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sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Inéditos de José Guilherme Merquior: amostras da ‘máquina de pensar’ - Paulo Roberto de Almeida (Seminário Merquior 80 anos)

Minha colaboração ao Seminário Internacional José Guilherme Merquior, 80 anos:

 4038. “Inéditos de José Guilherme Merquior: amostras da ‘máquina de pensar’”, Brasília, 7 dezembro 2021, 19 p. Apresentação sumária dos textos inéditos ou pouco conhecidos de José Guilherme Merquior: prefácio às edições brasileiras dos Estudos Políticos de Raymond Aron (1980) e do Dicionário Crítico da Revolução Francesa, de François Furet e Mouna Ozouf (1988), e conferências feitas na Universidade de Harvard, El Otro Occidente (1988) e no Centre de Recherches sur le Brésil Contemporain, “Brésil: cent ans de bilan historique” (1990). Divulgado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/63761861/4038_Ineditos_de_Jose_Guilherme_Merquior_amostras_da_maquina_de_pensar_2021_).


Inéditos de José Guilherme Merquior: amostras da ‘máquina de pensar’

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata; IHG-DF; Ibmec-Brasília

Colaboração preparada para o:

Seminário Internacional José Guilherme Merquior: 80 anos

Painel “Inéditos de José Guilherme Merquior” (10/12/2021, 16hs)

  

Sumário

Introdução: os quase inéditos de Merquior, dois prefácios e duas conferências

Raymond Aron: o mestre incomparável da sociologia histórica

Um outro Ocidente: a filosofia da história vista da América Latina

A Revolução francesa ainda não terminou: pelo menos não na academia

Um balanço em claro e escuro da incompleta construção republicana

Depois de San Tiago Dantas, provavelmente o maior intelectual brasileiro do século XX

 

 

Introdução: os quase inéditos de Merquior, dois prefácios e duas conferências

Foi o ex-ministro da Educação, editor e seu colega na Academia Brasileira de Letras, Eduardo Portella, que designou José Guilherme Merquior como “mais fascinante máquina de pensar do Brasil pós-modernista: irreverente, agudo, sábio.” As provas desse verdadeiro veredito estão refletidas em dezenas de obras publicadas, mas também em um sem-número de escritos que ainda não vieram a lume, ou que passaram quase despercebidos, por terem sido publicados em obras de terceiros ou por terem sido recolhidos em veículos de menor circulação. Estão nesse caso várias conferências feitas a públicos diversos, assim como ensaios preparados especialmente para livros traduzidos e publicados no Brasil. 

Como antecipei em uma nota introdutória a esta apresentação sobre alguns dos textos relativamente inéditos ou pouco conhecidos do grande intelectual brasileiro falecido prematuramente em 1991 – “Jose Guilherme Merquior: textos inéditos ou pouco conhecidos” (Brasília, 2 dezembro 2021, 7 p.; disponível na plataforma Academia.edu, link: https://www.academia.edu/63037269/4034_Jose_Guilherme_Merquior_textos_relativamente_ineditos_ou_pouco_conhecidos_2021_); divulgado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/12/jose-guilherme-merquior-80-anos-6.html) –, pretendo cumprir com o prometido ao abordar, com maior grau de detalhe, alguns dos trabalhos que ele produziu, mas que não integraram, na forma como foram produzidos, seus próprios livros individuais. José Guilherme Merquior, ademais de sua imensa bibliografia, possui um volume ainda não catalogado de manuscritos e inéditos que estão sendo progressivamente disponibilizados graças ao labor conjunto do organizador de várias de suas reedições, o professor João Cézar de Castro Rocha, e do editor encarregado pela família de publicar ou republicar o seu espólio, Edson Filho, da É Realizações Editora. 

