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quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Across the Empire, 2014 (19): Wisconsin e Michigan, dos vidros ao lago


Across the Empire, 2014 (19): Wisconsin e Michigan, dos vidros ao lago

Paulo Roberto de Almeida

Entre a terça-feira 16 e a quarta 17, estivemos em transição, em vários sentidos: paisagística, humana, geográfica, cultural e de fusos horários. Depois de viajar desde as montanhas até as planícies do Mid-West, de Rapid City, SD, até Worthington, no Minnesota, saindo do fuso horário da montanha para a zona central, decidimos alterar o roteiro de viagem, deixando de lado Minneapolis e St. Paul, que nos pareceram duas cidades sem grandes atrativos culturais ou naturais: terra de homens de negócios e cidades de concreto. Decidimos fazer uma visita a um museu de artes em vidro, para o qual minha atenção tinha sido chamada mais de um ano atrás, numa visita ao Arts Institute de Chicago. No basement desse museu, há uma bela coleção de pesos de papel, em vidro decorado, em vários estilos. Numa pequena nota aposta na soleira de um batente, li que haveria mais pesos de vidro em dois museus especializados: um o da cidade de Corning, no limite entre os estados de New York e Pennsylvania, que visitamos logo em seguida, e ficamos maravilhados com a riqueza e a diversidade dos objetos, mais de 35 mil, desde a pré-história (sim, havia vido na pré-história, talvez até feito “naturalmente”) até os dias atuais, com as mais variadas peças artísticas representadas, ateliê, etc. Recomendo vivamente uma visita.
O outro era um pequeno museu, cujo nome anotei em minha caderneta, mas sem sequer saber onde ficava. Depois descobri que ficava no Wisconsin, mas bem acima de Chicago, o que inviabilizou a visita ainda numa segunda vez que fomos a Chicago (para o congresso da LASA, em maio deste ano). Pois bem, ao decidir deixar Minneapolis de lado, nossa intenção era seguir direto para Detroit e depois Toronto, fazendo estadas mais largas nessas duas cidades grandes, aliás já inscritas no roteiro, com pelo menos dois dias a cada vez. Mas, seguindo meus instintos e minhas lembranças, retirei dos meus alfarrábios eletrônicos (sim, eu tinha transferido o nome do museu na minha agenda de Notes, do iPhone). Uma rápida consulta ao iPad me revelou o local: a cidadezinha de Neenah, acima de Oshkosh, no lago Winnebago, já no Wisconsin. Deixamos, portanto Worthington, terminamos de atravessar o Minnesota por uma estrada secundária, e fomos direto na terça-feira para Neenah; chegamos no final do dia, mas já identificamos o local do museu e depois fomos buscar hospedagem no Holiday Inn da cidade: qual o quê! Tudo lotado, e segundo as recepcionistas não encontraríamos nada na cidade, o que parecia ser verdade.
Tivemos então de tomar a estrada mais uma vez, em direção ao norte, na cidade de Appleton, um pouco maior. Nova incursão no Holiday Inn e nova decepção: tudo lotado. Acabamos ficando numa cadeia que não conhecíamos: Grand Stay, que se revelou tão boa quanto os bons hotéis que frequentamos habitualmente. Repouso, janta frugal e partida nesta quarta-feira para nosso objetivo principal, novamente estrada abaixo para Neenah, uma simpática localidade, aliás bastante rica, por sinal, a julgar pelas casas que fomos encontrando no caminho do museu.
O Museu Bergstrom-Mahler (e vocês procurem na internet todas as informações sobre os fundadores e o museu) possui a mais diversificada coleção de pesos de papel em vidro que já vimos em toda a vida. O de Corning talvez tenha uma maior quantidade, mas o de Neennah é amplamente representativo dessa arte, desde as origens até as mais modernas construções artísticas. Havia uma exposição especial das obras de Paul Stankard, um artista que começou na “vidraçaria” científica, ou industrial, e que depois enveredou pela arte, muito conhecido por suas construções florais, e de pequenos animais absolutamente espetaculares. Vocês devem achar algumas imagens de suas obras na internet, já que não pudemos tirar fotos dessa exposição especial. Aliás, não compramos nada dele na loja do museu, pois os objetos expostos eram ainda mais caros do que as obras do Chihuly que tínhamos visto em Denver, e depois em Seattle novamente: vários milhares de dólares. Compramos pequenos objetos, comensuráveis ao nosso posicionamento na escala de renda.
Mas o museu não tinha só isso: preciosos jarros, copos, vasos europeus (da Silésia, da Baviera, da Tchecoslováquia, de Bacarat, etc.), de séculos atrás, e muitas, muitas obras de arte modernas. Não vou falar de tudo o que vimos nas duas horas que passamos ali, mas permito-me reproduzir duas fotos de uma preciosidade impar: uma pequena biblioteca toda em vidro, com dois leitores atentos.



