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sábado, 14 de março de 2020

Karl Popper: em defesa da ciência e da racionalidade

Apenas transcrevendo o que mantenho na coluna da direita (de quem olha) deste blog.

Uma reflexão...

Recomendações aos cientistas, Karl Popper:
Extratos (adaptados) de Ciência: problemas, objetivos e responsabilidades 
(Popper falando a biólogos, em 1963, em plena Guerra Fria):

"A tarefa mais importante de um cientista é certamente contribuir para o avanço de sua área de conhecimento. A segunda tarefa mais importante é escapar da visão estreita de uma especialização excessiva, interessando-se ativamente por outros campos em busca do aperfeiçoamento pelo saber que é a missão cultural da ciência. A terceira tarefa é estender aos demais a compreensão de seus conhecimentos, reduzindo ao mínimo o jargão científico, do qual muitos de nós temos orgulho. Um orgulho desse tipo é compreensível. Mas ele é um erro. Deveria ser nosso orgulho ensinar a nós mesmos, da melhor forma possível, a sempre falar tão simplesmente, claramente e despretensiosamente quanto possível, evitando como uma praga a sugestão de que estamos de posse de um conhecimento que é muito profundo para ser expresso de maneira clara e simples.
Esta, é, eu acredito, uma das maiores e mais urgentes responsabilidades sociais dos cientistas. Talvez a maior. Porque esta tarefa está intimamente ligada à sobrevivência da sociedade aberta e da democracia.
Uma sociedade aberta (isto é, uma sociedade baseada na idéia de não apenas tolerar opiniões dissidentes mas de respeitá-las) e uma democracia (isto é, uma forma de governo devotado à proteção de uma sociedade aberta) não podem florescer se a ciência torna-se a propriedade exclusiva de um conjunto fechado de cientistas.
Eu acredito que o hábito de sempre declarar tão claramente quanto possível nosso problema, assim como o estado atual de discussão desse problema, faria muito em favor da tarefa importante de fazer a ciência – isto é, as idéias científicas – ser melhor e mais amplamente compreendida."

Karl R. Popper: 
The Myth of the Framework (in defence of science and rationality)
Edited by M. A. Notturno. (London: Routledge, 1994), p. 109.

domingo, 8 de janeiro de 2017

Mercados são racionais, agentes economicos sao racionais? Uma conferencia em Antuerpia

Recebo, da Sociedade de Historiadores da Economia à qual subscrevo, um "call for papers" para uma conferência em Antuérpia (cidade onde morei e fiz o meu mestrado) sobre a "Racionalidade na Economia", cuja explicação transcrevo mais abaixo.
Trata-se de um encontro entre acadêmicos, para acadêmicos, o que não impede que algumas das propostas de acadêmicos acabem convencendo políticos, ou conselheiros do Príncipe, e se convertendo em propostas de políticas concretas, de Estados ou organizações internacionais.
A OCDE, por exemplo, é supostamente um "templo" da racionalidade econômica, com seu exército de economistas e funcionários ministeriais dos governos dos países membros, todos eles motivados por diagnósticos realistas -- ou seja, racionais -- capazes de se traduzirem em políticas públicas "racionais". O mesmo deveria ocorrer, supostamente, com a Comissão de Bruxelas, supostamente (é preciso insistir no termo) aconselhando os governos a adotarem as políticas mais racionais, para a felicidade geral dos povos.
Trata-se de uma arrogância intelectual enorme, na qual tecnocratas supostamente (sempre) mais instruídos do que a média da população propõem políticas "racionais" para construir o bem estar e a felicidade dos povos. E quando os povos rejeitam suas soluções "racionais" os políticos ignoram isso e os tecnocratas tentam outra vez, até conseguirem implantar suas propostas "racionais" de algum jeito.
Esse é um dilema eterno, o conflito entre os "instintos primitivos" de simples cidadãos, agentes primários de mercados difusos, e a suposta expertise de "iluminados" burocratas, que assessoram aqueles que realmente fazem o casamento entre as partes: as vontades dos cidadãos (com todas as mentiras e a demagogia que isso implica por parte dos políticos) e a assessoria "esclarecida" dos tecnocratas que servem a esses "representantes" do povo.
Termino por aqui, apenas transcrevendo a parte central, que deve ter algum valor intelectual, do "call for papers" da European Society for the History of Economic Thought (mais informações aqui: http://www.eshet-antwerp.eu).