Já discorri, de modo amplo, sobre grande parte da obra publicada de Merquior no terreno da sociologia política, notadamente no posfácio à reedição da edição brasileira de Foucault, incorporada sob o título de “José Guilherme Merquior: o esgrimista liberal”, in: José Guilherme Merquior, Foucault, ou o niilismo de cátedra (nova edição: São Paulo: É Realizações, 2021, p. 251-320), o que me dispensa de novamente abordar aqui a riqueza totalizante da sua produção intelectual, pelo menos nessa área especializada de sua imensa contribuição à crítica das ideias e doutrinas políticas. Pretendo, portanto, nesta nova nota, tratar de alguns trabalhos pouco conhecidos de José Guilherme Merquior, ou talvez até relativamente inéditos, no sentido em que eles não foram recolhidos, na forma em que foram apresentados por ele uma primeira ou uma única vez, nos livros editados comercialmente, inclusive porque foram publicados em obras de terceiros. 

Vou deixar de lado, no momento, alguns desses inéditos, inclusive porque tomei a iniciativa, quando do transcurso de seus 80 anos, em abril de 2021, de incorporá-los numa brochura que preparei naquela ocasião – José Guilherme Merquior: um intelectual brasileiro (Brasília, 19 de abril de 2021, 187 p.; disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/46954903/Jose_Guilherme_Merquior_um_Intelectual_Brasileiro_2021_) –, e que são, linearmente, o seu discurso de posse como orador da turma do Instituto Rio Branco (dezembro de 1963), sua tese apresentada no I Curso de Altos Estudos no Instituto Rio Branco, “O problema da legitimidade em política internacional (1978)”, ambos recolhidos no volume preparado pelo Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais do Itamaraty: Celso Lafer et alii, José Guilherme Merquior, diplomata (Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1993, respectivamente p. 39-45 e 47-80), ademais do ofício que ele redigiu quando era secretário da embaixada do Brasil em Bonn, em 1973, sobre os grandes desafios da Guerra Fria num momento de tensões entre as grandes potências: “O sistema internacional e a Europa Ocidental”, este sim verdadeiramente inédito.

Naquela oportunidade, tentei imaginar, o que ele poderia ter ainda produzido, na fase mais produtiva de uma vida toda ela dedicada às leituras, aos estudos, às reflexões e à escrita, se não tivesse falecido prematuramente em 1991, logo depois da última palestra apresentada nesta nota, e antes que fosse publicado, pela editora Twayne, de Boston, seu primeiro livro póstumo: Liberalism Old and New. De fato, Merquior produziu, num curto espaço de trinta anos, um volume prodigioso de trabalhos de alta qualidade, ademais de um número talvez ainda não catalogado devidamente de artigos de jornal no contexto de debates que ele empreendeu com todo tipo de “parceiros” (inclusive marxistas) ou “adversários” (mas todos involuntários, pois ele não concebia dessa maneira). Pode-se imaginar o que ele teria ainda produzido nos trinta anos seguintes ao seu infeliz passamento, naquela que teria sido, provavelmente, a fase mais fecunda e mais produtiva de uma vida toda ela dedicada à leitura, às reflexões e à escritura, ou seja, tudo aquilo que perdemos, como comunidade acadêmica, e a própria nação brasileira, privados de seu imenso conhecimento altamente sofisticado.

Divulguei, ao longo dos primeiros meses de 2021, uma série de postagens no blog Diplomatizzando discorrendo sobre aspectos diversos da produção intelectual já conhecida de José Guilherme Merquior. Vou, portanto, limitar-me, nesta nota expositiva, a apresentar alguns poucos trabalhos menos conhecidos de Merquior, inseridos como prefácios ou palestras nas publicações que indico a seguir: 

1) “Ciência e consciência da política em Raymond Aron”, um longo prefácio (30 p.) que ele preparou para a edição brasileira da obra de Raymond Aron: Études politiques (Paris: Gallimard, 1972), que foi publicado em tradução de Sérgio Bath (já tradutor de várias outras obras de Aron, entre elas o Paz e Guerra entre as Nações), com apresentação de Rolf Kuntz, sendo que Merquior parafraseia o capítulo introdutório do próprio Aron: “Ciência e consciência da sociedade”: Raymond Aron, Estudos Políticos (Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 9-39);

2) “El Outro Occidente (um poco de filosofia de la historia desde Latinoamerica”), uma conferência feita em espanhol, quando ele era embaixador do Brasil no México, no Departamento de Línguas e Literatura Românicas da Universidade de Harvard, em setembro de 1988, publicada depois nos Cuadernos Americanos da Universidade Nacional do México (UNAM, n. 13, jan.-fev.1989, p. 19-23); 

3) “O repensamento da Revolução”, o longo (40 p.) e erudito prefácio que ele preparou, no México, entre dezembro de 1988 e janeiro de 1989, para a edição brasileira do Dicionário Crítico da Revolução Francesa de François Furet e Mona Ozouf (Paris: Flammarion, 1988), publicado nesse mesmo ano pela Nova Fronteira; p. xvii-lvii).