Na saída do museu, já depois do almoço, nossa intenção era retomar o roteiro inicial, e contornar o lago Michigan pelo sul, atravessando as estradas sempre engarrafadas em torno de Chicago e seguir para Detroit, sem muita certeza de que chegaríamos hoje a noite (a não ser com um esforço extraordinário, o que não valia a pena, pois estamos adiantados em quase uma semana em relação ao planejamento inicial, em parte devido a nosso espírito prático, em parte também devido a este motorista abusado, que aproveita os momentos de distração de Carmen Lícia para pisar fundo no acelerador (mas sempre atento aos automóveis políticas nas curvas e elevações das estradas). Pois já tínhamos descido mais de 30 milhas ao sul, já antevendo a chateação de contornar Chicago e suas estradas densas de carros e caminhões, quando me lembrei que bem poderíamos ir por onde nunca fomos: contornar o lago Michigan pela parte norte, quase no Canadá (onde eventualmente vamos entrar). Pois fizemos meia volta e passamos novamente por Neenah, a caminho do grande norte americano, terra de alces, ursos e outras coisas (mosquitos, por exemplo).
Pouco antes de Escanaba, nas margens do lago, cruzamos mais uma linha do tempo, quero dizer, um fuso horário, saindo da zona central para o horário do leste, já com apenas uma hora de diferença em relação ao Brasil. Continuamos subindo pelas margens do lago, até parar para descansar e dormir na pequena cidade de Manistique, antes de chegar à junção entre os lagos Michigann e Huron. Acima de nós fica o lago Superior, mas não vamos esticar até ele, pois só tem alce e urso pelo caminho...
Abaixo coloco o roteiro dos últimos dois dias, saindo de Worthington, até Neenah, e agora chegando em Manistique. Também coloquei o roteiro de amanhã, descendo o estado de Michigan até Detroit, onde contamos passar dois dias.

No curso desse trajeto, até aqui, fizemos 400 milhas na terça-feira, e mais 293 no dia de hoje, ou seja, um total de quase 700 milhas, ou 1.120km. Ainda temos mais 382 milhas (ou 611km) até chegar a Detroit. Dali pretendemos passar uns dias em Toronto, para visita um museu que está abrindo nesta quinta-feira 18: Aga Khan Museum, de arte islâmica, além de várias outras coisas nessa grande cidade canadense. O frio já começou a bater por aqui, mas ainda não vimos neve, e espero que não haja até o final da viagem.
Bem, agora preciso voltar ao trabalho em torno do livro The Drama of Brazilian Politics, que estou editando com meu amigo brasilianista Ted Goertzel. Depois darei os detalhes. Até a próxima.

Paulo Roberto de Almeida
Manistique, Michigan, 17 de setembro de 2014

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Across the Empire (18): de South Dakota a Minnesota, terras de cowboys, gado e milharais



Paulo Roberto de Almeida

Hoje a viagem foi tremendamente aborrecida: de Rapid City, onde tínhamos dormido, no extremo oeste de South Dakota, 25 milhas acima do Mount Rushmore, até Minnesota, onde viemos descansar depois de um dia em estradas aborrecidas, a paisagem é pouco variada. Estamos nas grandes planícies do Mid-West, e nestas paragens do norte, só tem uma coisa: gado, e milho, milho e gado, vacas esparsas ou fazendo assembleia, e milho em todas as partes, como naquele estado que é só um milharal de uma ponta a outra, e que dizem ter uma importância crucial no processo eleitoral americano, Iowa, que fica um pouco mais abaixo de nós, na I-80. Nós viemos pela I-90 o tempo todo, e a paisagem é uma só: amarela de milho, amarela de grama seca, com alguns verdes aqui e ali, o gado preto, e rolos de feno por todos os lados.
Nada, a não ser essa desolação dos espaços rurais dominados pela monocultura. Aqui e ali o apelo às tradições da fronteira, totalmente fetichizadas atualmente, mas que ainda atraem os americanos de todas as categorias, alguns acreditando sinceramente naquilo tudo, outros provavelmente considerando tudo aquilo muito brega, muito kitsch, mas entrando no jogo de qualquer forma.
Bem, não tínhamos muito a fazer. South Dakota é bastante larga, assim que a maior parte do trajeto foi feita nesse estado: paramos em Wall, onde em 1931 uma família, para estimular o seu trading post, começou a oferecer água gelada gratuitamente aos viajantes dessa desolação. Pegou! Hoje o Wall Drugs é um imenso complexo de mais de um quarteirão, todo ao estilo velho oeste, mas com milhares, milhões, zilhões de bugigangas de todos os tipos, para todos os gostos. Tem muito made in America, inclusive muito artesanato tipicamente indígena, legítimo, mas tem muito mais coisas made in China, como é inevitável nos tempos que correm. Compramos algumas pequenas peças e nada mais. Esquecemos de pedir água gelada, como era nosso direito, e o menu do restaurante, tipicamente americano, não nos atraiu.
Preferi tomar um bourbon com este cowboy, que me ofereceu gentilmente o seu copo, mas muito pequeno, como vocês podem ver (mas, como ele tinha cara de poucos amigos, e estava armado, resolvi não reclamar).

Continuamos na desolação da I-90, atravessamos o rio Missouri um pouco mais adiante, em Chamberlain -- onde paramos para comer numa franquia do maior indicador das taxas de câmbio universais, imortalizado no índice BigMac da Economist --, e fomos adiante, já entrando no estado do Minnesota, até decidirmos parar em Worthington, o último pedaço de civilização antes de envergar por nova desolação, numa estrada nacional a caminho de Minneapolis (onde vamos chegar amanhã, ou melhor hoje, terça-feira 16).
Esse Mid-West americano sabe ser aborrecido: Carmen Lícia disse que sabe agora porque esses jovens americanos, que vão aos 17 ou 18 anos para uma universidade qualquer em outro estado, passam metade do tempo em esbórnias etílicas. Deve ser para descontar os anos que passaram nessas paragens aborrecidíssimas, onde todos sabem a vida de todos, e onde o sheriff controla o comportamento de todos (inclusive e principalmente dos jovens, que não podem nem chegar perto de bebida; eles se vingam depois...).
            Finalmente, tomei leite com aveia antes de dormir, o que vou fazer agora, não sem passar toda a noite revisando um livro que meu amigo sociólogo da Rutgers Ted Goertzel pretende que eu publique com ele sobre a política brasileira. Depois eu informo o conteúdo. Estamos tentando fazer uma edição Kindle antes das eleições. Ao trabalho, enfants de la patrie...

