Apenas um reparo a esta coluna do sempre competente Celso Ming.
Ele afirma que o "superávit primário de 1,9% do PIB, [serve] para cálculo da poupança do governo para abater a dívida pública," o que é inexato.
O superávit primário tem o objetivo exclusivo de coletar recursos para cobrir o serviço da dívida, ou seja, pagar apenas os juros, que representam bem mais do que isso.
Juros da dívida são o principal componente da despesa pública, superando todas as demais rubricas. Ora, mesmo um superávit primário de 3,5% do PIB, como deveria ser o objetivo do governo, só permite cobrir uma parte dos juros, sendo que o resto é transformado em novos títulos da dívida e se soma ao estoque do principal, que deve ser pago a seu termo, e provavelmente será trocado por nova dívida.
Ou seja, a situação é ainda pior do que afirma Celso Ming, a quem de toda forma rendo minhas homenagens pela excelência de suas colunas.
Paulo Roberto de Almeida
Corte de vento
18 de março de 2014 | 2h 04
Celso Ming - O Estado de S.Paulo
As autoridades da área econômica juraram que não apelariam mais para contabilidades criativas com a finalidade de fechar as contas públicas e manter as aparências. No entanto, já há mais do que indícios de que as manipulações continuam. São da mesma natureza das que foram feitas nos anos anteriores e foram denunciadas.
Ontem, o jornal Valor avisou que, para efeito de definição do superávit primário de 1,9% do PIB, ou seja, para cálculo da poupança do governo para abater a dívida pública, o Ministério da Fazenda subestimou propositalmente em pelo menos R$ 10 bilhões (pode ser mais) o rombo da Previdência Social deste ano.
Quem está dizendo isso não é um desses cricas que estão sempre à procura de pelo em ovo. Quem está dizendo que o governo Dilma está subestimando em tais proporções o déficit da Previdência e, com isso, se dedicando a "corte de vento" é ninguém menos do que o ministro da Previdência Social, Garibaldi Alves.
Este não é o único dado que reforça a impressão de que o governo segue enganando brasileiras e brasileiros a respeito da administração das contas públicas. O anúncio da obtenção do superávit primário de 1,9%, feito no dia 20 de fevereiro, também superestimou a arrecadação do Tesouro. Colocou no cálculo um avanço do PIB de 2,5%, quando o Brasil inteiro não conta (em média) com mais de 1,7%, como a Pesquisa Focus, do Banco Central, vem revelando todas as semanas.
Na semana passada, o banco Morgan Stanley avisou que apenas a possibilidade de racionamento de energia elétrica já derrubou para 1,5% as expectativas de avanço do PIB do Brasil neste ano. Ora, crescimento mais baixo da atividade econômica implica arrecadação também mais baixa, portanto, é fator de encolhimento do resultado das contas públicas. Insistir em arrecadação inconsistente com o tamanho do PIB é insistir no jogo manipulatório.
E por falar em energia elétrica, há evidências de que também está subestimado o aumento de R$ 21 bilhões na conta de luz, que fez parte do pacote de socorro para as distribuidoras de energia elétrica anunciado na semana passada. Se isso se confirmar, serão inevitáveis ainda maiores transferências do Tesouro para o setor.
Esta Coluna também já vinha chamando a atenção para o estrago sobre a arrecadação dos Estados que tem sido provocado pelo achatamento de preços e tarifas comandado pelo governo. O ICMS sobre combustíveis e energia elétrica é importante fonte de arrecadação dos Estados. Se mantém represados esses preços, a decisão populista do governo Dilma concorre ainda para que o restante do setor público também deixe de cumprir suas metais fiscais.
É frágil o atual arranjo em que se baseia a sustentação das contas públicas. O governo sabe disso e mal consegue disfarçar as contradições em que se enreda. A estratégia está clara. Consiste em tentar aguentar como der, empilhar esqueletos para dentro de um armário qualquer, esperar pelo resultado das eleições e depois ver como se consertam os estragos.
A principal consequência dessa postura é o aumento das incertezas. Hoje, qualquer empresário sabe que, em sua empresa, as decisões que podem esperar devem ser adiadas até que haja mais clareza.