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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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quinta-feira, 5 de maio de 2016

As patentes sao um, ou o problema para paises em desenvolvimento? - Philip Stevens (CapX)

A dose of reality on drug patents

By Philip Stevens 
Debates on how to improve healthcare in developing countries often start from the same premise: patents can potentially raise drug prices, so they should be abolished for better public health.
In the early 2000s this argument drove the campaign against patents on HIV drugs in South Africa. This month, it anchors new NGO campaigns against a proposed EU-India Free Trade Agreement and the Regional Comprehensive Economic Partnership in Asia – both of which may include heightened intellectual property provisions.
NGO disquiet about drug patents has even led to the creation of a UN High Level panel on access to medicines, due to report its recommendations in New York next month.
Such concerns may in fact be overblown. This is an implication of an interesting new study by researchers at the University of Ottawa and published in April by the World Intellectual Property Organization (WIPO) in Geneva.
To better understand how patents impact access to medicines, the researchers counted how many of the World Health Organization’s (WHO) List of Essential Medicines are subject to patent protection in developing countries. This list contains 375 or so medicines considered most important by WHO experts.
It’s a hugely influential list, and one based purely on the clinical usefulness of a medicine, not cost or patent status. Developing country governments and large international donors use it to guide which medicines they will procure.
The researchers checked national patent registries in developing countries and double-checked with manufacturers. They found that patents for 95% medicines on the list had expired.
Put simply, patents are not relevant to the vast majority of drugs typically used by physicians in developing countries.
Most of the remaining 5% of medicines – around 20 products – on the WHO list with patent protection are for HIV/AIDS. But patent owners either don’t register or enforce their patents in the poorest countries. For middle-income countries, manufacturers often enter into voluntary licensing deals with generic manufacturers to broaden access, meaning there are cheap generic copies on the international market.
The one medicine with no generic equivalent is the cancer drug, bevacizumab (marketed as Avastin by Swiss patent-owner Roche). This modern so-called ‘biologic’ drug is used against many cancers, and works by starving tumours of their blood supply through blocking a key protein.
Patented or not, these biologic drugs are difficult for generic competitors to copy cheaply.
Unlike most drugs, which are chemically synthesised and made from just a few molecules, biologic drugs are manufactured in living systems such as plant or animal cells, and have complex molecular structures. Their manufacture demands significant investment and technical know-how, meaning such drugs will never be as cheap as, say, generic aspirin.
One implication of the study is that if patents were abolished tomorrow it would make little difference to the cost or availability of most medicines used in developing countries.
Even so, these medicines are frequently unavailable in public health systems.
In 2014, researchers at the University of Utrecht in the Netherlands found that, on average, essential medicines are available in public sector facilities in developing countries only 40% of the time.
While generic medicines are cheap to make with no royalties to pay, they are still too costly for most people in developing countries.
One example from the WHO list is budesonide, commonly used by asthma sufferers. A single inhaler costs a staggering 50 days wages in Mozambique. In the US, one inhaler costs only $5 to $7 – around 30 minutes work on the median hourly wage.
The reasons behind the expense and scarcity of essential medicines in developing countries are complex, but failures of governance loom large.
Mark-ups along the distribution chain inflate the final price of medicines and include import tariffs, sales taxes, value-added taxes and retailers’ and wholesalers’ margins. In Kenya, mark-ups add 300% to the manufacturer’s price; in Brazil it’s 200%, says IMS, the global healthcare data provider.
Dysfunctional medicine supply chain management is another culprit. A 2015 survey by humanitarian NGO Medecins Sans Frontières reported one in three health facilities in South Africa have shortages of key HIV and tuberculosis drugs. The drugs are imported in sufficient quantities but fail to reach patients due to “local logistical and management problems, ranging from inaccurate forecasting to storage or transport issues”, said MSF.
Governments under-invest in health too. While most European Union countries commit 8% to 11% of GDP to health, few Asian and African countries spend more than 5%: not nearly enough given their enormous health challenges.
These are the major influences on access to medicines. Public health would be best served if the political focus were on these issues, rather than patents.

