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terça-feira, 23 de junho de 2020

Análise: A declinante reputação do Brasil - Hussein Kalout (OESP)

Acho que "declinante" é muito otimista: a imagem já caiu um profundo precipício com grande estrondo.
Paulo Roberto de Almeida

Análise: A declinante reputação do Brasil
O que define a reputação de um país no mundo? Quais são as razões para o declínio da imagem do Brasil? Que responsabilidade o governo tem sobre tal degradação?
Hussein Kalout*, O Estado de S.Paulo
22 de junho de 2020 | 12h00

Já não é segredo que a imagem do Brasil na Europa, América LatinaEstados Unidos e África sofre de crescente desprestígio – não carece aqui mencionar China e Ásia. Os governistas e seus apoiadores mais fanáticos consideram injusto atribuir tal retrato à imagem do país. Culpam a mídia e os adversários políticos “desprovidos de patriotismo”. Toda essa balela se pronuncia sem que se ofereça um único argumento verossímil. 
Da destruição do meio ambiente à negligência no apropriado combate aos efeitos da pandemia da covid-19, passando pelos retrocessos no campo dos direitos fundamentais, a culpa parece ser de todos menos de quem possui a primazia de propor as soluções e para tal foi eleito.
Em mundo competitivo e comandado pela tecnologia, onde o acesso à informação é dinâmico e se dá em tempo real, já não é mais possível para tapar o sol com a peneira e adotar narrativas insustentáveis. Governos estrangeiros, fundos de investimentos, empresas privadas de mídia e organizações de direitos civis atualmente aquilatam a reputação de um país com base em quatro fatores fundamentais: 1) estabilidade política; 2) solidez econômica; 3) arcabouço das garantias e dos direitos; e 4) compromisso com a proteção do meio ambiente e da biodiversidade.
Lamentavelmente, o Brasil não vai bem em nenhuma dessas quatro vertentes. A degradação da imagem do país é, em termos simples, resultado da incapacidade do governo de administrar as crises surgidas – afora as que são geradas de forma endógena por
autoridades boquirrotas que têm mais compromisso com sua claque de extremistas do que com a nação.
No primeiro quesito, estabilidade política, bom, os fatos falam por si. À parte o imobilismo na relação com o Congresso Nacional, o governo não consegue se manter afastado de embates polêmicos com a classe política e com o Poder Judiciário. E isso para não trazer à luz a confrontação com a mídia e com a sociedade civil. A arte de bem governar passa longe do Palácio do Planalto. A confiança fica abalada quando o governo procura dotar minoria para bloquear potencial processo de impeachment, entregando os aneis e os dedos, em vez de buscar organizar maioria para fazer avançar seus projetos no parlamento.
No que diz respeito à robustez econômica, o governo vendeu a si expectativa exageradamente superior aos resultados coletados. O PIB de 2019 foi inferior ao de 2018. A reforma da previdência não catapultou as demais reformas. O capital externo e os investimentos esperados seguem à espreita. Investidores, empresas e governos estrangeiros sabem que o Poder Executivo está sem alavancagem no Congresso.
Estão cientes também de que quem mobilizou e salvou a agenda econômica foi Rodrigo Maia. As demais reformas, como a tributária e administrativa, ainda não fizeram a travessia do Ministério da Economia ao Congresso nacional. O que tramita em matéria de reforma nas duas casas legislativas são projetos dos próprios congressistas. Achar que taxa de juros baixa ou discurso de confiança bastam para que a economia deslanche não passa de autoilusão. O cenário econômico, já nebuloso antes da pandemia, agora ficou mais incerto.
No tocante às garantias e aos direitos, não fica bem para país que pretende se desenvolver e que tem o enorme desafio de reduzir as desigualdades lançar-se à inépcia de bradar nostalgicamente pelo AI-5 ou advogar o armamento da população. Quando a imprudência chega a esse nível, é a segurança jurídica que passa a estar ameaçada.
Afasta-se do cenário em que se casam desejo de investir e ambiente político estável – e, com isso, vai minguando a simpatia de países amigos. Ademais, quando também se tenta, por exemplo, manipular a autonomia universitária e minar a política de cotas por meio de gambiarras burocráticas, atinge-se a democracia e o Estado de Direito, que se tornam mais opacos.
No mundo atual, o compromisso de proteção do meio ambiente tornou-se medida inescapável da qualidade da governança de um país, fundamental para que os interesses nacionais se legitimem com o atestado de “boa governança”. Quando o objetivo declarado
passa a ser a mudança das regras do jogo e o afrouxamento da fiscalização (entenda-se: “passar a boiada”), não há narrativa capaz de suavizar seus efeitos deletérios. A política é feita de ações e impressões. Foi o Brasil que desistiu de sediar a Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP25).
O país abriu mão de margem para influenciar as narrativas e o processo decisório na governança de tema ambiental central e, de quebra, delegou sua liderança a terceiros. Foi também o Brasil que ameaçou sair do Acordo de Paris. Quando malogrou a tentativa de macaquear Trump, o governo recuou, ficando com todo o passivo diplomático. Dito isso, ninguém é mais responsável pelo declínio acachapante da imagem do Brasil no mundo do que os atuais donos do poder.
Instituições de mídia como The Economist e Financial Times são insuspeitos da pecha de “comunista”. As publicações nas páginas desses meios são, no fundo, o reflexo daquilo que pensa o leitor empresário, financista e acadêmico. Em verdade, a imagem que se projeta hoje é a de que o Brasil está acéfalo e padece de governança que se possa considerar ao menos regular. Se o governo considera injusta a imagem que atribui ao país no mundo, é preciso então iniciar a mudança de rota. Seria bom começo trabalhar para restaurar a força dos quatro vetores que condicionam a reputação do país.
HUSSEIN KALOUT, 44, é Cientista Político, Professor de Relações Internacionais e Pesquisador da Universidade Harvard. Foi Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2016-2018). Escreve semanalmente, às segundas-feiras.

