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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Por que a Rússia já perdeu a guerra civilizatória? O exemplo da Polônia - Paulo Roberto de Almeida (1992)

 Já declarei, em outra pequena postagem, que a Rússia já perdeu essa "guerra de agressão" que ela mesmo iniciou, contra o Direito Internacional, contra as normas civilizadas, e isso independentemente de que ela possa ser vitoriosa no curto prazo, ou seja, mudança de regime em Kiev e instalação de um governo pró-russo na capital ucraniana. 

Não tenho tempo, neste momento, de desenvolver o assunto, mas por acaso "descobri" um antigo trabalho meu que tinha ficado inédito até hoje, sobre a Polônia. A Polônia foi o primeiro país de que me ocupei assim que ingressei no Itamaraty: visitei o país uma vez sozinho, a trabalho, e depois em família, com Carmen Lícia Palazzo, nos tempos em que ela era ainda socialista. Meu primeiro trabalho feito no Itamaraty – do qual infelizmente não tenho registro escrito, pois feito numa das raras máquinas de escrever da Divisão da Europa Oriental em tempos pré-computador – foi feito a propósito da eleição do primeiro (e até agora único) papa polonês, desse país profundamente católico, o que justamente permitiu sua "salvação" do comunismo. Mas ela também esteve na "origem", se ouso dizer, da mais devastadora das guerras jamais ocorridas nos anais da humanidade. Por isso mesmo, coloco esse trabalho aqui, como uma espécie de demonstração de que a Ucrânia não está perdida. Ela se libertará da tirania putinesca e integrará a família europeia das democracias avançadas.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 24 de fevereiro de 2022


POLÔNIA: breve síntese histórica desde a Segunda Guerra Mundial

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 19/06/1992


A II Guerra Mundial começou na Polônia (em setembro de 1939), com sua invasão pelas tropas nazistas, depois que a Alemanha de Hitler e a União Soviética de Stalin concluíram um Pacto de Não-Agressão (agosto), em cujas cláusulas secretas estava prevista a partição da Polônia.

Terrivelmente sacrificada durante o conflito, inclusive com o estabelecimento de campos de concentração que dizimaram milhões de seres humanos (entre os quais a quase totalidade dos judeus poloneses e de outros países) e completamente redesenhada em suas fronteiras oriental e ocidental (cessão de territórios à União Soviética e "aquisição" de territórios alemães), a Polônia constituiu um dos pontos quentes da "guerra fria" que se instalou entre as potências aliadas logo depois de terminada a guerra. Pelos acordos de Ialta, a URSS deveria garantir a realização de eleições democráticas e a instalação de um Governo representativo no País, mas ainda na fase final da guerra Stalin preferiu entregar o poder aos comunistas poloneses organizados e controlados por ele.

A Polônia seguiu então o mesmo destino das demais "democracias populares" do Leste Europeu: instalação da "ditadura do proletariado" (na verdade, do Partido Comunista), socialização dos meios de produção e desapropriação das terras e fábricas dos antigos "latifundiários" e "capitalistas", estatização de todos os serviços públicos e conformação de um regime econômico baseado no planejamento centralizado de tipo soviético.  Algumas diferenças em relação aos vizinhos da "órbita soviética" devem ser, contudo, observadas: as terras agricultáveis não foram objeto de coletivização forçada, como na URSS, permanecendo em poder dos pequenos camponeses num sistema de exploração familiar. A Igreja Católica, apesar de muito perseguida, conseguiu manter uma real capacidade de liderança no País, contribuindo mais adiante para o processo de esfarelamento do poder totalitário.

A classe operária polonesa, igualmente, sobretudo os metalúrgicos dos estaleiros navais do Báltico e os mineiros da Silésia, sempre atuou como foco de contestação do sistema comunista.  A resistência polonesa ao regime era assim de base classista e inspirada pela religião católica, manifestando-se sobretudo por ocasião das crises econômicas contínuas a que esteve submetido o País em seus 40 anos de sistema comunista.  Já em 1956, protestos violentos de operários e intelectuais conduzem a uma mudança da liderança, subindo ao poder dirigentes comunistas de índole mais reformista e dispostos a conceder um pouco de liberdade à Igreja católica e a introduzir algumas regras de mercado no sistema de economia planificada centralmente.

