Dicionário político dos novos pecados capitais
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1543: 26 janeiro 2006, 2 p.
Via Política (Porto Alegre, 23/07/2006)
Como todos sabem, os sete pecados capitais da tradição cristã são, sem ordem particular de prioridade, os seguintes:
1) inveja;
2) avareza;
3) cobiça;
4) orgulho (ou soberba);
5) preguiça;
6) luxúria;
7) gula.
Sobre eles não precisamos nos alongar indevidamente, tendo em vista toda a exegese já registrada na história, a começar por São Tomás de Aquino até exemplos mais recentes na literatura. Pode-se questionar, inclusive se esses “pecados” continuam sendo “capitais” ou se a sua presença na vida diária já não vem sendo admitida com alguma tolerância pelos mais diversos personagens da vida pública. Afinal de contas, todos eles, com alguma discrição para a luxúria, vêm sendo exibidos por esses personagens, até mesmo com certa desfaçatez, sem que autoridades morais ou religiosas venham a público condenar atos e atores com a veemência que seria de se esperar.
Deixando de lado esses pecados da velha tradição, proponho-me agora listar alguns novos pecados da moderna vida política, da brasileira em particular. Os políticos, em geral, exibem uma penca deles, não todos os políticos, em bloco, nem todos os pecados, ao mesmo tempo, mas vários desses personagens da vida pública ostentam alguns de forma cumulativa e, o que é pior, de maneira reincidente.
Não vou deter-me agora sobre casos concretos da vida pública brasileira, tanto porque eles estão sendo expostos de maneira recorrente, nas comissões parlamentares de inquérito e nas páginas da imprensa e em outros meios de comunicação.
Parafraseando uma frase famosa, pode-se dizer que nunca, tantos podres da vida pública foram assumidos de forma tão aberta, para o conhecimento de tantos cidadãos, estupefatos. Assistimos, desde vários meses, a uma enxurrada de denúncias, várias delas já substanciadas por provas contundentes, sem que se tenha visto, até aqui, nenhuma condenação moral, ou qualquer condenação de fato. Resta saber se velhos e novos pecados serão, de alguma forma, julgados e condenados no futuro previsível.
Esperando que chegue o “dia do julgamento final”, proponho-me, assim, a apresentar alguns novos pecados da vida política brasileira que, numa lista não exaustiva, poderiam ser identificados com os seguintes:
1) corrupção
2) hipocrisia
3) fraude
4) desfaçatez
5) volubilidade
6) inconstância
7) mentira
8) mediocridade
9) transferência de encargos para terceiros
10) ignorância deliberada de fatos de sua competência
11) irresponsabilidade quanto ao desempenho de funções
12) pretensão
13) eleitoralismo desenfreado
14) propaganda indireta, com meios públicos
15) uso da máquina estatal para fins particulares
16) populismo (velho e novo)
17) demagogia (aparentemente, uma segunda natureza)
18) arrogância
19) clientelismo
20) fisiologia
21) nepotismo
22) fuga da realidade (autismo político)
23) esquizofrenia (defesa de objetivos conflitantes na vida política)
24) ofensa à inteligência alheia (“eu não sei”, “eu não vi”, “não estou sabendo”...)
Paro provisoriamente por aqui, e não pretendo, no momento, elaborar sobre cada um desses novos pecados, esperando ao menos que eles sejam autoexplicativos. Os fatos que poderiam substanciar cada um desses verbetes do novo dicionário de costumes políticos da vida brasileira são conhecidos de todos e não requerem nova descrição.
Termino parafraseando Dante Alighieri (1265-1321), o poeta italiano, autor de A divina comédia, que em uma de suas frases memoráveis disse o seguinte:
“Não menos do que saber, me agrada duvidar.”
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 26 de janeiro de 2006