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Análise: A imagem de um Brasil desgovernado


sábado, 30 de maio de 2020

A imagem negativa do Brasil no exterior - Guga Chacra (O GLobo)


O presidente Jair Bolsonaro na última segunda-feira
Cerca de 15 anos atrás, um amigo iraniano radicado nos Estados Unidos que estudou comigo na Universidade Columbia me disse sentir inveja, no bom sentido, de eu ser brasileiro. Afirmou algo como “quando você fala que é do Brasil, os olhos das pessoas brilham. Todos adoram o Brasil no mundo. Quando digo que sou iraniano, a imagem na cabeça da maioria das pessoas é ruim”.
Não há dúvida de que o Irã carrega uma imagem terrível desde 1979, quando ocorreu a revolução no país — antes era governado pela ditadura do Xá, também sanguinária, porém mais bem vista no exterior. As cenas de pessoas enforcadas nas ruas e a adoção de medidas extremistas, com as mulheres sendo tratadas como cidadãs de segunda classe e a perseguição aos homossexuais, assombraram o planeta. A tomada da Embaixada dos EUA em Teerã, com 52 diplomatas mantidos reféns por 444 dias, desgastou ainda mais a visão que muitos americanos têm dos iranianos.
Muitos aqui nos EUA ignoravam a história milenar dos persas. Qualquer iraniano passou a ser associado a algo negativo. A proeminente diáspora iraniana em Los Angeles e Nova York teve de lutar para mostrar que eles eram contra o regime. Inclusive, boa parte deles veio para os EUA para fugir do extremismo. Condenavam o aiatolá Khomeini, mas tinham orgulho de serem persas.
Ser brasileiro no exterior parecia ser o inverso de ser iraniano, como notou meu amigo. Apesar de todos os enormes problemas do país, o Brasil era enxergado positivamente, desfrutando de uma espécie de soft power sem se esforçar. Esta imagem um pouco estereotipada se devia ao futebol e à música, que sempre encantaram o planeta — Pelé, Tom Jobim, Ipanema e mesmo o piloto Ayrton Senna. O Brasil foi por décadas sinônimo de alegria. Nossa política externa seguia uma visão multilateralista em órgãos internacionais. Éramos vistos como um dos líderes na defesa do meio ambiente. Sem dúvida, houve críticas à postura brasileira na aproximação com alguns regimes. Mas nada muito diferente dos EUA ou da França, que também sempre tiveram boas relações com algumas ditaduras.
A imprensa internacional publicava matérias positivas e negativas do país. Casos de corrupção receberam destaque, assim como o impeachment de Dilma Rousseff. O mesmo vale para a recessão econômica — lembrando que corrupção e crises na economia não eram algo único ao Brasil, embora mais intenso do que em muitas outras nações. Ainda assim, a imagem brasileira seguia normal e relativamente positiva. Não éramos uma nação pária.
A chegada de Jair Bolsonaro ao poder foi uma transformação. Houve, sim, inicialmente e mesmo ao longo de parte do ano passado, reportagens positivas sobre o desempenho econômico. Alguns líderes internacionais, como Benjamin Netanyahu e Narendra Modi, até desenvolveram uma boa relação com o líder brasileiro. A imagem do presidente, porém, começava a se desgastar devido ao desmatamento e às queimadas na Amazônia. Seu comportamento agressivo e suas falas recheadas de insultos agravaram ainda mais o cenário. Sua postura negacionista e anticiência no combate à Covid-19 foi o golpe final para os brasileiros passarem a ser associados a algo negativo.
Infelizmente, ninguém nos inveja mais. Os olhos deixam de brilhar quando dizemos que somos do Brasil. Triste.

quarta-feira, 27 de maio de 2020

A contra-ofensiva de ex-chanceleres sobre a política externa inconstitucional - Roberto Godoy (OESP)

Antonia Lacerda/EFE



Antonia Lacerda/EFE










Política externa de Bolsonaro une adversários históricos da diplomacia brasileira

Ex-ministros das Relações Exteriores e embaixadores articulam apoio e defendem ações no Congresso e no STF para impedir danos à imagem do País e o desrespeito à Constituição













Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo 
27 de maio de 2020 | 05h00

A oposição à política externa do governo Bolsonaro, comandada pelo chanceler Ernesto Araújo, uniu partidos políticos e titulares do Itamaraty de todos os governos desde a redemocratização do País. Ex-ministros das Relações Exteriores e embaixadores se organizaram no chamado Grupo Ricupero, que pôs lado a lado adversários históricos na diplomacia que agora articulam apoio e defendem ações no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir danos à imagem do País e o desrespeito à Constituição que, segundo eles, são promovidos pela gestão do presidente Jair Bolsonaro. 


