É normal, no curso de uma campanha tão acirrada quanto a atual, que os candidatos exagerem um pouco em suas afirmações, com o objetivo de enfatizar os erros, equívocos, ou até traições dos seus competidores, e para realçar suas próprias virtudes e qualidades.
Não é normal, contudo, nem aceitável, sob qualquer critério, que eles deformem as posições dos competidores, que eles veem como adversários ou até como inimigos, ou que eles recorram a MENTIRAS DELIBERADAS para tentar acusar os adversários de algum pecado grave, antinacional.
É isso, no entanto, que vem fazendo os companheiros desde muito tempo, praticamente desde os próprios eventos, agindo de forma que eles sabem ser totalmente desonesta, mas ainda assim insistindo na mentira.
A candidata governista abusou de sua capacidade de mentir ao recorrer novamente a essa mistificação, ainda tão recentemente quanto esta semana.
Como eu acompanhei, muito de perto, a história financeira do Brasil desde o final dos anos 1970, e como estive envolvido em assuntos do FMI durante as próprias negociações -- mas mesmo que não estivesse, como qualquer outro eu leio jornais e sei distinguir a mistificação da realidade, permito-me contar a história verdadeira aqui abaixo, ainda que de forma resumida, para não cansar os leitores.
O que dizem, em síntese esses mentirosos reincidentes, esses fraudadores da história?
Eles tendem a repetir a mesma conversa, sempre em tom simplista, e derrogatório, como se todos no Brasil fossem idiotas e não soubessem distinguir a mentira da realidade.
MENTIRA!
Simplesmente não
é verdade que o Brasil quebrou três vezes sob FHC.
Esta é uma
afirmação de cunho político, totalmente equivocada e que merece uma correção
historicamente verificável, além e acima das querelas políticas.
Vou relatar exatamente como o processo se passou, desde o início.
No final de 1994, ocorreu uma primeira crise
financeira no México, – que se deveu a uma taxa de câmbio desajustada, que o governo vinha procurando
manter estável, um pouco como o nosso atualmente – e que obrigou o governo de
FHC a efetuar um ajuste na política cambial, introduzindo um sistema de banda
(variação dentro de certos limites).
Ocorreu também que, por opção do presidente
Itamar Franco, a estabilização do Plano Real não pode ser feita com base num
forte ajuste fiscal – pois ele dizia que não queria ter recessão, e de fato não
houve recessão no Real, como se pode comprovar por dados objetivos – e teve
de ser apoiada numa âncora cambial e em juros reais mais elevados (do contrário
como dispor de financiamento a um governo que não queria fazer ajuste fiscal?).
Quando sobreveio a segunda onda de crises financeiras, desta vez nos mercados asiáticos, em
meados de 1997 – também por motivos de câmbio –
ocorreu um tremendo refluxo nos movimentos de capitais, o que afetou também o
Brasil. Houve novos ajustes, que nos levaram a meados de 1998, quando a Rússia
decretou moratória sobre sua dívida externa, dando um calote unilateral em
muitos bancos europeu e até alguns americanos, atingindo grandes fundos de
investimentos.
Foi somente aí que a situação do Brasil se agravou, e o governo
fez o que tinha de fazer, como fazem todos os países em situação temporária de
desequilíbrio no balanço de pagamentos: negociou um acordo PREVENTIVO com o FMI
e países credores, que permitiu justamente ao Brasil NÃO QUEBRAR, pois ele teve
divisas para continuar cobrindo suas obrigações financeiras externas, sem
precisar negociar uma moratória técnica como fez o México.
Apenas para se ter
uma ideia da magnitude dos pacotes de socorro a governos temporariamente
inadimplentes (o que NÃO foi o caso do Brasil), o pacote do México envolveu
um valor total de 48 bilhões de dólares (grande parte dinheiro americano do Exchange
Stabilization Fund, o resto do FMI, BIRD, BID e outros governos). No caso do
Brasil, o pacote de ajuda PREVENTIVA foi de 41 bilhões, mas do qual só foi usada
uma metade, ainda assim como simples garantia (incorporação nas reservas
cambiais, não para dispêndio efetivo). Esse pacote foi feito em
outubro-novembro de 1998.
Em janeiro de 1999, o então governador Itamar, ao assumir o
governo de Minas Gerais, declarou que não honraria, e não pagaria, as dívidas
estaduais negociadas em 1996 e 1997, com o governo federal, que trocou velhas
e impagáveis dívidas estaduais (e municipais), por novos bônus a 30 anos,
eliminando um dos maiores “esqueletos” da situação anterior de todas as
unidades sub-federadas. Ao fazer isso, a dívida pública do governo central
naturalmente subiu de 32% do PIB para mais de 60% do PIB, o que constitui outra
das acusações desonestas feitas pela oposição ao governo FHC: a dívida aumentou
porque o governo federal assumiu imensos montantes de dívidas estaduais e
municipais, a juros mais moderados.
