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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Protecionismo: o debate equivocado - Sandra Rios, Jose Tavares


Sandra Polonio Rios, José Tavares de Araujo
O Estado de S.Paulo, 29 de outubro de 2012

Nas últimas semanas a questão sobre o aumento do protecionismo no Brasil tem ocupado espaço importante no debate nacional. Às acusações de que o País está recorrendo crescentemente a medidas de proteção, ultrapassando em alguns casos a linha da ilegalidade em relação a suas obrigações na Organização Mundial do Comércio (OMC), o governo brasileiro reage argumentando que age no limite das normas multilaterais de comércio e que nada mais faz do que defender a indústria nacional das medidas protecionistas dos demais.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo do dia 23/10, o secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Alessandro Teixeira, classificou de "ultrapassadas" as regras de defesa comercial da OMC e reagiu às acusações de protecionismo: "Jogamos dentro das regras do jogo. E, dentro das regras, jogamos para ganhar. Ponto". Um mês antes, o ministro Guido Mantega havia recorrido ao ranking de países mais protecionistas elaborado pelo Global Trade Alert (http://www.globaltradealert.org) para refutar a visão de que o Brasil é protecionista. O ranking colocava o Brasil em 9.o lugar na lista, atrás de Rússia, Argentina, Índia, Estados Unidos e China, entre outros.
Esse debate parece um tanto equivocado. Em primeiro lugar, porque não faz sentido contar e comparar medidas de caráter completamente diferentes implementadas por países com graus variados de abertura ao comércio. O Brasil já é a economia mais fechada do mundo. Em segundo lugar, mais importante que discutir se "jogamos dentro das regras do jogo" é avaliar se essas medidas são adequadas aos objetivos de crescimento e desenvolvimento da indústria nacional.
O Brasil vem recorrendo de forma mais intensa a medidas de proteção desde meados de 2010. O arsenal de instrumentos que vêm sendo utilizados é variado e inclui, entre outros, a elevação de tarifas de importação, medidas antidumping, medidas não tarifárias e o amplo recurso à exigência de conteúdo nacional para acesso preferencial a compras governamentais ou a incentivos fiscais e creditícios. Exemplo recente de medida protecionista que pode ter efeitos deletérios sobre a competitividade da indústria brasileira foi a elevação das tarifas de importação para 100 produtos, de acordo com a Resolução Camex de 28 de setembro (implementando a Decisão 39/11 do Mercosul).
A média das tarifas aplicadas aos 100 produtos incluídos na lista antes da Decisão era de 13,7%. Essa média foi elevada para 23,6% - um aumento de cerca de 10 pontos porcentuais. A composição da lista é surpreendente para quem está preocupado com questões de competitividade: com exceção das batatas, talheres e alguns tipos de papéis, os demais produtos da lista são insumos (químicos e siderúrgicos em sua maioria), partes e peças para produtos diversos e bens de capital. Não é provável que o aumento da proteção desses produtos contribua para a competitividade da indústria brasileira, principalmente dos produtos a jusante nas cadeias produtivas que empregam esses insumos, partes e peças ou bens de capital.
A preocupação aumenta quando se comparam as tarifas cobradas no Brasil com as de outros possíveis concorrentes nos mercados internacionais com produtos manufaturados brasileiros: na África do Sul, a média das tarifas desses 100 produtos é 5%; na China, 7,5%; na Coreia do Sul, 5,1%; na Índia, 8,5%; no México, 4,5%; e na Turquia, 3,7%.
Ora, sempre se pode argumentar que os impostos de importação dos insumos e partes e peças podem ser rebatidos, por meio do uso do drawback, se os produtos que os utilizam forem exportados. Portanto, a competitividade das exportações não seria prejudicada. Mas nem todas as empresas conseguem fazer uso desse instrumento e, se as vendas forem destinadas ao mercado doméstico, os impostos pagos sobre os insumos não serão rebatidos. Resultado: as medidas implementadas pelo governo em 28 de setembro irão exacerbar as desvantagens comparativas das indústrias produtoras de bens finais em relação às suas congêneres no resto do mundo.
A política de proteção faz parte de um estilo de política industrial que foi usado com relativo sucesso no Brasil durante a segunda metade do século passado, mas que não mais atende aos desafios que a indústria nacional enfrenta nos dias atuais, por uma razão simples: a natureza dos problemas vividos pelo País naquela época é radicalmente distinta daquela que vigora hoje.
O principal problema da indústria brasileira hoje em dia não é o de aumentar o conteúdo doméstico da produção, mas o de ser capaz de acompanhar o ritmo do progresso técnico internacional e se inserir competitivamente nas cadeias globais de valor. Na verdade, após dez anos de apreciação cambial, o Brasil continua sendo a economia mais fechada do mundo: em 2010, a parcela do PIB relativa a importações de bens e serviços foi de apenas 12%. Nada indica que, passados dois anos de uso mais intensivo de medidas voltadas a proteger a produção doméstica, estejamos indo na direção esperada: recuperação da indústria com maior produtividade e crescente inserção internacional. Enquanto isso, a muito mais promissora agenda do "custo Brasil" continua encalhada em Brasília.

