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quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Mercosul: a confusao continua, e nao vai ser resolvida...

Jornal do Senado › Edição de 21 de agosto de 2013 › Mercosul
21/08/2013

Indústria vê hora de decisão sobre futuro do Mercosul

Em audiência pública na Comissão de Relações Exteriores, representantes da indústria criticaram a falta de estabilidade nas regras do bloco e defenderam que o Brasil comece a flexibilizar o Mercosul

Ricardo Ferraço (C) preside audiência sobre as relações comerciais no Mercosul Foto: Lia de Paula
A possibilidade de flexibilizar as regras do Mercosul, com a transformação do bloco em um acordo de livre comércio, foi o principal tema discutido durante audiência pública realizada ontem pela Comissão de Relações Exteriores (CRE).
Hoje, o Mercosul é uma união aduaneira, em que há a aplicação de uma tarifa externa comum ao comércio com outros países. As várias exceções a essa tarifa comum foram criticadas pelos debatedores.
— Há um excesso de exceções e perfurações na tarifa — afirmou o diretor do Departamento de Relações Internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Roberto Giannetti.
Outra dificuldade apontada é a falta de estabilidade das regras. Os debatedores citaram regras não tarifárias impostas pela Argentina, que fazem produtos brasileiros ficarem parados na aduana, queixa repetida por Ana Amélia (PP-RS).
Para o diretor de Políticas e Estratégia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José Augusto Coelho, os acordos entre países de fora do Mercosul não explicam, sozinhos, a perda de mercado do Brasil, mas têm um peso que precisa ser avaliado no processo de exclusão do país do comércio global. Por esse motivo, Coelho afirmou que o Brasil precisa testar o grau de flexibilização do Mercosul, opinião seguida pelo representante da Fiesp.
Clodoaldo Hugueney, consultor da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, disse não ver contradição entre uma união aduaneira e um princípio de negociação em separado. Ele considera que o mercado para produtos manufaturados brasileiros no Mercosul é importante, mas cria uma dependência e prejudica a competitividade.
O alto representante-geral do Mercosul, Ivan Ramalho, lembrou que as negociações serão possíveis aos outros países do bloco, que podem deixar de comprar do Brasil. Ele defendeu as negociações com a União Europeia, mas em bloco.
Roberto Requião (PMDB-PR) demonstrou não acreditar no sucesso de um acordo com a União Europeia. Para ele, a crise faz com que a Europa busque consumidores.
Jornal do Senado
(Reprodução autorizada mediante citação do Jornal do Senado)

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Mercosul: 30 anos em 2021 - uma uniao aduaneira?

Difícil dizer se o Mercosul, em 2021, ou seja, completando 30 anos de existência -- quase um balzaquiano, para quem lê romances de costumes -- será, ou não, uma união aduaneira, segundo o que se discutiu em sua última cúpula, em Foz do Iguaçu (dezembro de 2010).
Afinal de contas, isso que ele se propõe fazer em 2021, já deveria ter sido feito em 31.12.1994, ou seja, quinze anos atrás. Não é seguro que dando mais dez anos de prazo os países consigam fazer aquilo que eles não conseguiram fazer em 20 anos, e isso tendo estabelecidos novos prazos "n" vezes ao longo desse período. Quanto ao regime automotivo comum (pelo menos entre Brasil e Argentina), ele é discutido ainda antes de existir o Mercosul, na fase da integração bilateral de 1986 a 1991.

