Entrevista:
MANSUETO ALMEIDA
» ROSANA HESSEL
Correio Braziliense – 02 de setembro de 2013
"Falta pé no chão (à equipe econômica). Eles
dormiram no ponto ao não realizar as concessões de infraestrutura logo no
início do governo. Erraram em dados básicos de planejamento, principalmente
com uma presidente que era a gestora de todos os projetos do PAC"
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O
economista cearense Mansueto Almeida não poupa palavras ao criticar a gestão da
presidente Dilma Rousseff. “Ela se tornou uma política disfarçada de gerente”,
define, ao afirmar que o governo errou no planejamento e superestimou a receita
que teria para bancar investimentos. Ele não perdoa o fato de Dilma ter sido a
gestora do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e não ter dado início ao
programa de concessões de infraestrutura logo no primeiro ano de governo.
A alta
de 1,5% no Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre, divulgado na
última sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
surpreendeu Almeida, que previa uma elevação de, no máximo, 1%, mas não o
empolgou. “Esse PIB não sinaliza que o país entrou numa rota de crescimento
robusto. Ao contrário. É um ponto fora da curva”, afirma.
O
economista prevê queda no ritmo de crescimento no terceiro trimestre e aposta
que a expansão acumulada no ano ficará em torno de 2%.
Técnico de
Planejamento do Instituto de Pesquisa Econômica Avançada (Ipea) e integrante da
Diretoria de Estudos Setoriais e Inovação do órgão, Almeida é um dos principais
especialistas do país na área fiscal. Ele destaca que, ao final de apenas
quatro anos de mandato, Dilma terá promovido um aumento dos gastos públicos
praticamente igual ao realizado pelos últimos três governos. A seu ver, falta
na equipe da presidente um bom formulador de política econômica.
Na
avaliação do especialista, diante do forte avanço nos gastos, não há como
evitar um ajuste fiscal, que pode até levar o país a uma recessão. Como 2014 é
um ano eleitoral, esse acerto ficaria para 2015, seja qual for o governo. A
curto prazo, diz ele, o Banco Central é que fará o trabalho sujo, elevando a
taxa básica de juros (Selic) até, no máximo 12%, para tentar segurar a inflação
no teto da meta até o pleito. A seguir, os principais trechos da entrevista
concedida ao Correio:
Como avalia o resultado do
PIB do segundo trimestre,
que
ficou acima do esperado
até mesmo pelo governo?
O resultado
surpreendeu, mas o acumulado de quatro trimestres ainda é baixo, de 1,9%. O
país saiu de um ritmo de expansão de 4% ao ano para 2% a 2,5%, no máximo. É
muito baixo. Havia um bom ponto de partida. O mercado de trabalho ainda está
aquecido. A parte ruim é que o gasto público no Brasil foi planejado com base
em uma economia que deveria crescer 4%. Mas um país que avança metade disso não
comporta os gastos que vem sendo feitos. Está ocorrendo um brutal aumento da
despesa, e o governo fica sem espaço para elevar o investimento público e
reduzir a carga tributária.
Mas não é positivo ver que
o país cresceu mais que outras
economias
desenvolvidas?
Não acho
bom fazer comparações com Coreia do Sul e Estados Unidos, por exemplo. Os EUA
têm PIB per capita de US$ 49,8 mil. Para um país rico, ter uma taxa baixa de expansão
é normal. Para a economia americana, 2,5% é um senhor crescimento. Para o
Brasil, não. Temos uma renda per capita pouco acima de US$ 10 mil. O Brasil não
pode se dar ao luxo de crescer tão pouco.
Pode-se dizer que é um
“pibão” que não empolga?
Mais ou
menos isso. Parece um ponto fora da curva do que uma tendência. E esse é o
problema. O PIB do segundo trimestre não refletiu a recente valorização do
dólar. No terceiro trimestre, haverá queda. Esse PIB não sinaliza uma rota de
crescimento robusto, ao contrário. Ninguém vai aumentar a projeção de que o
país vai crescer 3% ao ano por causa desse resultado.
Mas como interpretar esse
aumento da taxa de investimento
no
segundo trimestre seguido?
É muito
bom, mas a grande dúvida é se isso vai se manter. A taxa trimestral do
investimento é de 18,6% do PIB. No terceiro trimestre de 2008, era 20,6%,
depois caiu, deu uma recuperada, mas ainda continua abaixo de 20%. Para se ter
uma ideia, a média dos países vizinhos da América do Sul é de 22% a 23% do PIB.
Ninguém sabe como vai ser o comportamento daqui para a frente. Os indicadores
antecedentes, de nível de confiança, de nível de estoque da indústria, não
sinalizam para uma economia aquecida.