Philip Stevens is director of Geneva Network, a research organization focusing on health, intellectual property and trade.
This article is an exclusive for CapX, and is available for syndication. Please contact editors@capx.co to discuss details.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Saude publica: juizes complacentes concorrem para a desiguadade social


Uma vez que se proclama que a saúde é um dever do Estado e um direito dos cidadãos, os cidadãos mais "espertos" vão garantir o seu, às custas de todos os demais, e juízes complacentes concorrem para as desigualdades e a concentração de renda ao se mostrarem favoráveis a essas demandas.
Paulo Roberto de Almeida 

Conjur, 6/02/2014

Em artigo publicado neste Observatório Constitucional, o professor Marcelo Neves tratou de mostrar que a atuação do Poder Judiciário na implementação do direito à saúde, em vez de assegurar o acesso universal e o atendimento integral preconizados pelo art. 196 da Constituição de 1988, intensificou privilégios no acesso à saúde[1]. Criticando a consistência jurídico-constitucional da tutela judicial voltada a garantir o direito à saúde de forma pontual e isolada, concluiu o professor:
“Ao garantir um ‘superdireito’ à saúde a uma elite, enquanto, de outro lado, grande parte da coletividade continua na mesma situação de exclusão social, na condição de subdireito à saúde, o Judiciário, e especialmente o STF — incompetentes juridicamente, ilegítimos politicamente e inaptos tecnicamente para formular e implementar políticas públicas de saúde —, não têm atuado como guardião do direito à saúde, mas como assegurador e intensificador de privilégios no acesso à saúde, promovendo o aumento da desigualdade e da exclusão social.”
Chamou-me a atenção substancioso comentário feito por leitora desse espaço, que narrava ter sido diagnosticada com diabete tipo 1 quando ainda criança e que não conseguia obter tratamento público adequado nem tinha como arcar com os custos do tratamento privado. Relatou a necessidade que tinha de obter uma bomba de insulina que custa aproximadamente R$ 12 mil e de obter insumos mensais que custam em torno de R$ 2 mil. Nesse quadro, expôs a sua pretensão de propor ação judicial para obter tutela que lhe assegure o tratamento, por considerar que essa é a única alternativa que encontra para resolver seu problema, que reputa legítima, como ser humano, cidadã, que paga seus impostos e se vê tutelada pela Constituição de 1988.
Apesar de a leitora confessadamente não ter formação jurídica, penso que ela conseguiu traduzir, de forma competente, em linguagem clara e contundente aquilo que me parece constituir o núcleo da defesa da implementação dos direitos sociais pelos juízes, em contraposição aos fortes argumentos do professor Marcelo Neves.
É natural que o cidadão, na defesa de seus legítimos interesses, busque o Poder Judiciário para postular pretensão de obter tratamento médico que assegure o seu direito à vida. Todos devemos lutar para obter condições dignas de vida, sobretudo numa sociedade desigual, diante de um Estado ineficiente e de uma classe política distante dos interesses do povo. A questão, no entanto, deve se pôr não apenas na perspectiva de quem pede, mas na de quem decide.
O que deve o juiz fazer ao deparar-se com pretensão da espécie?
Percebo, como parece também perceber o professor Marcelo Neves, que o Poder Judiciário tem se mostrado hoje totalmente inapto para tratar dessa espécie de demanda, porque se vê acuado por uma situação de vida ou morte que lhe conduz a sempre deferir os pedidos que lhe são dirigidos, muitas vezes em sede de medidas de urgência, sem que se possa fazer adequada reflexão.
Para essa espécie de tutela, podem-se identificar dois argumentos fundamentais na crítica à implementação dos direitos sociais a partir de decisões judiciais fundamentadas preponderantemente em princípios constitucionais — ou seja, decisões judiciais que extraem diretamente da Constituição o direito do autor da ação judicial de obter determinado medicamento, tratamento médico ou outra prestação específica. Sustenta-se que os juízes não têm capacidade de traduzir as pretensões gerais dos direitos sociais em tutelas judiciais específicas, equivalentes àquelas que se derivam das liberdades constitucionais — de primeira geração —, em vista do seu conteúdo indeterminado e a dificuldade de envolver aspectos de planejamento orçamentário — qual o conteúdo do direito à educação: alcança a pretensão de um jovem ter acesso à Universidade ou de uma criança com deficiência ter acesso à educação básica? Argumenta-se, ainda, que a tutela judicial dos direitos sociais representa uma interferência nas funções dos órgãos democraticamente eleitos ou tecnicamente mais preparados para tratar do assunto — qual a legitimidade do Poder Judiciário para definir prioridades governamentais, considerando, ainda, os inegáveis impactos no planejamento e no orçamento público? [2]
Sendo talvez mais produtivo afastar-se desse dilema, entre judicializar ou não os direitos sociais, cabe identificar outros caminhos a serem explorados.