Paulo Roberto de Almeida
Worthington, Minnesota, 16 de setembro de 2014

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Across the Empire, 2014 (17): De Missoula, MT, ao Mount Rushmore, SD, via Little Big Horn


Across the Empire, 2014 (17): De Missoula, Montana, ao Mount Rushmore, South Dakota, via Little Big Horn

Paulo Roberto de Almeida

Dois dias memoráveis de viagens e visitas, que resumo numa única postagem por absoluta falta de tempo e cansaço de viagem: depois de viajar 600 milhas, de Vancouver a Missoula, no Montana, deixando para trás os estados de Washington e um pedacinho norte do Idaho, continuamos nosso périplo, agora num ziguezague maluco subindo e descendo num itinerário tendencialmente apontado para o leste. Na sexta-feira, adiantados três dias sobre o planejamento original – nós sempre exageramos nas distâncias, nas visitas, no adensamento das viagens – viajamos mais de 600 milhas para chegar a Missoula, sem qualquer parada pelo caminho, a não ser as normais para descanso e reabastecimento, e a chateação da espera na fronteira americana. Reproduzo aqui, todo o trajeto percorrido neste sábado e domingo, 13 e 14 de setembro (o Google maps informa que de carro são 752 milhas, que poderiam ser percorridas em 12h21mns, se percorridas de modo contínuo).
No sábado, 13 de setembro, foram “só” 390 milhas (ou 624km), de Missoula até Billings, ainda em Montana, mas subindo até Great Falls, para depois baixar outra vez, e isso por estradas nacionais, de duas vias, e não as tradicionais inter-states que costumam facilitar a vida, com suas duas ou três faixas para cada lado. O objetivo era mesmo Great Falls, onde pretendíamos – e conseguimos – visitar com vagar o Lewis & Clark Interpretive Center, um museu histórico dedicado à exploração do Missouri e da região noroeste dos EUA, por dois exploradores em missão presidencial, no caso Thomas Jefferson, em 1804. 


Ele decidiu a missão ainda antes dos EUA “comprarem” o território da Louisiana, uma imensa faixa de território, central na América do Norte, terminando por um funil muito pequeno na Nouvelle Orleans, que Napoleão vendeu por uma barganha aos americanos, por um lado porque precisava de dinheiro para continuar sua guerra contra os britânicos, por outro lado por saber que não conseguiria defender esse território, se os mesmos britânicos decidissem dele se apossar (já que tinham arrancado dos franceses, alguns anos antes, o que era a Nouvelle France do Quebéc e Labrador).

Esse território do alto Missouri, chegando até a costa oeste (no Pacífico), não era inteiramente desconhecido dos europeus, pois navegadores espanhóis, a partir do México, já tinham subido a costa da Califórnia, até onde está o estado de Washington atualmente, e ingleses e franceses mercadores de peles de animais – que compravam dos indígenas caçadores para a Hudson Bay Company – já tinha percorrido aleatoriamente a região. Mas, a constituição do Corps of Discovery, pelo presidente Thomas Jefferson foi um gesto de estadista, aliás premonitória, pois ele tomou a decisão sem saber se as negociações com a França – uma aliada dos EUA na luta contra a velha Albion, que ainda incendiaria Washington na guerra de 1812, aliás queimando os livros que Jefferson tinha vendido à Library of Congress – dariam certo. Deram. E lá foram os dois destemidos exploradores, Merewith Lewis e William Clark, acompanhados por três dezenas de outros homens (vários militares), a partir de Saint Louis, no Missouri, justamente. Eles subiram o rio, depois tiveram de trocar suas embarcações mais pesadas por pirogas cavadas em troncos de madeira, e sempre negociando com os índios, que praticavam uma espécie de diplomacia, como ensina este cartaz que foi a primeira foto que tirei no museu. 
Aliás não só os índios praticavam diplomacia, como também se dedicavam ao comércio internacional, como demonstra esse outro painel devidamente fotografado por um outro estudioso do comércio internacional que sou eu mesmo. Obviamente os índios estavam interessados não só nas bugigangas – espelhinhos e miçangas que eram trazidas pelos europeus – mas também em suas armas: machados, facas, sobretudo armas de fogo, talvez até alguma bebida mais forte, e muitos deles não conheciam o tabaco, que vinha da região atlântica. 

Não tenho ideia se eles se baseavam em alguma teoria das vantagens comparativas, mas suponho que fizessem um cálculo aproximado da utilidade dos novos objetos e também estimassem o custo-oportunidade de comerciar com aqueles brancos barbudos que apareciam por lá, em lugar de se dedicar àquela vidinha de caçar búfalos, guerrear contra as tribos vizinhas, explorar novas fontes de recursos.
O museu foi uma das melhores visitas que fizemos até agora, saindo do cenário déjà vu dos museus de arte (estamos por aqui de impressionistas, que me perdoem os próprios) e daquelas coisinhas arrumadas do oeste americano, mais para Hollywood do que para a dura realidade da conquista, exploração, conflito entre povos diferentes. O museu tem tudo isso e muito mais: um documentário excelente de meia hora sobre todo o percurso dos dois exploradores, com mapas, fotos, imagens e até re-encenação por atores de certos episódios da missão (que durou muito mais do que o previsto e não cumpriu o objetivo inicial, que era o de encontrar uma passagem do Atlântico ao Pacífico pelos rios do noroeste), completado depois por um African-American de Nova York que tentou nos convencer a fazer pelo menos uma parte do trajeto em bicicleta. Perguntei ao final se ele já tinha feito, e com um sorriso amarelo ele me disse que tinha feito uns pedaços (deduzi que não tinha feito praticamente nada, e que era um bicicleteiro urbano, ainda mais vindo de Nova York).