* SÃO DIRETORES DO CENTRO DE ESTUDOS DE INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO (CINDES)

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Desvantagens comparativas da indústria - Sandra Polónia Rios e José Tavares de Araujo Jr


O CINDES tem a satisfação de encaminhar o artigo Desvantagens comparativas da indústria", escrito por Sandra Polónia Rios e José Tavares de Araujo Jr, diretores do Cindes, para o jornal O Estado de São Paulo, de 19 de julho de 2012. O artigo pode ser acessado clicando no link abaixo.


Atenciosamente,
CINDES




SANDRA RIOS , E JOSÉ T. DE ARAÚJO, DIRETORES DO CENTRO DE ESTUDOS DE INTEGRAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, SANDRA RIOS , E JOSÉ T. DE ARAÚJO, DIRETORES DO CENTRO DE ESTUDOS DE 
INTEGRAÇÃO, DESENVOLVIMENTO
Nos últimos meses, cada novo anúncio de indicadores de desempenho do setor industrial desencadeia previsões sombrias sobre o futuro da indústria brasileira e interpretações diversas e divergentes sobre a natureza da crise por ela enfrentada. A perplexidade aumenta ante os nada desprezíveis custos para a sociedade brasileira dos sucessivos pacotes de estímulo à produção doméstica - que incorporam crédito subsidiado, incentivos fiscais, gastos públicos adicionais com compras governamentais que privilegiam fornecedores locais, ainda que com custos mais altos para o contribuinte, entre outros instrumentos de apoio e proteção ao setor.  
Em artigo do Valor Econômico, o economista David Kupfer sugere que há uma clivagem entre os economistas que veem o fenômeno como resultado da predominância dos componentes cíclicos - associados à contração da demanda internacional e aos efeitos sobre a taxa de câmbio e pressão de importações - e aqueles que o vinculam à natureza tendencial da perda de dinamismo da indústria associada a um quadro de rigidez estrutural. Tal quadro estaria relacionado à pauta de produção muito commoditizada, que vem se consolidando no País. As evidências mostram que, quando as condições de concorrência geram oportunidades e incentivos adequados, as firmas brasileiras estão aptas a lidar com os dois desafios, como ilustram os casos de aviões, alimentos, papel e celulose e cosméticos. E vice-versa: quando as empresas se revelam incapazes de adotar determinadas inovações, esta deficiência resulta em boa medida do padrão de competição vigente no País. Por exemplo, nas últimas décadas, o avanço nas tecnologias de informação promoveu uma redução drástica nos custos de transação e estimulou a 
fragmentação das cadeias produtivas de vestuário, calçados e outras. Nestas indústrias, as estratégias empresariais dominantes passaram a ser baseadas na subcontratação de bens e serviços e na formação de parcerias estáveis entre fornecedores e compradores de insumos e componentes industriais. Entretanto, o impacto positivo das tecnologias sobre os custos de transação foi prejudicado pela precariedade da infraestrutura de transportes e pelas tarifas de importação de bens intermediários e equipamentos. Em consequência, as firmas brasileiras continuam operando com graus de integração vertical típicos de meados do século 20 e com reduzida integração às cadeias globais de valor.  
Se o problema da indústria é rigidez estrutural, algumas opções de política no Brasil parecem desenhadas para reforçar essa tendência. Como na regulação dos portos, por exemplo. Apesar dos esforços realizados na década de 90 para modernizar a estrutura portuária, as restrições impostas pelo Decreto 6.620, de 2008, implicam que um 
terminal privativo de uso misto só poderá movimentar cargas de terceiros em caráter eventual e subsidiário. Sua operação apenas será autorizada quando a movimentação da empresa autorizada justificar, por si só, a implantação e a operação da instalação portuária. Ora, o decreto representa uma clara barreira à instalação de novos terminais privativos e afeta a oferta para a circulação de contêineres - usados no transporte de 
produtos manufaturados. 
As empresas produtoras de commodities - com escala de produção suficiente - vêm investindo para resolver seus problemas de logística e transporte e também na construção de terminais privativos de granéis. Como as normas impedem a circulação de contêineres nesses terminais e as empresas produtoras de manufaturados não têm, em geral, escala suficiente para justificar economicamente a construção de terminais 
privativos para a movimentação de carga própria, continuam na dependência da evolução dos serviços dos terminais de uso público. Esse é apenas um exemplo de como as políticas públicas podem ser incoerentes. Enquanto bilhões de reais são gastos para estimular a indústria e promover as exportações, a legislação brasileira impede que o 
investimento privado contribua para baratear o custo e estimular a inserção internacional da indústria de manufaturados.