Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
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domingo, 1 de novembro de 2015
Argentina: da excelencia 'a decadencia e 'a...? - Mario Vargas Llosa
Mario Vargas Llosa
El País, 1/11/2015
Os resultados das eleições de domingo passado na Argentina desmentiram todas as pesquisas de opinião segundo as quais o candidato Daniel Scioli, apoiado pela chefa de Estado Cristina Fernández de Kirchner, ganharia no primeiro turno. E abriram a possibilidade de que o país, que já foi uma espécie de farol da América Latina, saia da decadência econômica e política em que se afundou há mais de meio século e recupere o dinamismo e a criatividade que no passado fizeram dele um país do Primeiro Mundo.
A condição é que no segundo turno eleitoral, em 22 de novembro, Mauricio Macri vença e o eleitorado confirme a rejeição frontal do primeiro turno ao kirchnerismo, um dos mais demagógicos e corruptos ramos dessa quimera indecifrável chamada peronismo, um sistema de poder semelhante ao antigo PRI mexicano, no qual cabem todas as variantes do espectro ideológico, da extrema direita à extrema esquerda, passando por todos os matizes intermediários.
A novidade que Macri encarna não consiste tanto nas ideias modernas e realistas do seu programa, na sua clara vocação democrática, nem na sólida equipe de plano de Governo que reuniu, e sim em que pela primeira vez o eleitorado argentino tem agora a oportunidade de votar por uma efetiva alternativa ao peronismo, o sistema que conduziu ao empobrecimento e ao populismo mais caótico e retardatário o país mais culto e com maiores recursos da América Latina.
Não será fácil, certamente, mas (pela primeira vez em muitas décadas) é de fato possível. A vitória de María Eugenia Vidal, de inequívocos créditos liberais, nas eleições para o Governo provincial de Buenos Aires, tradicional bastião peronista, é um indício claro do desencanto de um vasto setor popular com uma política que, por trás da aparência de medidas de “justiça social”, antiamericanismo e pró-chavismo, fez a inflação disparar, reduziu drasticamente os investimentos estrangeiros, abalou a credibilidade financeira do país em todos os mercados mundiais e deixou a Argentina à beira da recessão.
O sistema que a senhora Kirchner encarna vai se defender com unhas e dentes, como é natural, e já é um indício do que pode vir a acontecer o fato de, no domingo passado, o Governo ter permanecido mudo, sem anunciar os resultados, por mais de seis horas após conhecer o escrutínio, logo depois de ter prometido que o tornaria público imediatamente. A possibilidade de fraude está sempre aí, e a única maneira de esconjurá-la, para a aliança de partidos que apoia Macri, seria garantir a presença em todas as seções eleitorais de fiscais que defendam o voto genuíno e – se houver – denunciem sua manipulação.
Dois fatos notáveis das eleições de 25 de outubro são os seguintes: Macri aumentou seu cabedal eleitoral em quase 1,7 milhão de votos, e o número de eleitores cresceu de maneira espetacular, de 72% dos inscritos na eleição anterior para um pouco mais de 80% nesta. A conclusão é evidente: um setor importante do eleitorado, até agora indiferente ou resignado perante o status quo, desta vez, renunciando ao conformismo, se mobilizou e foi votar, convencido de que seu voto poderia mudar as coisas. E, de fato, assim foi. E discretamente, sem anunciar de antemão, por prudência ou temor a possíveis represálias do regime. Daí o pavoroso tropeço das pesquisas que anunciavam um triunfo categórico de Scioli, o candidato governista, no primeiro turno. Mas em 22 de novembro não ocorrerá o mesmo: o poder kirchnerista conhece os riscos que corre com um triunfo da oposição e acionará todas as alavancas ao seu alcance, que são muitas – a intimidação, o suborno, as falsas promessas, a fraude – para evitar uma derrota. Resta esperar que o setor mais saudável e democrático dos peronistas dissidentes, que contribuíram de maneira decisiva para castigar o kirchnerismo, não se deixe deslumbrar com os chamados à unidade partidária (que não existe há muito tempo) e não desperdice esta oportunidade de corrigir um rumo político que devolveu a Argentina a um subdesenvolvimento terceiro-mundista que ela não merece.
