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segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Economistas malucos: uma especie de sauva brasileira


O FMI vai à Europa, e decepciona keynesianos equivocados

Paulo Roberto de Almeida

Nota Liminar: Sou um leitor eclético e costumo ler e refletir sobre cada peça de inteligência que encontro na imprensa diária, sob a forma de artigos de opinião, análises e comentários de economistas e jornalistas bem informados, sobre tudo o que é relevante da atualidade econômica. Sou também tolerante com opiniões alheias, desde que bem informadas, bem argumentadas e, sobretudo, possuindo aquele grau de coerência mínima, e de consistência intrínseca, que deve caracterizar cada uma dessas peças opinativas. Outro critério básico dessas leituras críticas, vale dizer, é grau de aderência dos argumentos do autor em questão aos dados da realidade.
Certamente não é o caso do artigo que vai abaixo, que acabo de ler na página de um conhecido veículo defensor do “pensamento único” – mas que por acaso se revolta contra o que ele chama de “pensamento único do neoliberalismo” – e que não atende ao mérito que se espera encontrar em um artigo sério de um acadêmico brasileiro.
O FMI é, certamente, o instrumento mais keynesiano que existe na panóplia de políticas econômicas já criadas pelo capitalismo administrado pelo Estado desde Bretton Woods, e ele é chamado a intervir justamente quando falham os mercados, ou quando se acredita que os mercados falharam. Não obstante essa característica dirigista, estatizante, do FMI, economistas keynesianos (certamente equivocados) acreditam que o FMI seja liberal, ou defenda o que eles chamam de “políticas neoliberais”. Inacreditável cegueira. Pior ainda quando os argumentos são distorcidos ao ponto de serem ridículos, como também encontrei no artigo abaixo.
Consoante, portanto, meu espírito contestador, contrarianista, e até mesmo anarquista, procedi a uma leitura cuidadosa do artigo em questão, que vai transcrito logo abaixo, agregando em seguida meus comentários certamente desabusados.
Divirtam-se.
Paulo Roberto de Almeida

O FMI chegou a Europa
A fórmula que o FMI propõe, hoje, aos europeus - de austeridade fiscal e privatizações - já foi adotada em diversos países da América Latina nos anos 1990. Os países europeus que vão se curvar ao FMI e que desejam conhecer o seu futuro não precisam de “bola de cristal”; basta conhecer a história econômica desastrosa da América Latina dos anos 1990.
João Sicsu
Carta Maior, 24/12/2011
Em 2011, a crise explodiu na Europa. A dívida dos países europeus já havia aumentado em 2009 porque o setor público teve que “estatizar” a dívida privada do seu sistema financeiro: bancos europeus emprestaram aos bancos americanos e não viram o seu dinheiro de volta. Ao mesmo tempo, na Europa, famílias vinham se endividando para alcançar um modelo de consumo assemelhado ao “American way of life”(o modo de vida americano pré-crise, onde felicidade era sinônimo de consumo de bens de última geração). 
Então, os bancos europeus passaram a financiar casas de luxo e automóveis de tecnologia sofisticada. A Europa se transformou em Eurolândia, onde “comprar e ter” passaram a ser mais importantes do que “viver e não ter vergonha de ser feliz”. Portugueses pobres e negros passaram a valorizar e a usar Nike. Carros Porsche, Audi, Mercedes, BMW e Volvo de alto luxo se tornaram comuns nas ruas da Europa. Ademais, governos da periferia européia importaram produtos bélicos sofisticados.
Para financiar o gasto da periferia, bancos se endividavam junto a outros bancos. E muitos governos europeus fizeram dívidas dentro da própria Europa para tentar pagar suas contas comerciais com o exterior, devido à elevada importação que suas economias faziam. A Alemanha incentivou esse processo onde bancos assumiam uma postura arriscada e pessoas e governos se endividavam. Lógico: 2/3 das suas exportações vão para a região da União Européia.
Logo que a União Européia deu seus primeiros passos, a Alemanha iniciou a implementação de uma estratégia econômica de dominação da Europa. A Alemanha fez um pacto interno, de cunho político e econômico, entre o governo, banqueiros, trabalhadores e empresários. Ofereceram aos trabalhadores estabilidade no emprego em troca de arrocho salarial. Com custos menores, devido aos salários comprimidos, os produtos alemães passaram a penetrar com facilidade nos mercados de toda a Europa. 
Para complementar a estratégia, a Alemanha passou a emprestar dinheiro aos países que comprassem os seus produtos. Assim, euros, na forma de lucro e juros, eram transferidos da periferia para o centro da Europa. O enfraquecimento econômico da periferia representou também o seu enfraquecimento político: foi aberto o caminho para a substituição de governantes e para a rejeição de consultas populares. 
As dívidas dos governos europeus da periferia explodiram. Afinal, tiveram que socorrer bancos e tomar emprestado euros para garantir o equilíbrio das suas contas externas. Enquanto a Alemanha exportava e fazia superávit comercial; outros importavam e tomavam empréstimos, a Grécia, por exemplo. A Grécia está gravemente endividada.
Tudo começou na periferia; mas, hoje, o mundo já reconhece que a contaminação é geral: Irlanda, Portugal, Espanha, Itália, França... De julho de 2008 a dezembro de 2009, a relação dívida/PIB da zona do euro saltou de 70 para 80%. Este foi um período de recessão na Europa e de queda na receita pública. Em 2010, a razão dívida/PIB alcançou 85%. 
A situação de países como a Grécia é conhecida na história econômica mundial: um país com elevada dívida pública e déficit comercial com o exterior. Para esses casos, o FMI - desde o início das suas atividades, já com postura conservadora – impunha uma fórmula bastante peculiar. Um país deficitário na sua balança comercial e endividado, para receber os empréstimos de socorro do Fundo deveria cortar gastos públicos de forma drástica, o que resolveria os dois problemas econômicos. 
O corte de gastos reduziria os déficits das contas do governo e, em consequência, contribuiria para a estabilização da dívida pública. Além disso, o corte de gastos públicos reduziria a capacidade de compra da população e, portanto, reduziria também a demanda por produtos importados contribuindo para o equilíbrio comercial com o exterior. 
Durante décadas, o FMI somente impôs políticas econômicas; basicamente, obrigava países em dificuldade a cortar gastos governamentais e a conter o crédito para o consumo. A partir dos anos 1990, o FMI passou a propagandear e impor reformas estruturais. Para o FMI, o receituário de políticas econômicas não era suficiente. 
O FMI foi a principal organização de defesa e implementação das reformas estruturais propostas pelo Consenso de Washington (de 1989). A fórmula que o FMI propõe, hoje, aos países europeus - de austeridade fiscal e privatizações - já foi adotada em diversos países da América Latina nos anos 1990, por exemplo, Equador, México, Argentina e, parcialmente, no Brasil. 
Os países europeus que vão se curvar ao FMI e que desejam conhecer o seu futuro não precisam de “bola de cristal”; basta conhecer a história econômica desastrosa da América Latina dos anos 1990.