Ainda assim, a Polônia integrou-se fielmente ao sistema político, econômico e militar dirigido pela União Soviética, bastando mencionar, por exemplo, sua adesão ao Pacto de Varsóvia (a organização militar da comunidade socialista) e ao Comecon (o "mercado comum" dos países de economia coletivista).

Violentos protestos da classe operária de Gdansk (a antiga Dantzig do período em que a cidade era alemã) em 1970 levam à substituição, mais uma vez, das lideranças comunistas, com a ascensão de dirigentes dispostos a tentar uma maior abertura comercial e econômica em direção do Ocidente. O resultado é, porém, um endividamento enorme, sem resultados mais benéficos para a estrutura industrial do País ou para a modernização de seu atrasado setor agrícola.  Foi a partir dos protestos de princípios dos anos 70, nos estaleiros navais do Báltico, que começa a se organizar uma resistência operária e intelectual mais sólida, que depois iria desembocar no sindicato "Solidarnosc" (Solidariedade).  Para isso também muito contribuiu, no final da década, a eleição como Papa do Cardeal Karol Wojtilla, de Cracóvia, que assumiu como João Paulo II. Foi o primeiro Papa eslavo, escolhido dentro da Igreja de resistência ao poder comunista.

A ação discreta, mas eficaz, de propaganda e organização da Igreja católica, que agora contava com um Papa "polonês", e o aprofundamento da crise econômica do regime comunista foram responsáveis pelo crescimento da oposição ao poder comunista. A sociedade se organizava de forma independente do Estado e os dirigentes comunistas "fingiam" governar um País que já não lhe obedecia.  Mas, a URSS ainda era poderosa e não pretendia deixar o País escapar ao seu controle. Uma tentativa de instalar um regime comunista "a face humana", na Tchecoslováquia, em 1968, tinha resultado na intervenção militar direta do Pacto de Varsóvia e o estabelecimento de um regime comunista repressivo.

Um processo similar ocorreu na Polônia, mas sem a ocupação militar direta por tropas soviéticas.  O crescimento impressionante do Sindicato Solidarnosc em 1979 e 1980, depois de greves imensas que resultaram em algumas concessões econômicas e políticas por parte do regime comunista, resultou numa terrível pressão política por parte da URSS, de que derivou um golpe militar em dezembro de 1981 e a imposição da lei marcial.  O regime militar conduzido pelo General Jaruzelski, teoricamente a serviço do Partido Comunista, representou na verdade a perda completa de legitimidade e de credibilidade deste último, que se tornou mais e mais um instrumento desacreditado e ineficaz.

A partir do momento em que a própria União Soviética começou a evoluir politicamente, com a ascensão de Gorbachev, a Polônia iniciou um processo de transição para um regime de tipo democrático. O caminho foi ainda mais rápido no final da década, quando já não havia mais a ameaça de intervenção soviética: em janeiro de 1989, o sindicato Solidarnosc, que havia sido colocado na ilegalidade com o golpe de Estado de Jaruzelski, ainda não tinha qualquer estatuto legal, mas já em agosto desse ano, depois de históricas eleições parlamentares, ele estava no Governo, num regime de coalizão que ainda era dominado pelos comunistas.

A situação econômica era das piores, com uma inflação superior a 100% ao ano, número inaceitável para os padrões europeus e sobretudo comunistas, onde o consumo básico é totalmente subsidiado pelo Estado. O Estado se encontrava paralisado e a única instituição com voz ativa era a Igreja católica, além do próprio Solidarnosc.