Ernesto Araújo
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo Foto: Antonia Lacerda/EFE
A investida dos diplomatas no Congresso se intensificou nos últimos dias. Na semana passada, Rubens Ricupero - embaixador, ex-assessor internacional do presidente José Sarney - e Celso Amorim - chanceler de Itamar Franco e de Luiz Inácio Lula da Silva - se reuniram com representantes de fundações de oito partidos políticos para expor as preocupações do grupo. O encontro foi coordenado por Renato Rabello, ex-presidente do PCdoB. Nele havia também representantes do PT, PSDB, da Rede, do Cidadania, PSB, PDT e PSOL.  
Na reunião, os diplomatas explicaram aos partidos por que defendem que as ações de Araújo violam a Constituição. Os argumentos devem servir de ações a questionamentos dos partidos no Congresso e no STF. “O Brasil está isolado. Isso trará consequências graves para o futuro do País”, afirmou Ricupero, que dá nome ao grupo por simbolicamente representar um elo entre duas alas da diplomacia nacional.  
Após o encontro, o PSB decidiu por meio do deputado Alessandro Molon (RJ), seu secretário de relações internacionais, encaminhar requerimento para a convocação de Araújo ao Congresso para ele "apresentar e esclarecer questões sobre as sistemáticas violações da Constituição Federal na condução da política externa brasileira pelo governo de Jair Bolsonaro".  
"A situação do Brasil em termos de política externa é lamentável, deplorável. A imagem de uma atuação equilibrada do Itamaraty construída ao longo de décadas de trabalho está sendo destruída rapidamente. Somos um país que não merece ser levado a sério. Recentemente fomos criticados por Paraguai e Colômbia em razão de nossa política contra o coronavírus. Olham para nós com incredulidade, o que traz muito prejuízos para o Brasil", disse Ricupero.

Araújo já esteve em 2019 na Câmara. Para Molon, deve-se ainda analisar passo a passo eventuais ações no Supremo. "Não descartamos ir ao Supremo para barrar ações do Itamaraty como a que deixou o Brasil fora do esforço mundial para a busca de uma vacina contra a covid-19." O líder do PSDB na Câmara, deputado Carlos Sampaio(SP), afirmou que "a política externa deve estar a serviço dos interesses brasileiros e a diplomacia, como o próprio termo já diz, é avessa a confrontos com parceiros comerciais de primeira grandeza do Brasil, como a China, e críticas a organismos internacionais, como a OMS". 
As críticas feitas à China por Araújo e pelo bolsonarismo é uma das principais reclamações às ações do atual chanceler. O receio é que elas prejudiquem as exportações para o país asiático pelo agronegócio - a China é o principal parceiro comercial do País. "Nosso setor produtivo já faz a sua parte, sendo um dos mais competitivos do mundo e a política externa deve ser mais um agente indutor dessa vocação inata desse importante setor", afirmou o tucano.  
Outros pontos também mobilizaram os partidos políticos. Um deles foi a decisão de o Brasil retirar todos os seus diplomatas da Venezuela, deixando 12 mil brasileiros residentes naquele país sem nenhuma assistência consular. A representação do deputado Paulo Pimenta (PT-RS) pede à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, Déborah Duprat, para que tome providências a fim de obrigar ao presidente e ao Itamaraty reabrir a embaixada ou pelo menos o consulado em Caracas para "garantir a proteção dos cidadão brasileiros que lá se encontrem sob qualquer pretexto ou residam naquele país bem como proteger o legítimo interesse das empresas brasileiras que comercializam com entes públicos e privados da Venezuela".  
Pimenta obteve recentemente uma vitória no Supremo. O ministro Luís Roberto Barroso concedeu liminar suspendendo decisão de Bolsonaro que expulsava os diplomatas da Venezuela. Para o professor e ex-chanceler Celso Lafer - governos Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso -, “está em andamento e pode crescer no Congresso Nacional o controle político e a fiscalização da política exterior do governo Bolsonaro”.  
De acordo com Lafer, o grupo de chanceleres foi construído “por pessoas de distintas orientações e visões políticas”. Para ele, trata-se de “um esforço para na sua área viabilizar um centro vital voltado para agregar – e não para fragmentar – a sociedade brasileira, o que é tão necessário para uma apropriada governança”. Lafer admite que a constituição do grupo pode instigar “novas ações que na moldura da Constituição e da consequente defesa do Estado de Direito”. 
A ação dos chanceleres provocou a reação do governo. Em artigo publicado no Estadão, o vice-presidente Hamilton Mourão considerou que o grupo usa seu prestígio usam seu prestígio “para fazer apressadas ilações e apontar o País‘como ameaça a si mesmo e aos demais na destruição da Amazônia e no agravamento do aquecimento global’, uma acusação leviana”. 
Além de Ricupero, Lafer e Amorim, fazem parte do grupo de ex-chanceleres o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - chanceler de Itamar Franco -, Aloysio Nunes Ferreira (Michel Temer) José Serra (Michel Temer), Francisco Rezek (Fernando Collor de Mello) e o ex-secretário de Assuntos Estratégicos Hussein Kalout (Michel Temer). Eles publicaram um artigo no Estadão e outros jornais do País com o título A Reconstrução da Política Externa Brasileira.  
Para FHC, o documento deve ser o embrião de novas iniciativas. “No que depender de mim, sem partidarismos ou sectarismos, a resposta é: sim.” Fernando Henrique afirmou acreditar em ações pontuais que unam os partidos. Algo em que também acredita Molon. "Ela (a ação dos ex-chanceleres) mostra que é possível encontrar ponto convergentes entre as bancadas no Parlamento." No mesmo sentido, Amorim disse esperar a “reação de outros setores, que talvez não tenham percebido de que, embora seja loucura, há método no governo Bolsonaro”.  
“Cabe aos congressistas tomarem uma atitude mais direta”, disse. “Criamos uma convergência entre nós em torno da democracia e da defesa da Constituição, um diálogo entre forças que vão do DEM ao PSDB e ao PT”, disse Aloysio Nunes Ferreira, ex-ministro da gestão de Temer.  
Ele compara a situação com a eleição francesa de 2002, quando o gaullista Jacques Chirac e o extremista de direita Jean Marie Le Pen. No segundo turno, Chirac contou com o apoio dos demais partidos franceses e venceu com 82% dos votos. “Esse diálogo deve criar convergência.”  
Para o articulador do grupo, o cientista político e professor da Universidade de Harvard, Hussein Kalout, a ação está “apenas começando”. 
A crítica fundamental dos ex-chanceleres é que o governo Bolsonaro viola com sua política externa os princípios do artigo 4.º da Constituição. “O Executivo tem uma certa margem de apreciação na sua interpretação e aplicação. Esta margem no entanto, tem limites. O que argumentamos no nosso artigo é que a diplomacia do governo Bolsonaro extrapolou estes limites, que são um marco normativo a ser seguido”, afirmou Lafer.  
O grupo denuncia a submissão do Brasil à política externa do governo de Donald Trump (EUA) bem como o “apoio a medidas coercitivas em países vizinhos, violando os princípios de autodeterminação e não intervenção”. “A atual orientação impõe ao País custos de difícil reparação como desmoronamento da credibilidade externa, perdas de mercados e fuga de investimentos”, afirmaram os chanceleres no artigo.  
Para Amorim, o Brasil hoje "não só não tem liderança alguma como se converteu em um pária internacional".  O Estadão procurou o Itamaraty sobre a ação dos ex-chanceleres e sobre as ações dos partidos no Congresso e no STF, mas a pasta não se manifestou até a publicação desta reportagem. Pelo Twitter, após a divulgação do artigo, Araújo chamou Fernando Henrique, Ricupero e Amorim de "paladinos da hipocrisia", "figuras ainda menores que precisam aprender conosco como se defende a Constituição". 

