Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo do dia 23/10, o secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Alessandro Teixeira, classificou de "ultrapassadas" as regras de defesa comercial da OMC e reagiu às acusações de protecionismo: "Jogamos dentro das regras do jogo. E, dentro das regras, jogamos para ganhar. Ponto". Um mês antes, o ministro Guido Mantega havia recorrido ao ranking de países mais protecionistas elaborado pelo Global Trade Alert (http://www.globaltradealert.org) para refutar a visão de que o Brasil é protecionista. O ranking colocava o Brasil em 9.o lugar na lista, atrás de Rússia, Argentina, Índia, Estados Unidos e China, entre outros.
Esse debate parece um tanto equivocado. Em primeiro lugar, porque não faz sentido contar e comparar medidas de caráter completamente diferentes implementadas por países com graus variados de abertura ao comércio. O Brasil já é a economia mais fechada do mundo. Em segundo lugar, mais importante que discutir se "jogamos dentro das regras do jogo" é avaliar se essas medidas são adequadas aos objetivos de crescimento e desenvolvimento da indústria nacional.
O Brasil vem recorrendo de forma mais intensa a medidas de proteção desde meados de 2010. O arsenal de instrumentos que vêm sendo utilizados é variado e inclui, entre outros, a elevação de tarifas de importação, medidas antidumping, medidas não tarifárias e o amplo recurso à exigência de conteúdo nacional para acesso preferencial a compras governamentais ou a incentivos fiscais e creditícios. Exemplo recente de medida protecionista que pode ter efeitos deletérios sobre a competitividade da indústria brasileira foi a elevação das tarifas de importação para 100 produtos, de acordo com a Resolução Camex de 28 de setembro (implementando a Decisão 39/11 do Mercosul).
A média das tarifas aplicadas aos 100 produtos incluídos na lista antes da Decisão era de 13,7%. Essa média foi elevada para 23,6% - um aumento de cerca de 10 pontos porcentuais. A composição da lista é surpreendente para quem está preocupado com questões de competitividade: com exceção das batatas, talheres e alguns tipos de papéis, os demais produtos da lista são insumos (químicos e siderúrgicos em sua maioria), partes e peças para produtos diversos e bens de capital. Não é provável que o aumento da proteção desses produtos contribua para a competitividade da indústria brasileira, principalmente dos produtos a jusante nas cadeias produtivas que empregam esses insumos, partes e peças ou bens de capital.
Ora, sempre se pode argumentar que os impostos de importação dos insumos e partes e peças podem ser rebatidos, por meio do uso do drawback, se os produtos que os utilizam forem exportados. Portanto, a competitividade das exportações não seria prejudicada. Mas nem todas as empresas conseguem fazer uso desse instrumento e, se as vendas forem destinadas ao mercado doméstico, os impostos pagos sobre os insumos não serão rebatidos. Resultado: as medidas implementadas pelo governo em 28 de setembro irão exacerbar as desvantagens comparativas das indústrias produtoras de bens finais em relação às suas congêneres no resto do mundo.
A política de proteção faz parte de um estilo de política industrial que foi usado com relativo sucesso no Brasil durante a segunda metade do século passado, mas que não mais atende aos desafios que a indústria nacional enfrenta nos dias atuais, por uma razão simples: a natureza dos problemas vividos pelo País naquela época é radicalmente distinta daquela que vigora hoje.
O principal problema da indústria brasileira hoje em dia não é o de aumentar o conteúdo doméstico da produção, mas o de ser capaz de acompanhar o ritmo do progresso técnico internacional e se inserir competitivamente nas cadeias globais de valor. Na verdade, após dez anos de apreciação cambial, o Brasil continua sendo a economia mais fechada do mundo: em 2010, a parcela do PIB relativa a importações de bens e serviços foi de apenas 12%. Nada indica que, passados dois anos de uso mais intensivo de medidas voltadas a proteger a produção doméstica, estejamos indo na direção esperada: recuperação da indústria com maior produtividade e crescente inserção internacional. Enquanto isso, a muito mais promissora agenda do "custo Brasil" continua encalhada em Brasília.
* SÃO DIRETORES DO CENTRO DE ESTUDOS DE INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO (CINDES)
Nenhum comentário:
Postar um comentário