O fenômeno peronista é mais misterioso que o do povo alemão abraçando o nazismo
Não merece pela variedade e quantidade de recursos do seu solo, um dos mais privilegiados do mundo, pelo alto nível de integração da sua sociedade e por sua elevada cultura. Quando eu era criança, meus amigos do bairro de Miraflores, em Lima, sonhavam em se formar profissionalmente não nos Estados Unidos nem na Europa, e sim na Argentina. Esta ainda tinha na época um sistema de educação exemplar, que havia erradicado o analfabetismo – um dos primeiros países a conseguirem isso – e que o mundo inteiro tinha como modelo. A boa literatura e os filmes mais populares da minha infância boliviana e adolescência peruana vinham de editoras e produtoras argentinas, e as companhias de teatro portenhas percorriam todo o continente nos deixando a par das obras de Camus, Sartre, Tennessee Williams, Arthur Miller, Valle Inclán et cetera.
O empobrecimento sistemático do país multiplicou a desigualdade e as fraturas sociais
É verdade que nem sequer os países mais cultos estão imunizados contra as ideologias populistas e totalitárias, como demonstram os casos da Alemanha e Itália. Mas o fenômeno do peronismo é, ao menos para mim, mais misterioso ainda que o do povo alemão abraçando o nazismo, e o italiano, o fascismo. Não há dúvida alguma de que a antiga democracia argentina – a da república oligárquica – era defeituosa e elitista, e que eram necessárias reformas que estendessem as oportunidades e o acesso à riqueza aos setores operários e camponeses. Mas o peronismo não levou a cabo essas reformas, porque sua política estatista e intervencionista paralisou o dinamismo da sua vida econômica e introduziu privilégios e sinecuras partidárias junto com o gigantismo estatal. O empobrecimento sistemático do país multiplicou a desigualdade e as fraturas sociais. O surpreendente é a fidelidade de uma enorme massa de argentinos a um sistema que, claramente, só favorecia uma nomenclatura política e seus aliados do setor econômico, uma pequena oligarquia rentista e privilegiada. Os golpes e as ditaduras militares contribuíram, sem dúvida, para manter viva a ilusão peronista.
Recordo minha surpresa na primeira vez que fui à Argentina, em meados dos anos sessenta, e descobri que em Buenos Aires havia mais teatros que em Paris, onde vivia. Desde então acompanhei sempre, com tanta fascinação quanto pasmo, as vicissitudes de um país que parecia empenhado em ignorar todas as vozes sensatas que queriam reformá-lo e que, em sua vida política, não deixa de perseverar no erro. Talvez por isso, comemorei com entusiasmo juvenil no domingo, dia 25, os resultados deste primeiro turno. E, cruzando os dedos, faço votos para que em 22 de novembro uma maioria inequívoca de eleitores argentinos demonstre a mesma lucidez e valentia, levando ao poder quem representa a verdadeira mudança com liberdade.
Direitos mundiais de imprensa em todas as línguas reservados a Edições EL PAÍS, SL, 2015.
© Mario Vargas Llosa, 2015.
Um Manifesto da revista Interesse Nacional - Rubens Barbosa
Manifesto
A convergência da crise econômica com as crises política e ética está criando uma grave ameaça ao Brasil no médio e no longo prazos. Caso o desequilíbrio da economia e o crescimento do déficit fiscal acima do produto interno bruto persistam, nos próximos anos o país corre o sério risco de se tornar inviável pela redução da capacidade de pagamento de suas dívidas.
Em razão da gravidade da situação atual – déficit fiscal em 2015 e aprovação do Orçamento de 2016 –, agravada pela ação disfuncional do Congresso Nacional, a sociedade e os agentes econômicos e políticos estão focados no curto prazo e menos atentos às questões estruturais. Mas sem atacar as causas da crise brasileira de frente vai ser difícil de evitar o pior nos próximos 10, 15 anos.
