Estas são as notas que havia elaborado previamente à entrevista concedida a jornalista do Instituto Millenium sobre possíveis temas eleitorais, mas que não utilizei na gravação, a não ser por defender ideias, digamos assim, "similares" às que vão aqui expostas. A leitura deste texto não dispensa, portanto, uma audição da gravação feita, que está disponível nas coordenadas abaixo:
Relações internacionais do Brasil: 5 pontos essenciais
para as eleições presidenciais de 2018
Paulo Roberto de Almeida
[Objetivo: Entrevista em formato de
podcast para o Instituto Millenium; finalidade:
abordar questões de política externa relevantes nas eleições de 2018]
Introdução:
a baixa incidência relativa das relações externas nas eleições de 2018
As relações
internacionais do Brasil, à diferença talvez de ocasiões anteriores, não
deverão assumir papel relevante na campanha presidencial e nos debates
eleitorais em 2018, uma vez que não existem grandes crises que afetem o Brasil
ou que tenham uma interface externa, como podem ter sido, por exemplo, o
problema da dívida externa e dos acordos com o Fundo Monetário Internacional em
ocasiões passadas. Ainda em 2002, para relembrar uma dessas ocasiões, o Partido
dos Trabalhadores, junto com os chamados movimentos sociais, organizava
manifestações, petições, plebiscitos contra o pagamento da dívida externa,
contra o projeto americano de um acordo comercial hemisférico, a Alca, Área de
Livre Comércio das Américas, assim como se manifestava de maneira geral contra
supostas ameaças vindas dos investimentos diretos estrangeiros em setores
considerados estratégicos pela esquerda brasileira.
Tudo isso ficou para
trás agora, como a própria ameaça de uma suposta “crise internacional”, já
amplamente superada em 2014, para justificar a deterioração da situação
econômica brasileira, amplamente provocada pela gestão inepta e corrupta do
mesmo Partido dos Trabalhadores nas eleições presidências daquele ano. A
tremenda crise que o Brasil viveu entre 2015 e 2017, e que ainda exerce seus
efeitos devastadores em termos do número de desempregados – mais de 13 milhões,
sem falar do tradicional subemprego e dos já excluídos do mercado de trabalho
–, essa crise que eu chamo de A Grande Destruição lulopetista da economia –
depois da Grande Depressão dos anos 1930 e da Grande Recessão de 2008 – foi
inteiramente fabricada no Brasil, mas os companheiros ainda tentavam atribuir
seus efeitos a uma não existente crise internacional, totalmente inventada por
uma propaganda distorcida.
Atualmente, a despeito
do baixo crescimento europeu, a maior parte das economias nacionais vem
crescendo a taxas satisfatórias, com destaque para países da Ásia Pacífico e
mesmo para alguns vizinhos latino-americanos, que resolveram se integrar à
economia mundial, como são, por exemplo, os membros da Aliança do Pacífico. O
Brasil, infelizmente, vai demorar algum tempo para retomar taxas adequadas de
crescimento econômico, em função dos problemas acumulados pela gestão
incompetente do PT nos dez anos que vão de 2006 a 2016.
Não há, portanto, grandes
culpas a atribuir à situação econômica internacional pelas nossas dificuldades
presentes, o que deve deslocar o debate eleitoral para os problemas já
detectados nos últimos dois anos, e que ainda demandam equacionamento adequado:
a grave crise fiscal, as reformas estruturais não feitas, entre elas, em
primeiro lugar, a da Previdência, uma rebaixa dos níveis extorsivos de
tributação, a continuidade dos programas de redução das despesas públicas,
excessivas e justamente responsáveis pelos desajustes atuais, na União e nos
estados, assim como a melhoria dos péssimos indicadores de desempenho
educacional, o principal fator que incide sobre os níveis de produtividade,
notoriamente baixos no caso do Brasil.
