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quarta-feira, 7 de junho de 2023

Que Brasil Lula projetará nas próximas viagens? - Paulo Sotero (OESP)

 Paulo Sotero, um experiente jornalista, indica que o crédito diplomático concedido a Lula e ao Brasil no momento eleitoral e no início deste governo está se esvaindo, pelo fato do presidente estar fazendo as escolhas erradas, não só com respeito à guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, mas também na própria região, ao preferir elogiar ditaduras e esquecer suas vítimas. A Venezuela, sem guerra nenhuma, “exportou” tantos cidadãos quanto a Síria, em guerra civil há 12 anos. PRA

O Estado de S. Paulo.

ESPAÇO ABERTO

Paulo Sotero

Jornalista, É Pesquisador Sênior Do Brazil Institute Do Wilson Center, em Washington

Que Brasil Lula projetará nas próximas viagens?

Seria uma lástima se Lula e Biden desperdiçassem a oportunidade de serem sal da terra e luz do mundo, com a bênção do papa e o aplauso da comunidade mundial

Por Paulo Sotero

07/06/2023 


Visto de Washington, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não fez amigos nem influenciou países no acanhado começo de seu inusitado terceiro mandato no Palácio do Planalto. Ao contrário, desapontou aliados tradicionais na Europa e nas Américas ao persistir na conhecida trilha das oportunidades perdidas, que vai no sentido oposto do objetivo declarado de promover o interesse nacional e fazê-lo projetando a liderança do Brasil em temas centrais para nós e nossos vizinhos. Quem sabe as bênçãos de Santo Antônio, São João e São Pedro iluminarão o caminho do presidente e o ajudarão a colher bons frutos em sua próxima viagem internacional, este mês, durante as festas juninas.

Em Paris, Lula tratará com seu colega francês, Emmanuel Macron, de dois assuntos que estão no topo na agenda internacional: a guerra deflagrada pela injustificável invasão da Ucrânia pela Rússia, a primeira entre duas nações europeias desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945; e o urgente desafio de conter as mudanças climáticas e preservar o meio ambiente – este tema da primeira encíclica do papa Francisco, que pede um envolvimento substantivo do Brasil. Ambas as discussões continuarão no Vaticano, com votos de sucesso dos amigos do País ao redor do mundo.

O que fará Lula? Adiará a escolha e correrá o risco de perder o bonde da História, calculando que o País será chamado à mesa de negociações quando a realidade as impuser? Se esse cálculo se comprovar correto, o que o Brasil aportará, além de boas intenções e capacidade diplomática? Mas, se o cálculo se mostrar equivocado e o País for alijado das conversas, por irrelevante ou não confiável, hoje um cenário plausível, o que fará o presidente?

Não há respostas prontas para essas perguntas, até porque elas só terão credibilidade se resultarem de um debate interno que o País até hoje não teve fora dos rarefeitos círculos acadêmicos e intelectuais. Fazê-lo agora, para começar, impõe o difícil reconhecimento de que o Brasil diminuiu de tamanho relativo na última década, especialmente durante o abjeto governo de Jair Bolsonaro, e terá de encontrar seu caminho num ambiente internacional muito diferente daquele no qual Lula ascendeu ao poder na primeira década do século.

As escolhas que Lula fez até agora, com a ajuda de seu assessor internacional, o ex-chanceler Celso Amorim, claramente não foram satisfatórias para uma parcela importante dos eleitores que o levaram ao poder num país dividido e polarizado. A demora em condenar a criminosa invasão russa da Ucrânia e o desejo de ficar em cima do muro em nome de uma suposta neutralidade expuseram a pusilanimidade nacional ao mundo, que esperava mais da maior democracia do Hemisfério Sul. Nos EUA, onde os funcionários mais e melhor conhecem o Brasil, a decepção veio à tona em declarações públicas hostis de ex-diplomatas e comentários de gente influente no Executivo e no Congresso. Resumindo, o Brasil deixou de reconquistar o espaço que perdeu durante o calamitoso governo de Bolsonaro e terá a missão de Sísifo para reparar o mal feito.

Some-se a isso uma pronunciada queda de interesse pelo País em Washington, o que dificulta a construção de agendas positivas de cooperação e investimentos. Este panorama desolador pode ser revertido por Lula, se ele tiver interesse e disposição política para tomar um rumo mais produtivo nas relações com aliados tradicionais como os EUA, sem prejudicar os laços com a China, hoje o maior parceiro comercial do Brasil.

Para tanto, o líder brasileiro terá de superar ressentimentos e preconceitos ideológicos e retomar o caminho virtuoso das escolhas corajosas que fizeram dele e do Brasil na década de 1980 exemplos a serem seguidos. Terá Lula a energia e a ousadia necessárias para reinventar-se aos 77 anos? Uma visita bem preparada à Casa Branca e um fim de semana com o presidente Joe Biden em Camp David certamente ajudariam, e por isso merecem consideração em Brasília e em Washington. Tais eventos seriam recebidos como golaços diplomáticos nos dois países e alterariam o panorama internacional de forma significativa. Abririam perspectivas de cooperação econômica, política e cultural entre as duas maiores democracias multirraciais e multiculturais das Américas, para benefício de ambas e de seus vizinhos.