Com relação ao Projeto de Lei
Orçamentária Anual (Ploa) de
2014,
enviado ao Congresso
Nacional, o senhor concorda
com as
críticas de que nada
é factível?
Tradicionalmente,
ele é uma peça de ficção. Contingenciamento de verbas deveria ser um instrumento
esporádico. No Brasil, não é isso o que acontece. O governo sempre manda o Ploa
com parâmetros inflados, muito maiores do que a capacidade de execução. Aí,
logo no início do ano, sai o contingenciamento. Além de várias despesas serem
alteradas no Congresso por emendas parlamentares, ainda há os parâmetros
irreais, como a previsão de inflação de 5% e de PIB de 4%. Ninguém acredita
nisso. No ano passado, quando enviaram o Ploa de 2013, a ministra Miriam
Belchior (do Planejamento) falava que o déficit nominal do Brasil cairia neste
ano para 1% do PIB e alguns técnicos diziam que ele seria zerado no fim do
governo. Mas esse saldo corre o risco de ir para mais de 3% do PIB este ano. Em
2012, foi de 2,5% e o Orçamento previa 1,6%.
Na sua avaliação, o que mais
preocupa nas contas públicas?
Várias
coisas. em primeiro lugar, estão aumentando as despesas permanentes. Elas
cresceram 13%, R$ 57,8 bilhões, de janeiro a julho deste ano. Enquanto isso, o
investimento subiu R$ 26,5 milhões, ou seja, apenas 0,1%. Todos os gastos de
política social são permanentes. Se o governo quiser fazer um ajuste rápido,
vai ter que cortar um item que não está crescendo, que é investimento, e isso é
ruim. O padrão de aumento do gasto torna muito difícil esse ajuste. O segundo ponto
é que a despesa cresce num ritmo que só seria compatível com um avanço da
economia de mais de 4% ao ano, o que não é o caso. As previsões de inflação e
de avanço do PIB, incluídas no Ploa, implicariam que o PIB nominal estaria
crescendo perto de 10%, e essa não é a realidade. Para ser mais claro, o
crescimento do gasto público não cabe no PIB.
E o que isso significa?
Como
proporção do PIB, em 2014, o gasto público não financeiro do governo Dilma vai
crescer em torno de 2 pontos do PIB. Pelos meus cálculos, a despesa primária
cresceu 2,4 pontos do PIB entre 1998 e 2010. Ou seja, em apenas quatro anos,
ela gastou quase o mesmo que três governos em 12 anos. É um crescimento brutal.
Em 2011, Dilma entregou um superávit primário (economia para o pagamento de
juros da dívida pública) de 3,1% do PIB. Se a arrecadação não aumentar, esse
saldo ficará próximo de 1% até 2014. Se o país crescesse 4%, o governo não
teria nenhum problema fiscal. Superávit é receita menos despesa, sem considerar
os juros da dívida.
E qual será o superavit deste ano?
Neste ano,
o governo vai conseguir entregar o primário de 2,3%, por conta de uma série de
receitas atípicas, como concessões, royalties e dividendos de estatais. No
próximo, ninguém sabe. Mesmo a meta que eles divulgaram no Orçamento, de 2,1%
do PIB, é difícil de ser atingida, diante dos últimos dados do Tesouro
Nacional. As despesas crescem muito mais que a receita.
E qual é a conclusão que
se pode chegar em relação
às
contas públicas? O país
caminha para a insolvência?
Eu não
diria isso. Mas ele vai para um cenário em que não haverá espaço para a redução
da carga tributária. Um superavit primário cada vez menor significa que também
não haverá espaço para aumentar o investimento público. A dívida líquida caiu,
mas a bruta cresceu porque o governo começou a emitir títulos para captar
recursos e emprestá-los aos bancos públicos. Essa operação não é neutra. A
dívida líquida está em 34% do PIB, mas a taxa de juros é de 15% desde 2002.
Isso quer dizer que a queda da Selic não afetou o custo. Nossa dívida está
acima dos padrões internacionais. A dívida bruta também é alta. Está em 58,5%
do PIB, pelos cálculos do governo. É a maior da América Latina. A média dos
países emergentes é 35% do PIB.
Quer dizer que a presidente
gerentona é perdulária com
o
dinheiro do contribuinte?
Teoricamente,
é exatamente isso. Ela assumiu pensando que teria uma economia crescendo 4% a
4,5%. De repente, quando terminar o mandato e olhar para trás, vai notar que
estava com um país com uma expansão de 2% a 2,3%. O gasto público vem crescendo
acima de dois dígitos. Acho muito difícil reverter isso neste ano e no próximo,
porque existem itens novos, como a conta de energia, a desoneração da folha de
pagamento e o programa Minha Casa, Minha Vida. Tudo isso pressiona o gasto. E,
em 2014, o gasto público ainda vai aumentar. Nas últimas eleições, as despesas
primárias subiram 14%.