Ainda assim, existem
diversos pontos das relações internacionais do Brasil que podem ser suscitados
na campanha eleitoral e que vale a pena abordar ainda que de maneira sintética,
pois deles dependem um melhor desempenho econômico do país, capazes de
contribuir para o emprego, para o crescimento, para o aumento da renda e para
uma maior inserção internacional do Brasil. Vamos a eles.
1.
Abertura econômica internacional e liberalização comercial
A primeira tarefa de uma
política externa renovada, e consequentemente também a de sua diplomacia
profissional, é a de contribuir para um processo de crescimento sustentado da
produtividade na economia, pela redução do custo do capital e pelo
aperfeiçoamento do capital humano, os dois elementos mais importantes da
produtividade total de fatores, junto com as demais externalidades positivas
que cabe ao Estado prover de forma eficiente.
A melhor maneira que eu
vejo de atingir esses objetivos passa por uma abertura
econômica ampla e pela liberalização
comercial, ou seja, um acolhimento mais dinâmico de investimentos
diretos estrangeiros e a redução de nossa ainda alta proteção tarifária. Ambas
medidas constituem, essencialmente, decisões de política doméstica, bem mais do
que de política externa, que pode porém auxiliar na implementação desses dois
objetivos maiores. Mas a maneira de fazê-lo é necessariamente uma tarefa de
política interna, tanto por razões estruturais quanto conjunturais, e é fácil
identificar as razões.
O Brasil é hoje um país introvertido, o mais fechado
do G-20, o grupo de nações economicamente mais importantes do mundo, que todas
possuem coeficientes de abertura externa bem superiores ao exibido pelo Brasil.
Ou seja, somos nós que estamos errados, não os outros, ao manter restrições ao
capital estrangeiro e barreiras muito elevadas contra as importações. Grande
parte de pequenos e grandes contrabandos, em nível individual ou já como obra
de grupos criminosos, se deve, na verdade, ao enorme protecionismo comercial
praticado pelo Brasil. Somos nós que somos fechamos ao mundo, somos nós que
condenamos o povo a consumir produtos caros e de baixa qualidade, somos nós que
obrigamos nossos empresários a se abastecer internamente a custos bem mais
altos, o que os torna pouco competitivos externamente e que justamente redundou
nessa desindustrialização precoce a que assistimos sob o desastroso regime
econômico do lulopetismo, e que nos levou à maior recessão de toda a nossa
história. Em resumo, somos estruturalmente, sistemicamente protecionistas e o
mundo não tem absolutamente nada a ver com isso.
Temos, portanto, de corrigir isso, o que implica,
obviamente tratar da questão da nossa incorporação às chamadas cadeias globais
de valor, o fenômeno característico do atual estágio das relações econômicas
internacionais. Todos os economistas sabem, mas os empresários também, que a
maior parte do comércio internacional não se dá em nível de produtos acabados,
mas sim com base em partes e peças, acessórios, bens e insumos intermediários,
muitas vezes transacionados entre filiais das mesmas empresas, ou entre
companhias associadas, componentes diversos fabricados nos mais diferentes
países que depois são assemblados naquele que apresenta as melhores condições
para sua fase final, com base na mão-de-obra ou na automação (mas as duas estão
intimamente ligadas atualmente), que é a confecção última antes de se lançar o
produto no mercado.