segunda-feira, 25 de maio de 2020

O mundo pós-pandemia: resumo para o programa do Livres - Paulo Roberto de Almeida

O mundo pós-pandemia: resumo para o programa do Livres 

Paulo Roberto de Almeida
Rascunho para debate público online para o Livres, no dia 25/05/2020
na companhia do embaixador Rubens Ricupero e da economista Sandra Rios. 

A presente nota se dedica, numa primeira parte, a resumir o trabalho já elaborado para este debate e ao qual se pode recorrer para maiores detalhes: “O mundo pós-pandemia: contextos políticos e tendências internacionais” – disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/43123473/O_mundo_pos-pandemia_contextos_politicos_e_tendencias_internacionais_2020_) –, a que se seguem mais alguns comentários sobre a questão selecionada para debate, bem como sobre a situação recente da diplomacia do Brasil, o atual “homem doente da América do Sul”. 

Adivinhos, oráculos e previsões
Debates online: fadiga pós-pandêmica, ou então substituirão os encontros físicos;
Minhas previsões imprevidentes...; companheiros ajudavam (ética na política...); os atuais fazem besteiras previsíveis;

Mudanças e continuidades, com pandemias que vão e que voltam
A verdade é que não sabemos como será o mundo pós-pandêmico;
Emb. Ricupero alerta que não será muito diferente; pandemias não mudam estruturas longas, à la Braudel;
Depois do terremoto de 14-18, o mundo continuou mais ou menos como antes;
Pacto Briand-Kellog, 1928; Japão invade a Manchúria em 1931; rearmamento alemão em 1933; Itália inicia guerra contra a Abissínia em 1937; 

Contextos nacionais e forças transnacionais
Mudanças já estavam em curso desde antes, entre elas o nacionalismo e os retrocessos protecionistas, que aliás antecedem Trump;
Ou seja, já estávamos em mundo novo antes da pandemia; só o Brasil desapareceu do mundo, e isso também antes da pandemia; agora, então, simplesmente não existimos, ou apenas existimos como mau exemplo;

Globalização micro e macro: qual avança, qual recua?
A verdadeira globalização, a micro;
A antigloblização, a macro;

Da Guerra Fria geopolítica a Guerra Fria econômica: quem perde, quem ganha?
Uma das coisas mais impactantes que constatei nos tempos recentes – e isso não está em meu paper – foi a rendição dos acadêmicos americanos à paranoia do Pentágono
Isso já estava um pouco visível nos debates sobre a Grande Estratégia nos EUA, até em Yale, com o biógrafo de Kennan, John Lewis Gaddis, e em Harvard, Graham Ellison, autor do famoso livro sobre a Essência da Decisão (Cuba, 1962)
John Lewis Gaddis tem aliás um livrinho sobre o fim da Guerra Fria: o Ocidente venceu
Bem, agora saímos da Guerra Fria Geopolítica e estamos na Guerra Fria Econômica.\

Como será, então, o mundo pós-pandemia: muito diferente do atual?
Para ser sincero, não tenho a menor ideia de como será o mundo pós-pandemia
A Grande Depressão pode ser agora uma Super Depressão; Chimerica de Ferguson
Infelizmente, para o Brasil, dada a má qualidade de nossas elites dirigentes, assim como devido à péssima qualidade daqueles que ocupam o poder político no presente momento, esse futuro é o mais incerto possível, oscilando entre o precário e o desastroso. Não consigo detectar governo tão medíocre, tão miserável, tão prejudicial à nação, ao Estado, ao país, quanto o atual desgoverno que teve início em 1º de janeiro de 2019: não sabemos ainda quando terminará...