Não menos importante, Biden e Lula, de 80 e 77 anos respectivamente, projetariam a vitalidade das sociedades que lideram e reacenderiam a chama da esperança num mundo melhor em dois países que ainda enfrentam as consequências de séculos da escravidão de africanos que, libertados, deram a ambos e ao mundo culturas densas e ricas nas artes, na música e na literatura. Seria uma lástima se Lula e Biden, dois homens de origens humildes, desperdiçassem a oportunidade única que a História lhes oferece de serem sal da terra e luz do mundo, com a bênção do papa Francisco e o aplauso da comunidade mundial. Não é pouco. E, quem sabe, talvez seja suficiente para o Nobel da Paz.


terça-feira, 25 de abril de 2023

Nem tudo são flores: europeus sinalizam descontentamento com Lula - Ivan Finotti (FSP)

 Se Lula imaginava que seria recebido com flores e aplausos onde quer que fosse, se enganou, e já deve ter percebido que sua postura no tocante à guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia— em relação à qual permanece visivelmente pró-Rússia, por diferentes motivos —, visivelmente não agradou americanos e europeus. Não adianta repetir que fará as melhores escolhas para o Brasil soberanamente, só pensando nos “interesses nacionais”, que isso não é visto como legítimo, do ponto de vista do Direito Internacional, nem é verdade, pois são suas simpatias ideológicas que o ditaram. Os americanos ainda estão tentando convencê-lo de aderir a “bons modos”, mas os europeus já sinalizaram o que é inaceitável.

Paulo Roberto de Almeida

Documento secreto indica preocupação da União Europeia com o governo Lula

Arquivo vazado do bloco europeu expressa reservas em relação a postura do presidente sobre Guerra da Ucrânia e meio ambiente

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/04/documento-secreto-indica-preocupacao-da-uniao-europeia-com-o-governo-lula.shtml

Ivan Finotti

MADRI

A União Europeia está preocupada com a posição do Brasil em relação à Guerra da Ucrânia e com a falta de cumprimento de obrigações na área ambiental, indica um documento oficial e confidencial que trata das relações do bloco europeu com quatro países emergentes: Brasil, Chile, Nigéria e Cazaquistão.

Se as "informações não públicas", conforme é dito no texto, não trazem informações bombásticas, são um vislumbre do trabalho de bastidores da diplomacia atual e traçam um instantâneo de como o Brasil é visto neste momento pela Europa. O documento, obtido nesta segunda-feira (24) pela Folha, teve seu teor inicialmente divulgado pelo site de notícias americano Politico.

Apesar de os líderes europeus se mostrarem aliviados com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e com a volta do Brasil ao cenário internacional —após quatro anos de apagão sob o ex-presidente Jair Bolsonaro—, o texto mostra preocupação com as recentes declarações do petista.

“Relançar a parceria estratégica com o Brasil" é um dos pontos do documento descritos como de interesse da comunidade europeia. "UE preocupada que o foco de Lula na reindustrialização possa se tornar protecionista" é outro tópico citado.

Entre os interesses do Brasil, diz a UE, está "ser reconhecido e tratado como ator global" e a "diversificação do fornecimento de fertilizantes (dependência excessiva da Rússia e da Belarus)", entre outros.

Preparado por diplomatas do bloco, o "Plano de Ação da UE sobre as Consequências Geopolíticas da Invasão Russa da Ucrânia em Países Terceiros" detalha estratégias para reaproximar ou manter a proximidade dos quatro países.

O arquivo de sete páginas reserva, após a introdução, uma página para cada nação, exibindo pontos divididos em quatro partes: "interesses da UE", "interesses do país terceiro", "desafios" e "oportunidades".

Na introdução, há um breve resumo da situação de cada país e a do Brasil diz o seguinte: "O atual governo mostra sinais de disposição para intensificar a cooperação. Uma estrutura para fortalecer o engajamento já existe, uma vez que a UE já tem uma parceria estratégica que pode ser reativada. O avanço do acordo UE-Mercosul será de fundamental importância. Mas a UE também precisará aumentar os investimentos em energia e nas áreas digital e de sustentabilidade".

A introdução revela a razão do relatório: "Tornou-se claro logo após o início da invasão russa da Ucrânia que suas consequências eram globais. A resposta da UE baseou-se, portanto, no apoio à Ucrânia, no combate à Rússia e no apoio aos parceiros em todo o mundo para lidar com consequências globais".