Depois de uma reforma constitucional verdadeiramente revolucionária, o regime comunista deixou de existir em 1990, como aliás na maior parte dos países da Europa oriental que faziam parte do sistema soviético. As eleições presidenciais de 1990 levaram ao poder o líder operário do Solidarnosc, Lech Wallesa (que tinha sido preso depois do golpe de Estado de 1981). O novo regime começou então um processo de transição da economia socialista para a capitalista, ao mesmo tempo em que o Pacto de Varsóvia e o Comecon deixavam de existir. O País ainda enfrenta enormes dificuldades econômicas e sociais, com muito desemprego e total incapacidade de pagar a enorme dívida externa acumulada nos últimos anos do regime comunista. O próprio Solidarnosc já se dividiu e o sistema político da Polônia encontra-se fracionado em dezenas de partidos, alguns demagógicos e oportunistas. Recentemente, ascendeu como primeiro-ministro um líder camponês de 33 anos: Waldemar Pawlack.

 

 

[Brasília, 19/06/1992]

[Relação de Trabalhos n. 252]

 

 

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Ironias da história e dos impérios - Paulo Roberto de Almeida

 Ironias da história e dos impérios 

Paulo Roberto de Almeida

Os EUA salvaram a França e a Grã-Bretanha duas vezes, na primeira metade do século XX, de serem derrotadas pelo militarismo prussiano. Seu império é um dos mais recentes, surgindo no final do século XIX, se espraiando a partir de 1917, e se consolidando em toda a sua preeminência a partir de 1945.

Na segunda metade do século XX, eles salvaram a Europa e metade do mundo da tirania bolchevique. Bem-feito! George Kennan disse como deveria ser feito.

Depois fizeram muitas bobagens, na Ásia, no Oriente Médio, na África e na América Latina, sobretudo no Vietnã, Camboja, no Iraque, pois impérios estabelecidos costumam ser brutais e paranoicos. Mas George Kennan não teve nada a ver com essas besteiras, e sim o tal complexo industrial-militar, de que falou Eisenhower, e dirigentes políticos ineptos e arrogantes.

Agora, no século XXI, pensam que estão salvando o Ocidente e o mundo do “comunismo” chinês. Pensam torto!

O mais alucinante é pensar que alguns dos mais brilhantes acadêmicos das grandes universidades foram contaminados pela paranoia (natural) dos generais do Pentágono e desandaram a proclamar a fantasmagoria irracional da tal “armadilha de Tucídides”, uma leitura completamente errada do grande historiador das guerras do Peloponeso.

Nisto se enganam terrivelmente. Os chineses, sob a condução dos novos mandarins de Deng, só queriam ficar ricos, depois de terem amargado misérias durante milhares de anos. Em segundo e mais importante lugar, não querem mais ser humilhados pelas arrogantes potências ocidentais e pelos militaristas japoneses, como foram desde o século XIX até meados do XX, justamente.

Agora, sob a condução de um imperador impaciente, querem apenas “pacificar” e consolidar o seu império INTERNO, no Tibet, no Xinjiang, em Hong Kong (de maneira brutal) e na província rebelde de Taiwan (talvez aqui, se ocorrer a unificação forçada, de maneira catastrófica). 

Mas nada disso tem a ver com espalhar o “comunismo” no mundo, ou impor sua ditadura modernizante sobre outros povos. Eles só querem ficar ricos e respeitados, e o fazem da maneira como sempre fizeram em 4 mil anos de história: impondo a ordem e garantindo que os negócios se façam.

A China, hoje, é simplesmente a maior economia de mercado do mundo, com um governo autoritário que acredita estar fazendo o melhor possível para o seu povo, e de certa forma está. Mas sua concepção de organização política e social não tem nada a ver com princípios e valores do Ocidente iluminista e moderno, respeitador das liberdades democráticas e dos direitos humanos. 

A “ordem” chinesa obedece a outros parâmetros, que não são universais (como o Ocidente pretende que a sua ordem seja), mas que vale para o seu próprio universo imperial.

Impérios são muito mais permanentes e presentes, na história da Humanidade, do que Estados nacionais, que só têm, em seu formato moderno, 400 ou 500 anos de existência, e agora de maneira mais formal, com a criação da ONU, essa “grande geringonça” (le grand machin, como dizia o general De Gaulle).