Mundo pós-pandemia: não muito diferente do atual
O mundo não mudará muito, em suas estruturas fundamentais, mas mudanças tópicas podem ser relevantes;
A pandemia traz desemprego, sofrimento e pobreza, mas não provocará nem uma revolução social, nem grandes rupturas políticas;
Se houver mudanças de governos será mais como resultado do desgaste do existentes, por ineficácia em lidar com as consequências da pandemia;
As mudanças econômicas serão adaptativas aos impactos trazidos pela doença com algumas inovações importantes, em produtos e métodos (todas as guerras fazem isso);
Lideranças medíocres, como a nossa, atrasarão essas mudanças adaptativas no campo econômico e retardarão ainda mais suas sociedades do que o mero impacto da doença.

O “Homem Doente da América do Sul”? 
Esse conceito de “homem doente” foi empregado pela primeira vez para o caso da China, na última década do século XIX, e esse “homem doente” era o Império Qing, decadente, tanto que veio a termo apenas três anos depois que a Imperatriz Cixi morreu, em 1908. Contemporaneamente, o outro “homem doente” da Ásia, ou da Europa, pele menos parcialmente, era o Império Otomano, que se desfez nos muitos desastres da Grande Guerra, que também desmantelaram três outros grandes impérios europeus: o dos Habsburgos, na Áustria-Hungria, o dos Romanov, na Rússia czarista, e o dos Hoenzollerns, do Reich alemão, prussiano de origem. 
Mas não se pense que o termo possa ser exclusivo dessas situações-limite, decaindo como resultado de grandes conflitos bélicos, de guerras civis, de revoluções ou de ataques de potências estrangeiras, como também no caso da China imperial, e da própria República presidida por Sun Yat-Sen. Lembro-me que no começo deste século a Economist dedicou um editorial, artigos e uma ilustração de capa, para no novo “homem doente da Europa”, a Alemanha, antes que ela começasse as reformas que reforçariam a sua taxa de crescimento, o seu desemprego, o crescimento indesejado do já alto custo do trabalho, impactando sua competitividade internacional. Ou seja, ninguém escapa de cair no qualificativo desonroso, por razões geralmente vinculados a uma fase de declínio.
Pois agora chegou a vez do Brasil. Creio que já se pode chamar o Brasil de o “homem doente da América do Sul”, e não apenas por causa da nossa evolução trágica nos números cumulativos de infectados pelo Covid-19 e pelo volume de mortos. Nossos vizinhos já tinham percebido isso, e por isso mesmo declarado o fechamento de suas fronteiras e outras comunicações com o Brasil. Nosso país se tornou o “homem doente da América do Sul” a mais de um título, sobretudo no plano diplomático, na esfera dos direitos humanos, no respeito às liberdades fundamentais e no respeito à imprensa, assim como no terreno do meio ambiente e do cumprimento de compromissos assumidos no âmbito de acordos internacionais nessa área. Já dizia o embaixador Ricupero, ainda no governo de transição presidido pelo vice-presidente Michel Temer, que ninguém quer tirar foto ao lado do Brasil. Se isso era verdade em 2017, é bem mais atualmente. Como ele também disse, o Brasil virou um “pária internacional”, um verdadeiro proscrito da diplomacia mundial, um personagem anômalo nos foros internacionais e regionais. 
Essa não é, evidentemente, a opinião do chanceler, expressa na famosa reunião ministerial do dia 22 de abril, no Palácio do Planalto. Em meio aos muitos palavrões do presidente, o chanceler declarou que o Brasil poderia fazer parte de uma espécie de novo Conselho de Segurança que seria formado em um mundo pós-pandemia. Ele disse o seguinte, de acordo com a transcrição autorizada pelo ministro Celso de Mello:
Eu  [sic] cada vez mais convencido de que o Brasil tem hoje as condições, tem a oportunidade de se sentar na mesa de quatro, cinco, seis países que vão definir a nova ordem mundial. (...)
Eu acho que é verdade e assim como houve um Conselho de Segurança que definiu a ordem mundial, cinco países depois da... da segunda guerra, vai haver uma espécie de novo é ... [sic] Conselho de Segurança e nós temos, dessa vez, a oportunidade de  [sic] nele e acreditar na possibilidade de o Brasil influenciar e forma... ajudar a formatar um novo é ... cenário. (...)
E esse cenário é, ... eu acho que ele tem que levar em conta o seguinte é ... tamos [sic] aí revendo os últimos trinta anos de globalização. Vai haver uma nova globalização.
Que que aconteceu nesses trinta anos? Foi uma globalização cega para o tema dos valores, para o tema da democracia, da liberdade. Foi uma globalização que, a gente  [sic] vendo agora, criou é ... um modelo onde no centro da economia internacional está um país que não é democrático, que não respeita direitos humanos etc., ? [sic]