O Brasil está singularmente ausente dessas cadeias de
valor, como existem hoje disseminadas em quase todos os continentes, com
destaque para o Atlântico Norte e, crescentemente para a bacia do Pacífico, ou
seja a Ásia oriental e a costa pacífica do hemisfério americano. A esse
respeito, as políticas setoriais da gestão lulopetista entre 2003 e 2016 foram
singularmente desastrosas, típicas reproduções do que já era inadequado em
décadas passadas, que foram as políticas substitutivas de importações, tal como
preconizadas pelo pessoal da velha Cepal e ainda hoje, pasmem, por certos
economistas da UniCamp. Essas políticas, industriais e comerciais, se baseavam
na proteção comercial das indústrias nacionais, no pesado apoio dado pelo
Estado às empresas já instaladas no país – ainda que fossem estrangeiras, como
as montadoras de automóveis – e em diversos outros mecanismos fiscais e
financeiros de apoio e de generosos subsídios. Foi o caso, por exemplo, do
Inovar-Auto, da dupla Guido Mantega-Fernando Pimentel, um típico exemplo
daquilo que eu chamo de stalinismo industrial, ou seja, a tentativa ilusória de
tentar fazer uma indústria de automóveis num circuito fechado ao próprio Brasil
e os sócios do Mercosul.
Além de totalmente equivocada em suas concepções e
efeitos práticos, essa medida ainda infringiu compromissos internacionais do
Brasil no âmbito da OMC, em função dos quais o Brasil foi condenado no sistema
de solução de controvérsias dessa organização, tendo de modificar vários pontos
de sua legislação discriminatória. O governo ainda não anunciou como será o
sistema substitutivo ao censurado pela OMC, mas minha postura é a de que
políticas setoriais devem, não apenas serem o máximo possível homogêneas e
universais – ou seja, sem beneficiar exclusivamente um ramo ou outro – mas
também conformes a nossas obrigações internacionais.
Quanto ao método de se efetuar essa abertura econômica
e essa liberalização comercial, muitos recomendam negociações externas com
parceiros comerciais do Brasil, novos ou velhos, no plano multilateral ou
regional, eventualmente bilateral. Eu diria que não vejo muito espaço,
atualmente, para grandes negociações externas, uma vez que existe um
retraimento no plano multilateral, depois do fracasso quase completo da Rodada
Doha da OMC, compensado por um avanço nos arranjos minilateralistas, nos planos
plurilateral e bilateral. Mas este é um caminho praticamente barrado para os
membros do Mercosul, que se encontram ainda na etapa já superada do simples acesso
a mercados, quando a maior parte dos países e dos blocos já se encontram
envolvidos em acordos de segunda ou de terceira geração. Cabe ainda reconhecer
a baixa disposição dos países do Mercosul e dos membros da União Europeia em
oferecer reais concessões, mesmo em acesso a mercados, quando se constata o
insucesso repetido das diversas fases do longuíssimo processo de negociações
birregionais UE-Mercosul.
Esse cenário pouco propenso a barganhas negociadoras
recomendaria, portanto, uma medida bem mais simples: a abertura unilateral, ou
seja, a redução não negociada das nossas próprias tarifas aduaneiras, que
muitos acusariam ser uma concessão sem barganha, o que me parece rematada
bobagem. Cabe relembrar, se as pessoas ainda não sabem, que as tarifas são
punições contra o nosso próprio bolso, pois somos nós que pagamos, não os
exportadores, assim como é um completo absurdo a aplicação de PIS-Cofins sobre
as importações, quando produtos importados não têm absolutamente nada a ver o
financiamento da seguridade social nacional.
Tudo isso, ou seja, a imposição de tarifas aduaneiras
proibitivas – ou seja, a continuação da substituição de importação do passado –
e a extensão do PIS-Cofins a produtos importados – que os industriais
brasileiros consideram ser apenas uma equalização das condições de
concorrência, quando essa medida deveria ser considerada inconstitucional –
ocorre porque os empresários nacionais afirmam não poder concorrer com a
produção importada pois a carga tributária no Brasil é excessiva. Isso é mais
um absurdo: se os industriais nacionais consideram que não podem concorrer com
produtos estrangeiros isentos de tributação deveria lutar pela extinção da
tributação extorsiva, não impor as mesmas condições aos bens importados,
tornando-os mais caros aos consumidores nacionais.
Em outros termos, nessa e em outras áreas da economia
nacional, o ambiente de negócios no Brasil se encontra completamente deformado,
e é preciso mudar isso de forma urgente, pois os industriais brasileiros vêm
perdendo mercados estrangeiros e nichos de mercado no próprio Brasil.