O texto dos diplomatas europeus cita ainda um "um ambiente geopolítico competitivo" em que há "não apenas uma batalha de narrativas, mas também uma batalha de ofertas" como justificativa para a renovação de estratégias nas parcerias internacionais. Em especial, infere-se, com os quatro países citados. "O ‘Plano de Ação’ faz exatamente isso: com base na geografia, na influência regional e na abrangência política da UE, selecionamos países prioritários para negociar uma oferta com cada um deles, adaptada aos interesses deles e aos nossos", diz o documento.

A seguir, o texto apresenta resumos dos países emergentes priorizados no documento. No caso da Nigéria, lembra que "haverá um novo presidente e um novo governo após a posse em maio. Um diálogo ministerial está planejado." Em seguida, o relatório sugere que a UE deve facilitar o fornecimento de vistos aos cidadãos do Cazaquistão "em vista de um relacionamento aprimorado".

Quanto ao Chile, "quase não há atritos bilaterais no relacionamento com a UE, e há um engajamento de alto nível em todas as políticas com esse parceiro de mentalidade semelhante. (...) Mas a UE deve estabelecer uma boa sequência de visitas e diálogos como parte de um pacote geral".

Ao fim, o relatório ainda apresenta o que chama de "narrativas para o público externo", sugerindo forma de abordar os temas com os outros países. Entre essas narrativas estão frases mais genéricas como "o Plano de Ação tem como objetivo unir forças com os parceiros, para o benefício de nossos povos e com o objetivo final de contribuir para a estabilidade e o crescimento globais" e "ações necessárias para enfrentar os desafios comuns e aproveitar as oportunidades, para as quais mobilizaremos todos os instrumentos à nossa disposição".

Confira a seguir a íntegra dos pontos confidenciais listados pelo "Plano de Ação da UE" em relação ao Brasil, divididos em quatro blocos.

Interesses da União Europeia

Relançar a parceria estratégica com o Brasil

Concluir o acordo de Associação UE-Mercosul

Obter maior apoio político do Brasil na ONU, globalmente e regionalmente

Acesso ao mercado e aumento de oportunidades no Brasil para negócios e investimentos da UE

Obter o reconhecimento brasileiro para as garantias de segurança alimentar da UE

Impulsionar a cooperação em transformações verdes e digitais, ação climática e ambiente

Garantir matérias-primas essenciais para o Acordo Verde da UE

Abordar a atuação da China na adesão do Brasil ao Acordo de Compras Governamentais da Organização Mundial do Comércio

Fortalecer a cooperação em defesa e segurança


Interesses do Brasil

Ser reconhecido e tratado como um ator global (inclusive em relação à reforma da ONU)

Concluir o Acordo de Associação UE-Mercosul (ao mesmo tempo em que enfatiza a necessidade de resolver desequilíbrios nas relações UE-Mercosul)

Atrair mais comércio, investimento e tecnologia da UE e aproveitar as oportunidades em clima, energia e mineração

Melhorar o acesso ao mercado da UE para produtos agrícolas

Diversificação do fornecimento de fertilizantes (dependência excessiva da Rússia e da Belarus)

Agregar valor à matéria-prima exportada

Apoio ao desenvolvimento de instituições democráticas, direitos indígenas e meios de subsistência, redução da pobreza, desenvolvimento sustentável e políticas sociais, educação

Fortalecer a cooperação em defesa, segurança e espaço (Centro de Alcântara)


Desafios

O Brasil vê as propostas legislativas autônomas da UE (legislação do Acordo Verde) como medidas unilaterais protecionistas, em especial a legislação sobre desmatamento e a CBAM (Mecanismo de Ajuste de Limites de Carbono). Essa preocupação também foi levantada pelo BR nas discussões em andamento sobre a finalização do Acordo UE-Mercosul

O Brasil sente falta de uma agenda positiva para o engajamento mútuo: nenhuma cúpula desde 2014

UE preocupada que o foco de Lula na reindustrialização possa se tornar protecionista

UE preocupada com a possibilidade de o Brasil querer reabrir o Acordo do Mercosul

UE preocupada com a posição do Brasil sobre a guerra da Rússia contra a Ucrânia e com a falta de cumprimento de obrigações em relação a clima, ambiente e aprovação sanitária dos produtos da UE


Oportunidades

A política externa está de volta ao topo da agenda do Brasil, com o presidente Lula ansioso para obter êxitos (o Acordo de Associação UE-Mercosul poderia ser um deles)

Forte alinhamento de políticas com o governo Lula, por exemplo, nas transições verde e digital, direitos humanos, direitos indígenas, combate ao garimpo ilegal de ouro, defesa e segurança

Possível avanço no combate ao desmatamento e biodiversidade se a UE conseguir apoiar o Brasil na criação de empregos e na adaptação às novas regulamentações da UE

Alavancar o papel do Brasil como um ator construtivo na região, inclusive na Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos)

Ajudar no processo de adesão do Brasil à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e à presidência do G20 (2024)