(*) Professor-Doutor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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Um artigo maluco e meus comentários a ele
Paulo Roberto de Almeida 

Economistas malucos existem em quaisquer países, isso é evidente, até mesmo alguns que são Prêmio Nobel. Poderia citar dois, americanos, que estão sempre publicando artigos na imprensa, mas me abstenho de fazê-lo, inclusive para atiçar a curiosidade dos que aqui navegam. Só diria que, com todas essas crises, causadas pelo keynesianismo exacerbado dos governos, eles reincidiram, abusivamente, num keynesianismo ainda mais exacerbado, prescrevendo as mesmas políticas econômicas -- de "demanda agregada", de injeção de dinheiro governamental na economia, de gastos públicos e de endividamento acrescidos -- que justamente causaram as crises de que essas economias padecem. Mais passons...; como diria um entendido, eles que são brancos, loiros de olhos azuis, que se entendam. Fiquemos com os nossos malucos, que os temos às pencas.
E como! Nossas universidades só conhecem o keynesianismo, nunca se estudou outra coisa que não o keynesianismo aplicado em nossas faculdades de economia, com um agravante: aqui o keynesianismo veio na versão ainda mais vulgar, tosca e grosseira do prebischianismo aplicado, como se ele fosse receita de crescimento ou de desenvolvimento. Ou seja, o que Keynes recomendou como medidas anticíclicas, em casos de ciclos depressivos ou de recessões confirmadas, devendo portanto ser usado apenas em caráter temporário, como expedientes emergenciais de uso limitado, aqui os nossos keynesianos toscos transformaram em políticas permanentes de desenvolvimento, com todas as distorções que isso possa acarretar.
Mais ainda: imbuídos da fé dos recentemente convertidos, eles até criaram uma Associação Keynesiana Brasileira, que se compraz em render culto ao mestre, com todas as liturgias de ofício, inclusive uma adoração reverencial dos textos-base, escritos há mais de 70 anos e que continuam a ser citados como se tivessem méritos prescritivos e capacidades curativas para os males do nosso tempo, com todas as mudanças acumuladas nas dinâmicas econômicas mundial e nacionais que conhecemos desde então. Malucos, certo? Mas não só isso.
São também desonestos intelectuais, como o prova o texto abaixo, retirado -- de onde mais poderia ser? -- do site embromador mais enganador que existe na internet, Carta Maior, um refúgio de viúvas do socialismo e de órfãos da globalização, que vivem atacando o capitalismo e os sistemas de mercado, como se fossem a perversidade convertida em regimes políticos e econômicos, e que vivem prescrevendo as mesmas receitas fracassadas que levaram a América Latina ao que ela é hoje, ou seja, nada de muito diferente de meio século atrás, com todos os equívocos de políticas econômicas acumuladas ao longo do tempo, e que continuam a ser repetidos ainda hoje, como aliás manifesto nas medidas protecionistas e erroneamente "industrializantes" que são adotadas, contornando os reais problemas da administração econômica.
Eu poderia fazer uma longa lista de todos os equívocos acumulados no artigo abaixo, que não mereceria sequer figurar no Lattes do seu autor, tão primários, tão políticos (e não econômicos) são os seus argumentos, tão deformadas são as afirmações que ele faz ao longo de um texto que peca por todas as omissões que ele pratica, e por todos os falsos argumentos que evidencia.

Mas vejamos alguns deles: 
1) "bancos europeus emprestaram aos bancos americanos e não viram o seu dinheiro de volta".
PRA: Não, bancos europeus, japoneses e chineses, além de outros espalhados por aí, participaram do mesmo exercício a que se dedicaram todos os bancos nos anos de euforia financeira, causada pela bolha imobiliária americana, por sua vez causada pela política equivocada do FED, de manter taxas de juros artificialmente baixas; os bancos, em geral, compraram derivativos que prometiam um retorno apetitoso, e foram tragados na mesma onda que também tragou algumas empresas brasileiras: apostaram na valorização desses papéis, como alguns capitalistas aqui apostaram na valorização do real, indefinidamente; todos tomaram um tombo, e cabe esclarecer que o Estado brasileiro também salvou nossos gregos e goianos, injetando dinheiro em bancos e facilitando a vida de alguns desses capitalistas (não é Doutor Antonio Ermírio de Moraes?; não é Doutor Silvio Santos?).

2) "A Europa se transformou em Eurolândia, onde “comprar e ter” passaram a ser mais importantes do que “viver e não ter vergonha de ser feliz”.
PRA: O argumento é primário e remete aos mesmos catastrofistas ecologistas, aos mesmos inimigos do consumo que sempre argumentam que os recursos vão se esgotar, que as pessoas estão consumindo demais, que é preciso reciclar, que é preciso viver com produtos longamente, que é preciso parar de gastar, de consumismo, de desperdício, de abusos no luxo e outras coisas do gênero. Se o mundo dependesse desses conselhos, há muito a economia teria ido para o buraco, estaríamos em profunda recessão e estagnação, o desemprego subiria para alturas fantásticas e a tecnologia simplesmente estancaria seu manancial de novas descobertas e inovações. O mundo ainda estaria na Idade Média. Sim, suponho que os idiotas que proclamam esse tipo de argumento ainda estejam usando máquina de calcular manual, não usem celulares de última geração, e se contentem com somar no lápis e anotar seus brilhantes pensamentos em cadernos de espiral... Qualquer outra solução seria um consumismo desenfreado, incompatível com o que prescrevem para as economias nacionais. Para serem fieis ao que pregam, eles deveriam retornar à Idade Média.

3) "muitos governos europeus fizeram dívidas dentro da própria Europa para tentar pagar suas contas comerciais com o exterior, devido à elevada importação que suas economias faziam...
PRA: My God, essa é forte, até mesmo para um economista maluco, ou seja, um keynesiano tosco dos arraiais da UFRJ. Deixa eu ver se entendi: governos emprestam dinheiro nos mercados financeiros para pagar importações de companhias privadas???!!! Governos ficam financiando consumo de importados de particulares??? Qual é o balanço de pagamentos que registra essa contabilidade maluca, qual é o governo (grego?) que cobre os gastos de importação de suas empresas e particulares? O economista endoidou ou sempre foi assim?