Diversas instituições e grupos organizados da sociedade civil estão discutindo essas questões e propondo soluções. A revista Interesse Nacional(www.interessenacional.com) é uma delas. Em seu número de outubro, em circulação, discute os desafios para sair da crise e a agenda nas áreas da Previdência Social, da educação, dos gastos públicos e tributária, além do papel da política e do Congresso para aprovar as medidas duras que terão de ser enfrentadas.
Dada a gravidade do contexto interno, pela primeira vez em oito anos a Interesse Nacional decidiu lançar um manifesto para chamar a atenção da sociedade brasileira para os desafios que teremos de enfrentar. Pela atualidade e pelo significado, pareceu-me útil dar repercussão a essa manifestação.
“Os anos de modernização do Estado brasileiro e de inclusão de parcela significativa da população na economia de mercado, no período 1990 a 2015, ficaram para trás. A crise política, econômica e ética acelera a hora da verdade para o Brasil, visto que não se veem saída e recuperação sem medidas estruturais de médio e longo prazo. O programa mínimo que a seriedade da crise atual exige é passar o Brasil a limpo e mudar o que tem de ser mudado, dentro dos princípios democráticos.
O Brasil enfrenta uma situação de extrema gravidade sem uma liderança política, empresarial e dos trabalhadores que expresse os anseios de todos por uma economia estável, um regime político funcional que represente a maioria da população e que favoreça uma sociedade mais justa. O grau alarmante de corrupção, facilitada pela interferência e ineficiência do Estado todo-poderoso, contamina a vida política e econômica do País e clama pelo fim da impunidade. Perdeu-se o sentido de autoridade e de garantia de segurança ao cidadão.
A retirada do grau de investimento do Brasil é a consequência da falta de rumo e da incompetência do governo na condução da política econômica, que fez o país mergulhar na recessão.
O desequilíbrio econômico, o crescimento do déficit público, da inflação, do desemprego e o gigantismo do Estado impõem a prioridade conjuntural do ajuste fiscal. O problema, contudo, é estrutural e torna urgente a discussão sobre a agenda de reformas microeconômicas, iniciada, porém interrompida. A perda da competitividade e do dinamismo do comércio exterior torna urgente a mudança da agenda interna com uma visão de médio e longo prazo.
A ausência de liderança efetiva no Executivo, no Legislativo e no Judiciário agrava o quadro nacional e exige de todos os que se preocupam com o futuro do Brasil um esforço para promover um debate que chame a atenção para as mudanças que a sociedade brasileira terá de enfrentar e aceitar e a necessidade de restaurar o crescimento e aumentar o emprego.
Qualquer que seja o governo em Brasília, essa nova agenda se imporá. O custo de ignorá-la será o caminho do Brasil, a médio prazo, para uma Argentina, uma Venezuela ou, no pior cenário, uma Grécia. O país perderá a capacidade de honrar seus compromissos, pelo nível cada vez maior da dívida, em especial da previdência social, o que levará a índices muito baixos de crescimento, ao caos com o desemprego chegando a níveis impensáveis e com graves custos sociais.
O preço do imobilismo será maior do que o custo das mudanças necessárias para restabelecer as condições de governabilidade do país. Não se pode deixar de contar com um Estado eficiente, efetivo e comprometido com o interesse público, em especial com os interesses dos segmentos mais pobres da população. Será inevitável o reexame do papel do Estado e o grau de sua interferência na vida de todos nós e da empresas.
O cidadão comum tem de aprender a defender seus direitos e participar de forma democrática na solução dos problemas que se acumulam e que parecem sem solução. A população anestesiada pela crise em todos os níveis tem de despertar e exercer seus direitos de cidadania.
