e quem não pode ser contemplado por suas benesses, conforme as retribuições que este possa prover para o agigantamento do poder dos agentes do estado.
Malgrado toda boa vontade e lídima honestidade possível neste mundo, nem por isto afasta-se o perigo do dirigismo estatal sobre a economia, fadando-se ao fracasso inexorável os seus projetos, pelo simples motivo de que em um sistema capitalista livre prevalece uma fantástica interdependência que não pode ser reproduzida em cativeiro.
Sobre isto, há um famoso artigo, chamado de “Eu, o lápis”, de Leonard E. Reed, que explica magistralmente a intrincada e impossível de rastrear teia de relações humanas capazes de fazer com que uma criança tenha em mãos o tão singelo instrumento de escrever, do qual reproduzo adiante um trecho para degustação:

Não há nenhuma pessoa na face da terra que saiba me fazer. Soa fantástico, não?
Minha árvore genealógica começa com uma árvore, um cedro de fibras retas que cresce no norte da Califórnia e em Oregon. Agora contemple todas as serras, tratores, cordas e incontáveis outros equipamentos utilizados na coleta e transporte dos troncos de madeira até a estrada de ferro. Pense agora em todas as pessoas e incontáveis habilidades que foram necessárias para a fabricação desses equipamentos: a mineração do ferro, a fabricação do aço e a transformação deste em serras, machados e motores; o cultivo do sisal e todo o seu processo de transformação em cordas fortes e resistentes; pense ainda nas áreas de corte dos troncos de cedro onde os lenhadores dormem em camas e têm as suas refeições servidas em grandes mesas em salas ainda maiores, o cozimento e cultivo de toda a comida necessária para alimentar a todos. Afirmo, milhares de anônimos são responsáveis por cada copo de café que os lenhadores bebem.


Temo pela Apple, tão reconhecida pela qualidade dos seus produtos, eis que será obrigada a substituir os fornecedores mais confiáveis que contribuíram para a sua excelente reputação por outros desconhecidos que se só se mantêm no mercado por conta de privilégios fiscais parecidos com os que irá desfrutar.
O Brasil não depende necessariamente de produzir tablets e Ipads em solo nacional; considerando as naturais vocações e o ambiente criado pelo regime tributário e burocrático de alfaiataria vigente - isto é, confeccionado sob medida para cada cidadão – dificilmente nosso país alcançaria as vantagens comparativas que outros países possuem.
A decisão pela produção nacionalizada destes aparelhos, portanto, reflete algo muito distinto de uma visão estratégica por parte do governo: a satisfação dos seus interesses políticos, no tanto que poderá lucrar nas urnas com a propaganda de que somos um país que detém uma tecnologia de ponta, o que nem de longe há de passar pela verdade, eis o notório processo de desindustrialização que estamos testemunhando.
Em uma sociedade livre, capitalista e próspera, a inovação tecnológica emerge da conjunção de um sem-número de colaboradores diretos e indiretos, uns inventando novos processos, outros novos materiais, outros novas ferramentas, e assim por diante. Mais do que isto, segundo o pensamento do filósofo francês Alain Peyrefitte, o gênio criativo de uma nação desperta como a reação em cadeia que é fruto de uma complexa combinação de elementos.
Infelizmente, pagarão por isto todas as empresas brasileiras que possuem algum potencial de inovação tecnológica mais urgente e necessária em qualquer outro setor e que serão sobrecarregadas por terem de pagar impostos por elas e pelos apaniguados. Obviamente, no fim da linha, pagarão a mais todos os brasileiros, mesmo aqueles que jamais sonharão em adquirir um Ipad em suas vidas.
Botar uma fábrica da Apple para produzir tablets em solo caboclo segundo condições um tanto artificiais estipuladas pelo governo soa como o papagaio que é ensinado a produzir sons que se aparentam a palavras.