Carmen Lícia ainda me fez duas fotos: uma com um búfalo psicodélico, pintado por uma artista (mas não descobri a função daquela placa bem embaixo da ferramenta do búfalo),  e outra junto a uma pequena embarcação, feita de pele de búfalo, justamente, que os índios do alto Missouri usavam para atravessar o rio, e quem sabe para pescar de vez em quando. Não deviam usar essas iscas de minhoca viva, que encontramos em vários trading posts pelo caminho, uma até com uma propaganda genial de uma minhoca fortona, carregando um baita peixe (desses de história de pescador), e dizendo que a pesca era garantida, ou então ela morreria na tarefa...

De Missoula a Great Falls foram aproximadamente 173 milhas, percorridas em cerca de 3hs. Depois ainda fizemos mais 213 milhas até Billings, sempre por estradas nacionais, onde dormimos num Holiday Inn Express, nossa outra rede preferida para etapas de viagem. Foi cansativa esta etapa, mas uma das melhores que fizemos, não só pelas paisagens de Montana, sempre magníficas – e Carmen Lícia vai fazendo dezenas de fotos ao longo do caminho, mas perdeu um ou outro animal que nos contemplava beatamente à margem da estrada, e não teria como, eu estava andando a mais de 120kms por hora, na média – mas sobretudo pelas lições de história da colonização do território americano que estamos tendo em diversas passagens do noroeste americano.

O domingo, 14 de setembro, foi ainda mais cansativo, mas igualmente rico: saímos de Billings direto a Little Big Horn, na extremidade de Montana, o território de encontros e desencontros entre vários tribos de índios das planície e dos colonizadores pioneiros (e os homens do gold rush), apoiados pela cavalaria. O lugar está identificado com o “last stand” do tenente-coronel Custer, mas o verdadeiro herói é este aqui.
Junto de sua foto, no centro de informação do campo de batalha (que é também um dos dois únicos cemitérios do soldado desconhecido existente nos EUA, o outro sendo em Washington), está a foto do então presidente, Ulysses Grant, ex-herói da guerra civil, que comandou a política de tratar os índios recalcitrantes – ou seja, os que que não se resignavam a viver confinados em reservas criadas pelo Congresso – como “tribos hostis”, e nessa condição podendo ser reprimidos (suprimidos seria a palavra mais exata) pelos corpos da cavalaria do Exército (numa tarefa pouco gloriosa para todos os padrões de civilização conhecidos). Não reproduzo a foto do presidente, mas sim os seus dizeres, ao lado dos de Touro Sentado.


Carmen Lícia fez uma foto minha em frente ao “last stand”, a pedra comemorativa da colina final que assistiu à morte de parte dos mais de 200 soldados da tropa de Custer (outros pereceram em outros combates nas cercanias). Eu também fiz várias, mas deixo de postar, pois não encontro glória nenhuma na missão dos soldados. 

Abaixo, um dos quadros que retrata epicamente esse final, que mereceria uma reinterpretação pelo outro lado. Na verdade, o filme a que assisti no centro de informações de Little Big Horn é bastante equilibrado, com vários depoimentos de descendentes dos indígenas que foram de toda forma massacrados em batalhas posteriores e depois confinados em reservas. 


Aliás, saindo do Little Big Horn, que fica na reserva Crow, ainda atravessamos uma imensa reserva cheyenne, provavelmente mais pobre do que os negros americanos consolidados nos food stamps em zonas urbanas. Mas, também cruzamos com vários cassinos, alguns até precários, talvez porque os índios desta região não sejam tão capitalistas quanto os da costa leste.
De Billings a Little Big Horn foram apenas 53 milhas, quase todo por auto-estrada. Mas de Little Big Horn até o Mount Rushmore foram 280 milhas, numa estrada desolada. Só tivemos uma parada um pouco melhor em Broadus, ainda em Montana, mas já fora da reserva cheyenne.
Chegamos ao Mount Rushmore ainda hesitando se deveríamos ir para o hotel em Rapid City descansar, e deixar a visita para o dia seguinte, segunda-feira dia 15, mas resolvemos esticar as 25 milhas até a montanha, já no final da tarde. Foi bom: não somos muito de natureza, nem de patriotadas, e o monumento esculpido na montanha de South Dakota por Gutzon Borglum durante mais de uma década, entre 1927 e 1941, é tudo o quê os americanos patriotas gostam: o panegírico dos pais da pátria, os grandes homens que construíram este país de fato magnífico, mas com muita mistificação histórica também. Carmen Lícia conseguiu uma foto mais clara, da estrada, do que eu, em face do monumento, mas já com o sol ponente. Reproduzo as duas abaixo.


Voltamos a Rapid City, onde decidimos nos alojar num confortável Sleep Inn Suites, quase de volta à inter-state 90, que devemos retomar amanhã (ou melhor, hoje, segunda-feira). Ainda vamos decidir que caminho tomar na continuidade das visitas mais a leste. Temos Minneapolis como objetivo, mas talvez façamos algum detour antes da cidade-irmã com St.Paul, no Minnesota. Até a próxima

Paulo Roberto de Almeida
Rapid City, 14-15 de setembro de 2014

sábado, 13 de setembro de 2014

Across the Empire (16): de Vancouver a Missoula, Montana, dois paises, tres estados, quase 1000km