A nova agenda não se limita à economia. A simplificação e a desburocratização dos procedimentos em que o cidadão tem de se relacionar com o Estado têm de voltar a ser prioridade. A reforma dos processos nos julgamentos civis, criminais e trabalhistas beneficiarão a sociedade como um todo, sempre preservando o direito de defesa e o devido cumprimento da lei.
Nesse quadro de incertezas e grandes riscos, a defesa do interesse nacional impõe a discussão de uma agenda renovada que venha a examinar medidas duras, mas realistas, que farão a economia retornar a um rumo de estabilidade e de crescimento. Esse é o primeiro passo.
A tarefa é urgente. O Brasil não pode esperar. O mundo não vai aguardar o Brasil”.
Chegou o momento de enfrentar os problemas que de fato afetam a sociedade brasileira. Governo, empresários e trabalhadores, como parceiros, juntamente com os agentes políticos, em momentos cruciais souberam superar suas diferenças e atuar em conjunto em favor do crescimento e do emprego. Não resta alternativa para evitar o que ocorreu em alguns países europeus no passado recente.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 27/10/2015.
1952: a primeira bomba de hidrogenio - NYTimes This Day in History
ON THIS DAY
On Nov. 1, 1952, the United States exploded the first hydrogen bomb, in a test at Eniwetok in the Marshall Islands.
EXPERIMENTS FOR HYDROGEN BOMB HELD SUCCESSFULLY AT ENIWETOK; LEAKS ABOUT BLAST UNDER INQUIRY
DEAN BARES TESTS
HAILS 'REMARKABLE FEAT'
A.E.C. Head Says Eyewitnesses Who Wrote Letters About Blast May Be Disciplined
By JAY WALZ
Special to The New York Times, November 16, 1952
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In a three-paragraph announcement, the Commission did not go so far as to state that a full-scale hydrogen bomb had been detonated, but it did say "experiments contributing" to hydrogen bomb research had been completed recently during tests in Eniwetok atoll in the mid-Pacific.
Sources close to the commission said they interpreted the commission's announcement as meaning "something new has happened at Eniwetok." In Chicago, Dr. Harold C. Urey, Nobel Prize winner and a key figure in the wartime development of the atom bomb, said he believed the A.E.C. announcement meant that the United States had successfully exploded its first hydrogen bomb.
"It sounds like official language for a successful H-bomb," Dr. Urey responded, when the announcement was read to him.
The Atomic Energy Commission, speaking cautiously for the record, said only that test officials had expressed "satisfaction" over the results as a whole.
Disciplinary Action Weighed
The announcement, issued at the unusual hour of 5:30 o'clock on a Sunday afternoon, broke the silence that the commission had maintained for a week over unofficial reports that the first hydrogen bomb in history--a super-atomic weapon--had been exploded in the recent Eniwetok tests.
The reports emanated from letters that began arriving in the United States from writers who said they had seen at first hand an explosion far more powerful than those resulting from previous atomic detonations.
Gordon Dean, chairman of the commission, said tonight his agency was looking into the question of whether the letters, presumably from Government personnel, had violated regulations or Federal law relating to security information.
Answering reporters' questions, Mr. Dean said the commission was investigating these letters to find out whether disciplinary action and possibly prosecution were called for.
Mr. Dean, who came to his office this evening to read the announcement for the benefit of radio and newsreel representatives, also said the commission, in the public interest, would have nothing further to say on the subject, at least now.
'Productive' Uses Sought
What his announcement did say was this:
"Joint Task Force 132, operating for the Department of Defense and the United States Atomic Energy Commission, has concluded the third series of weapons development tests at Eniwetok atoll in the Marshall Islands.
"Like the Greenhouse series of 1951, it was designed to further the development of various types of weapons. In furtherance of the President's announcement of Jan. 31, 1950, the test program included experiments contributing to thermonuclear weapons research.
"Scientific executives for the tests have expressed satisfaction with the results. The leaders and members of the military and civilian components of the task force have accomplished a remarkable feat of precision in planning and operations and have the commendation of the Department of Defense and the Atomic Energy Commission.