Mercosul define prazos para eliminar distorções

Daniel Rittner - De Foz do Iguaçu
Valor Econômico17/12/2010

Às vésperas de completar 20 anos, o Mercosul ganhou um novo roteiro para aprofundar a integração entre seus quatro sócios e acabar com as aberrações no funcionamento como união aduaneira. Sem muitos acordos concretos para anunciar de imediato, os países do bloco definiram “metas graduais” para eliminar essas distorções até 2021, em um cronograma que só deverá terminar nas celebrações do 30º aniversário do Mercosul.
Em um projeto chamado de “ambicioso” pelo Itamaraty, foram estabelecidos objetivos como a livre circulação de pessoas – seguindo o modelo da União Europeia – e um calendário para acabar com as diferenças na aplicação da Tarifa Externa Comum (TEC). Hoje, embora devessem usar a mesma alíquota sobre as importações provenientes de fora do Mercosul, cada país tem numerosas exceções.
Entre os compromissos assumidos pelo bloco está a discussão de um regime automotivo comum até 2012 e a unificação das tarifas sobre bens de capital até o fim de 2013. Máquinas e equipamentos importados de terceiros países pagam atualmente 14% ao entrar no Brasil, mas a alíquota é zero na Argentina, que alega estimular assim a modernização de sua indústria.
“Nós sabemos que não é uma questão simples”, afirmou o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, referindo-se ao fim das distorções da TEC. “Há a necessidade de prazos e de medidas compensatórias, mas foi uma decisão apoiada por todos os sócios”, emendou. Para facilitar o cumprimento das promessas, Amorim disse que os países do bloco deverão aprimorar políticas de integração industrial.
Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai aprovaram também a criação do cargo de um “alto representante” do Mercosul, função para a qual ainda não houve nenhuma indicação. Depois da saída do ex-vice-presidente argentino Carlos “Chacho” Álvarez do cargo de presidente da comissão de representantes permanentes do bloco, os quatro sócios decidiram criar uma nova estrutura.
De acordo com comunicado distribuído pelo Itamaraty, deverá ser uma “personalidade de destaque, com mandato de três anos”, renovável por outro período de igual duração. O alto representante “terá funções de articulação política, formulação de propostas e representação das posições comuns do bloco”.
Amorim tratou de implodir qualquer especulação sobre a possibilidade de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ser designado para o cargo. “A minha opinião pessoal é que o presidente Lula está acima desse cargo”, afirmou.
O documento aprovado ontem, a partir de uma proposta preparada pelo Brasil durante o segundo semestre, antecipa em quatro anos – de 2015 para 2011 – o prazo para identificação de barreiras ao livre comércio de serviços dentro do Mercosul. Embora não haja garantia de um acerto para liberalizar os serviços no bloco, Amorim considerou o saldo positivo. “Era um absurdo negociarmos com a União Europeia e quase termos assinado na Alca [Área de Livre Comércio das Américas] acordo que não temos entre nós”, afirmou o ministro.
Em meio à despedida de Lula das reuniões de cúpula internacional, os países vizinhos deixaram de lado temas espinhosos e preferiram sublinhar as conquistas do colega brasileiro. A Argentina evitou levar às discussões técnicas uma série de barreiras que dizia ter identificado nas exportações ao Brasil. Havia expectativa dos presidentes de dar os parabéns pessoalmente à presidente eleita Dilma Rousseff, que acabou cancelando, de última hora, a breve participação que teria na cúpula de Foz do Iguaçu. Dilma tinha a previsão de jantar com os demais chefes de Estado antes de voltar a Brasília, onde será diplomada hoje no cargo. Porém, alegando dificuldades nas negociações para formar o ministério, suspendeu sua ida.
Além de compromissos de cunho comercial, os países do Mercosul também fizeram promessas e estabeleceram prazos para uma série de ações sociais, que foram batizadas de Estatuto da Cidadania. Há medidas como o estabelecimento de um padrão de cédula de identidade, a criação de um sistema de bolsas para incentivar a mobilidade estudantil e o barateamento das tarifas de telefonia móvel (roaming) para as pessoas que transitam entre países do bloco.
Ganhou destaque a promessa de unificar a emissão de placas dos veículos. O processo começará com veículos de transporte de carga e de passageiros, a partir de 2016. Dois anos mais tarde, em 2018, a unificação alcançará todos os carros que forem saindo das concessionárias. Com a “placa Mercosul”, os carros, caminhões e ônibus estarão sujeitos a multas de trânsito das quais conseguem escapar atualmente. “Mas a ideia da placa comum não é penalizar, é colocar o Mercosul na garagem de todos”, disse o subsecretário-geral de América do Sul, Antônio Simões.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Mercosul vira uniao aduaneira; NAO DIGA!!!, ja tinha esquecido...