Hoje, isto é, ontem, sexta-feira 12,  foi um dia só de estradas, quase sem novidades, salvo as da viagem mesmo. Saímos tarde de Vancouver, em torno das 11hs, e ainda ficamos quarenta minutos na fila da Alfândega americana, para os controles de entrada no Império. Só nos nos libertamos em torno de 12:30hs e daí foi só estradas, com direito a mais um engarrafamento, na conversão da I-5 para a I-90, perto de Seattle.
No total, foram 610 milhas, ou mais exatamente 976 km, até Missoula, depois de atravessar uma província e dois estados, sendo que entre o segundo e o terceiro, Idaho e Montana, foram dois passos de montanha. Quase 12hs de viagem no total, com um adiantamento de horário, devido à mudança do fuso horário, da zona do Pacífio para a hora de montanha.
Missoula fica a 170 milhas de nosso objetivo para amanhã (ou melhor para hoje, sábado), Great Falls, no coração de Montana, onde vamos visitar o centro de memória histórica dedicado a Lewis e Clark, os dois descobridores das quedas do Missouri, em missão atribuída a eles pelo presidente Thomas Jefferson, em 1804, na tentativa de descobrir uma passagem entre o Atlântico e o Pacífico pelo noroeste. Não descobriram a passagem, mas descobriram muitas outras coisas da natureza e dos habitantes locais, os indígenas da região, hoje todos capitalistas donos de cassinos e exploradores de alguns parques naturais.
Não fiz nenhuma foto, mas Carmen Lícia fez algumas dezenas da viagem, paisagens naturais e humanas.
Como sempre acontece nas etapas de estrada, preferimos ficar num Quality Inn & Suites (desta vez neste endereço: 4545 N. Reserve St., Missoula, MT, US, 59808).
Nada mais tendo a declarar (senão o cansaço da estrada), peço deferimento para ir ler o Wall Street Journal da sexta-feira na cama.
Atenciosamente,
Paulo Roberto de Almeida
Missoula, MT, 13 de setembro de 2014
 Addendum: Para não dizer que não postei nenhuma ilustração, coloco uma foto minha que Carmen Licia tirou, num centro de exposições do Oregon Trail, que também se estendeu até esta região.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Across the Empire: Little Big Horn: preparando a proxima visita

Fazendo leituras na internet para a próxima visita, a batalha que a cavalaria perdeu para os aborígenes (pois é, esse é o termo), por uma vez...
Dá vontade de assistir novamente ao filme com Dustin Hoffman: Little Big Man...
Paulo Roberto de Almeida

The Battle of the Little Bighorn, 1876

In late 1875, Sioux and Cheyenne Indians defiantly left their reservations, outraged over the continued intrusions of whites into their sacred lands in the Black Hills. They gathered in Montana with the great warrior Sitting Bull to fight for their lands. The following spring, two victories over the US Cavalry emboldened them to fight on in the summer of 1876.
George Armstrong Custer
To force the large Indian army back to the reservations, the Army dispatched three columns to attack in coordinated fashion, one of which contained Lt. Colonel George Custer and the Seventh Cavalry. Spotting the Sioux village about fifteen miles away along the Rosebud River on June 25, Custer also found a nearby group of about forty warriors. Ignoring orders to wait, he decided to attack before they could alert the main party. He did not realize that the number of warriors in the village numbered three times his strength. Dividing his forces in three, Custer sent troops under Captain Frederick Benteen to prevent their escape through the upper valley of the Little Bighorn River. Major Marcus Reno was to pursue the group, cross the river, and charge the Indian village in a coordinated effort with the remaining troops under his command. He hoped to strike the Indian encampment at the northern and southern ends simultaneously, but made this decision without knowing what kind of terrain he would have to cross before making his assault. He belatedly discovered that he would have to negotiate a maze of bluffs and ravines to attack. Reno's squadron of 175 soldiers attacked the southern end. Quickly finding themselves in a desperate battle with little hope of any relief, Reno halted his charging men before they could be trapped, fought for ten minutes in dismounted formation, and then withdrew into the timber and brush along the river. When that position proved indefensible, they retreated uphill to the bluffs east of the river, pursued hotly by a mix of Cheyenne and Sioux.
Just as they finished driving the soldiers out, the Indians found roughly 210 of Custer's men coming towards the other end of the village, taking the pressure off of Reno's men. Cheyenne and Hunkpapa Sioux together crossed the river and slammed into the advancing soldiers, forcing them back to a long high ridge to the north. Meanwhile, another force, largely Oglala Sioux under Crazy Horse's command, swiftly moved downstream and then doubled back in a sweeping arc, enveloping Custer and his men in a pincer move. They began pouring in gunfire and arrows.


As the Indians closed in, Custer ordered his men to shoot their horses and stack the carcasses to form a wall, but they provided little protection against bullets. In less than an hour, Custer and his men were killed in the worst American military disaster ever. After another day's fighting, Reno and Benteen's now united forces escaped when the Indians broke off the fight. They had learned that the other two columns of soldiers were coming towards them, so they fled. After the battle, the Indians came through and stripped the bodies and mutilated all the uniformed soldiers, believing that the soul of a mutilated body would be forced to walk the earth for all eternity and could not ascend to heaven. Inexplicably, they stripped Custer's body and cleaned it, but did not scalp or mutilate it. He had been wearing buckskins instead of a blue uniform, and some believe that the Indians thought he was not a soldier and so, thinking he was an innocent, left him alone. Because his hair was cut short for battle, others think that he did not have enough hair to allow for a very good scalping. Immediately after the battle, the myth emerged that they left him alone out of respect for his fighting ability, but few participating Indians knew who he was to have been so respectful. To this day, no one knows the real reason.
Sitting Bull
1878
Little Bighorn was the pinnacle of the Indians' power. They had achieved their greatest victory yet, but soon their tenuous union fell apart in the face of the white onslaught. Outraged over the death of a popular Civil War hero on the eve of the Centennial, the nation demanded and received harsh retribution. The Black Hills dispute was quickly settled by redrawing the boundary lines, placing the Black Hills outside the reservation and open to white settlement. Within a year, the Sioux nation was defeated and broken. "Custer's Last Stand" was their last stand as well. Carnage at the Little Bighorn
George Herendon served as a scout for the Seventh Cavalry - a civilian under contract with the army and attached to Major Reno's command. Herendon charged across the Little Bighorn River with Reno as the soldiers met an overwhelming force of Sioux streaming from their encampment. After the battle, Herendon told his story to a reporter from the New York Herald:
"Reno took a steady gallop down the creek bottom three miles where it emptied into the Little Horn, and found a natural ford across the Little Horn River. He started to cross, when the scouts came back and called out to him to hold on, that the Sioux were coming in large numbers to meet him. He crossed over, however, formed his companies on the prairie in line of battle, and moved forward at a trot but soon took a gallop.
Map of the Battle"The Valley was about three fourth of a mile wide, on the left a line of low, round hills, and on the right the river bottom covered with a growth of cottonwood trees and bushes. After scattering shots were fired from the hills and a few from the river bottom and Reno's skirmishers returned the shots.
"He advanced about a mile from the ford to a line of timber on the right and dismounted his men to fight on foot. The horses were sent into the timber, and the men forward on the prairie and advanced toward the Indians. The Indians, mounted on ponies, came across the prairie and opened a heavy fire on the soldiers. After skirmishing for a few minutes Reno fell back to his horses in the timber. The Indians moved to his left and rear, evidently with the intention of cutting him off from the ford.
"Reno ordered his men to mount and move through the timber, but as his men got into the saddle the Sioux, who had advanced in the timber, fired at close range and killed one soldier. Colonel Reno then commanded the men to dismount, and they did so, but he soon ordered them to mount again, and moved out on to the open prairie."