Tanto quanto o ainda presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, o filho 02 do presidente, o chanceler também acredita que o momento do Brasil inspira grande confiança e pode se refletir em prestígio internacional. Não se pode, evidentemente, evitar que determinadas pessoas entretenham ilusões sobre a imagem do Brasil no mundo, ou sobre sua capacidade de influenciar temas e políticas da agenda internacional. O que se pode fazer é manter uma visão realista, sóbria, sobre a inserção atual do Brasil no sistema internacional, e constatar, ou melhor, indagar com quais países, ou em quais áreas, o Brasil poderia manter relações estreitas, assinar novos acordos bilaterais ou plurilaterais, ter confirmadas as suas duas principais ambições do momento – a entrada em vigor do acordo Mercosul-UE e o ingresso na OCDE – ou receber convites e aceitar visitas, de trabalho ou de Estado, com quais chefes de governo ou de Estado dispostos a cultivar relações com o Brasil atual. Numa recente reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, para marcar os 75 anos do final da Segunda Guerra Mundial e a vitória das Nações Aliadas contra o nazifascismo, o chanceler aproveitou para lançar um novo ataque a propósito dos riscos do comunismo, tendo ainda recomendado que se evitasse a palavra multilateralismo, uma vez que todos os conceitos terminados em “ismo” poderiam denotar fenômenos essencialmente negativos. 
Registre-se que nas áreas de meio ambiente, de direitos humanos, de luta contra a corrupção, de relações bilaterais com boa parte de importantes países da Europa ocidental, ou até no âmbito do Brics, mas sobretudo no campo das relações regionais, o leque de possibilidades abertas ao engenho e arte da diplomacia profissional tem se reduzido de maneira substantiva desde o início do governo Bolsonaro. Já tendo, de partida, anunciado sua oposição ao multilateralismo – em nome de um difuso e nunca explicado antiglobalismo –, as relações do governo com o sistema da ONU – em especial com a OMS, em plena pandemia – são as piores possíveis, a ponto de obstar a convites para determinados encontros, em vista das críticas do presidente e do chanceler às posturas adotadas nesses organismos, e não apenas em relação à luta contra o Covid-19. 
Sintetizando, como diplomata profissional, posso testemunhar que nunca, em minhas quatro décadas a serviço do Itamaraty – com alguns intervalos, como durante toda a duração dos governos petistas, e atualmente, quando também me encontrei afastado do trabalho executivo –, mas também com base na leitura da história, deparei-me com tal desprestígio do Brasil no plano internacional, com um tal rebaixamento dos padrões profissionais do Itamaraty e com um abandono inédito de teses, posturas e dos métodos de trabalho da diplomacia brasileira e da política externa brasileira: trata-se, seguramente, de uma era deprimente da política externa e das relações internacionais do Brasil, uma fase a que eu não hesito em chamar de EA, a Era dos Absurdos. 
Se olharmos para trás, na longa evolução do Serviço Exterior do Brasil, desde a sua independência, e a dois anos de comemorarmos, em 2022, os primeiros dois séculos da existência da nação independente, podemos certamente constatar, como afirmou o embaixador Rubens Ricupero, em seu livro A diplomacia na construção do Brasil, 1750-2016(2017), que nossa política externa e o pessoal profissional e os estadistas nela envolvidos participaram efetivamente da consolidação de um Estado atuante, um dos mais sofisticados dentre as nações que surgiram do colonialismo ibérico, caracterizado por uma atuação de alta qualidade, de excelência mesmo, como reconhecido inclusive por parceiros de nações avançadas e com diplomacias bem mais longevas. Infelizmente, essa tradição admirável vem sendo deliberadamente constrangida, sabotada, deformada e diminuída desde o início do governo atual. Haverá um trabalho de reconstrução a ser feito como já registrado no chamado “manifesto dos chanceleres”, publicado nos grandes jornais brasileiros no dia 8 de maio de 2020 (ler a versão em português neste link: https://www.academia.edu/43153794/A_reconstrucao_da_politica_externa_brasileira_2020_; a versão em inglês, encontra-se disponível aqui: https://www.academia.edu/43042244/The_Reconstruction_of_Brazilian_Foreign_Policy_-_Former_Ministers).
Uma transcrição de seus principais parágrafos traz algumas evidências quanto à lamentável situação atual da política externa e da diplomacia brasileira: 
É suficiente cotejar os ditames da Constituição com as ações da política externa para verificar que a diplomacia atual contraria esses princípios na letra e no espírito. Não se pode conciliar independência nacional com a subordinação a um governo estrangeiro cujo confessado programa político é a promoção do seu interesse acima de qualquer outra consideração. Aliena a independência governo que se declara aliado desse país, assumindo como própria uma agenda que ameaça arrastar o Brasil a conflitos com nações com as quais mantemos relações de amizade e mútuo interesse. Afasta-se, ademais, da vocação universalista da política externa brasileira e de sua capacidade de dialogar e estender pontes com diferentes países, desenvolvidos e em desenvolvimento, em benefício de nossos interesses.
Outros exemplos de contradição com os dispositivos da Constituição consistem no apoio a medidas coercitivas em países vizinhos, violando os princípios de autodeterminação e não intervenção; o voto na ONU pela aplicação de embargo unilateral em desrespeito às normas do direito internacional, à igualdade dos Estados e à solução pacífica dos conflitos; o endosso ao uso da força contra Estados soberanos sem autorização do Conselho de Segurança da ONU; a aprovação oficial de assassinato político e o voto contra resoluções no Conselho de Direitos Humanos em Genebra de condenação de violação desses direitos; a defesa da política de negação aos povos autóctones dos direitos que lhes são garantidos na Constituição, o desapreço por questões como a discriminação por motivo de raça e de gênero. 
Além de transgredir a Constituição Federal, a atual orientação impõe ao País custos de difícil reparação como desmoronamento da credibilidade externa, perdas de mercados e fuga de investimentos. (...)
Na América Latina, de indutores do processo de integração, passamos a apoiar aventuras intervencionistas, cedendo terreno a potências extrarregionais. Abrimos mão da capacidade de defender nossos interesses, ao colaborarmos para a deportação dos Estados Unidos em condições desumanas de trabalhadores brasileiros ou ao decidir por razões ideológicas a retirada da Venezuela, país limítrofe, de todo o pessoal diplomático e consular brasileiro, deixando ao desamparo nossos nacionais que lá residem. (..)
A reconstrução da política exterior brasileira é urgente e indispensável. Deixando para trás essa página vergonhosa de subserviência e irracionalidade, voltemos a colocar no centro da ação diplomática a defesa da independência, soberania, da dignidade e dos interesses nacionais, de todos aqueles valores, como a solidariedade e a busca do diálogo, que a diplomacia ajudou a construir como patrimônio e motivo de orgulho do povo brasileiro.

