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quarta-feira, 27 de maio de 2020

A contra-ofensiva de ex-chanceleres sobre a política externa inconstitucional - Roberto Godoy (OESP)

Antonia Lacerda/EFE



Antonia Lacerda/EFE










Política externa de Bolsonaro une adversários históricos da diplomacia brasileira

Ex-ministros das Relações Exteriores e embaixadores articulam apoio e defendem ações no Congresso e no STF para impedir danos à imagem do País e o desrespeito à Constituição













Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo 
27 de maio de 2020 | 05h00

A oposição à política externa do governo Bolsonaro, comandada pelo chanceler Ernesto Araújo, uniu partidos políticos e titulares do Itamaraty de todos os governos desde a redemocratização do País. Ex-ministros das Relações Exteriores e embaixadores se organizaram no chamado Grupo Ricupero, que pôs lado a lado adversários históricos na diplomacia que agora articulam apoio e defendem ações no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir danos à imagem do País e o desrespeito à Constituição que, segundo eles, são promovidos pela gestão do presidente Jair Bolsonaro. 


Ernesto Araújo
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo Foto: Antonia Lacerda/EFE
A investida dos diplomatas no Congresso se intensificou nos últimos dias. Na semana passada, Rubens Ricupero - embaixador, ex-assessor internacional do presidente José Sarney - e Celso Amorim - chanceler de Itamar Franco e de Luiz Inácio Lula da Silva - se reuniram com representantes de fundações de oito partidos políticos para expor as preocupações do grupo. O encontro foi coordenado por Renato Rabello, ex-presidente do PCdoB. Nele havia também representantes do PT, PSDB, da Rede, do Cidadania, PSB, PDT e PSOL.  
Na reunião, os diplomatas explicaram aos partidos por que defendem que as ações de Araújo violam a Constituição. Os argumentos devem servir de ações a questionamentos dos partidos no Congresso e no STF. “O Brasil está isolado. Isso trará consequências graves para o futuro do País”, afirmou Ricupero, que dá nome ao grupo por simbolicamente representar um elo entre duas alas da diplomacia nacional.  
Após o encontro, o PSB decidiu por meio do deputado Alessandro Molon (RJ), seu secretário de relações internacionais, encaminhar requerimento para a convocação de Araújo ao Congresso para ele "apresentar e esclarecer questões sobre as sistemáticas violações da Constituição Federal na condução da política externa brasileira pelo governo de Jair Bolsonaro".  
"A situação do Brasil em termos de política externa é lamentável, deplorável. A imagem de uma atuação equilibrada do Itamaraty construída ao longo de décadas de trabalho está sendo destruída rapidamente. Somos um país que não merece ser levado a sério. Recentemente fomos criticados por Paraguai e Colômbia em razão de nossa política contra o coronavírus. Olham para nós com incredulidade, o que traz muito prejuízos para o Brasil", disse Ricupero.