Across the Empire (15): Adieu Vancouver (mas prometemos voltar)


Across the Empire (15): Adieu Vancouver 
(mas prometemos voltar)

Paulo Roberto de Almeida

            Hoje (ou melhor, ontem) foi um dia de passeios aos extremos (não do Canadá, mas nas cercanias). De manhã saímos do West End de Vancouver, exatamente da English Bay Beach, atravessamos a ponte em direção ao norte, e fomos pela Marine Drive até North Vancouver, e daí a West Vancouver, num ancoradouro chamado Horseshoe Bay, onde almoçamos. 
Carmen Lícia me fez uma foto e eu uma dela, mas valeu mesmo pelo lugar aprazível de veraneio dos canadenses (inclusive quebecois, e vários americanos) e pelo patê de lagosta que comprei nessa lojinha em frente à qual Carmen Lícia está fotografada. 
Tomei um expresso, e comprei um Lobster Paté (paté de homard, como explicam os politicamente corretos canadenses da Sea Change Seafoods), que degustei inteiramente sozinho (Carmen Lícia não quis, a despeito de meus oferecimentos), noite adentro, com torradas e a meia garrafa de Valpolicella que tinha sobrado de ontem (ainda estou acordado apesar disso).
De tarde, invertemos o itinerário, e fomos até o ponto extremo mais a oeste que nos foi dado chegar nesta viagem, onde está a Universidade de British Columbia, um lugar aprazível, entre os bosques. Diferente das universidades americanas, onde o álcool e tabaco são banidos, lá pudemos tomar vinho e cerveja, acompanhando um prato de queijos (um que não soubemos identificar, mas que parecia um dos vidros do Dale Chihuly).

 Antes tínhamos passado no Stanley Park (aliás, o nome da cerveja tipo belga, amber, que escolhi tomar), onde fomos visitar os totens indígenas feitos especialmente para sua inauguração, algumas décadas atrás. Não sou muito de fetichismos (em todo caso não no sentido marxiano), mas conheço a minha antropologia, e logo me lembrei dos escritos de Marcel Mauss sobre o potlacht dos índios canadenses, um oferecimento ritual que os marxistas adoram, pois vai no sentido anticapitalista da coisa, se é que vocês me entendem. Enfim, não vou explicar agora (pois o vinho está fazendo efeito: quem não sabe, procure ler Marcel Mauss).
Antes de voltar ao hotel, ainda passamos em vários outros lugares, como um pequeno promontório onde havia um museu (já fechado), um planetário, e umas tendas sendo preparadas para o Festival Shakespeare da cidade (não estaremos mais aqui para degustar o bardo, que eu acho genial, mesmo se nunca o li no original, apenas resumos e transcrições curtas, mas eu sempre o considerei o Maquiavel da dramaturgia). 


Vancouver foi o ponto alto desta viagem (so far), e certamente uma das melhores cidades do mundo para se viver, mas é verdade que só estivemos aqui no final do verão (mas dizem que tem um microclima especial, o que a torna menos inclemente do que as outras cidades canadenses, com menos 40, na média). A cidade é excelente, em todos os aspectos, para todos os gostos, mas não vi muitas livrarias, e nem frequentei bibliotecas, que para mim são dois critérios absolutos de civilização (junto com duchas decentes, não esquecendo). O hotel em que ficamos, English Bay Hotel, é modesto para os padrões a que estamos habituados, mas foi excelente sob todos os aspectos: na verdade, devia ser um antigo edifício de apartamentos (e estamos em um, de quatro peças, como disse), que foi transformado em hotel pelos chineses (ou seja lá quem for, mas é administrado por chineses). Tudo quase perfeito, com ampla cozinha e dois quartos, bem numa esquina de comércio, e garagem segura. Com a praia do lado.