"In the presence of threats to the peace of the world and in the absence of effective and enforcement arrangements for the control of armaments, the United States Government must continue its studies looking toward the development of these vast energies for the defense of the free world.
"At the same time, this Government is pushing with wide and growing success its studies directed toward utilizing these energies for the productive purposes of mankind."
The reference, in the first paragraph of the statement to President Truman's announcement of Jan. 31, 1950, was to a directive ordering the commission to get busy on thermonuclear weapons research, or the "so-called hydrogen or super-bomb."
There had been considerable discussion in Congress of the prospects of a weapon far more powerful than the atomic bomb and from some quarters there was pressure that the President direct the Atomic Energy Commission specifically to begin research and development of this weapon.
Mr. Truman, when he made his announcement, noted it was his responsibility "to see to it that our country is able to defend itself against any possible aggressor." Since 1950 there has been tremendous expansion in the field of hydrogen weapons, notably in plants built in Aiken and Barnwell Counties along the Savannah River in South Carolina.
'Various' Weapons Tested
At the end of the spring test series in 1951, the commission reported that it was working on "thermonuclear weapons research," without leaving any inference as to the stage of the "work."
Today's announcement noted that the most recent tests had been designed to "further the development of various types of weapons." This left the clear impression in some quarters that both the standard nuclear fission and hydrogen weapons had been involved.
There had been no word officially, however, that research had developed to the "experiment" stage, and when the Defense Department and the commission announced on Sept. 9 that there would be new tests on Eniwetok, no mention was made of the hydrogen bomb. The announcement said merely that the tests, the third in a series, were "looking toward the development of atomic weapons."
There was no official expansion on this announcement. But a little more than a week ago letters that began to appear in the press described an event far more terrifying to the spectators than previous atomic explosions. The writers, including junior officers and crew members of ships near the scene, told of a weapon that seemed to be, indeed, a "hell bomb," and one writer reported seeing a mile-wide island disappearing.
Some of the letters reported an exact time for the explosion they said had taken place-- 7:15 A.M. Eniwetok time, Nov. 1.
Dean Issues Statement
Mr. Dean did not submit himself to a question-and-answer period before reporters, but he gave out a written reply to an earlier question about the letters of the last week.
It follows:
"Information issued by the Atomic Energy Commission on Eniwetok test series 1952 is limited to today's statement because any amplification might give aid to potential enemies.
"Our objectives of protecting the security of information about the tests have in general been attained. The commission is concerned, however, over the letters purporting to describe some events in connection with the tests. Investigations are under way leading to possible disciplinary action or prosecution for violation of task force regulations or the law.
"Making public further information as to the nature and results of these tests might injure the interests of the United States. We will make no further announcements."
Momentos Decisivos da História do Brasil, ou Momentos Depressivos? -Paulo Roberto de Almeida
sábado, 31 de outubro de 2015
Venezuela: a farsa do julgamento de Leopoldo Lopez e o juiz arrependido
Essa farsa nos remete aos piores momentos do stalinismo paranoico dos anos 1930, quando todas as personalidades que poderiam fazer sombra ao tirano Stalin foram objeto de julgamentos pré-fabricados, e condenados à morte.
O que vão fazer a Unasul, a OEA, o Mercosul, o governo brasileiro ante essas revelações?
Nada, repito NADA...
Paulo Roberto de Almeida
quinta-feira, 29 de outubro de 2015
Prata da Casa: duas miseras mini-resenhas publicadas - Revista da ADB
Ou seja, "sobram" dez, o que permite respirar um pouco até minha instalação em Brasília, prevista para a próxima semana, ainda que provisoriamente até a chegada da minha mudança.