4) "Logo que a União Européia deu seus primeiros passos, a Alemanha iniciou a implementação de uma estratégia econômica de dominação da Europa.
PRA: É isso: só podia ser o Lebensraum de volta. A Alemanha, perversa como sempre com sua genética prussiana, sem que ninguém perceba, concebe e implementa um plano de dominação imperial de toda a Europa, fazendo com que todos os demais pobrezinhos europeus se dobrem à solidez de sua Wehrmacht econômica, ao poderio de sua SS financeira, e todos os outros países se submetem à Blitzkrieg econômica dessa potência que nunca deixou de lado seus sonhos seculares: dominar toda a Europa, transformar todos os outros povos em escravos da raça econômica superior. Essa geopolítica à la Haushofer dos trópicos está sendo ensinada nas faculdades brasileiras. Atenção brasileiros: os EUA fazem o mesmo com a América Latina: "está tudo dominado", como acrescentariam os paranóicos...

5) "A Alemanha fez um pacto interno, de cunho político e econômico, entre o governo, banqueiros, trabalhadores e empresários. Ofereceram aos trabalhadores estabilidade no emprego em troca de arrocho salarial. Com custos menores, devido aos salários comprimidos, os produtos alemães passaram a penetrar com facilidade nos mercados de toda a Europa."
PRA: Pois é, vejam como são as coisas: os países, os povos, as sociedades, os governos estão proibidos de fazer um pacto para reduzir os seus custos de produção, eles não podem obter ganhos de competitividade, via controle dos aumentos salariais (acima da inflação), via aumento de produtividade, via racionalização da produção (inclusive via terceirização, off-shore, out-sourcing, deslocalização), enfim, por todos os meios disponíveis para aumentar a competitividade de sua economia. Eles precisam ser generosos, como o governo brasileiro, por exemplo, concedendo aumentos salariais acima da inflação, e sem qualquer conexão com a produtividade, sem qualquer consideração de custos sociais diferenciados entre as regiões ou os setores da economia, sem qualquer liberdade para negociações diretas, para livre contratação de salários numa economia aberta, nada, eles precisam ser estupidamente keynesianos (no sentido brasileiro, claro), como recomendaria esse "economista". Ou seja, o fato de que a Alemanha, que tinha custos laborais superiores aos da França, 20 anos atrás, tenha conseguido minimizar esse custo enorme de seu sistema produtivo, diminuindo o bem-estar dos gordos operários alemães, para "penetrar" nos mercados alheios, isso que é microeconomicamente racional, é pecado para esse economista maluco.

6) "Para complementar a estratégia, a Alemanha passou a emprestar dinheiro aos países que comprassem os seus produtos."
PRA: A afirmação é completamente destrambelhada e NÃO TEM NENHUM sentido econômico, a mínima conexão com a realidade. Ou seja, para que produtos alemães -- PRODUZIDOS por empresas privadas -- fossem comprados por CONSUMIDORES PRIVADOS de outros países, o governo alemão, a Alemanha, passou a emprestar dinheiro para os outros governos, aos demais países para que eles comprassem biscoitos alemães. Esse é forte, e deveria envergonhar qualquer estudante primeiroanista de economia. 

7) "As dívidas dos governos europeus da periferia explodiram. (...) Enquanto a Alemanha exportava e fazia superávit comercial; outros importavam e tomavam empréstimos, a Grécia, por exemplo. A Grécia está gravemente endividada."
PRA: Essa também é forte: ou seja, para financiar o consumo, governos europeus fizeram dívidas enormes, induzidos espertamente pelos alemães para emprestar para satisfazer seus gostos privados. Quando é que economistas primários vão pagar imposto toda vez que fizerem afirmações tão estúpidas quanto estas?

8) "Durante décadas, o FMI somente impôs políticas econômicas; basicamente, obrigava países em dificuldade a cortar gastos governamentais e a conter o crédito para o consumo. A partir dos anos 1990, o FMI passou a propagandear e impor reformas estruturais."
PRA: A velha lenga-lenga do FMI carrasco dos povos, impondo políticas absurdas contra a vontade dos governos e os desejos dos cidadãos; se não fosse pelo FMI e suas políticas recessivas, o mundo seria uma maravilha, todo mundo faria políticas keynesianas anticíclicas e tudo funcionaria perfeitamente. O FMI sempre atrapalha, sempre. Quando é que economistas primários vão parar de fazer demagogia em cima das políticas acertadas entre o FMI e os governos dos países demandantes? Quando é que eles vão reconhecer a realidade da falência de políticas irresponsáveis levadas pelos governos, que depois, na última hora, ou já proclamada a insolvência, apelam para o dinheiro barato do FMI? Por que é que esses governos não ficam com o dinheiro fácil de seus próprios cidadãos -- que podem ser tosquiados à vontade, como sempre ocorre por aqui -- ou não apelam para mercados sempre abundantes em recursos (mas a juros de mercado)? Quando é que vai parar a ingenuidade desses pilantras de faculdades tabajara de economia?

9) "A fórmula que o FMI propõe, hoje, aos países europeus - de austeridade fiscal e privatizações - já foi adotada em diversos países da América Latina nos anos 1990, por exemplo, Equador, México, Argentina e, parcialmente, no Brasil."
PRA: Mas claro, essa fórmula é totalmente errada e só vai trazer recessão, desemprego, desespero. A fórmula certa, dixit economistas keynesianos da periferia, é exatamente o contrário: prodigalidade fiscal, gastos públicos para sustentar a tal de demanda agregada, injeção fiscal, juros baixos, estatizações e controle estrito dos capitais (internos e externos), desvalorização cambial compulsória e manipulação da taxa de câmbio, numa taxa desvalorizada, além, é claro, de protecionismo comercial, políticas industriais ativas, seleção de vencedores dentre os capitalistas promíscuos, e toda sorte de receita aparentemente keynesiana que eles tiram de sua algibeira para afundar ainda mais os países, como está ocorrendo na Venezuela, como aliás ocorreu na Grécia e em diversos outros países por ai, alguns muito perto daqui. Por que o governo brasileiro não adota todas essas medidas maravilhosas (aliás, está adotando algumas)?

10) "Os países europeus que vão se curvar ao FMI e que desejam conhecer o seu futuro não precisam de “bola de cristal”; basta conhecer a história econômica desastrosa da América Latina dos anos 1990."
PRA: Mais uma vez temos de nos render à sapiência keynesiana. Os países da América Latina estavam na pior, nos anos 1980 e 90, aplicaram políticas keynesianas, como as receitadas por esse economista regressista, e se safaram brilhantemente, tanto é que hoje se permitem dar lições aos europeus, sobre como enfrentar a recessão via gastos públicos, manutenção de emprego e outras receitas milagres do gênero. Pena que a história seja muito diferente da que conta esse economista fantasioso.