O trabalho de reconstrução será efetivamente duro e demorado. Assim faremos.

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 25/05/2020

segunda-feira, 18 de maio de 2020

“O Brasil está cada vez mais isolado no Ocidente”: Oliver Stuenkel (RFI)

Uma entrevista de Oliver Stuenkel antes da pandemia, mas que se mantém ainda válida cinco meses depois: 



“O Brasil está cada vez mais isolado no Ocidente”, diz cientista político (Oliver Stuenkel)
Radio France International, Brasil, 31/12/2019 - 18:26

Doutor em Ciências Políticas, Oliver Stuenkel é professor de Relações Internacionais na FGV-SP.Arquivo pessoal

Autor de “O mundo pós-ocidental”, Stuenkel fala do isolamento do Brasil no Ocidente e da natural aproximação com a China, passando por questões comerciais, ambientais e de geopolítica. Confira os principais trechos da entrevista.
Sobre a política externa ao longo de 2019, Oliver Stuenkel pontua: “Este ano, a gente viu a maior ruptura na história da política externa brasileira, porque pela primeira vez o Brasil alterou vários dos pilares que guiam a atuação do país no mundo. O mais importante é o apoio ao multilateralismo, que sempre marcou a política externa brasileira, o apoio para a elaboração e manutenção do direito internacional, tudo isso sempre foi a marca registrada do Brasil e isso deixou de ser o caso em 2019”.
“E a outra questão que mudou muito é que o Brasil teve sempre uma previsibilidade bastante grande da sua atuação diplomática. Mesmo durante a ditadura militar, o Brasil sempre foi visto como um ator previsível no mundo, agora a gente tem vários grupos que participam abertamente do processo de criação de política externa: os ideólogos mais perto do presidente da República, os generais que fazem parte de seu governo e também os economistas que buscam uma liberalização. Então tem uma tensão evidente entre estes três grupos e isso cria uma imprevisibilidade”, afirma.
Por conta disso, ele explica, o Brasil deixou de ser um ator confiável: “Isso fica bastante claro no caso argentino: o novo governo não sabia até o último minuto se haveria ou não um representante do governo brasileiro na posse do presidente [Alberto] Fernández. Isso representa bastante bem esta nova forma de fazer política que a gente viu ao longo do último ano”.

Jerusalém
Sobre a anunciada mudança da embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém, Stuenkel analisa: “Este caso demonstra claramente como funciona a política externa do governo Bolsonaro. Ele quer isso, mas os dois outros grupos que importam na criação da política externa brasileira se opõem. Os militares não querem a embaixada brasileira em Jerusalém porque isso coloca o Brasil no meio de um dos conflitos geopolíticos mais difíceis, mais complexos do mundo”.
“Se isso de fato ocorrer, a relação do Brasil, inclusive de segurança, com o mundo árabe vai piorar bastante. Isso explica por que o vice-presidente Hamilton Mourão tem dito publicamente que ele não apoia esta mudança. Da mesma maneira os economistas neoliberais não apoiam esta medida, porque ela teria possivelmente um impacto negativo para a relação comercial do Brasil com o mundo árabe”, continua.
“A decisão sobre se vai haver ou não essa mudança vai depender da briga interna das facções que compõem o governo Bolsonaro. Eu ainda acho que a mudança traria um custo diplomático enorme. O Brasil sempre foi visto como um ator que consegue manter um diálogo com todos os lados e esta decisão faria o Brasil perder isso, além do impacto comercial importante”, adverte.

Relações com os Estados Unidos
Para Oliver Stuenkel, a aproximação do Brasil com os Estados Unidos é a grande aposta do presidente Bolsonaro. “Isso costuma ser uma empreitada difícil porque, para dar certo, o Brasil precisa oferecer ganhos tangíveis ao governo americano, de natureza sobretudo geopolítica, pelo fato de Brasil não ser uma economia tão grande. No fundo, o que importa para esta parceria ser relevante para um presidente americano é ter algum benefício geopolítico, senão o Brasil simplesmente não é importante o suficiente em Washington”, diz.
“No caso de Bolsonaro com Trump, o americano pediu duas coisas para que esta aproximação pudesse de fato acontecer: a primeira é  apoio para derrubar o regime Maduro, na Venezuela, o grande inimigo do governo americano. Bolsonaro até sugeriu inicialmente o apoio brasileiro a uma possível intervenção militar na Venezuela, mas as Forças Armadas, de novo, conseguiram bloquear isso. E também houve muita resistência no Itamaraty. Então o Brasil não anunciou este apoio e deixou de ter um papel relevante na crise venezuelana”, constata.
“O segundo pedido do governo americano é apoio para reduzir a influência chinesa da América do Sul. Isso é importante para Trump e tornaria o Brasil um aliado importante dos EUA. O problema, obviamente, é que o Brasil depende economicamente da China, é o nosso principal parceiro comercial há dez anos, e muitos grupos econômicos que apoiaram a eleição de Bolsonaro – entre eles a agricultura, têm interesse em manter e fortalecer a relação comercial com a China. Isso dificulta muito para o Brasil reduzir a influência chinesa na região; ao meu ver, isso não vai acontecer, e o governo americano já percebe que esta parceria com o Brasil rende pouco. E Trump, sendo protecionista, tem pouco interesse de permitir mais acesso de produtos brasileiros ao mercado americano”, acrescenta.