2. O
problema do Mercosul e da integração regional na América do Sul
O Mercosul, de 2003 a
2016, deixou de ser uma ferramenta para a inserção internacional do Brasil, tal
como tinha sido concebido no início dos anos 1990, e tornou-se um problema
triplo: diplomático, econômico e de política comercial. Os desvios quanto aos
objetivos do TA, detectados ainda na fase 1995-1999, foram ampliados depois da
crise argentina, e tremendamente potencializados pelo curso errático das
políticas adotadas pelas administrações Kirchner e Lula a partir de 2003. O
tripé essencial para a continuidade do bloco – liberalização comercial para
dentro, política comercial unificada para fora e coordenação de políticas macro
e setoriais – foi totalmente desvirtuado a partir daquela época, em favor de
uma politização indevida das instituições próprias ao bloco, seguindo-se uma
verdadeira anarquia institucional.
No campo das negociações
externas, ocorreu um desastre incomensurável, ao se adotar uma postura
defensiva baseada no mínimo denominador comum, que passou a ser o protecionismo
ordinário argentino. A implosão ideológica da Alca e a crença ingênua num
acordo com a UE foram dois passos irrefletidos no caminho da insensatez. Nada
avançou a partir de então, a não ser acordos ridículos na dimensão Sul-Sul, e
um com Israel, apenas para compensação visual. Não estranha, assim, que
vizinhos mais sensatos tenham procurado suas próprias soluções para comércio e
investimentos, ao negociar acordos com os EUA, com a UE e outros parceiros, e
ao adotar seus próprios esquemas de liberalização real dos fluxos comerciais
(Aliança do Pacífico), já pensando na grande integração produtiva que terá seu
centro na bacia do Pacífico e até no Índico, reunindo todos os grandes atores
do comércio internacional (dos EUA à Austrália e NZ, e toda a Ásia Pacífico
integrada na globalização). Brasil e Mercosul estão totalmente ausentes desse
novo universo absolutamente central da atual e futura economia mundial.
Pior ainda foi a
expansão indevida, totalmente política, do Mercosul em direção de vizinhos
pouco propensos a adotar os mecanismos básicos da união aduaneira tal como
definida em 1991 e supostamente implementada (com defeitos) em 1995. O ingresso
desastroso da Venezuela, a suspensão ilegal do Paraguai, a abertura apressada e
injustificada a parceiros incapazes de cumprir os requisitos básicos do TA e do
POP (como Bolívia, Equador, talvez Suriname) não apenas não retificam o que foi
feito de errado no Mercosul, como acrescentam novos problemas ao edifício
instável do bloco.
Existem diferentes
problemas no e do Mercosul, nenhum deles derivado de mecanismos e instituições
do próprio bloco, todos eles derivados de políticas, atitudes e comportamentos
das administrações nacionais. Os problemas
se situam na zona de livre comércio, mas também na união aduaneira. Nem consideramos aqui o problema da
Venezuela, que derivou de seu próprio caos econômico: ela sequer deveria ter
sido admitida, alias de forma irregular, e também demorou para que ela fosse
colocada em quarentena e mantida isolada das negociações externas.
No plano do livre
comércio, caberia fazer um mapeamento dos impedimentos práticos à sua total
consecução, e isolar esses setores numa espécie de “caixa amarela”, para então
começar a discussão sobre seu enquadramento ou dispensa semipermanente. No
campo da união aduaneira, caberia, igualmente, contabilizar e identificar os
fluxos que são levados ao abrigo e fora da TEC, para um diagnóstico mais
detalhado da situação. O mais importante, porém, seria um exercício de exame
das políticas comerciais dos quatro membros – uma espécie de TPRM-OMC, adaptado
às configurações do bloco – com vistas a ter um panorama real, e realista,
sobre todas as políticas nacionais compatíveis e incompatíveis com os objetivos
do bloco. Apenas a partir desse diagnóstico mais preciso se poderá partir para
o terreno das prescrições de políticas, algumas simplesmente diplomáticas, mas
a maior parte dependente de definições nas próprias políticas comerciais e
industriais do Brasil (e dos sócios).