É preciso ter muito estômago para ler fantasias desse gênero, o que apenas confirma como é débil o debate econômico em certos setores do "pensamento" brasileiro atualmente.
Paulo Roberto de Almeida 
(26/12/2011)

domingo, 20 de novembro de 2011

A economia esquizofrenica de economistas alternativos - Paulo Roberto de Almeida (2004)

Parece que estou apenas desovando textos antigos, que tinham permanecido inéditos. Mas o faço exclusivamente pela razão que os selecionados para divulgação neste momento ainda apresentam relevância para o debate atual sobre políticas públicas.
Este trabalho abaixo, eu o tinha elaborado em Brasília, em 21 de julho de 2004,  como comentários tópicos à “Carta de Uberlândia”, da Sociedade Brasileira de Economia Política, extraída de seu encontro de 11/06/2004, e à entrevista da presidente da SEP, contendo posições contestadoras à política econômica do governo Lula. Não era minha intenção defender a política econômica do governo Lula, tanto porque não tenho, nunca tive, mandato para tal. Eu apenas pretendia apontar contradições no "pensamento" (acho que o termo não se aplica) ou nos argumentos desses economistas que se pretendem progressistas, mas que não contribuem em nada para um debate racional sobre políticas econômicas.
Paulo Roberto de Almeida



A sociedade de economia política faz política com a economia 
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org)

No que parece ser um fenômeno recorrente do cenário acadêmico nacional, economistas que se auto-denominam como “heterodoxos” voltaram a criticar a política econômica do governo Lula, em novo manifesto que guarda muitas similaridades com manifestações anteriores no mesmo sentido, e que já tive a ocasião de comentar em diversas ocasiões (vide, entre outros exemplos, meu texto “Um manifesto econômico de “inversão”: Análise de um documento político com pouca consistência econômica”, no link: http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/1060ManifestoEconomistas.pdf). Desta vez, tratou-se da jovem – fundada em 1996 – Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP), que em seu mais recente encontro, em 11 de junho de 2004, aprovou uma “Carta de Uberlândia”, enfatizando o que lhe parecem ser os aspectos inteiramente negativos da atual política econômica praticada pelo governo, na pessoa do ministro Antonio Palocci.
O manifesto teria passado despercebido se o periódico econômico Carta Capital, (ano X, nº 300, 21.07.04; link: http://cartacapital.terra.com.br/site/index_frame.php), não tivesse elaborado matéria a respeito, com entrevista realizada com a presidente da SEP, a professora da FEA-USP Leda Paulani, oferecendo um link para o manifesto em questão (também disponível no site da SEP: http://www.sep.org.br/carta_de_uberlandia.pdf). Li esse texto com toda a atenção que sempre dispenso a todo e qualquer documento relativo às políticas públicas em geral, e à política econômica em particular, em especial aqueles provenientes da comunidade acadêmica, que me parecem ser um pouco mais consistentes do que os comentários de imprensa ou as declarações de políticos sobre os mesmos assuntos (embora eu tampouco despreze esse tipo de documento político, como evidenciado em meu texto “Exercício de ficção econômica: coelho de Páscoa?”, também disponível no link: http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/1242EconomiaFiccional.pdf).
Como não concordo com as afirmações dos economistas membros da SEP, como considero que o manifesto por eles produzido peca pelo viés não apenas negativo, mas também desfocado, para não dizer deformado, em relação às políticas econômicas à disposição do, ou praticadas pelo governo, e como acredito que eles passam inteiramente ao largo das conseqüências (que reputo essencialmente negativas) que teriam eventuais políticas alternativas por eles propostas – que eles se eximem de detalhar –, pretendo proceder da forma habitual em ocasiões similares, isto é, efetuar uma leitura crítica e alinhar comentários tópicos sobre os textos disponíveis, ademais de observações gerais pertinentes a esse gênero de exercício. Os textos são, ademais da própria “Carta de Uberlândia”, a entrevista concedida à revista Carta Capital pela presidente da SEP. Embora dispensável, esclareço que não possuo nenhum mandato de qualquer autoridade para dedicar-me a este tipo de “diálogo unilateral”, nem o faço motivado por qualquer desejo de apenas contradizer os economistas políticos, mas simplesmente como prática individual e manifestação espontânea do debate aberto, que constitui um dos mais naturais direitos de nossa sociedade democrática.

I. Comentários à Carta de Uberlândia, da SEP
1) SEP: “Os economistas reunidos no IX Encontro da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP), entre 8 e 11 de junho de 2004 em Uberlândia (MG), vêm a público manifestar sua posição contrária à política econômica do governo Lula.”
PRA: Trata-se de um direito deles, mas pode-se considerar curioso o fato de que eles não tenham conseguido encontrar nenhum aspecto da política econômica do governo que recolha seu assentimento ou mesmo concordância parcial. Trata-se do que se poderia chamar de julgamento globalmente negativo, o que permitiria supor que a atual política econômica não apresenta nenhuma condição de encontrar aprovação quanto às suas orientações e resultados junto a pessoas mediana ou satisfatoriamente bem informadas como são os membros da SEP. Tamanha unanimidade na avaliação negativa abre espaço a que se considere o documento em questão como essencialmente político, e não de tipo econômico como seria de se esperar.

2) SEP: “É fundamental desmistificar as justificativas oficiais e os comentários econômicos da mídia sobre a necessidade de contingenciamento do orçamento fiscal ou da geração de superávits primários incompatíveis com a recuperação do crescimento.”
PRA: O verbo “desmistificar” é particularmente mistificador nesta circunstância, já que nem o governo tem feito segredo de sua intenção de continuar a obter superávits primários com o objetivo de manter as contas públicas numa trajetória de equilíbrio, nem a mídia tem colaborado com o governo em qualquer empreendimento de supressão das informações oficiais à sociedade ou de indução em erro de qualquer natureza. Não há nenhuma justiticativa em jogo, mas tão somente atos de informação pública, tão transparentes quanto possível em se tratando de matéria técnica.
O fato de que os economistas da SEP consideram que a geração de superávits primários é incompatível com a retomada do crescimento permite supor que eles recomendariam que essa retomada se fizesse com a geração de déficits constantes ou crescentes, o que configuraria, aí sim, uma situação insustentável para o crescimento e o desenvolvimento econômico no Brasil. Não se compreende como economistas razoavelmente bem informados, e supostamente bem formados, não consigam atentar para a enormidade das conseqüências de um crescimento por impulsos, baseado no déficit público numa situação de endividamento excessivo e desequilíbrio crônico das contas públicas. Eles deveriam fazer um curso sobre a lei da responsabilidade fiscal.