Eu que não sou de praia, nem de natureza, apreciei, ainda assim, a natureza do Canadá: bem comportada, bem recortada, entretida, pintada de verde e sem mosquitos. Carmen Lícia aparece nesta foto do Rose Garden da British Columbia University, onde fomos em busca do Museu de Antropologia. 
Na verdade, ficamos no Wine Bar, Sage, da Universidade, tomando vinho, cerveja, e comendo um pequeno prato de queijos.
Despedimo-nos do Canadá já com certa nostalgia: eles são simpáticos os canadenses, e sobretudos de tamanho normal: agora voltamos aos XX large size do outro lado da fronteira, e o jeito americano de ser. Enfim, ninguém é perfeito, mas o Canadá se aproxima muito do modelo de país que eu pretenderia para o Brasil, sob vários aspectos (menos o frio, claro). Acho que vamos demorar mais uns 150 anos para nos aproximarmos do modelo canadense, mas se eu posso fazer um conselho eleitoral aos nossos candidatos, eu diria: estudem o modelo canadense, e tentem fazer igual. Não custa nada, ou melhor, só deve custar vergonha na cara e mais 150 anos de civilização.
O meu blog funcionou, o tempo todo, com o .cn ao final, mas amanhã deve voltar ao imperialismo americano, onde não existe um único .us que eu tenha encontrado (deve existir, mas eles não usam; para quê: para eles existe só os USA, ou America, como eles dizem, e o resto do mundo é the rest of the world, ou seja, não existe; e precisa?). Os estadounidenses, como diriam os companheiros, são simpaticamente arrogantes, não porque desprezem o mundo, mas porque não precisam dele, embora vivam de mensalão chinês e adorem um foie gras...
Já os canadenses são modestos, e essencialmente bons, para si mesmos e para o mundo. Acho que o mundo seria melhor se o império universal fosse mais canadense e menos americano, mas acho que não daria certo. A Suíça, por exemplo, é muito agradável para se viajar, para se visitar, mas seria ainda mais agradável se tivesse menos suíços alemânicos e mais italianos (mas acho que também não daria certo; ela não seria a Suíça, pois teria menos eficiência helvética e mais organização italiana, que às vezes é pior que a brasileira, sem exageros).
            Adieu Vancouver; prometemos voltar, Carmen Lícia e eu, de alguma forma.

Paulo Roberto de Almeida
Vancouver, 12/09/2014

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Across the Empire, 2014 (13): em Vancouver, fazendo o balanço da primeira metade da viagem


Across the Empire, 2014 (13): em Vancouver
Fazendo o balanço da primeira metade da viagem

Paulo Roberto de Almeida
Postado no blog Diplomatizzando 

            Acabamos de jantar salmão com ervas e azeite trufado, arroz integral com ervilhas, amêndoas fatiadas e torradas, comprados no Whole Foods de Vancouver SW, tudo acompanhado por um Valpolicella 2013, que compramos numa loja de vinhos ao lado do hotel, West End Liquor Store, tudo isso numa “modesta pensão” de chineses (ou pelo menos administrados por eles), que se chama English Bay Hotel, pela simples razão de que fica a 200 passos da English Bay (que seria uma praia se os habitantes locais tivessem a sorte de ter praias como as nossas). O salmão temperado e o arroz com ervilhas ficaram por conta de Carmen Lícia; eu só tive de abrir o vinho (e carregar as compras, claro). Mas estamos num apartamento de hotel de 4 peças, numa esquina simpática de um pedacinho de Vancouver (e quem quiser localize no Google maps: Denman Street, n. 1150), com o carro na garagem, e amplo espaço para espalharmos coisas e ideias.
            Como diria um radialista belga, cujo nome esqueci, mas cujo mote de programa eu nunca esqueci – desde os primeiros tempos em que me refugiei voluntariamente na Bélgica, fugindo de uma ditadura no Brasil e saindo de um socialismo real, na então Tchecoslováquia – “la culture c’est comme de la confiture: moins on a, plus on l’étend” (a cultura é como um resto de geleia: quanto menos se tem, mais a espalhamos).
            Pois viemos estendendo e aumentando nossa cultura desde Hartford, quase nas margens do Atlântico norte, até Vancouver, no Pacífico norte, um trajeto de 4.091 milhas até entrar no hotel, ou cerca de 6.545 km. Isso faz cerca de 340 milhas por dia, ou 545 kms em cada um dos doze dias que levamos para chegar até o outro lado dos EUA e agora no Canadá extremo-ocidental. Aliás, no meio do caminho entre Seattle e Vancouver, o carro sinalizou exatamente 33.333 milhas, ou 53,3 mil km no total. Em 18 meses de posse desse carro, fizemos o equivalente a 3 mil km por mês, ou 100 por dia. Como eu moro a duas quadras do trabalho, praticamente não existem percursos urbanos e o essencial foi feito mesmo nas estradas americanas.
Justamente, em toda a presente viagem, não tivemos nenhum problema de estrada, nenhum buraco, não fosse por um pedregulho arremessado por um caminhão de passagem, que deixou um impacto no para-brisa, e vai me obrigar a trocá-lo, uma vez de volta a Hartford. Quando digo nenhum problema, é nenhum problema mesmo, pois que viajamos tranquilamente, em toda segurança, com alguns pontos de lentidão por trabalhos de manutenção (mas muito bem sinalizados), e paradas sempre satisfatórias, tanto para comer, quanto para dormir (geralmente em Quality Inn, ou Holiday Inn). Banheiros limpos em todas as paradas, com raríssimas exceções, comida boa e barata (entre fast food e saladas), e sobretudo quase nenhum pedágio (salvo nos estados mais capitalistas da costa leste). Gasolina a preços razoáveis, mas os americanos gostariam que ela baixasse ainda mais, com o desenvolvimento de novas fontes de energia no próprio país. Tempo ótimo na quase totalidade do tempo: sol, mas bastante ameno.
            Vejamos agora os custos obrigatórios dessa viagem e uma comparação com o que seria gasto no Brasil. Não considero hotel ou comida, pois são gastos arbitrários, ou seja, dependem de escolhas: pode-se viajar em hotéis cinco estrelas, comendo em restaurantes sofisticados toda vez, ou pode-se fazer, como estamos fazendo mais por imposição do perfil americano de viagens do que por opção, ficar em hotéis três estrelas e fazer lanche durante os percursos, o que reduz bastante os valores efetivamente gastos.
            Pois bem: pelos meus registros, abasteci o carro com 130 galões de gasolina regular, a um custo médio de 3,64 dólares o galão, o que perfaz US$ 475,74 (ou, cerca de R$ 1.084,00, a um câmbio de 2,28). Se fossemos traduzir isso para o Brasil, a um preço de 3,15 reais por litro de gasolina, eu teria gasto R$ 1.500,00, ou praticamente 50% a mais. Imagino que estando os preços defasados, por decisão política do governo, poderia ser mais, mas mesmo nesse montante, estamos falando de um custo 50% maior para viajar no Brasil do que nos EUA (sem mencionar os problemas nas estradas, pedágios mais agressivos em certos lugares, bem como o exagero dos preços nos chamados serviços non tradables, que são justamente hotéis e restaurantes).
            Falando agora da viagem, o que poderia sintetizar: como sempre acontece, acabamos fazendo mais do que o planejado, e em menor espaço de tempo: pelo meu planejamento inicial estaríamos ainda, nesta terça-feira 9 de setembro, viajando de Portland a Tacoma, e isso fizemos no domingo, tendo depois feito Seattle em um dia, em lugar dos dois programados. Em conclusão, estamos adiantados três dias, pois só estaríamos chegando a Vancouver na sexta-feira, dia 12 de setembro. Vamos ficar os três dias programados nesta cidade, pois tem muita coisa para ver, e vamos também descansar um pouco, e cuidar dos trabalhos. Eu preciso revisar um capítulo inteiro de um livro em inglês, até o dia 15 próximo, para mandar ao meu amigo Ted Goertzel, que quer publicar um livro coletivo sobre o Brasil e pediu uma colaboração minha. Tenho também outros trabalhos na cabeça, em parte vinculados ao processo político-eleitoral em curso no Brasil.
            Agora é hora de começar a pensar na volta: daqui não há mais marcha para oeste, a não ser que fôssemos para o Alaska, de barco ou pelas estradas da Columbia Britânica, o que não é o caso. Agora não vou ter mais o sol pela frente nos finais de tarde, apenas numa pequena parte da manhã (e isso se sairmos cedo do hotel, o que quase nunca é o caso, pois sempre ficamos trabalhando até tarde, pois também viajamos até quase 22hs em grandes etapas). Preciso retirar meu Guia Michelin Canadá do carro, pois ele tem muitas páginas dedicadas a Vancouver.
       