Admitindo-se a judicialização das políticas públicas para a concretização dos direitos sociais, pode-se fugir do ideal do juiz como um provedor primário de direitos sociais, para pensar o Judiciário exercendo uma função de provedor secundário, assegurando que procedimentos justos foram adotados tanto na alocação quanto na prestação de quaisquer benefícios decorrentes de direitos sociais. Esse modelo tem a virtude de evitar uma alocação seletiva de benefícios, fortalecer a responsabilidade política e garantir a implementação dos direitos sociais de forma ampla. É o que propõe D. M. Davis, que conclui:
“Dessa forma, o Poder Judiciário confere efetividade aos direitos sociais de uma maneira compatível com as escolhas políticas democraticamente feitas por meio dos Poderes Executivo e Legislativo. Assegura que o governo seja lembrado de seus deveres, decorrentes de determinações constitucionais, mas que isso se faça por meio da implementação de políticas públicas.”[3] (tradução livre)
Exemplo dessa perspectiva de atuação judicial é encontrado na Suprema Corte da República da África do Sul, que, ao lidar com o grande desafio de dar concretude aos direitos sócio-econômicos estabelecidos em sua Constituição de 1996, conformou jurisprudência que se tornou uma referência mundial para essa discussão.
No primeiro caso paradigmático, “Government of the Republic of South Africa v. Grootboom” (2000), a Suprema Corte Sul Africana lidou com demanda proposta por um grupo de sem tetos — Irene Grootboom e outros — que reclamavam do Estado provimento judicial que lhes garantisse alguma acomodação adequada até que lhes fosse dada moradia definitiva, com base no direito constitucionalmente assegurado à moradia. A Corte, desde logo, reconheceu que os direitos sociais podem ser objeto de apreciação do Poder Judiciário, centrando seus esforços na análise de como lhes dar efetividade. Em uma decisão histórica, a Corte assentou que as condições econômicas e sociais do país impunham dificuldades para a implementação desses direitos pelo Estado, mas que há uma obrigação constitucional que deve ser perseguida e que, em circunstâncias apropriadas, deve ser garantida pelo Poder Judiciário. Essa tutela judicial, no entanto, no entender da Corte Constitucional, não justificaria o atendimento imediato de pretensões pontuais, porque a obrigação constitucionalmente estabelecida pela Constituição se põe na implementação de um programa coerente, coordenado, voltado à satisfação desse direito — ou seja, na implementação de uma política pública. Em linha com esse entendimento, a Corte determinou que o Estado estabelecesse e implementasse, com os recursos disponíveis, um amplo e coordenado programa voltado à satisfação progressiva do direito de acesso à moradia digna, com adoção de medidas prioritárias destinadas a pessoas sem casa ou que estivessem em condições intoleráveis de moradia, estabelecendo que a Comissão de Direitos Humanos do país fiscalizasse e elaborasse relatórios a respeito das medidas adotadas pelo governo[4].
Também são significativas e amplamente discutidas as decisões tomadas pela Suprema Corte sul-africana nos casos: i) “Minister of Health v Treatment Action Campaign”, em que se discutia a adequação da política pública de oferta de medicamentos contra AIDS para prevenir o risco de transmissão da doença entre mãe e filho durante a gravidez[5]; ii) “Mazibuko v. City of Johannesburg”, que discute o direito à água[6]; e iii) “Soobramoney v Minister of Health KwaZulu-Natal”, no qual a Suprema Corte negou a pretensão de um cidadão que precisava de um transplante — e que veio a falecer dias depois da decisão que lhe negou o tratamento —, porque considerou legítimos e bem estruturados os critérios de elegibilidade para transplantes fixados pelas autoridades públicas[7].
Em função da jurisprudência formada nesses julgamentos, há quem reconheça o desenvolvimento, pela Suprema Corte sul-africana, de um razoável modelo de discussão judicial dos direitos sociais para a implementação de políticas públicas. Primeiramente, porque não dissocia a apreciação judicial dos direitos sociais de sua inserção no âmbito das políticas públicas — pelo contrário, conduz ao entendimento de que os direitos sociais precisam estar associados a políticas públicas[8]. Além disso, observa-se que a Corte, em vez de ter a pretensão de definir os direitos sociais em termos de conteúdo e escopo — estabelecer um núcleo essencial —, preferiu adotar a postura de examinar a política pública associada à implementação dos direitos sociais sob o prisma das condições dos mais necessitados (“the poorest of the poor”)[9], para verificar a razoabilidade do programa nessa perspectiva.
Embora não seja definitivo e incontestável, é certo que esse modelo de judicialização das políticas públicas para implementação dos direitos sociais oferece bons subsídios para repensar a função do Poder Judiciário no Brasil, cuja atuação no tema tem gerado distorções.
Sem dúvida, o Poder Judiciário tem papel fundamental na concretização da Constituição e dos direitos sociais. No entanto, enquanto os juízes estiverem engajados numa tutela judicial de atendimento pontual de demandas para concretizar os direitos sociais, não teremos o fortalecimento dos direitos sociais, mas apenas um novo campo da nefasta política assistencialista — uma vez que, a pretexto de suprir uma necessidade premente do ser humano, cria-se um laço de dependência entre governante e governado que constitui uma prática deletéria para a emancipação social e para a consolidação da cidadania.