3) “As alternativas a esta política econômica existem, são viáveis, socialmente inadiáveis e teriam o apoio da ampla maioria dos brasileiros que elegeu Lula para mudar a política econômica.”
PRA: Sempre existem alternativas a quaisquer políticas econômicas adotadas em qualquer parte do mundo, como aliás existem alternativas a qualquer tipo de política. O diabo está nos detalhes e enquanto os economistas da SEP não precisarem os contornos e sustentatibilidade de “suas” políticas alternativas, suas recomendações evasivas valem tanto quanto quaisquer outras sugestões. Pode-se entender que um manifesto político de duas páginas não ofereça, exatamente, as condições ideais para uma elaboração detalhada das políticas alternativas, mas eles deveriam pelo menos esforçar-se para trazer um pouco mais de seriedade ao debate.

4) “A existência e o crescimento da Sociedade Brasileira de Economia Política é uma demonstração de que não há um caminho único em economia, nem uma análise única dos desafios colocados à nossa sociedade.”
PRA: A SEP está querendo, comparativamente, retroceder aos tempos anteriores a Copérnico, colocando-se no centro de um universo que ela mesma criou, na qual vive em torno do seu próprio eixo e na qual se reflete a si mesma como se fosse um sol. A existência da SEP tem tanta importância para caminhos múltiplos em economia quanto a liberdade de pensar, de escrever, de defender idéias sensatas ou mesmo idéias malucas. A SEP acaba de inagurar uma nova escola em economia: o narcisismo econômico.

5) “O debate público sobre alternativas de política econômica é um fato corriqueiro em qualquer sociedade democrática.”
PRA: A SEP padece da paranóia da perseguição intelectual, pois não se conhece, desde o fim da censura à imprensa no Brasil, ainda em pleno regime militar, nenhuma restrição ao livre debate econômico nos meios de comunicação. Essa liberdade precedeu à democracia, e continuou a ser exercida com muito mais energia no período pós-1985, lá se vão quase 20 anos.

6) “A manutenção da política de esterilização de recursos tributários para enfrentar o serviço da dívida pública com juros fixados pelo próprio governo constitui um mecanismo poderoso de transferência de renda das famílias assalariadas para uma elite rentista, numa prática que só faz aprofundar a realidade perversamente desigual do país.
PRA: Os economistas da SEP têm razão, mesmo descontando-se o fato de que vários deles devem ter aplicações bancárias em certificados de depósitos investidos em títulos públicos, e devem estar muito contentes com os altos juros recebidos em retorno de suas poupanças investidas. Mas eles estão agindo em relação ás conseqüências da dívida pública, não em direção de suas causas. Eles deveriam apontar, em primeiro lugar, como fazer para impedir o Estado de emitir tantos títulos, de recolher tanta poupança privada, e como evitar que nesse jogo o nível de juros seja aquele determinado por esse precário equilìbrio entre despoupanca estatal e poupanças privadas. Enquanto eles não resolverem o problema do desequilíbrio das contas públicas, suas perorações contra os rentistas têm tanto efeito quanto reclamar do meteorologista que vem de público anunciar chuvas e trovoadas.

7) “Essa transferência, além do mais, alimenta a armadilha da dívida pública, deixando o Tesouro Nacional incapaz de financiar políticas de desenvolvimento econômico e social de competência da União que viabilizem a criação de empregos e a elevação da massa salarial.”
PRA: Estamos aqui na clássica situação do ovo ou da galinha: foi a dívida que produziu juros altos, ou foram estes que produziram a dívida pública? Os economistas da SEP estão convidados a responderem a essa tão angustiante quanto ingênua questão: enquanto não se enfrentar a situação de despoupança estatal, não adianta reclamar do nível dos juros, do volume da dívida, ou das transferências para os rentistas.
Apenas como informação aos economistas da SEP: não é o Tesouro que financia políticas de desenvolvimento econômico e social, ele apenas assegura o caixa do governo. Quem financia essas políticas é o orçamento do governo, que por sua vez é elaborado por um bando de tecnocratas sob a orientação de um ministro guiado pelo presidente, aprovado por um bando de parlamentares preocupado com suas aplicações provinciais, e implementado por um governo que supostamente está comprometido com o bem comum. O Tesouro faz apenas aquilo que o governo, as leis e a constituição lhe ordenam fazer, nem mais, nem menos. Na mesma linha, o Tesouro tem tanto a ver com criação de empregos e massa salarial quanto o Banco Central tem a ver com políticas de controle da natalidade, ou seja, absolutamente nada. Os economistas da SEP deveriam se informar melhor sobre a repartição de competências funcionais e mandatos num governo normalmente constituído.

8) “Em 2003, por exemplo, foram gastos R$ 145 bilhões com juros da dívida pública, mais do que todas as despesas dos três poderes no âmbito federal (descontados os gastos com previdência social) e o equivalente a mais de 18 vezes o orçamento geral anual de todas as universidades federais.
PRA: Somos gratos aos economistas da SEP por nos relembrar os números dramáticos do serviço da dívida pública, e eles estão desde já convidados a superar a fase do muro das lamentações para indicar, claramente, o que pretendem fazer com essa situação verdadeiramente intolerável. A menção aos orçamentos das universidades federais revela, mais uma vez, que eles vivem no pequeno mundo da academia, cuja principal atividade, atualmente, é alimentar o vale de lágrimas do muro das lamentações acima mencionado.

9) “Não fossem as transferências maciças de recursos de impostos e de contribuições sociais para o pagamento de juros, seria possível ainda implementar uma política efetiva de Seguridade Social, garantindo saúde para todos e incorporando o expressivo contingente de famílias urbanas e camponesas hoje dela excluído.
PRA: Não fossem essas absurdas transferências, seria possível tapar os buracos das estradas, alimentar um generoso programa de renda mínima, dar ricas bolsas a todo e qualquer estudante universitário, enfim, satisfazer os mais interessantes sonhos de bem estar social. A SEP fica nos devendo a receita mágica que permitiria evitar o pagamento de juros abusivos, mas, por favor, sem calote dos títulos públicos, do contrário vários dos seus membros e outros professores universitários ficariam sem o seu justo rendimento de uma poupança duramente amealhada ao longo de anos de trabalho honesto e dedicado.