Assim como, besteiras à parte, o império britânico foi uma força modernizadora no século XIX — e Marx concordava com essa visão —, assim como o império americano foi uma força pacificadora, progressista e libertária no século XX, o império chinês deveria ser uma força de ordem e de prosperidade tecnológica no século XXI, se os americanos não atrapalharem com a sua paranoia e a defesa idealista e ingênua das “liberdades”. 

Sim, o império chinês não tem muito a ver com democracia e liberdades: isso nunca fez parte de sua história, mas talvez o povo chinês também seja conquistado por essas poderosas ideias em algum momento do futuro previsível.

O “Ocidente” — atualmente um falso conceito, pois todo o mundo é, agora, “ocidental”, inclusive a China, o Irã, cada qual à sua maneira — precisa entender que democracia e liberdades não são artigos de exportação; podem ser ideias importáveis, mas pelos próprios povos. 

Impérios impõem a ordem, mas a questão dos valores demora mais tempo. Os romanos acabaram romanizando gauleses, balcânicos, “ibéricos” e alguns outros povos, inclusive alguns ostrogodos, mas não o suficiente. Os chineses até conseguiram sinicizar mongóis e manchus. Os otomanos fizeram menos, pois não tinham as qualidades de alguns povos conquistados. Os conquistadores árabes eram mais rústicos do que os sofisticados persas, por exemplo, e certamente os europeus era muito primitivos em relação aos chineses, quando começaram a fazer o caminho inverso ao das rotas da seda.

Assim é a história, que, nas palavras do historiador Lawrence Stone, é um velho carro de bois, com suas rodas desajustadas e desengonçadas, avançando lentamente por uma estrada esburacada e enlameada.

Impérios não são a pior coisa na história da Humanidade; a coisa mais terrível é quando psicopatas tirânicos querem construir o “seu” império, mas esses são episódios mais raros, assim como são os Estados nacionais militaristas e expansionistas. 

O século XXI continuará a ser americano e ocidental pelas conquistas civilizatórias já alcançadas, pela sofisticação social e cultural europeia e também será “chinês”, pela prosperidade dentro da ordem, com aportes brasileiros na música, na mistura racial e na sensibilidade, mas isso se os malucos — nacionalistas idiotas e intolerantes em matéria de religião, política e futebol — não atrapalharem, o que de vez em quando acontece. 

Gente como Putin, Trump e o nosso idiota do Bozo são mais perturbadores do que realmente destruidores de uma ordem política, econômica e social (as democracias liberais de mercado) que é mais resiliente e expansiva do que comumente se pensa. 

A Humanidade avança, aos trancos e barrancos, como dizia Darcy Ribeiro. De vez em quando, um idiota, cercado por outros idiotas, vem perturbar, mas a maioria é sensata para retomar o caminho de um progresso lento, mas seguro. 

Como dizia Mario de Andrade, pouco depois da Semana de Arte Moderna, cem anos atrás, “progredir, progredimos um pouquinho, pois o progresso também é uma fatalidade”.

Com meu otimismo fatal, me despeço dos que tiveram a paciência de ler todo este escrito, feito na cama, no celular, numa manhã chuvosa.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 11/01/2022

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Preeminência, hegemonia, dominação, exploração: realidades ou mitos? - Paulo Roberto de Almeida (Ordem Livre)


Este é o trabalho de número 16 (Preeminência, hegemonia, dominação, exploração: realidades ou mitos?), da série "Volta ao Mundo em 25 ensaios", publicado originalmente em 18/07/2010, no site de Ordem Livre (http://www.ordemlivre.org/textos/1058/ ), mas não mais disponível nessa base, razão pela qual eu o estou publicando aqui.