Pois bem, quando Itamar desafiou o governo
federal, os mercados (ou seja, investidores
em bolsa ou em títulos do governo) operaram um imenso movimento de retirada do
Brasil – pois aquilo poderia significar o desmantelamento do Plano Real de
estabilização – e que redundou na mudança da política cambial, do regime de
banda para um de flutuação suja da moeda. Depois da desvalorização, os mercados
se ajustaram rapidamente, tanto é assim que o novo presidente do Banco Central,
Armínio Fraga, pagou o que devia aos governos credores em abril de 2000, e
ficou apenas com um crédito stand-by do FMI (ou seja, garantia, apenas, para
usar se fosse preciso, de pouco mais de US$ 10 bilhões).
Pouco depois, porém,
a Argentina entrou em crise terminal e os chamados mercados, não distinguindo
muito bem entre nós e eles, nos puniram novamente, mas a situação foi
relativamente tranquila: foi negociado um novo acordo stand-bye, também
PREVENTIVO, que nos repassou mais US$ 15 bilhões, enquanto durou a crise ao
lado (e que se estendeu durante dois anos praticamente, desde a
moratória de 2001, até o calote imposto por Kirchner em 2003). Ou seja, o
Brasil NÃO quebrou pela segunda vez, apenas fez um novo acordo preventivo de
empréstimo negociado.
Chegamos, então, à terceira
“crise” e esta foi devida inteiramente à campanha presidencial de 2002. Não se poderá negar que os “mercados” reagiram fortemente à possibilidade da
chegada de Lula ao poder, e isso não dependia absolutamente do governo
FHC: o dólar saiu de 1,70 para quase 4 por dólar até setembro, e os títulos da
dívida brasileira (renegociação de 1992-93) se vendiam a 48 centavos por cada
dólar na bolsa de NY, tudo isso por causa das ameaças anteriores do PT de dar
calote nas dívidas doméstica e externa, além de outras mudanças radicais na
política econômica.
Pois bem, também se há de lembrar
que o presidente FHC chamou ao Palácio do Planalto cada um dos candidatos
presidenciais (e isso depois de Lula já ter apresentado sua “Carta ao Povo
Brasileiro, em junho) para apresentar-lhes o pacote em negociação com o FMI, e
TODOS deram o seu aval. O Brasil então fez o último dos três acordos, este
igualmente PREVENTIVO, em agosto de 2002, pelo qual obteve um novo crédito
stand-by por US$ 30 bi (o maior da história do FMI até então). Logo depois, já no governo Lula, o
ministro Palocci determinou a elevação, decisão dele, do superávit primário, de
2,75% do PIB para 3,25%, e de fato fez muito mais do que isso durante seus três anos à
frente da Fazenda).
Esta é a história REAL dos
três pacotes de ajuda PREVENTIVA, totalmente em desacordo com a demagogia
política em torno das três quebras, o que NUNCA ocorreu. Quem fez demagogia,
aliás até contra o conselho do Ministro Palocci, foi o presidente Lula, que em
2005, por motivos puramente políticos e eleitoreiros, resolveu pagar
antecipadamente o que devíamos ao FMI (pouco mais de 10 bi), quando Palocci
havia negociado duas extensões e podíamos dispor desse dinheiro por mais 3
anos.
Ora, Lula mandou devolver um dinheiro pelo qual o Brasil pagava no máximo 4,5% de juros
ao ano, para depois ter de recorrer aos mercados comerciais de emissão de
títulos governamentais, pelos quais passamos a pagar mais de 8% ao ano. Onde
está a demagogia e a política aqui?
Nem FHC, nem Lula
aumentaram a dívida externa do Brasil, que era basicamente de natureza
comercial e privada, pois as dívidas governamentais foram sendo reduzidas ao
longo de todo esse período. Apenas o primeiro
pacote de ajuda PREVENTIVA foi feito durante a administração Clinton; os dois
seguintes foram feitos sob o governo Bush, com que Lula aparentemente se
relacionava muito bem, pelo menos ele assim o disse em diversas ocasiões.
Esta é a história real.
Os companheiros que continuarem fazendo falsas acusações deveriam ser processados por mentira e difamação.
Mas o fato é que eles não se corrigem.
Não conseguem viver sem trapaças e mentiras.
Faz parte de sua natureza mafiosa viver nesse tipo de lodo moral.
Paulo Roberto de Almeida
5/10/2014