4) “Brésil: cent ans de bilan historique”, a palestra efetuada em Paris, quando ele já ocupava a representação do Brasil junto à Unesco, em dezembro de 1990, depois publicada nos Cahiers du Brésil Contemporain (Paris: Centre d’Études sur le Brésil Contemporain, n. 16, 1990, p. 5-22) e que eu reproduzi fac-similarmente na minha brochura de abril, José Guilherme Merquior: um intelectual brasileiro.

 

(...)


Íntegra do texto neste link: 


https://www.academia.edu/63761861/4038_Ineditos_de_Jose_Guilherme_Merquior_amostras_da_maquina_de_pensar_2021_ 


sábado, 19 de agosto de 2017

Um inedito de 2005 contra a diplomacia lulopetista - Paulo Roberto de Almeida

Em abril de 2005, bem antes, portanto, da inacreditável traição à pátria -- uma entre muitas outras mais -- perpetrada pelo Sr. Luís Inácio Lula da Silva no rumoroso caso da nacionalização dos recursos em hidrocarburos pelo seu companheiro boliviano, e bolivariano, Sr. Evo Morales, que humilhou não só a Petrobras, mas o próprio Brasil (com o pleno acordo do presidente brasileiro), eu escrevi um artigo denunciando a tremenda renúncia de soberania que eu via em várias das atitude diplomáticas do governo lulopetista. 
O artigo permaneceu inédito desde então, e eu o "redescobri" agora, e por isso decidi publicar, mais de um ano depois do final do deletério regime dos companheiros em nosso país.
Cabe registrar que, até então, em 2005, com algumas restrições justificadas, eu havia até feito algumas avaliações não de todo depreciativas sobre a nova diplomacia "ativa e altiva", tanto é que os próprios companheiros, em 2004, pediam permissão para reproduzir um artigo que eu havia feito comparando as diplomacias de FHC e de Lula.
Dei a autorização, mas para minha surpresa, quando vi o "produto final", numa revista de propaganda do novo regime companheiro, constatei que eles haviam meticulosamente suprimido todas as referências objetivas que eu fazia a ambas diplomacias, retendo apenas as avaliações positivas ao novo regime, e recortando maldosamente todas as demais referências à diplomacia de FHC, para colocá-la numa luz menos favorável, negativa mesmo. Achei aquilo de uma calhordice exemplar, mas não me lembro se reclamei naquele momento, tanto porque só vim a tomar conhecimento mais tarde, já decidido a nunca mais dar autorização nenhuma a qualquer instância do partido (que, como em todos os regimes comunistas, se confundia com o governo), para reproduzir qualquer coisa minha.
O fato é que, observando logo em seguida todos os despautérios perpetrados pelos companheiros em matéria de diplomacia, eu redigi, para meu próprio registro, o artigo que vai abaixo, sem jamais tê-lo levado a público, por razões evidentes: naquele momento eu ainda trabalhava numa dessas instâncias de "planejamento estatal", chamado "Núcleo de Assuntos Estratégicos", vinculado diretamente à Presidência da República. A publicação desse artigo representaria, obviamente, um tremendo choque no estado de euforia sob o qual vivia, então, o regime companheiro (estávamos, naquele momento, antes do choque do Mensalão, quando desnudou-se a natureza criminosa do regime).
A ficha desse trabalho, mantido rigorosamente "sob sigilo" desde então e até aqui, é esta

1415. “Uma vergonha nacional: A diplomacia petista produz renúncia inaceitável de soberania”, Brasília, 3 abril 2005, 4 p. Inédito. 