10) “A suposta austeridade fiscal, que exige de prefeitos e governadores a redução dos investimentos na área social, não impõe qualquer controle ou sanção aos que decidem a política de juros e elevam a dívida pública em favor dos credores nacionais e internacionais.
PRA: Os professores da SEP precisariam nos explicar como um governo “neoliberal”, como a anterior administração de FHC, e como um governo supostamente reformista, como a atual administração de Lula, conseguem, ambos, servir aos mesmos credores, nacionais e internacionais, partindo de premissas ideológicas tão opostas e de posições e compromissos diametralmente opostos como ainda se reconhece hoje em dia. Será que é porque a “suposta austeridade fiscal” não tem, de fato, coloração ideológica, e que ela se impõe como uma necessidade incontornável a todo e qualquer governo que não pretende ver sua administração soçobrar no mar da espiral inflacionária, da fuga de capitais e do descontrole fiscal?
A indignação de caráter sentimentalóide (redução de investimentos sociais) e de pretenso fundo moral constitui um péssimo substituto a uma análise serena e objetiva da realidade econômica do Brasil, mas isso os membros da SEP já deveriam saber, com base numa leitura atenta dos números oficiais das contas públicas. Se eles ainda não o fizeram, recomenda-se que o próximo encontro da sociedade seja dedicado inteiramente à troca de informações sobre as contas primárias da União, dos estados e municípios. Depois, se poderia pedir que eles redigissem uma nova carta, fazendo recomendações para paliar à realidade assustadora que eles finalmente poderão descobrir a partir dessas leituras de horror econômico, com cenas de déficit explícito a cada página.

11) “Nós nos manifestamos pela imediata mudança da política econômica. Defendemos a revisão da abertura financeira do país como condição para a redução drástica das taxas de juros e para alívio do peso hoje representado pela dívida pública.
PRA: Os economistas da SEP estão singularmente mal informados: o nível da taxa de juros não é determinado pela abertura financeira do Brasil, do contrário outros países emergentes, com nível bem maior de abertura financeira teriam juros altíssimos, o que manifestamente não é o caso. Recomenda-se que eles dêm uma olhada na situação fiscal de cada um desses países, para ver se déficit orçamentário e dívida pública são inocentes nesse quesito. De resto, eles estão inteiramente livres para propor essa “mudança imediata” na política econômica do país, e não se compreende que eles não tenham tido sequer o cuidado de propor a “sua” política econômica. Tantas sumidades se reunem durante dois dias de intensos debates e nenhum resultado prático, a não ser críticas genéricas à situação presente, advém desses doutos colóquios recheados a frases de grande eloqüência econômica? Eles deveriam voltar a se reunir para fazer melhor o dever de casa, que é o de não apenas criticar, mas também propor políticas alternativas que sejam factíveis, sustentáveis e sobretudo eficientes em promover todas as benesses que eles nos prometem com suas receitas mágicas de desenvolvimento indolor.

12) “Defendemos igualmente o controle democrático da atuação e das decisões tomadas pelo Banco Central do Brasil.
PRA: Qual seria a fórmula?: submeter as decisões do Copom a um plebiscito organizado pela CNBB? Um Banco Central independente, dotado de um Copom amplo e representativo, com mandato fixo, submetido ao escrutínio regular do Congresso, seria plenamente democrático para assegurar os interesses da maioria, sem os desconfortos de um poder político errático, querendo fazer política eleitoral via determinação dos juros.

13) “Defendemos, enfim, que a sociedade brasileira tenha a possibilidade de participar dos destinos da nação, de pensar e de elaborar um verdadeiro projeto nacional de desenvolvimento econômico e social.
PRA: A sociedade está inteiramente livre para começar quando quiser. A SEP poderia tomar a iniciativa de propor o seu projeto nacional e submetê-lo à discussão nacional. Entende-se que ele será um pouco mais elaborado do que uma carta-manifesto de duas páginas, recheada de idéias vagas e recomendações piegas. Mãos à obra SEP.

II. Comentários à entrevista da presidente da SEP à revista Carta Capital
1) Leda Paulani: “CC: Quais as principais diferenciações que vocês fazem entre os pensamentos ortodoxo e o heterodoxo? - LP: O ortodoxo, em síntese, propõe o orçamento fiscal equilibrado, o controle da moeda, e a menor interferência possível do governo, pois tem por trás o ideário liberal. Defende a liberdade nas contas de capitais e a moeda forte, ou seja, não é adepto da taxa de câmbio competitiva.
PRA: Não há uma explicitação teórica similar para a corrente heterodoxa, mas é surpreendente constatar que, para um membro distinguido da academia, orçamento fiscal equilibrado, controle da moeda e interferência reduzida do governo são sinônimos do ideário liberal, quando estes elementos de política econômica deveriam, supostamente, constituir os fundamentos de qualquer sistema econômico razoavelmente sadio. Os economistas, aliás, independentemente das correntes a que se filiam, deveriam ser os primeiros a sustentar a necessidade de dotar a economia nacional de sólidos fundamentos macroeconômicos. Devemos então entender, como simulação simétrica e oposta, que o economista heterodoxo prefere, como práticas “normais” de administração, orçamentos desequilibrados (registre-se, en passant, que o aspecto fiscal não se resume ao orçamento, nem sequer ao simples sistema tributário), o descontrole da moeda (isto é, o emissionismo irresponsável) e a máxima interferência possível do governo na economia? Seriam estas as bases de um pensamento não liberal em economia?
Pode-se observar, em seguida, que o ideário liberal, proclama, sim, a liberdade de movimentação de capitais, mas, justamente, o conceito de “moeda forte”, como oposto a uma taxa de câmbio competitiva, é totalmente contraditório ao verdadeiro pensamento liberal, que nesse particular também proclama a liberdade de câmbio. Ou seja, o liberal recomendaria, na verdade, o câmbio flutuante, o sistema que melhor se encaixa nos seus princípios de liberdade de mercados. Em decorrência da flutuação, a moeda será “forte” ou “fraca” em função das velhas leis de mercado e não por determinação da vontade política de algum economista no poder, que pode ser tentado a dar-lhe uma ou outra dessas características atendendo a considerações outras que não os estritos fundamentos econômicos que sustentam aquela moeda. alheio , ou seja, não é adepto da
Liberdade financeira e cambial é uma posição consistente com os princípios econômicos liberais, mas são poucos os governos que se deixam guiar por princípios abstratos, preferindo eles intervir nos mercados por razões essencialmente pragmáticas. A tendência conduz, geralmente, dos controles à liberalização progressiva, e esta será, igualmente, a evolução no Brasil, quando as condições o permitirem. Transformar isso em doutrina ou ideário é a pior espécie de prática econômica que poderia existir.