Faz tanto tempo que esse projeto tinha sido (mal) "costurado", que a gente nem se lembrava mais. Parece que foi no século passado, e de verdade foi: em 1991. Está lá, ainda que não assim, com todas as letras, dito cruamente, mas o artigo primeiro do Tratado de Assunção dizia claramente que o mercado comum (também já esqueceram?!) se caracterizaria por:
(a) ausência total de barreiras para a circulação de mercadores entre os países membros;
(b) tarifa externa comum;
(c) outras coisas, nunca realizadas...
Bem, ainda não fizeram a zona de livre comércio, a primeira etapa da integração, nem aplicaram integralmente e de maneira uniforme as tarifas definidas em 1994 (e jamais aplicadas conjuntamente por todos eles), mas pelo menos já se tem um pedaço de papel que quer dizer "Código Aduaneiro".
Sua existência não quer dizer que ele seja aplicado de maneira objetiva e completa, pois até hoje as tarifas que deveriam ser comuns diferem na prática, e de muito.
O Mercosul é mais furando que um queijo gruyère (se estou certo que este é aquele com muitos furinhos para cima e para baixo). De fato, esse Código Aduaneiro não impede a existência de impostos nacionais exclusivos, inclusive de exportação, o que é inacreditável para um bloco.
Também tem gente que não sabe o que é uma união aduaneira e vive confundindo blocos comerciais com associações de ajuda mútua. Santa ignorância...
Paulo Roberto de Almeida

Mercosul aprova criação de código aduaneiro
Daniel Rittner
Valor Econômico, quarta-feira, 04 de agosto de 2010

San Juan (Argentina) - Após seis anos de negociações sem resultados, os países do Mercosul aprovaram o código aduaneiro do bloco, que deverá harmonizar normas e procedimentos alfandegários adotados pelos quatro sócios. "Poucos acreditavam que podíamos chegar a esse acordo, porque não apostavam no aprofundamento do Mercosul", disse a presidente da Argentina, Cristina Kirchner.

O código aduaneiro somou-se a dois outros importantes avanços alcançados na reunião de cúpula: o fim da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC) para mercadorias de terceiros países que circulam dentro do Mercosul e a assinatura de tratado de livre comércio com o Egito, o segundo fora da América do Sul. O primeiro foi fechado com Israel.

Os avanços levaram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a dizer que foi "a melhor cúpula" de seus dois mandatos e desde 1994, quando foi assinado o protocolo que transformou o Mercosul em união aduaneira - ou seja, com aplicação de tarifa de importação comum a bens extrazona.

A conclusão do código aduaneiro foi costurada ontem, com a intervenção de Cristina junto ao presidente do Uruguai, José Mujica, cuja diplomacia resistia a aprovar o documento. A divergência se concentrava em um ponto: a aplicação de direitos (impostos) de exportação, seus valores e características. Os uruguaios reclamavam dos impostos que a Argentina mantém sobre a exportação de soja e outros produtos agropecuários, como trigo e carne. Para eles, esses impostos distorcem o mercado.

Por isso, o Uruguai insistia em designar o Mercosul como autoridade para a aplicação dos direitos de exportação. No fim, adotou-se uma solução salomônica: o código evita o assunto e são reconhecidos todos os impostos prévios à sanção. Foi o que propiciou o acordo.

Contente com os resultados, Lula alfinetou o candidato do PSDB ao Palácio do Planalto, José Serra: "E tem gente que critica o Mercosul". Em seguida, demonstrou orgulho por ter ajudado a enterrar as negociações para a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), em 2003.

"A Alca, no fundo, era uma proposta que não tinha nenhuma intenção de ajudar os países mais pobres a se tornarem minimamente competitivos", afirmou Lula "Basta examinar o fluxo comercial e os avanços que houve na integração, principalmente política. Existe um processo de aumento da confiança que não existia há oito anos."

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Mercosul: um debate esquizofrenico

As pessoas que debatem o Mercosul geralmente exibem um conhecimento precário sobre seu (não) funcionamento. Não tenho tempo, agora de desenvolver minhas ideias, mas estou escrevendo um trabalho sobre a sobrevivência e as mudanças no Mercosul.
Por enquanto vai um artigo que demonstra que certos "defensores" do Mercosul não conhecem o mínimo de sua estrutura e mecanismos.
Paulo Roberto de Almeida


Pé torto que dói

Claudio Salm
O Globo, Sexta-feira, 21 de maio de 2010

O senador Aloizio Mercadante tem compulsão a falar, sempre de forma afobada e aparentemente irrevogável, sobre o que não fez e o que não sabe, e este é o caso, entre outros, do Mercosul. Ao se precipitar em um artigo no GLOBO (“Tiro no pé”, em 2/5) sobre esse tema, mostrou que tem pé torto e chutou para fora.