Se eu o revelo hoje, não é por nenhum "animus beligerandi", ainda que todos saibam, atualmente, de minha radical oposição, e combate pessoal, durante os últimos dez anos, pelo menos (antes disso de forma muito discreta, ou "clandestina", digamos assim), ao assim chamado "lulopetismo diplomático", um intervalo horroroso nas tradições de nossa diplomacia, que eu não tive nenhuma objeção de consciência em denunciar, assim que as condições se apresentaram.
Este blog, como referido diversas vezes, tornou-se uma espécie de "quilombo de resistência intelectual", contra a horda de irracionalidades dos novos bárbaros, e não só na diplomacia, mas em quase todas as demais esferas das políticas públicas também. Durante dez anos, ou mais, permaneci isolado nessas posições, até que finalmente se revelasse toda a extensão dos crimes perpetrados pelos companheiros, que levaram ao que eu chamo de A Grande Destruição, a pior recessão econômica de nossa histórica, e o mais gigantesco espetáculo de corrupção jamais visto no Brasil, no hemisfério, quiçá no mundo.
O artigo segue em sua íntegra, com algumas referências que hoje podem parecer superadas (Argentina, por exemplo), mas é um exemplo do que eu pensava ao início do regime companheiro, e do que veio a se agravar depois: a traição à pátria cometida pelos neobolcheviques em todas as situações nas quais o interesse nacional esteve confrontado aos interesses partidários, e possivelmente cubanos.
Um dia vou registrar, detalhadamente, todos esses episódios de retrocesso institucional, na diplomacia certamente, mas em outras áreas também.
 Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 19/08/2017 


O Fim da Soberania:

Consequências da diplomacia petista



            Desde o início do governo petista, seus representantes mais importantes, a começar pelo próprio presidente, têm repetidamente afirmado que defendem a soberania nacional. Acusam o governo anterior de ter praticado uma política externa submissa, atenta mais aos interesses de Wall Street e da finança internacional do que aos do Brasil. Afirmaram muitas vezes que a diplomacia anterior estava sacrificando as chances de desenvolvimento brasileiro ao comprometer o Brasil com a Alca, aos seus olhos um projeto de anexação da América Latina por parte dos Estados Unidos.

 Para contrapor-se a essa política externa que eles rotularam de “entreguista”, os encarregados atuais das relações internacionais do Brasil passaram a praticar uma inacreditável “diplomacia do espetáculo”, que redundou, paradoxalmente, na alienação completa da soberania nacional. Alguns exemplos comprovarão esta afirmativa.

Com um falso discurso de defesa da soberania nacional, a diplomacia petista tem realizado, na prática, uma das mais devastadoras operações de desmonte da soberania do país e de renúncia ao interesse nacional de que se tem notícia desde os tempos dos tratados desiguais com a Grã-Bretanha. Isso vem de antes da assunção ao poder: manifesta-se desde a determinação, apriorística e irracional, de que o Brasil necessitaria, em sua política externa, de “parceiros estratégicos”. O que significa, de fato, a escolha, a priori, de “parceiros estratégicos”, quaisquer que sejam eles?

A escolha, puramente ideológica e sem qualquer sentido pragmático, de um país A, B ou C como sendo um “parceiro estratégico”, como declarado unilateralmente, desde antes da posse, pelo atual presidente, redunda, inquestionavelmente, no alinhamento de nossos interesses diplomáticos com os desses países, sem que eles, em qualquer momento, tivessem declarado que também desejavam ser “parceiros estratégicos” do Brasil ou que se dispusessem a coordenar suas relações exteriores com nossas próprias posições.

O que é isso, senão renúncia de soberania? Pior do que isso: representa um dos piores desatinos diplomáticos desde que se inventou essa arte nos idos do Renascimento italiano. Estamos simplesmente anunciando ao mundo, e diretamente a esses países, que temos “aliados estratégicos”, e portanto “parceiros selecionados”, independentemente do que ocorra na agenda internacional ou no relacionamento mais amplo, regionalmente e com outros países.