Impossível fazer qualquer
proposta realista sobre o maior problema diplomático do Brasil sem partir de
uma visão muito clara quanto às demais definições de políticas nacionais, no
campo econômico, certamente, mas também no das relações com a Argentina e com
os demais parceiros prioritários do Brasil (que não são os do Ibas, do Brics,
ou fantasias sulistas do gênero, mas), basicamente, EUA, UE, China, Argentina,
demais sul-americanos, e todos os demais, nessa ordem. Em síntese, o Mercosul
precisaria voltar a ser um componente na estratégia brasileira de inserção
internacional na economia mundial, não o problema que ele é hoje.
3. O
problema do Brics: o que fazer com um grupo heterogêneo?
Trata-se, provavelmente,
do primeiro agrupamento que surgiu nos anais da diplomacia mundial não por
indução interna, mas por sugestão externa. A sugestão não tinha qualquer
caráter diplomático, mas se tratava de uma assemblagem de oportunidades visando
unicamente altos ganhos para investidores privados, conjunção efetuada sob o
signo de uma sigla atraente, que possuía apelo suficiente, do ponto de vista
jornalístico, para seduzir até mesmo experientes diplomatas e um ou outro homem
de Estado.
O problema do Brics,
para o Brasil, é que ele não deveria existir,
pelas “leis naturais” da diplomacia, ou em função dos interesses nacionais do
Brasil. O Brasil seria um país suficientemente maduro, pelo menos no que toca
sua diplomacia, para atuar em completa independência, sem muletas de
qualquer grupo, formal ou de ocasião, no plano multilateral, bilateral,
regional. Mas este já é um outro problema, de mentalidade, ou
comportamental, que caberia examinar em outro contexto. Vamos ficar no problema
do Brics para o Brasil.
A constituição do grupo engaja a
responsabilidade internacional do Brasil, enquanto nação respeitada na
comunidade de nações. A complicação é dupla:
o Brics amarra o Brasil a propostas e iniciativas que não teriam e não têm
nada a ver com os seus interesses nacionais, bilaterais, regionais ou
multilaterais, com países que diferem amplamente, por suas características, do
tipo de ação diplomática que conviria conduzir nesses âmbitos, e em função de
agendas que seriam melhor conduzidas em total autonomia de ação, em quaisquer
frentes que se possa pensar: na governança mundial, nas questões da paz e da
segurança internacional, nos valores humanitários e dos direitos humanos, na
gestão dos recursos naturais, nas negociações multilaterais, enfim, num sem
número de terrenos.
O Brics não é um problema para o Brasil, que pode manter suas relações com cada um deles
mediante canais já testados por sua diplomacia. Mas o Brics representa uma camisa de força que pode comprometer sua margem de ação internacional. Os ganhos aparentes de
presença e de visibilidade internacional são claramente ofuscados pela amarras
contraditórias que se tem de fazer no contexto do grupo. Um balanço de ganhos e
perdas pode comprovar esse diagnóstico.
4.
Relações com os países desenvolvidos
Existem muitos desafios
nas relações com os países desenvolvidos, quaisquer que sejam eles; mas as
oportunidades são ainda maiores. Na última década e meia, sob o lulopetismo, o Brasil se orgulhou
de conduzir uma política externa voltada para o Sul. Não consigo imaginar como
alguém pode se demonstrar satisfeito com andar com uma perna só, ou usar uma
única mão nas tarefas diárias, ou tapar voluntariamente um olho, para conduzir
o seu carro assim, de forma caolha. Sempre achei isso uma atitude de restrição
unilateral incompreensível,na medida em que, sendo o mundo
amplo, diverso e diversificado, não haveria nenhum motivo para se amputar a si
próprio, preferindo uma situação de menores escolhas, do que uma outra,
totalmente aberta ao leque de oportunidades oferecidas por todos os países do
globo, aliás, mais do que um leque, um círculo inteiro de possibilidades de
cooperação e de intercâmbio, em total liberdade mental. Os que escolhem usar
tal tipo de viseira só podem fazê-lo por preconceito ideológico ou por discriminação
política.