Para começar, o senador petista não tem noção sobre a diferença entre uma Zona de Livre Comércio e uma União Aduaneira, o que resulta em grande confusão.

Livre Comércio supõe a plena isenção de tarifas e taxas entre os países integrantes, além da eliminação de barreiras não alfandegárias e de subsídios que afetem o comércio entre eles. É um processo que toma tempo. No Nafta (Canadá, Estados Unidos e México) essa transição se estendeu do início dos anos 90 e ainda não está consolidada.

O Mercado Comum Europeu, que começou a engatinhar depois da Segunda Guerra, pelo aço e pelo carvão, e tornou-se Comunidade Europeia nos anos 60, só virou União Europeia em 1992, em Maastricht, 30 anos depois.

A União Aduaneira incorpora a Zona de Livre Comércio e vai mais longe: implica tarifa externa comum para todo o fluxo de comércio dos países-membros com terceiros países, bem como a impossibilidade de que um deles firme, isoladamente, acordos de livre comércio com países de fora do bloco. Acordos, só com a aval de todos. Uma União Aduaneira implica renúncia da soberania comercial de cada um dos seus integrantes. No caso do Mercosul, qualquer membro pode implodir um acordo que o Brasil deseje negociar com a Rússia, a Índia ou a China, por exemplo.

Foi por inércia, mas também por causa disso, que durante os oito anos do governo Lula o Brasil assinou apenas um acordo de livre comércio, com Israel, ainda pendente de ratificação, e o fez no âmbito do Mercosul, enquanto no mundo foram firmados cem acordos dessa natureza. O comércio exterior brasileiro cresceu muito nos últimos anos, é verdade, mas até um vestibulando sabe, ao contrário de Mercadante, que esse crescimento não foi fruto de nenhuma política de comércio exterior, mas simplesmente da subida dos preços de nossas commodities e do crescimento da demanda internacional: no governo FH, entre 1994 e 2002, o preço médio das exportações caiu 12%, enquanto no governo petista, entre 2002 e 2008, aumentou 60%! Sem informações e conhecimento mínimos sobre o assunto, o senador Mercadante considerou que a tese de que o Mercosul deveria rever e flexibilizar o acordo em relação à União Aduaneira — para concentrarse no livre comércio e fortalecerse — equivaleria a extingui-lo! Ele nem mesmo sabe que o Brasil, 15 anos depois do Tratado, ainda não pode vender açúcar livremente para a Argentina; ignora que ainda não há livre comércio para automóveis; nunca ouviu falar nem sabe o que são as “perfurações” em matéria de Tarifa Externa Comum: trata-se de mudanças unilaterais de tarifas que ultrapassam o teto comum da TEC, como fez a Argentina durante sua última crise, nunca mais corrigiu, e continua fazendo. Aliás, a participação dos países do Mercosul no comércio brasileiro vem decaindo nos últimos anos, enquanto países como a China — apesar de tão distante — ou como o Chile (que acabou não ingressando no Mercosul por recusar a Tarifa Externa Comum) têm conosco um comércio mais dinâmico.

O ponto máximo da erudição do senador dos “aloprados” é exibido quando ele faz, sem saber, sociologia do conhecimento: segundo ele, os que defendem a extinção (sic) do Mercosul são “conservadores”.

Mal sabe que, antes da criação do Mercosul, os primeiros a defender que suas primeiras etapas se desenvolvessem como Zona de Livre Comércio, além de José Serra, provinham de horizontes ideológicos opostos, como o embaixador Roberto Campos, ícone da direita, e Paulo Nogueira Batista, outro diplomata competente e, na sua época, mais à esquerda do que quase todo o Itamaraty. Já os governos Itamar Franco, FHC e Lula, aos quais não se pode acusar de serem mais conservadores do que Sarney e Collor, endossaram a União Aduaneira total.

Esse fino raciocínio do senador atinge seu ponto mais sofisticado quando identifica, por trás da preferência pela Zona de Livre Comércio, um viés pela natimorta Alca.

Como e por quê, ele não revela. E ignora, como nenhum economista sério deveria ignorar, que o primeiro artigo crítico sobre a Alca, abrangente e de corte acadêmico, foi publicado pelo então senador Serra na revista “Política Externa” (1997).

Muito mais grave do que cometer um erro, o que é humano, é sem dúvida persistir nele, o que chega a ser desumano. Pé que nasce torto fica torto a vida inteira. E dói.