Volta ao mundo em 25 ensaios:
16. Preeminência, hegemonia, dominação, exploração: realidades ou mitos?
Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org)
Ensaio preparado para o OrdemLivre.org

Admitamos desde o início e de modo incontroverso: preeminência, hegemonia, dominação, exploração são realidades concretas (com perdão pela redundância); todas essas situações e interações fazem parte do mundo como ele é, desde o início dos tempos até nossos dias. O ‘mundo como ele é’ foi e é justamente feito dessas realidades desagradáveis, até brutais, que não devem ser travestidas por qualquer visão ‘panglossiana’ da história das civilizações humanas. Os mitos, entretanto, começam quando se pretende explicar o mundo como ele é apenas por meio dessas realidades tangíveis, algumas até ‘intangíveis’, ou seja, existentes virtualmente, quase despercebidas materialmente.
‘Intelectuais’ assim proclamados acreditam que a dominação ‘ideológica’ dos países avançados sobre os periféricos é ainda mais insidiosa e totalitária do que a dominação econômica, tecnológica ou militar. Devem ser pessoas que não acreditam na força da cultura ou que superestimam a capacidade dos países ricos de moldar os ‘corações e mentes’ dos povos dos países ‘dominados’ à sua imagem e semelhança. Seria desdenhar muito da fraqueza destes últimos e sobrevalorizar à outrance o poder de sedução dos primeiros.
De um ponto de vista puramente histórico e sociológico – abstraindo, portanto, as implicações políticas, militares e até culturais daqueles fenômenos ou processos envolvidos nos conceitos expressos no título deste ensaio, todos eles envolvendo primazia, sujeição e até a dominação a mais brutal de alguns povos sobre outros –, deve-se reconhecer que essas situações foram e são muito comuns na história da humanidade. Não se deve esquecer, por exemplo, que nove décimos da história humana registrada foram transcorridos sob a marca de instituições tão brutais – e, no entanto, tão ‘normais’ no plano das realidades efetivas – quanto a escravidão, a eliminação (e mais frequentemente ainda a mutilação física) dos vencidos na guerra, a sujeição de mulheres e crianças ao poder dos conquistadores, a ocupação e apropriação violenta de espaços e recursos, enfim, toda sorte de exações e arbitrariedades que ainda permanecem conosco em grande medida, a despeito de todos os progressos humanitários e no plano do direito internacional realizados desde um século ou mais. Infelizmente, o mundo ainda não é o que gostaríamos que fosse.
Mas tampouco o mundo permanece aquele campo aberto de caça à disposição dos imperialistas, como ele se apresentava ainda cem anos atrás: os tempos de disputa pela África e de “grande jogo” na Ásia central já se encerraram há muito tempo, embora as fragilidades dessas regiões sejam persistentes e os centros atuais de poder estejam projetando seus novos interesses sobre velhos e novos provedores de recursos estratégicos. A China, por exemplo, tem exercido uma ofensiva em direção desses países dotados de matérias primas e recursos estratégicos que se parece muito com a antiga “diplomacia do dólar”, conduzida pelos EUA desde os tempos de William Taft e Theodore Roosevelt, no início da projeção imperial da grande República.
Por outro lado, a emergência do direito internacional, como matriz condutora – ainda que não a força decisiva – das relações internacionais desde a criação da ONU, tem atuado para refrear os impulsos imperiais e os projetos de dominação. Embora velhos e novos impérios continuem a existir – muitos deles virtuais, baseados no livre comércio e nos investimentos, como é o caso dos EUA, eventualmente garantidos por bases militares e por ameaças e pressões ocasionais – eles já não mais podem ditar soberana e exclusivamente as condições segundo as quais a comunidade internacional irá organizar sua estrutura institucional e sua agenda de trabalho: é preciso agora fazer um esforço mínimo de construção de consenso e de aprovação de resoluções, por mais que muitas delas sejam desrespeitadas no momento seguinte (como no caso da invasão do Iraque, que careceu da legitimidade tão buscada pela potência invasora). Não se pode esquecer, também, que o último resquício do velho colonialismo, a Comissão de Tutela da ONU – burocrática herdeira de algumas possessões coloniais vindas da Liga das Nações – já deixou de existir, por falta absoluta de “clientela”.
Nada disso diminui a força do poder e o poder da força nas relações internacionais, mas reduz consideravelmente a latitude de ação dos velhos poderes imperiais do passado. Alguns desses poderes, dos tempos presentes, são pelo menos obrigados a atuar dentro de alguns parâmetros que respeitam, ainda que formalmente, a soberania e a independência das novas nações independentes. Se não o fazem, eles são constrangidos em sua ação internacional pela ausência de legitimidade intrínseca conferida às suas iniciativas em várias outras áreas. Os países ‘vítimas’ da violência imperial já não são mais inermes, como no passado, na medida em que dispõem de instrumentos do direito internacional e instâncias de apelo que não existiam antes da criação da ONU, ou mesmo dos tribunais da Haia e outras cortes especializadas.
Em qualquer hipótese, os princípios westfalianos têm vigência absoluta, posto que estamos lidando com Estados constituídos, não com territórios indefinidos, estes na completa ausência de estruturas governamentais reconhecidas pela comunidade internacional. Mesmo a alegada capacidade das empresas multinacionais mais poderosas, em face da fragilidade de pequenos Estados, sempre aventada pelos mesmos ‘intelectuais’ como fator de pressão e mesmo de dependência em favor dessas empresas ou de seus Estados de origem não se sustenta levando em conta a capacidade normativa do mais modesto país da região mais pobre do mundo. Concretamente isso quer dizer que o país mais miserável da Terra, cujo PIB nacional representa, hipoteticamente, menos de 10% do faturamento da maior empresa multinacional – não importa o produto ou serviço – pode, se assim o desejar, proibir completamente as operações dessa empresa em seu território soberano, por meio de uma simples medida normativa ou até de caráter administrativo.
Independentemente, porém, dos progressos, mesmo relativos, do direito internacional e da arquitetura institucional em construção, a verdade é que os conceitos destacados no título se referem a uma realidade e, sobretudo, a uma filosofia em larga medida inadequadas ao mundo atual. Não que os fenômenos e processos neles contidos tenham desaparecido por completo do cenário internacional; mas é que eles estão largamente contidos pelos efeitos combinados da evolução da institucionalidade internacional, da construção de Estados e do desenvolvimento da interdependência contemporânea; a previsão é que eles se tornem cada vez mais raros.