Todo determinismo
geográfico é, por natureza, contraproducente. Não se poderia esperar, por
exemplo, obter o estado da arte em ciência e tecnologia quando se restringem as
escolhas a determinados parceiros do globo, ainda que eles sejam chamados de
“parceiros estratégicos”.
A primeira inconsequência é justamente a
de dividir o mundo entre desenvolvidos e em desenvolvimento, como se duas
únicas categorias mentais, dois universos puramente conceituais, fossem capazes
de resumir e abranger toda a complexidade e multiplicidade das situações
humanas e sociais, num planeta variado que exibe todos os tipos de avanços
civilizatórios, um continuum histórico que vai de tribos primitivas a
sociedades do conhecimento, baseadas em inteligência artificial. O capital
humano nunca teve pátria, apenas os governos é que limitam a liberdade do
capital humano. As grandes descobertas, as maiores invenções acabam
beneficiando o conjunto da humanidade.
Mas, alguns espíritos tacanhos
consideraram que, em virtude do fato bem estabelecido de que a maior parte das
invenções, descobertas e inovações ocorrem bem mais nos países já avançados,
isso consagraria algum monopólio natural, uma tendência à concentração do
conhecimento, e do seu desfrute, e que os países menos avançados só poderiam
ser “explorados” pelos primeiros. Assim, passam a recomendar esquemas de
cooperação no âmbito Sul-Sul, como se duas ignorâncias pudessem ser substitutos
a uma grande sabedoria. A Constituição brasileira já caiu nessa erro monumental, ao consagrar no seu texto de 1988 a proibição de que universidades
brasileiras tivessem em seu corpo docente professores estrangeiros, equívoco felizmente eliminado alguns anos depois.
Não se pode dispor de
nenhuma fórmula mágica para impulsionar o processo de desenvolvimento
brasileiro contando apenas com a cooperação internacional, seja ela com países
avançados ou com “parceiros estratégicos” do Sul maravilha. Os desafios
principais estão mesmo no próprio país, pois as evidências relativas aos ganhos
de escala permitidos por uma educação de qualidade são tão notórios que não
seria preciso insistir neste ponto. O Brasil precisa empreender uma revolução
educacional, em todos os níveis. De onde sairão os ensinamentos adequados para
esse empreendimento monumental? Ora, as respostas são tão evidentes que sequer
me concedo o direito de expressar qualquer preferência geográfica. Se alguém aí
pensou em Xangai, não na China, mas Xangai, como exemplo e modelo de uma
educação de qualidade, tal como refletido nos exames do PISA, estou
inteiramente de acordo: façam como Xangai, que já é, para todos os efeitos
práticos, mais avançada do que qualquer país desenvolvido em matéria de
educação de qualidade.
5. A
necessidade de reformas estruturais e o pedido de ingresso na OCDE
O Brasil necessita de reformas estruturais importantes, a serem implementadas nos planos
interno e externo, e é nesse contexto que se situa a importante decisão tomada
pelo atual governo no sentido de solicitar adesão plena do Brasil à OCDE. Ela
constitui, não um “clube de países ricos”, mas um “clube das boas práticas”, e
pode contribuir para esse processo de reformas profundas que o Brasil deve
perseguir no seu próprio interesse nacional. A OCDE possui notória expertise e
vasta experiência nos terrenos das reformas fiscais, setoriais e sociais, com
destaque para as áreas de políticas comercial, industrial, tecnológica e
educacional, ou seja, tudo o que o Brasil necessita para deslanchar um novo
salto no plano do crescimento sustentado. Os requerimentos de entrada podem,
aliás, apoiar as reformas.