Segue o registro:
O Brasil e o TPP: uma tragedia anunciada (desde 2003) - Milton Lourenco
Começou com a implosão ideológica da Alca -- que não era nenhuma maravilha, mas pelo menos teria assegurado e consolidado nosso acesso aos mercados atrativos da América do Norte, ainda que com persistência do protecionismo agrícola e setorialmente na indústria -- e continuou pela proclamação de uma fantástica "nova geografia do comércio internacional", tanto pelo presidente quanto por seu devoto chanceler. Era tão fantástica que já estava em curso desde muitos anos, pelos países asiáticos, que exportavam sem discriminação para todos os mercados existentes, especialmente os da Europa e dos EUA. Mas os companheiros desprezavam de modo totalmente estúpido, e aqui insisto no adjetivo estúpido, esses mercados, pois como dizia o "capo di tutti i capi" não se podia ficar "dependente do comércio com os Estados Unidos". Sairam então com a tal de "diplomacia Sul-Sul" -- outra estupidez sem tamanho -- para conquistar os mercados do tal Sul: ou seja, América Latina, África, países árabes e africanos, e supostamente da China e outros asiáticos. Deu no que deu: três magros acordos comerciais que são absolutamente ridículos.
A política comercial companheira, volto a dizer, foi ingênua, estúpida, ideológica.
Agora que saiu o TPP, os empresários, sempre tímidos e envergonhados em denunciar as estupidezes companheiras, começam timidamente a protestar, como este "despachante aduaneiro".
Ele responsabiliza o Itamaraty pela tragédia anunciada, o que só em parte é verdadeiro. Certo: foram diplomatas que estiveram à frente do ministério durante todo o reinado companheiro, mas as políticas eram determinadas pelo PT, às quais os diplomatas cederam, talvez passivamente demais.
Dá para reparar o prejuízo?
Vai ser difícil...
Paulo Roberto de Almeida
O Brasil e o TPP
Se não bastasse o imobilismo que caracterizou a diplomacia brasileira em relação ao comércio exterior nos últimos 13 anos, várias nações com as quais o Brasil tradicionalmente mantém intercâmbio movimentaram-se e acabam de formalizar o Tratado Transpacífico de Comércio Livre (TPP). Depois de quase cinco anos de negociação, Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Cingapura, Estados Unidos e Vietnã concluíram um acordo que suprime taxas alfandegárias em suas transações e define padrões técnicos unificados.
E o Brasil? Cálculos preliminares indicam que as exportações brasileiras para esses países – a hoje, ao redor de US$ 54 bilhões – deverão cair pelo menos 3%, especialmente nas áreas de minérios, commodities agrícolas e produtos industrializados. Só em manufaturados foram US$ 31 bilhões exportados – o equivalente a 35% do total de vendas externas do País – e US$ 47 bilhões importados.
Se sair o acordo entre Estados Unidos e União Europeia, a chamada Parceria Transatlântica, conhecida pela sigla TTIP, a perspectiva é de que a situação se agrave ainda mais, provocando maior isolamento comercial do Brasil, pois os europeus já não terão tanto interesse em assinar um acordo com o Mercosul e, provavelmente, aumentarão suas exigências. Com a TTIP, segundo cálculos da Fundação Getúlio Vargas, a queda nas exportações brasileiras chegaria a 5%.
O resultado de tantos desastres na política externa só pode ser debitado à (des)orientação do Ministério das Relações Exteriores a partir de 2003, quando os teóricos do Partido dos Trabalhadores (PT), sábios aos seus próprios olhos, imaginaram que poderiam sobrepor a influência dos Estados Unidos no continente com uma política pretensamente denominada Sul-Sul.
Ou seja, em vez de privilegiar o maior mercado do mundo, entendeu-se que seria possível fazer um bloco só com os países em desenvolvimento, favorecendo-se Cuba, Venezuela, Argentina, Bolívia, Equador e ainda países africanos não necessariamente governados por regimes de esquerda, como prova o trabalho desenvolvido pela diplomacia brasileira para que a Guiné Equatorial, nação onde pouco se fala Português, aderisse em 2014 à Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), sem levar em conta que aquele país é governado há três décadas pelo mesmo governante e apresenta um dos piores registros de direitos humanos no mundo, segundo pesquisa anual da organização de direitos civis Freedom House, de Washington.