Brasília, 7 de janeiro de 2010.
Revisão: Shanghai, 14.04.2010

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Economic Dominance in historical perspective - Economist


Charts, maps and infographics

Daily chart

Global economic dominance

Spheres of influence

Sep 9th 2011, 15:14 by The Economist online
By 2030 China's economy could loom as large as America's in the 1970s
A NEW book, discussed in this week's Economics focus, by Arvind Subramanian of the Peterson Institute for International Economics argues that China’s economic might will overshadow America’s sooner than people think. Mr Subramanian combines each country’s share of world GDP, trade and foreign investment into an index of economic “dominance”. By 2030 China’s share of global economic power will match America’s in the 1970s and Britain’s a century before. Three forces will dictate China’s rise, Mr Subramanian argues: demography, convergence and “gravity”. Since China has over four times America’s population, it only has to produce a quarter of America’s output per head to exceed America’s total output. Indeed, Mr Subramanian thinks China is already the world’s biggest economy, when due account is taken of the low prices charged for many local Chinese goods and services outside its cities. China will be equally dominant in trade, accounting for twice America’s share of imports and exports. That projection relies on the “gravity” model of trade, which assumes that commerce between countries depends on their economic weight and the distance between them.

Economics focus

The celestial economy

By 2030 China’s economy could loom as large as Britain’s in the 1870s or America’s in the 1970s