Rationality in Economics
Rationality is one of the defining concepts of economics. Standard economic theory routinely assumes that people behave rationally. Consumption decisions are taken to be made by utility maximising economic agents, and production decisions by profit maximising firms. Economists have also eagerly applied the rationality assumption to situations outside the traditional realm of economics. The economic analysis of crime and marriage are just two examples.
Throughout the history of economic thought debates have raged about the nature of rational behaviour. A case in point is the debate about rationality in situations of risk and uncertainty, set in motion by Maurice Allais’s experiments and the discovery of the Allais paradox. Game theory has been a fertile ground for the exploration of different puzzles and anomalies concerning rational behaviour. The prisoners’ dilemma, for instance, highlights the tension between individual and collective rationality.
A more radical departure can be seen in the development of new branches of economics, such as behavioural finance and behavioural macroeconomics. Scholars in these fields openly question the assumption that people behave rationally, and adopt behavioural assumptions which are perceived as more realistic. Recent work on ‘irrational exuberance’ (Robert J. Shiller) and ‘predictably irrational’ behaviour (Dan Ariely) illustrates this type of research. Going further back in history, John Maynard Keynes’s use of the phrase ‘animal spirits’ points in the same direction.
Clearly, there is a role for historians of economic thought to illuminate the central but changing place of the concept of rationality in the history of economics. Since the debates on rationality are far from over and continue to influence the way economics and related disciplines evolve today, the topic is of interest to more than just historians of thought. The theme of the 2017 conference therefore confirms ESHET’s belief that the study of the history of economic thought should in no way be disconnected from current issues in economics and beyond, and could in fact help provide historical perspectives on standard views about the subject.
Special attention will be granted to proposals which enrich our views on the role of rationality in the history of economic thought, from the origins up to today. Examples include:
·       Rationality and self-interest
·       Individual and social rationality
·       Rationality and uncertainty
·       Rationality and satisficing
·       Rationality in macroeconomics

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Eugenio Gudin: um profeta da racionalidade derrotado pela realidade brasileira

Um artigo de 1977 que continua atual: a deficiência brasileira em capital humano continua a ser nosso principal problema "econômico".
Apenas destaco uma frase, que resume todo o sentido da discussão:
"Precisamos reformar a fundo nossa mentalidade, substituindo o culto do “diploma” pelo culto da “experiência”."
Paulo Roberto de Almeida

Capital Humano
*Eugênio Gudin Filho
28/03/1977

Na edição de Janeiro da revista Commentary, Norman Gall, referindo-se ao Brasil, mencionou “a tradicional incapacidade dos brasileiros para investir naquilo que se poderia chamar de capital humano”.

Se Norman Gall lesse os jornais brasileiros, teria podido citar, em apoio à sua opinião sobre a nossa escassez de capital humano, três tópicos tão característicos quanto impressionantes.

1) Estado de são Paulo, em editorial de 17 de corrente, relata o que tem sido o fracasso do Lloyd Brasileiro, no serviço de passageiro, com os navios tipo “princesa” lindo e moderno navios, importados há 15 anos atrás. O último deles, o Anna Nery, chegou ao Rio de Janeiro no dia 16, rebocado, depois de malograda viagem de turismo pelo norte do Brasil. Não foi a primeira vez (longe disso) que o navio teve de parar em meio de viagem, por acidentes nas máquinas. O Princesa Izabel foi vendido a preço de sucata e reformado pelo comprador, fazendo viagens de longo curso, sob o nome de Marco Pólo. O Princesa Leopoldina foi também vendido a preço de sucata a uma empresa inglesa, por apenas um milhão e setecentos mil dólares; hoje faz cruzeiros no Extremo Oriente, sob o nome de Coral Princess. Agora tudo indica ter chegado a vez do Anna Nery, porque os reparos de que necessita não são exeqüíveis no Brasil, malgrado nossos grandes estaleiros de construção naval. Vai ser substituído por um navio de registro panamenho, chamado Romanza, com 33 anos de idade, fretado a um custo de 5 a 6.000 dólares por dia.

2) Outro fato impressionante é o do terceiro forno da siderúrgica Nacional em Volta Redonda, o maior (naturalmente o mais dispendioso) da América Latina, inaugurado há poucos meses pelo Presidente Geisel. Depois de outras peripécias, teve agora seu funcionamento suspenso “por tempo indeterminado” devido às precárias condições do sistema de alimentação.

3) As comportas da eclusa da Lagoa Mirim há poucos dias inaugurada pelo Presidente da República, na funcionaram no dia da inauguração!

4) No gênero, poder-se-ia mencionar, a título de recordação, o caso do trem Teresina-Fortaleza, inaugurado pelo Ministro Andreazza, com bombástico discurso na estação da partida. “Enguiçou” poucas horas depois da partida; e afinal desmantelou-se em descarrilamento nas linhas do Ceará....