Nunca se viu, em décadas, ou mesmo séculos, de serviço diplomático brasileiro, uma tal renúncia de soberania como essa manifestada nas “alianças estratégicas” do PT. Mas, as demonstrações não se limitam a isso. A renúncia de soberania também vai ao ponto de limitar a capacidade de ação da diplomacia brasileiro no exercício do simples direito de resposta, seja com base em argumentos próprios, seja com base em regras consagradas do direito internacional e das boas práticas de comércio internacional.

Ilustremos esse desatino pelo caso do Mercosul. De fato, a renúncia de soberania também se manifesta no patético assentimento passivo, por parte da “diplomacia altiva”, a todos os desmandos cometidos pela Argentina no âmbito do Mercosul e das relações comerciais bilaterais com o Brasil. O que significa o governo brasileiro aceitar a imposição unilateral de salvaguardas argentinas contra nossas exportações senão renúncia de soberania? Ela se dá em total contradição com a letra e o espírito do Tratado de Assunção, que não autorizam esse tipo de prática arbitrária da Argentina. Ela também se manifesta na passividade completa em face dos repetidos abusos cometidos pelo vizinho contra um número cada vez maior de produtos brasileiros.

A inoperância da diplomacia é provocada, como se sabe, por determinação direta do Palácio do Planalto, onde um “Rasputin diplomático” saído da academia pretende construir uma “diplomacia alternativa”, feita de alianças prioritárias com os “parceiros do Sul”, em detrimento dos nossos interesses nacionais, a começar pelos interesses diretos de quem produz e pretende vender ao exterior dentro das condições estabelecidas nos tratados assinados e consagrados em nossas relações exteriores. Essa passividade em face dos abusos argentino beira o limite do crime de responsabilidade política, pois se coloca contra os interesses nacionais, em primeiro lugar dos nossos empresários, frente a barreiras não justificadas pelo Tratado de Assunção.

O amesquinhamento da diplomacia se revela igualmente no incrível “protocolo” assinado com a ditadura cubana, visando ao “reconhecimento” de diplomas concedidos a alunos de “medicina” selecionados, não pelo Estado, mas pelo PT e por outros partidos e movimentos sectários. Mesmo que a tramitação dessa facilidade tenha sido barrada pela oportuna reação das universidades e da própria Ordem da área médica, o protocolo diplomático figura nos anais da diplomacia brasileira, como uma nódoa de indisfarçável renúncia de soberania. Pode-se pensar no constrangimento dos diplomatas da Secretaria de Estado ou daqueles servindo sob as ordens do incrível “embaixador” brasileiro em Havana, que já tinha declarado sua aprovação aos fuzilamentos contra dissidentes ordenados por Castro, a quem ele admira: contra as mais velhas tradições da diplomacia, eles tiveram de preparar um documento preliminar que representou a mais servil sujeição da diplomacia brasileira a interesses diretamente partidários.

Mas há mais. Renúncia de soberania representa alinhar-se preventivamente com a China na política obstrucionista, sem sequer exame de mérito, de uma investigação séria, por parte de órgãos da ONU, dos atentados aos direitos humanos cometidos naquele país. O Brasil tinha por prática, antes do governo atual, abster-se nesse tipo de votação, por vezes por razões alegadamente técnicas, outras porque muitas dessas resoluções tem de fato indisfarçável motivação política. Agora, este governo obriga a diplomacia a sustentar ativamente regimes violadores dos direitos humanos como os de Cuba e da China.

Em vários itens da agenda externa do Brasil, o governo petista age sofregamente, ao arrepio de nossas tradições diplomáticas, na busca ilusória de prestígio internacional e na obsessão quase risível de conquistar de imediato uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. A postura nas negociações da Alca e nos temas de comércio internacional, de modo geral, revelam uma concepção atrasada dos interesses econômicos brasileiros. As tentativas de agradar ao mesmo tempo aos antiglobalizadores do Fórum Social Mundial e aos homens de negócio de Davos confirmam que este governo e esta diplomacia não têm rumo próprio, apenas reações desencontradas.

A diplomacia brasileira tem um inegável prestígio dentro e fora do país. Ela sempre conseguiu traduzir a essência do interesse nacional. Atualmente, porém, o que se vê é um triste espetáculo de renúncia de soberania nacional.


[Fim da transcrição]