2) Leda Paulani: “CC: O que a Sociedade propõe, em termos práticos? LP: Do ponto de vista macro, propõe, em primeiro lugar, reduzir a vulnerabilidade externa, por meio do controle de capitais, porque aí ganha-se grau de autonomia interno em política monetária. Propõe a taxa de câmbio competitiva e um colchão de reservas razoável.
PRA: Controles de capitais podem também aumentar a volatilidade do sistema, ao induzir os agentes a buscarem refugio em divisas fortes e em remessas “informais” de capitais ao exterior, agregando, portanto, à vulnerabilidade geral da economia. Um sistema razoavelmente aberto, com possibilidade de estímulos fiscais para a entrada ou retenção de capitais pode funcionar melhor do que controles estritos. A taxa de câmbio “competitiva”, no conceito heterodoxo, isto é, com moeda politicamente desvalorizada, deixa a todos mais pobres vis-à-vis o exterior, e induz a comportamentos atentistas nos agentes econômicos, sem falar no total desestímulo à busca de competitividade externa, com aumento, portanto, da vulnerabilidade externa que o heterodoxo queria evitar. Por que não deixar que o próprio mercado estabeleça a taxa de câmbio mais apropriada para a economia? Finalmente, um bom colchão de reservas geralmente custa caro, pois o que se paga para mantê-lo pode ser obtido de maneira mais fácil e barata via incremento geral das correntes de comércio (nos dois sentidos), a melhor garantia de um fluxo constante e regular de divisas para cobrir as necessidades de pagamentos externos num dado período.

3) Leda Paulani: “É inacreditável, veja bem: o governo se endivida cada vez mais e sufoca a economia do País porque paga um preço que ele mesmo fixa lá nas alturas. Qualquer gerente de empresa que fizesse uma política dessas seria despedido no ato.”
PRA: É inacreditável, veja bem: qual é o gerente de empresa que tem a liberdade de endividar continuamente a sua empresa e ainda assim continuar sendo gerente? E qual é o gerente de empresa, que tendo provocado desequilíbrio nas contas de sua empresa, ao ponto de sufocamento contábil, consegue ir ao banco e fixar ele mesmo a taxa de juros que ele gostaria de pagar? O banqueiro escuta gentilmente e concede no ato? Líderes políticos tão irresponsáveis como esse gerente só conseguem ser despedidos, via de regra, após quatro anos de mandato; antes disso eles podem ser irresponsáveis. Podiam, pois agora com a lei de responsabilidade fiscal, as despesas públicas vêm sendo controladas, mas é também inacreditável constatar que os heterodoxos não dão a mínima importância para a responsabilidade fiscal e o equilíbrio das contas públicas, assim como eles dão pouco valor ao cumprimento dos contratos, como os de pagamento de dívidas.

4) Leda Paulani: “O cidadão brasileiro, traumatizado, foge da inflação como o diabo da cruz, e o BC usa esse medo para justificar sua política monetária. Só que não há nenhum perigo de descontrole inflacionário se a inflação, em vez de 8%, chegar a 10% ao ano… Ninguém vai morrer, e é preciso ver os ganhos sociais advindos disso, como a diminuição do desemprego.”
PRA: Heterodoxos sempre acham que um pouco mais de inflação não faz mal e que os perigos são compensados pelos benefícios. O Brasil experimentou esse “pouco mais” durante várias décadas e não se sabe que benefícios a sociedade retirou desse tipo de complacência inflacionária. Quem aceita 10, acaba aceitando 12, e depois 15, e com isso a espiral inflacionária volta para atormentar os pobres. Os economistas heterodoxos, de sua parte, já terão aplicações protegidas dos riscos inflacionários e cambiais…

5) Leda Paulani: “Nosso objetivo é levar à opinião pública a informação de que há mais alternativas para se conduzir a política econômica brasileira, que há muitos economistas que pensam de outra forma. E que a ortodoxia não é algo inatacável e inquestionável, como se fosse a única saída possível.”
PRA: A SEP tem total liberdade para propor suas políticas alternativas, sabendo porém que inflação, controle de capitais e câmbio desvalorizado já foram tentados no passado, com resultados medíocres em termos macroeconômicos e socialmente negativos para os estratos assalariados não protegidos.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1305: 21 de julho de 2004
(www.pralmeida.org)

sábado, 9 de julho de 2011

O governo contra a economia (e os cidadaos), 1: cambio e juros

Leiam bem o artigo que vai abaixo, que obviamente não recomendo como aula de economia, mas apenas como exemplo do que NÃO se deve fazer em matéria de política econômica. Vou destacar algumas frases e comentar logo em seguida:
O tema, para ser repetitivo, é o câmbio, preocupação de industriais e exportadores, e alegria dos consumidores e viajantes, na indiferença do governo, que vê nele um aliado contra a inflação que ele mesmo criou, por gastar demais e mal.
Pois bem, vamos ao exercício de recomendações de "política (des)econômica":

1) PNB: "O que fazer? Baixar os juros unilateralmente? Fora de questão. O Banco Central continua sinalizando com novos aumentos dos juros básicos, o que aliás vem reforçando a tendência de alta do real."
PRA: Esta seria a única maneira efetiva de diminuir a atratividade do Brasil aos investidores estrangeiros, mas claro que não pode ser feito de um golpe de mão, que o articulista chama de "unilateralmente". Nada é unilateral em economia, pois tudo tem consequências diretas ou indiretas, imediatas ou mediatas. Baixar os juros significa, simplesmente, maior concorrência nos mercados de capitais e diminuição da punção pública sobre a poupança privada. Numa palavra: o governo precisa parar de gastar mais do que arrecada, parar de emitir títulos da dívida pública, parar de concorrer com investidores privados pelos capitais existentes na sociedade, desmonopolizar a oferta de crédito subsidiado, que torna inoperante a política monetária. De certa forma, ele pode, sim, baixar juros unilateralmente: basta deixar de oferecer títulos aos banqueiros e mandá-los fazer o que fazem banqueiros em quaisquer outros países normais: disputar clientes no mercado, não viver à sombra do emprestador estatal.

2) PNB: "Há como criar condições para uma redução expressiva dos juros com intensificação do ajuste fiscal e das medidas de controle de crédito? Também não. Cristalizou-se uma situação em que o diferencial de juros em relação ao resto do mundo permanecerá muito elevado."
PRA: Mas claro que há: se o governo reduzisse subsídios ao setor privado, se o Tesouro parasse de emprestar bilhões de reais a amigos do rei, se o Tesouro parasse de repassar centenas de bilhões de reais ao BNDES, se o governo reduzisse seriamente as suas despesas (diminuindo os ministérios à metade, por exemplo), se o governo privatizasse o que ainda tem de excrescências estatais, se parasse de inventar políticas setoriais que todas implicam alguma forma de subsídio aos ricos, se o governo simplesmente fizesse diferente, justamente deixando de fazer o que sempre faz, que é gastar a rodo, haveria como reduzir os juros.

