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segunda-feira, 13 de março de 2023

Putin está muito mais quebrado do que se pensa - Edward Luce (FT)

 Putin está muito mais quebrado do que se pensa

Por Edward Luce

 ValorFinancial Times, 13/03/2023


Quando as estatísticas são submetidas a tortura por tempo suficiente, elas acabam confessando. Sustentado por essa máxima imemorial, Vladimir Putin conseguiu evocar uma contração irrelevante, de 2,1%, na economia da Rússia em 2022, contra os dois dígitos que prevíamos. O mais estranho é que acreditamos nele! 

O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial zelosamente reutilizaram os números de crescimento oficiais de Moscou para o ano passado, o que desencadeou autocríticas em torno da resiliência da Rússia. Se a Rússia conseguiu suportar as sanções ocidentais mais abrangentes já adotadas desde os dias do apartheid da África do Sul, talvez devêssemos repensar nossa posição. Não sou estatístico. Mas sei, com certeza, que há razões profundas para desconfiar dos dados oficiais da Rússia sobre qualquer assunto. 

Como destaca Jeffrey Sonnenfeld, decano da Faculdade de Administração de Yale, o Rosstat, departamento oficial de estatística russo, passou por uma constante rotatividade de liderança nos últimos 12 meses e já foi um órgão altamente comprometedor. De qualquer maneira, Putin obteve os números que queria. O Rosstat prevê que a Rússia crescerá 0,3% em 2023. Eu prevejo que isso se revelará um absurdo. 

Economistas mais criteriosos não ficam parados, esperando que os dados caiam no seu colo. Eles buscam outros medidas. Na China, essas medidas costumam ser métricas como frete ferroviário e consumo de energia. Ler a Rússia hoje deve ser muito mais simples. 

Três milhões das pessoas de nível de instrução superior da Rússia deixaram o país, levando consigo seu capital e energia intelectuais. Na Rússia, o governo tem canibalizado geladeiras e outros eletrodomésticos da linha branca à cata dos chips que não consegue mais importar. Segundo a equipe de monitoramento de Sonnenfeld em Yale, um mil dos 1,2 mil maiores investidores estrangeiros da Rússia se retiraram plenamente do país pelos dados atuais. Suas receitas respondiam por 35% do Produto Interno Bruto (PIB) da Rússia antes da invasão da Ucrânia. Entre elas estão as empresas de petróleo e gás, como a BP (que deu baixa contábil de US$ 25,5 bilhões), que mantinham em constante fluxo os dutos de combustíveis fósseis e faziam a manutenção dos equipamentos do país. 

As exportações russas de gás natural praticamente secaram. A Europa absorvia o grosso da oferta russa e hoje a reduziu a níveis próximos de zero. Não tenho a menor ideia de quem explodiu o Nord Stream II, mas foi um ato um tanto desnecessário. A Europa ostentou uma eficiência de estilo chinês ao construir rapidamente uma capacidade em gás natural liquefeito (GNL) para importar o combustível que a Rússia é tecnicamente incapaz de produzir. O gás em estado gasoso da Rússia, em vista disso, não está à disposição de nenhum mercado. Serão necessários anos para construir dutos russos para compradores alternativos. 

China, Índia e outros, sem dúvida, estão absorvendo o petróleo russo que a Europa deixou de importar. Mas a Rússia o está vendendo a preços abaixo do custo. O Deutsche Bank estima que a Rússia, mal e mal, obtém hoje o equivalente a um terço de suas receitas com combustíveis fósseis. Além disso, está ficando cada vez mais caro - aproximadamente o dobro da média global — para a Rússia extraí-los. A Rússia desembolsa US$ 4 

para extrair um barril de petróleo e mais US$ 12 para fazê-lo chegar a seus clientes. Isso atende aos desejos do Ocidente, uma vez que não queremos que o preço global do petróleo suba e não queremos que a Rússia ganhe dinheiro. Pelo fato de mais de metade do orçamento da Rússia provir de sua receita com combustível fóssil, o governo passou agora a saquear suas reservas para tempos difíceis. Medidas mais radicais de extração de receita certamente vão se seguir. O que isso significa para a guerra na Ucrânia ? Há implicações boas e más. Duvido que a China seja imprudente a ponto de começar a fornecer as armas e a munição que a Rússia necessita desesperadamente. Nesse caso, isso seria uma indicação da crescente preocupação da China com os custos de uma prolongada guerra na Ucrânia. 

Um Estado vassalo do tamanho da Rússia não representa maiores problemas até o momento em que se tem de começar a pagar as contas. A má notícia é que Putin ficará cada vez mais tentado a tomar medidas desesperadas para levar esta guerra a uma conclusão desejável. O ataque da semana passada de uma miríade de mísseis hipersônicos russos com capacidade nuclear à infraestrutura essencial ucraniana foi um indicador alarmante do que um Putin acuado poderia fazer. Certamente podemos esperar que uma Rússia totalmente desprovida de dinheiro arremesse crescentes ondas humanas de alistados maltreinados para morrerem em suas linhas de frente. 

Quando as pessoas não confiam em dados oficiais, para onde olharão? A crer em Sonnenfeld em detrimento do FMI, que implicações isso tem para a política ocidental para a Ucrânia? 

(…)

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