Esta coluna é produzida pelos membros do Conselho Editorial do Observatório da Jurisdição Constitucional (OJC), do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Acesse o portal do OJC (www.idp.edu.br/observatorio).

[2] D. M. Davis. Social-Economic Rights (Chapter 49). In: ROSENFELD, Michel. SAJÓ, András (org.). The Oxford Handbook of Comparative Constitutional Law (Oxford Handbooks in Law), Oxoford University Press, USA, 2012, p. 1.023.
[3] D. M. Davis. Social-Economic Rights (Chapter 49). In: ROSENFELD, Michel. SAJÓ, András (org.). The Oxford Handbook of Comparative Constitutional Law (Oxford Handbooks in Law), Oxoford University Press, USA, 2012. p. 1.026.
[4] JACKSON, Vicki; TUSHNET, Mark. Comparative Constitutional Law. 2nd ed. USA, Thompson West, Foundation Press, 2006. Pp. 1.671-1.684.
[5] JACKSON, Vicki; TUSHNET, Mark. Comparative Constitutional Law. 2nd ed. USA, Thompson West, Foundation Press, 2006. Pp. 1.684-1.694
[6] Para uma resenha e uma crítica desse julgamento: Williams, Lucy A. The Justiciability of water rights: Mazibuko v. City of Johannesburg. In: Willamette Journal of International Law and Dispute Resolution, Vol. 18, 2010, pp. 211-255.
[7] Confira-se a palestra proferida em Yale University pelo Justice Albie Sachs, reconhecido ativista de direitos humanos e então juiz da Suprema Corte da África do Sul que participou desse histórico julgamento, na qual apresenta o contexto político-jurídico-econômico sul-africano pós-apartheid e expõe algumas justificativas para as inovadoras e polêmicas decisões da Corte: http://www.law.yale.edu/news/10901.htm
[8] Vide, a propósito: SUNSTEIN, Cass. Designing Democracy: What Constitutions Do. USA: Oxford University Press, 2001. Cap. 10 (Social and Economic Rights? Lessons from South Africa.
[9] D. M. Davis. Social-Economic Rights (Chapter 49). In: ROSENFELD, Michel. SAJÓ, András (org.). The Oxford Handbook of Comparative Constitutional Law (Oxford Handbooks in Law), Oxford University Press, USA, 2012. p. 1.027-1.028.