Diante de tão rotundo fracasso diplomático, o que se espera é que o atual governo entenda que o TPP representa uma mudança completa no tabuleiro das negociações comerciais, pois indica que o futuro será regido por mega-acordos comerciais. E que continuar na defesa do imobilismo e ficar de fora desses grandes acordos equivale a levar a Nação a um suicídio político.
terça-feira, 27 de outubro de 2015
China Radio Internacional entrevista um PRA: nao sou eu
Em primeiro lugar, não sou e não posso ser confundido com a "comunidade internacional". E nunca trabalhei para um tal de "Centro Brasileiro de Pesquisas das Políticas dos Brics".
Em segundo lugar, nunca apoiei qualquer dirigente chinês. Nunca o faria, nem com os meus...
Essa é a ética de trabalho dos jornalistas chineses?
Comunidade internacional elogia resultados da visita de Xi Jinping ao Reino Unido | ||
Radio China Internacional, 26/10/201 | ||
O presidente chinês, Xi Jinping, visitou entre os dias 19 e 23 deste mês o Reino Unido. A comunidade internacional acredita que a visita obteve grandes sucessos.
O diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas da China, Ronnie Lins, disse que as cooperações sino-britânicas têm uma boa perspectiva e as relações entre os dois países já ultrapassaram o sentido bilateral e têm um significado estratégico global. Ele acredita que a visita de Xi Jinping vai consolidar a base das relações sino-europeias e causar influências positivas para todo o mundo. O professor da Universidade Shizuoka do Japão, Sen Masataka, afirmou que a China e o Reino Unido são grandes blocos econômicos, e suas cooperações vão impulsionar o equilíbrio da economia global e a paz e a estabilidade mundial. O pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas das Políticas dos Brics, Paulo Roberto de Almeida, apontou que o presidente chinês, Xi Jinping, manifestou em várias ocasiões o desejo de desenvolvimento pacífico e a construção da comunidade de destino comum do ser humano, o que cria um bom ambiente para o desenvolvimento da China e mostrou ao mundo que a China não ambiciona conquistar hegemonia. O presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de China e Ásia-Pacífico (IBCAP), Severino Cabral, disse que o povo chinês achou um caminho certo com sua determinação e ações, por isso, tem uma vontade mais forte pelo desenvolvimento pacífico. Tradução: Luís Zhao Revisão: Layanna Azevedo | ||
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Politica externa do PT = a do PSDB ??!! (dixit Matias Spektor) - Totalmente equivocado (PRA)
Não vou poder elaborar agora, mas as respostas, até preventivas, aos argumentos equivocados de Matias Spektor já foram dadas em meu livro "Nunca Antes na Diplomacia..."
Remeto a ele para uma elaboração mais sofisticada.
No momento me contento com dois equívocos principais:
1) Não concordo em que FHC e Lula tivessem tido prioridades idênticas, como se o Brasil, ou seu governo, “escolhesse” suas prioridades ao seu bel prazer: estas, na forma, estão postas por um processo diplomático que se prolonga no tempo, cujos temas já existem e foram legados por governos anteriores. Em política externa, nenhum país, nem mesmo as grandes potências, consegue determinar sozinho sua agenda diplomática; ela é dada pelo sistema internacional, ou faz parte de relações de vizinhança e de conexões econômicas que se impõem por si mesmas, e que devem ser tratadas de uma forma ou de outra. Por exemplo, fortalecer o Mercosul e tentar construir uma zona de livre comércio na América do Sul já eram prioridade anteriormente, assim que não vale a pena dizer que um governo ou o seu sucessor tinham essa “prioridade”; elas já vinham inclusive do final dos anos 1980. Mas cabe dizer, sim, que os petistas insistiam na região apenas e exclusivamente por oposição aos EUA, não por uma dedução racional em termos de ganhos na área econômica.