Araújo já esteve em 2019 na Câmara. Para Molon, deve-se ainda analisar passo a passo eventuais ações no Supremo. "Não descartamos ir ao Supremo para barrar ações do Itamaraty como a que deixou o Brasil fora do esforço mundial para a busca de uma vacina contra a covid-19." O líder do PSDB na Câmara, deputado Carlos Sampaio(SP), afirmou que "a política externa deve estar a serviço dos interesses brasileiros e a diplomacia, como o próprio termo já diz, é avessa a confrontos com parceiros comerciais de primeira grandeza do Brasil, como a China, e críticas a organismos internacionais, como a OMS". 
As críticas feitas à China por Araújo e pelo bolsonarismo é uma das principais reclamações às ações do atual chanceler. O receio é que elas prejudiquem as exportações para o país asiático pelo agronegócio - a China é o principal parceiro comercial do País. "Nosso setor produtivo já faz a sua parte, sendo um dos mais competitivos do mundo e a política externa deve ser mais um agente indutor dessa vocação inata desse importante setor", afirmou o tucano.  
Outros pontos também mobilizaram os partidos políticos. Um deles foi a decisão de o Brasil retirar todos os seus diplomatas da Venezuela, deixando 12 mil brasileiros residentes naquele país sem nenhuma assistência consular. A representação do deputado Paulo Pimenta (PT-RS) pede à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, Déborah Duprat, para que tome providências a fim de obrigar ao presidente e ao Itamaraty reabrir a embaixada ou pelo menos o consulado em Caracas para "garantir a proteção dos cidadão brasileiros que lá se encontrem sob qualquer pretexto ou residam naquele país bem como proteger o legítimo interesse das empresas brasileiras que comercializam com entes públicos e privados da Venezuela".  
Pimenta obteve recentemente uma vitória no Supremo. O ministro Luís Roberto Barroso concedeu liminar suspendendo decisão de Bolsonaro que expulsava os diplomatas da Venezuela. Para o professor e ex-chanceler Celso Lafer - governos Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso -, “está em andamento e pode crescer no Congresso Nacional o controle político e a fiscalização da política exterior do governo Bolsonaro”.  
De acordo com Lafer, o grupo de chanceleres foi construído “por pessoas de distintas orientações e visões políticas”. Para ele, trata-se de “um esforço para na sua área viabilizar um centro vital voltado para agregar – e não para fragmentar – a sociedade brasileira, o que é tão necessário para uma apropriada governança”. Lafer admite que a constituição do grupo pode instigar “novas ações que na moldura da Constituição e da consequente defesa do Estado de Direito”. 
A ação dos chanceleres provocou a reação do governo. Em artigo publicado no Estadão, o vice-presidente Hamilton Mourão considerou que o grupo usa seu prestígio usam seu prestígio “para fazer apressadas ilações e apontar o País‘como ameaça a si mesmo e aos demais na destruição da Amazônia e no agravamento do aquecimento global’, uma acusação leviana”. 
Além de Ricupero, Lafer e Amorim, fazem parte do grupo de ex-chanceleres o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - chanceler de Itamar Franco -, Aloysio Nunes Ferreira (Michel Temer) José Serra (Michel Temer), Francisco Rezek (Fernando Collor de Mello) e o ex-secretário de Assuntos Estratégicos Hussein Kalout (Michel Temer). Eles publicaram um artigo no Estadão e outros jornais do País com o título A Reconstrução da Política Externa Brasileira.  
Para FHC, o documento deve ser o embrião de novas iniciativas. “No que depender de mim, sem partidarismos ou sectarismos, a resposta é: sim.” Fernando Henrique afirmou acreditar em ações pontuais que unam os partidos. Algo em que também acredita Molon. "Ela (a ação dos ex-chanceleres) mostra que é possível encontrar ponto convergentes entre as bancadas no Parlamento." No mesmo sentido, Amorim disse esperar a “reação de outros setores, que talvez não tenham percebido de que, embora seja loucura, há método no governo Bolsonaro”.  
“Cabe aos congressistas tomarem uma atitude mais direta”, disse. “Criamos uma convergência entre nós em torno da democracia e da defesa da Constituição, um diálogo entre forças que vão do DEM ao PSDB e ao PT”, disse Aloysio Nunes Ferreira, ex-ministro da gestão de Temer.  
Ele compara a situação com a eleição francesa de 2002, quando o gaullista Jacques Chirac e o extremista de direita Jean Marie Le Pen. No segundo turno, Chirac contou com o apoio dos demais partidos franceses e venceu com 82% dos votos. “Esse diálogo deve criar convergência.”  
Para o articulador do grupo, o cientista político e professor da Universidade de Harvard, Hussein Kalout, a ação está “apenas começando”. 
A crítica fundamental dos ex-chanceleres é que o governo Bolsonaro viola com sua política externa os princípios do artigo 4.º da Constituição. “O Executivo tem uma certa margem de apreciação na sua interpretação e aplicação. Esta margem no entanto, tem limites. O que argumentamos no nosso artigo é que a diplomacia do governo Bolsonaro extrapolou estes limites, que são um marco normativo a ser seguido”, afirmou Lafer.  
O grupo denuncia a submissão do Brasil à política externa do governo de Donald Trump (EUA) bem como o “apoio a medidas coercitivas em países vizinhos, violando os princípios de autodeterminação e não intervenção”. “A atual orientação impõe ao País custos de difícil reparação como desmoronamento da credibilidade externa, perdas de mercados e fuga de investimentos”, afirmaram os chanceleres no artigo.  
Para Amorim, o Brasil hoje "não só não tem liderança alguma como se converteu em um pária internacional".  O Estadão procurou o Itamaraty sobre a ação dos ex-chanceleres e sobre as ações dos partidos no Congresso e no STF, mas a pasta não se manifestou até a publicação desta reportagem. Pelo Twitter, após a divulgação do artigo, Araújo chamou Fernando Henrique, Ricupero e Amorim de "paladinos da hipocrisia", "figuras ainda menores que precisam aprender conosco como se defende a Constituição". 