3) PNB: "Acumular mais reservas internacionais? O Brasil vem fazendo isso e pode continuar a fazê-lo. Porém, o diferencial de juros torna oneroso o carregamento das reservas. Além disso, o aumento das reservas tem efeito paradoxal: aumenta a percepção de que o país é um porto seguro, o que atrai mais capitais do exterior."
PRA: Sim, justamente, o governo gasta, inutilmente, mais de 30 bilhões de dólares por ano -- atenção, eu disse 30 BILHÕES DE DÓLARES, provavelmente é mais -- apenas com a manutenção dessas enormes reservas, que são uma ilusão cara. Mas eu aposto que é isso que o governo vai continuar fazendo para conter a valorização do real. Com isso ele apenas vai provocar mais ingresso ainda de capital estrangeiro...

4) PNB: "Sobram dois caminhos, creio, para enfrentar o problema. Primeiro, medidas de política comercial. Vale dizer, combinar subsídios e incentivos à exportação com medidas de restrição à importação para compensar, pelo menos em parte, os efeitos da sobrevalorização cambial sobre certos setores da economia."
PRA: Esse primeiro caminho é o que será adotado, e muito mais o de restrições às importações do que subsídios às exportações, pois o governo já se queixa que não pode dar mais abatimentos fiscais. Eu aposto como virão mais medidas de defesa comercial, mais tarifas altas, mais restrições diversas à nefasta concorrência estrangeira, chamada de "comércio desleal" (desleal, pr que?; apenas porque entra mais barato do que nossos produtos caríssimos, justamente por causa da supertributação nacional?).

5) PNB: "Segundo, e mais importante, adotar medidas severas e mais amplas para barrar a entrada de capitais. Isso significa combinar medidas macro prudenciais com controles rigorosos de capital. Significa também atuar nos mercados futuros e de derivativos, como vem sendo mencionado pela equipe econômica."
PRA: Também tenho quase certeza de que muitos no governo pensam isso, e é o que gostaria que fosse feito pelo governo o articulista em questão. Talvez o governo não faça isso, pois teme reações contrárias nos meios "amigos" do capitalismo financeiro internacional, justamente a "turma da bufunfa" tão desprezada pelo articulista e tão amada pelo governo. Os tais de controles rigorosos de capital são inócuos e contraproducentes, mas os economistas heterodoxos estão sempre propondo esse tipo de medida.
Em tempo: o articulista foi um dos principais responsáveis pela tal de "moratória soberana" de 1987 que arrasou com a credibilidade financeira externa do Brasil durante vários anos e que foi responsável pelos altos spreads que continuamos a pagar até hoje pelos empréstimos externos. Bela obra destruidora. Stay away from him...
Paulo Roberto de Almeida

Insônia promissora
Paulo Nogueira Batista
O Globo, 9/07/2011

O governo prepara novas medidas para conter a alta do real, informam os jornais. Estariam sendo consideradas, entre outras providências, intervenções nos mercados futuros e de derivativos.

Antes à tarde do que nunca, como dizia aquela propaganda de motel na Barra. A sobrevalorização do real está ficando cada vez mais grave. As medidas tomadas pelo governo até agora foram na direção certa, mas têm-se mostrado insuficientes.

A abundância de liquidez internacional, exacerbada pelo enorme diferencial de juros entre o Brasil e o resto do mundo, contribui para manter a força do real. Fala-se às vezes na “maldição dos recursos naturais”. Um traço comum entre economias superdotadas de recursos naturais é a tendência a manter taxas de câmbio supervalorizadas, que estimulam as importações de maneira generalizada e inibem as exportações de quase tudo.

Pois bem. Pode-se falar também, pela mesma razão, em “maldição da abundância de capitais externos”. Diria mesmo: uma das piores coisas que podem acontecer a um pais é cair nas boas graças do sistema financeiro internacional. A turma da bufunfa, livre, leve e solta, é capaz de arruinar qualquer economia.

O Brasil sofre das duas "maldições" ao mesmo tempo. Elas têm, em parte, uma origem comum. Tanto os elevados preços das commodities como a ampla disponibilidade de capitais podem ser vistos como subprodutos das políticas monetárias expansivas dos principais bancos centrais, multiplicadas pela operação dos mercados financeiros especulativos.

Ninguém deve apostar na permanência desse cenário. Daí que faz todo sentido estancar a tendência de apreciação do real e, se possível, revertê-la parcialmente. Caso contrário, a moeda forte produzirá uma economia fraca.

A valorização persistente da moeda solapa o equilíbrio das contas externas e pode deixar a economia vulnerável a choques internacionais. Além disso, a moeda forte enfraquece o parque industrial e outros setores da economia que perdem capacidade de exportar e de competir com importações no mercado interno. Poucos setores da economia prosperam. Os exportadores de commodities, beneficiados pelas altas cotações no mercado internacional. O comércio de produtos importados, que lucra com a entrada crescente de importações baratas. E o setor financeiro, que fatura com os juros elevados e a intermediação de capitais externos.

Ação, portanto. O que fazer? Baixar os juros unilateralmente? Fora de questão. O Banco Central continua sinalizando com novos aumentos dos juros básicos, o que aliás vem reforçando a tendência de alta do real.

Há como criar condições para uma redução expressiva dos juros com intensificação do ajuste fiscal e das medidas de controle de crédito? Também não. Cristalizou-se uma situação em que o diferencial de juros em relação ao resto do mundo permanecerá muito elevado.

Acumular mais reservas internacionais? O Brasil vem fazendo isso e pode continuar a fazê-lo. Porém, o diferencial de juros torna oneroso o carregamento das reservas. Além disso, o aumento das reservas tem efeito paradoxal: aumenta a percepção de que o país é um porto seguro, o que atrai mais capitais do exterior.

Sobram dois caminhos, creio, para enfrentar o problema. Primeiro, medidas de política comercial. Vale dizer, combinar subsídios e incentivos à exportação com medidas de restrição à importação para compensar, pelo menos em parte, os efeitos da sobrevalorização cambial sobre certos setores da economia.

Segundo, e mais importante, adotar medidas severas e mais amplas para barrar a entrada de capitais. Isso significa combinar medidas macro prudenciais com controles rigorosos de capital. Significa também atuar nos mercados futuros e de derivativos, como vem sendo mencionado pela equipe econômica.

A força do real vem tirando o sono do governo, declarou o ministro da Fazenda. Insônia promissora.

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional, mas expressa os seus pontos de vista em caráter pessoal.