Por que a equipe econômica
insiste em fazer projeções
fora
da realidade?
Falta pé no
chão. Infelizmente, eles dormiram no ponto ao não fazer as concessões de
infraestrutura logo no início do governo. Deixaram para o último ano, depois de
três períodos de crescimento ruim. Erraram em dados básicos de planejamento,
principalmente com uma presidente que era a gestora de todos os projetos do
PAC. Eles superestimaram a capacidade do setor público em investir e a folga
fiscal necessária para isso. O governo tem um problema de gerência muito sério.
O Lula até foi uma surpresa. Ele acabou sendo um bom gerente travestido de
político. A Dilma, que a gente esperava que fosse uma boa gerente, se tornou
muito mais uma política travestida de gerente.
Qual o
cenário
do próximo ano?
As
circunstâncias hoje são melhores do que em 2002, mas há novos desafios. Naquela
época, a economia internacional estava muito melhor, e havia os efeitos positivos
das reformas dos anos anteriores. Agora, sem as reformas e a economia
internacional está pior. A recuperação dos EUA afeta negativamente a economia
brasileira a curto prazo. O cenário para 2014 não é promissor. Estamos
esperando ajuste fiscal forte, em 2015, seja qual for o governo. E poderemos
ter recessão. A dúvida é se o país aguenta sem nenhuma sinalização até lá. É um
debate em aberto. Qualquer ajuste, agora, será visto como medida impopular e
vai atrapalhar a reeleição. O peso desse ajuste de curto prazo vai cair nas
costas do Banco Central. As taxas de juros vão ficar mais altas, mas abaixo de
12% ao ano, apenas para que a inflação não ultrapasse o teto da meta (de 6,5%
ao ano). Com isso, a única saída para o governo, a curto prazo, é a agenda de
infraestrutura. É a última bala na agulha.
Mas os
leilões podem
ser frustrados?
Podem. Tem
um bocado de coisa que não se sabe. O próprio governo, toda semana, vem com uma
ideia nova para tentar aumentar a rentabilidade dos projetos e diminuir o risco
para a atrair o setor privado, mas ninguém sabe se isso vai dar certo ou não. O
novo modelo de ferrovia é extremamente interessante no papel, mas, na prática,
causa muito contencioso jurídico. Ninguém sabe muito bem como é que essas
coisas serão solucionadas aqui. O governo tem que estruturar o leilão e deixar
que ele defina a taxa de retorno dos projetos, dar crédito e bola prá frente.
Essa é a única coisa que pode elevar a taxa de investimento de curto prazo do
Brasil. O resto é incerto.
Está mais
difícil vender
o Brasil lá fora?
Sim. Não dá
para passar um cenário positivo, a não ser que você seja do governo. Em alguns
setores, como serviços e indústria extrativa, o interesse não depende da
questão regulatória e do ambiente de negócios. O leilão de petróleo vai ser o
de maior sucesso, mesmo que seja muito ruim para algumas empresas privadas. Há
investidores, como a China, que estão mais preocupados com o acesso ao recurso
do que com a taxa de retorno. O Brasil é uma economia cara, que gasta muito e
tem uma poupança interna muito baixa, de apenas 16,6% do PIB. Vai precisar do
resto do mundo para crescer.
Se o
governo não fizer nada
até 2014 na área econômica,
qual seria a
principal medida
para melhorar a confiança
do investidor?
Seria uma
melhor comunicação com o mercado e colocar uma agenda positiva para o próximo
governo. Contabilizar todos os custos dos subsídios. Sinalizar que vai parar
com todos os empréstimos aos bancos públicos até 2016 e fazer isso apenas em
circunstâncias excepcionais. Não vai ser fácil. Eles passaram os últimos
quatro, cinco anos, exagerando e comendo todo o espaço fiscal que existia,
fazendo truques que minaram a confiança que se tinha na área econômica.
Reverter isso vai ser difícil. Seria preciso conseguir pessoas novas. Não estou
falando do ministro (da Fazenda Guido Mantega), mas de pessoas abaixo dele.
Hoje, não existe um grande formulador de políticas econômica na Fazenda. Tinha
um, independente de concordar ou não com o que ele pensava, que era o Nelson Barbosa.
O
projeto do Orçamento
Impositivo, aprovado
recentemente na
Câmara,
pode atrapalhar mais ainda
as contas públicas se passar
pelo Senado?
Se isso for
aprovado, vai ter que mudar um bocado de coisas. Aí o governo vai ter que
começar a discutir um Orçamento mais sério antes de enviar ao Congresso.
Porque, se as emendas forem impositivas, ele não vai poder deixar de executar.
Se passar no Senado, é uma bomba para o governo. Dilma vai vetar.