Relações com a China
Se com Washington as relações deixam a desejar, com Pequim tudo vai de vento em popa, segundo Stuenkel.
“A princípio, as relações estão ótimas. Eu conversei ao longo do ano com diplomatas chineses e empresários brasileiros que dependem desta relação e acredito que o vice-presidente brasileiro teve um papel fundamental para consertar a relação bilateral entre o Brasil e a China. Havia bastante preocupação no início de 2019 de que esta relação poderia sofrer em função da retórica anti-China de Bolsonaro", conta.
Além disso, ele explica que grupos poderosos que apoiam o governo Bolsonaro deixaram muito claro que “o custo de ter uma relação ruim com a China é altíssimo”. E tem uma outra razão que ajudou o Bolsonaro a parar de falar mal da China: seus eleitores não enxergam a China como uma ameaça, como é o caso dos EUA”, avalia.
“A China é fundamental para atrair investimentos externos e será um parceiro cada vez mais importante. O Brasil exporta para a China mais que o dobro do que exporta para os Estados Unidos. Essa dependência só vai aumentar, porque a China não consegue se alimentar. Isso será o nosso futuro econômico. A China sabe disso e trata o Brasil como um parceiro de longo prazo. Isso explica por que Xi Jinping, ao ser atacado por Bolsonaro, nunca respondeu nem atacou de volta, porque, para ele, a relação com o Brasil é mais importante do que o presidente atual do Brasil”, pontua.

Relações com a França
Para o especialista, as relações com a França e com o continente europeu tendem a piorar, com a exceção dos países governados pela extrema direita, com os quais Bolsonaro se identifica.
“O Brasil a partir de agora é visto como um ator imprevisível. O atual presidente não se deixa controlar facilmente, utiliza muito as mídias sociais – e isso vale também para o presidente americano – e os próprios diplomatas brasileiros ficam sabendo de mudanças da política externa brasileira pelo Twitter”, diz.
“Houve pedidos dos principais assessores de Bolsonaro para que pudesse haver uma distensão da relação do Brasil com a França, sobretudo no auge dos incêndios na Amazônia”, conta.
“Parece que não vai melhorar muito em 2020, porque o tema do meio ambiente é cada vez mais importante, sobretudo na Europa, isso não vale apenas para a França. O tema ambiental é cada vez mais central e isso vai dificultar toda a relação destes países com o Brasil, porque o Brasil é visto como um vilão nesta questão ambiental, em função de vários comentários do presidente e seus assessores questionando a existência da mudança climática”, analisa.
Para Stuenkel, dificilmente o Brasil chegará a ter, nos próximos três anos, uma boa relação com países europeus governados por centristas. “O Brasil tem uma ótima relação com governos de extrema direita, como é o caso da Hungria, mas a relação com a maioria dos outros governos será muito difícil”.
“Dificilmente esta reputação que Bolsonaro adquiriu ao longo do último ano vá mudar. Ele é muito mal visto pela maioria da população europeia e seria um custo muito alto para um presidente francês ou alemão receber Bolsonaro na Europa”, avalia.
Outra novidade da política externa brasileira, segundo o professor, é a inclusão do tema religioso. “Isso também é cada vez mais relevante na política externa de países como Hungria e Polônia. No passado vimos isso também no caso da Itália. Isso certamente vai aumentar ainda mais para satisfazer demandas de grupos internos. Igrejas evangélicas estão tendo participação cada vez maior na articulação da política externa – e este também é o caso nos EUA – então isso me parece que vai se tornar uma nova marca registrada do Brasil”, prevê.

Risco de isolamento?
“Me parece que o Brasil já está bastante isolado, sobretudo no Ocidente. Isso fica bastante claro. Ao longo do último ano eu visitei várias capitais do mundo ocidental e a gente vê claramente que o Brasil é visto como um parceiro difícil, pouco popular em geral, a associação que a maioria dos europeus faz do Brasil hoje é negativa, principalmente pelo tema ambiental. Mas eu não diria que o mesmo é o caso na Ásia, por exemplo, ou na África, onde o tema ambiental não é tao relevante”, explica.
Stuenkel acredita que “por conta desta mudança da reputação brasileira no Ocidente, o governo brasileiro será lembrado por sua aproximação com a Ásia, porque lá esta atuação controversa em relação ao meio ambiente ainda não teve um impacto negativo sobre a reputação do Brasil”.
“O Brasil está cada vez mais solado no Ocidente e isso vai aproximá-lo ainda mais da China”, afirma.
Para ele, em 2020 será importante manter uma boa relação tanto com Washington quanto com Pequim.  
“Outras questões importantes para 2020 é ver como se dará o Brexit, que terá um impacto importante na política global, na economia europeia, que ainda é importante para o Brasil; e qual será o resultado das eleições dos estados Unidos em novembro. Se Trump não for reeleito, me parece que há uma necessidade de reorientar a política externa brasileira porque Bolsonaro perderia sua grande inspiração”, finaliza.