terça-feira, 3 de setembro de 2019

O chanceler quer apagar a história do Brasil - Eliane Brum (El País, 16/01/2019)

Este ensaio da escritora Eliane Brum foi elaborado na primeira quinzena do primeiro mês do novo governo, e publicado no El País em 16/01, republicado em meu blog Diplomatizzando pouco tempo depois. A escritora se antecipou a diversos desenvolvimentos que estavam recém sendo revelados naquelas duas semanas iniciais, daí a razão de minha republicação na plataforma Academia.edu, com vistas a alcançar um público mais vasto.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 3 de setembro de 2019

O chanceler quer apagar a história do Brasil
Como o ideólogo do governo Bolsonaro usa José de Alencar para pregar a assimilação dos indígenas e justificar a abertura de suas terras para o agronegócio

“Vamos ler menos The New York Times, e mais José de Alencar e Gonçalves Dias”, afirmou o chanceler do bolsonarismo, Ernesto Araújo, em seu discurso de posse. Por quê?
Prestar atenção ao que diz o chanceler Ernesto Araújo tem se mostrado tarefa penosa, mas fundamental para compreender como a ideologia do Governo Bolsonaro está sendo construída. O diplomata foi indicado por Olavo de Carvalho, considerado o “guru da nova direita” brasileira, desde sua casa nos Estados Unidos. Claramente, Araújo tem a pretensão de dar a base intelectual ao que o bolsonarismo chama de “nova era”. Se integrantes mais preparados do governo concordam, há dúvidas robustas para suspeitar que não. Araújo, porém, segue firme em seu propósito, publicando artigos onde consegue espaço.
O discurso de posse como novo ministro de Relações Exteriores é uma falsificação da história, com o objetivo de justificar o presente e o futuro próximo. Para fazer parecer que a estrutura parava em pé, o chanceler usou seu grego, seu latim e até mesmo seu tupi, abusou do recurso do name-dropping (ótima expressão em língua inglesa para aqueles que desfiam nomes e citações para impressionar o interlocutor), dos clássicos à cultura pop. Todos já bem mortos, para que nenhum deles pudesse contestar a citação. Nenhuma de suas escolhas é um acaso. Vale a pena se deter em cada uma delas porque, como já escrevi neste espaço, os malucos agora sapateiam no palco — e sapateiam com poder de destruição.

Ernesto Araújo é um personagem ainda obscuro para o Brasil, embora seja um diplomata de carreira do Itamaraty. Em seu discurso, ele dispôs de figuras e acontecimentos históricos, assim como artistas contemporâneos, como se eles estivessem misturados como bonecos de plástico numa prateleira, para serem usados ao gosto do freguês — e para o propósito do freguês. Arrancados de seu contexto e esvaziados de conteúdo, eles foram manipulados pelo chanceler para produzir a sua falsificação. Cada frase tem ali um objetivo.
(...)

Ler a íntegra nos links acima indicados ou neste arquivo da plataforma Academia.edu: 
https://www.academia.edu/40238417/O_chanceler_quer_apagar_a_historia_do_Brasil_-_Eliane_Brum_El_Pais_