IT IS perhaps a measure of America’s resilience as an economic power that its demise is so often foretold. In 1956 the Russians politely informed Westerners that “history is on our side. We will bury you.” In the 1980s history seemed to side instead with Japan. Now it appears to be taking China’s part.
These prophesies are “self-denying”, according to Larry Summers, a former economic adviser to President Barack Obama. They fail to come to pass partly because America buys into them, then rouses itself to defy them. “As long as we’re worried about the future, the future will be better,” he said, shortly before leaving the White House. His speech is quoted in “Eclipse”, a new book by Arvind Subramanian of the Peterson Institute for International Economics. Mr Subramanian argues that China’s economic might will overshadow America’s sooner than people think. He denies that his prophecy is self-denying. Even if America heeds its warning, there is precious little it can do about it.
Three forces will dictate China’s rise, Mr Subramanian argues: demography, convergence and “gravity”. Since China has over four times America’s population, it only has to produce a quarter of America’s output per head to exceed America’s total output. Indeed, Mr Subramanian thinks China is already the world’s biggest economy, when due account is taken of the low prices charged for many local Chinese goods and services outside its cities. Big though it is, China’s economy is also somewhat “backward”. That gives it plenty of scope to enjoy catch-up growth, unlike Japan’s economy, which was still far smaller than America’s when it reached the technological frontier.
Buoyed by these two forces, China will account for over 23% of world GDP by 2030, measured at PPP, Mr Subramanian calculates. America will account for less than 12%. China will be equally dominant in trade, accounting for twice America’s share of imports and exports. That projection relies on the “gravity” model of trade, which assumes that commerce between countries depends on their economic weight and the distance between them. China’s trade will outpace America’s both because its own economy will expand faster and also because its neighbours will grow faster than those in America’s backyard.
Mr Subramanian combines each country’s share of world GDP, trade and foreign investment into an index of economic “dominance”. By 2030 China’s share of global economic power will match America’s in the 1970s and Britain’s a century before (see chart). Those prudent American strategists preparing their countrymen for a “multipolar” world are wrong. The global economy will remain unipolar, dominated by a “G1”, Mr Subramanian argues. It’s just that the one will be China not America.
Mr Subramanian’s conclusion is controversial. The assumptions, however, are conservative. He does not rule out a “major financial crisis”. He projects that China’s per-person income will grow by 5.5% a year over the next two decades, 3.3 percentage points slower than it grew over the past two decades or so. You might almost say that Mr Subramanian is a “China bear”. He lists several countries (Japan, Hong Kong, Germany, Spain, Taiwan, Greece, South Korea) that reached a comparable stage of development—a living standard equivalent to 25% of America’s at the time—and then grew faster than 5.5% per head over the subsequent 20 years. He could find only one, Nicolae Ceausescu’s Romania, which reached that threshold and then suffered a worse slowdown than the one he envisages for China.
He is overly sanguine only on the problems posed by China’s ageing population. In the next few years, the ratio of Chinese workers to dependants will stop rising and start falling. He dismisses this demographic turnaround in a footnote, arguing that it will not weigh heavily on China’s growth until after 2030.
Both China and America could surprise people, of course. If China’s political regime implodes, “all bets will be off”, Mr Subramanian admits. Indonesia’s economy, by way of comparison, took over four years to right itself after the financial crisis that ended President Suharto’s 32-year reign. But even that upheaval only interrupted Indonesia’s progress without halting it. America might also rediscover the vim of the 1990s boom, growing by 2.7% per head, rather than the 1.7% Mr Subramanian otherwise assumes. But even that stirring comeback would not stop it falling behind a Chinese economy growing at twice that pace. So Americans are wrong to think their “pre-eminence is America’s to lose”.
Bratty or benign?
If China does usurp America, what kind of hegemon will it be? Some argue that it will be a “premature” superpower. Because it will be big before it is rich, it will dwell on its domestic needs to the neglect of its global duties. If so, the world may resemble the headless global economy of the inter-war years, when Britain was unable, and America unwilling, to lead. But Mr Subramanian prefers to describe China as a precocious superpower. It will not be among the richest economies, but it will not be poor either. Its standard of living will be about half America’s in 2030, and a little higher than the European Union’s today.
With luck China will combine its precocity in economic development with a plodding conservatism in economic diplomacy. It should remain committed to preserving an open world economy. Indeed, its commitment may run deeper than America’s, because its ratio of trade to GDP is far higher.
China’s dominance will also have limits, as Mr Subramanian points out. Unlike America in the 1940s, it will not inherit a blank institutional slate, wiped clean by war. The economic order will not yield easily to bold new designs, and China is unlikely to offer any. Why use its dominant position to undermine the very system that helped secure that position in the first place? In a white paper published this week, China’s State Council insisted that “China does not seek regional hegemony or a sphere of influence.” Whether it is precocious or premature, China is still a tentative superpower. As long as it remains worried about the future, its rivals need not worry too much.