     Chegando aqui, depois de deixar as malas no hotel, fomos percorrer a cidade, de carro, além de atravessar duas ou três pontes, fomos a Chinatown, jardim do Dr. Sun Yat-sen e o centro cultural chinês, onde visitamos uma exposição sobre os chineses que emigraram para cá, como simples operários manuais de construção de ferrovias, sendo que alguns lutaram nas fileiras canadenses nas duas guerras mundiais do século 20.  Tirei uma foto de um rato do zodíaco chinês, meu símbolo de rato de biblioteca. Voltando para o hotel, uma parada no supermercado, para as compras descritas no primeiro parágrafo. Ainda é cedo, ou seja, 23:15hs, o que me habilita ainda a ler toda a correspondência, responder o que for necessário, postar uma ou outra matéria de interesse no blog (esta postagem imediatamente), e depois ler o que me resta de informação sobre Vancouver, nos dois guias que temos conosco.
            Amanhã começam verdadeiramente as visitas, que antecipamos bastante agradáveis, tanto pela ordem britânica, simpatia canadense, limpeza suíça e povo muito alegre e colorido (com todo aquele pessoal pintado, grafitado, perfurado que anda por aí...). Abaixo, mais uma vez, os links das postagens anteriores...

Paulo Roberto de Almeida
Portland, 9 de setembro de 2014

0) Crossing the Empire (0): segunda viagem através dos EUA: 12,6 mil km em 30 dias: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/08/crossing-empire-segunda-viagem-atraves.html

1) Across the Empire (1) First day: boring roads, sempre mais do que o planejado...: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/08/across-empire-1-first-day-boring-roads.html

2) Across the Empire (2) Second day: only the road, no more than the road...: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/08/across-empire-2-second-day-only-road-no.html

3) Across the Empire (3): Des Moines, Omaha e o caminho dos pioneiros...: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/09/across-empire-3-des-moines-omaha-e-o.html

4) Across the Empire (4): de North Platte, Nebraska, a Denver, Colorado: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/09/across-empire-4-de-north-platte.html

5) Across the Empire (5): em Denver, num jardim botânico de vidro (Chihuly): http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/09/across-empire-5-em-denver-num-jardim.html).


7) Across the Empire (7): de Denver a Cody, leituras no velho Oeste: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/09/across-empire-7-leituras-no-velho-oeste.html

8) Across the Empire (8): tinha um Yellowstone no caminho: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/09/across-empire-8-tinha-um-yellowstone-no.html

9) Across the Empire (9): de Twin Falls a Portland, pelo Oregon Trail: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/09/across-empire-9-de-twin-falls-portland.html

10) Across the Empire (10): em Portland, buscando cultura: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/09/across-empire-10-em-portland-buscando.html

11) Across the Empire (11): de Portland, OR, a Tacoma, WA: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/09/across-empire-11-de-portland-or-tacoma.html

12) Across the Empire (12): de novo com Chihuly, desta vez em Seattle: http://diplomatizzando.blogspot.ca/2014/09/across-empire-12-de-novo-com-chihuly.html

13) Across the Empire (13): em Vancouver, fazendo o balanço da metade do caminho: http://diplomatizzando.blogspot.ca/2014/09/across-empire-2014-13-em-vancouver.html