A culpa de tudo isso não é das máquinas, devidamente projetadas, importadas e fiscalizadas, e sim da falta de gente competente para manobrá-las e conserva-las.

É o caso que tão sabidamente assinala Sr. Roy Harrol, autor da famosa fórmula Harrod-Domar: “Nos países em desenvolvimento, este depende principalmente da taxa a que os quadros humanos de empreendedores, engenheiros de produção, gerentes, inspetores, projetores, desenhistas, contadores, et hoc genus omne se desenvolvem.

As taxas de crescimento e expansão desses quadros humanos impõem, na minha opinião, uma limitação muito mais importante ao desenvolvimento econômico dos países do que escassez do capital, conquanto este também tenha o seu lugar“.

Mas como se explica, malgrado a multiplicação de universidades e faculdades verificada nos últimos decênios, que persista tanta penúria de gente competente para os misteres ordinários de engenharia industrial e mecânica?

A meu ver, a resposta está na grave deficiência do ensino nesse setor. Porque a mecânica aplicada aos vários setores da indústria (inclusive estradas de ferro e navegação) não se aprende apenas nos livros, como no caso do direito, da economia, ou da matemática. O ensino da física aplicada, da química, da mecânica industrial exige laboratórios e oficinas, inexistentes em ossos cursos. E se o ensino da medicina sofre menos que os demais é porque nesse curso a oficina e o ensino prático se encontram no hospital, que os estudantes são obrigados a freqüentar. 

Persiste, de outro lado, entre nós, a velha prevenção, oriunda da civilização grega, contra o trabalho manual, em contraste com o apreço pela cultura livresca.

Somos países onde se cultua o “diploma” (canudo) e se despreza a “experiência”.

Em 1936, em conferência pronunciada, a convite do Ministro Capanema, sobre o tema “Educação e Riqueza” aproveitei a ocasião para demonstrar a necessidade de criarmos escolas técnicas com oficinas de mecânica, de eletricidade, de siderurgia, etc, do tipo que os franceses chamam de arts et métiers, onde se preparam, em três anos, engenheiros com boa base matemática corrente, desenho de projetos e trabalhos de oficina, inclusive o manual. Propus que se criasse uma primeira escola em São Paulo, montada com bom aparelhamento e professores contratados no exterior, quando necessário. Ao fim de dez anos, aproveitando a experiência e os recursos da primeira, far-se-ia uma segunda escola em Recife. 

Fizeram-se “escolas técnicas”, uma em cada Estado (!!), mas sem aparelhamento nem professores competentes. É como se não existissem.

Precisamos reformar a fundo nossa mentalidade, substituindo o culto do “diploma” pelo culto da “experiência”.

E não podemos perder tempo. Porque, como se vê pelos supracitados e muitos outros, o atraso do elemento humano nesse setor é considerável.

Constrói-se uma máquina, mesmo um grande equipamento, em um ou dois anos. Mas a formação de gente competente e experiente exige uma ou mais dezenas de anos.

A não ser que encontrássemos outros espécimes de homens como o Governador Faria Lima; que fez em dois anos mais do que todos os seus antecessores em cem! Mas é que é muito difícil outro exemplar de tão milagrosa capacidade.

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*Eugênio Gudin Filho (Rio de Janeiro, 12 de julho de 1886 - Rio de Janeiro, 24 de outubro de 1986) foi um economista brasileiro, ministro da Fazenda entre setembro de 1954 e abril de 1955, durante o governo de Café Filho.

Formado em Engenharia Civil em 1905 pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, passou a interessar-se por Economia na década de 1920. Entre 1924 e 1926, publicou seus primeiros artigos sobre Economia em O Jornal, do Rio de Janeiro.

Em 1944, o então ministro da Educação, Gustavo Capanema, designou Gudin para redigir o Projeto de Lei que institucionalizou o curso de Economia no Brasil. Nesse mesmo ano, foi escolhido delegado brasileiro na Conferência Monetária Internacional, em Bretton Woods, nos Estados Unidos, que decidiu pela criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) .

Durante os sete meses em que foi ministro da Fazenda (1954-1955), promoveu uma política de estabilização econômica baseada no corte das despesas públicas e na contenção da expansão monetária e do crédito, o que provocou a crise de setores da indústria. Sua passagem pela pasta foi marcada, ainda, pelo decreto da Instrução 113, da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), que facilitava os investimentos estrangeiros no país, e que seria largamente utilizada no governo de Juscelino Kubitschek. Foi por determinação sua também que o imposto de renda sobre os salários passou a ser descontado na fonte.

Ricardo Bergamini
www.ricardobergamini.com.br