As reformas mais
difíceis são, sem dúvida alguma, a fiscal e a tributária, uma conectada à
outra, mas aqui também o know-how acumulado pela OCDE nessa área pode se
revelar valioso, em várias dimensões. Na política comercial, os estudos da OCDE
já provaram fartamente que restrições a um comércio mais livre redundam sempre
num declínio da produtividade do trabalho, e portanto dos padrões de vida. O
protecionismo comercial brasileiro dificulta, e de fato impede, uma maior
integração de nossas empresas às cadeias globais de valor, que constituem o
lado mais conspícuo da globalização microeconômica, que é onde se processa,
junto com as ferramentas de comunicação social, o lado mais relevante desse
fenômeno abrangente e inescapável.
A política externa
brasileira sempre teve como princípio organizador uma mal definida “diplomacia
do desenvolvimento”. Tratava-se, na verdade, mais de um slogan e, mesmo, uma
ideologia, do que propriamente uma doutrina adequadamente elaborada, resultando
de uma combinação improvisada de prescrições vagamente influenciadas pelo
desenvolvimentismo latino-americano da CEPAL e de demandas de tratamento
preferencial e mais favorável para países em desenvolvimento emanadas da
UNCTAD. Ao abrigo dessas correntes de pensamento, ocorriam vibrantes discursos
defendendo “espaços de políticas econômicas” em prol de “projetos nacionais de
desenvolvimento”, o que servia de razão, de justificativa e de defesa para o
protecionismo tarifário, para as restrições aos investimentos estrangeiros em
determinados setores, para os monopólios estatais em indústrias ditas
“estratégicas”, para restrições aos fluxos de bens, de serviços e de capitais
em nome do equilíbrio do balanço de pagamentos, da preservação da autonomia
tecnológica, ademais de diversos outros expedientes, mal coordenados entre si,
mas que de fato atuaram contrariamente ao grande objetivo pretendido, que era o
de romper a barreira do subdesenvolvimento para alcançar o patamar das nações
ricas.
O Brasil não esteve sozinho nesses
experimentos desenvolvimentistas, já que acompanhamos os mesmos tipos de
políticas da maioria dos países latino-americanos, que, se bem sucedidas em sua
implementação reiterada e teimosa ao longo de décadas, deveriam levar o
continente àquele grande objetivo. Ora, o que se assistiu, ao longo do período,
foi a superação gradual dos países latino-americanos pelos da Ásia Pacífico,
praticamente uma troca de lugares na economia mundial, tanto em termos de
pautas exportadoras, de diversificação industrial, de ofertas competitivas em
bens e serviços, quanto da atração de investimentos diretos estrangeiros. A
América Latina, e com ela o Brasil, reduziu seus índices de participação nos
intercâmbios mundiais, ao passo que os países da Ásia Pacífico começaram a
ocupar frações crescentes desses fluxos globais.
Está, portanto, mais do
que na hora de substituir essa mal definida “diplomacia do desenvolvimento com
preservação da autonomia nacional” por uma vigorosa política de “integração à economia mundial”, com a
adoção consequente de medidas econômicas e de políticas setoriais visando à
inserção das empresas brasileiras nos padrões competitivos da globalização. A
OCDE poderá subsidiar a redefinição dessas políticas no novo sentido
pretendido, mesmo quando a adesão formal não se realize, pois nada deveria
impedir o Brasil de reformar soberanamente o conjunto de políticas nas áreas
industrial, comercial e tecnológica na direção da integração mundial,
abandonando o prejudicial nacionalismo pretensamente autonomista, mas que é de
fato redutor de nossas possibilidades de progresso econômico.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 18 de janeiro de 2018