2) No que tante à globalização, a visão do PT, no caso também a de Spektor, me parece errada, ao pertenderem eles que FHC se "rendeu à globalização", e que Lula tenha praticado uma “política de resistência”. Ora bolas, a globalização não é algo que se possa aceitar ou rejeitar. Ela existe, ponto, como existem o vento e as marés. Países e estadistas inteligentes colocam a globalização a serviço do país, não remando contra ela, o que além de inútil seria totalmente contraproducente e contrário ao interesse nacional. Só avestruzes diplomáticos escolhem se colocar à margem da globalização, como fizeram os governos lulopetistas, ao praticar protecionismo exacerbado – hoje se revelando inclusive um projeto de lobby pessoal, não de política industrial – e ao isolar o Brasil das correntes mais integradas de comércio internacional.
Em resumo: as duas diplomacias não beberam de um poço comum, como afirma Spektor. Elas foram totalmente diferentes, na forma e no conteúdo, e produziram resultados diametralmente opostos: os governos lulopetistas passaram tristemente a apoiar governos autoritários na região e fora dela, além de terem isolado o Brasil das correntes dinâmicas da globalização.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 27/10/2015
A política externa de tucanos e petistas
MATIAS SPEKTOR
Folha de S.Paulo, Ilustríssima, 25/10/2015
RESUMO O articulista entra no debate sobre semelhanças e diferenças de governos tucanos e petistas para abordar a questão externa. PSDB e PT divergem sobre o conceito de globalização e sobre o papel da política externa brasileira nesse contexto. No entanto, ambos convergem em muitos aspectos, nem sempre os mais elogiáveis.
A crise que golpeia o PT inaugurou uma nova temporada de reflexão sobre o futuro do PSDB.
Nestas páginas, Sergio Fausto (2/8) convocou o tucanato a ocupar o vácuo que se abre à esquerda. Celso Barros (13/9) descartou a manobra como irrealista para uma agremiação de direita. Carlos Pereira e Samuel Pessôa(11/10) criticaram a distinção entre esquerda e direita como melhor forma de caracterizar a disputa entre PT e PSDB, pois os dois partidos apostaram juntos no projeto de estabilidade econômica com inclusão social que é marca registrada da Nova República.
Este artigo direciona o debate para o tema da política externa. Na área internacional, PT e PSDB enfrentaram o desafio comum de adaptar o Brasil do atraso e da desigualdade à era da globalização. Usaram para isso estilos distintos, mas atuaram com mais semelhanças do que parece à primeira vista.
A política externa virou um dos principais campos de batalha entre PT e PSDB. Poucas políticas públicas são tão polarizadas e controversas. Os petistas enxergam no governo Lula a diplomacia mais arrojada. Com sua política externa ativista, ele teria elevado a posição do Brasil à de grande potência emergente. Segundo essa visão, FHC representaria o exato oposto: a capitulação de uma elite entreguista à hegemonia dos Estados Unidos. A cena que esse grupo gosta de reprisar é a do último chanceler tucano, Celso Lafer, tirando os sapatos para uma revista de segurança em aeroportos norte-americanos.
Do outro lado do ringue, encontram-se os tucanos, para os quais o presidente-sociólogo teria normalizado as relações com o mundo, tirando o Brasil do isolamento acumulado nos anos de ditadura militar e de atraso econômico. Para eles, a diplomacia petista seria uma função da vaidade prepotente de Lula e sua equipe. Em ninho tucano, a cena em reprise é a de Lula em Teerã, punho no ar, desafiando as grandes potências num abraço com o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad.
Essas distinções são atrativas por sua simplicidade maniqueísta: há mocinhos e há bandidos. Sem espaço para a ambiguidade, porém, elas são equivocadas.
Em se tratando da posição do Brasil no mundo, qual é a diferença entre PT e PSDB?
GLOBALIZAÇÃO
A clivagem fundamental que divide tucanos e petistas a respeito do sistema internacional é simples: ao passo que os primeiros concebem a política externa como instrumento de adaptação à globalização, os segundos imaginam a diplomacia como instrumento de resistência.
Isso ocorre porque os dois partidos têm diagnósticos opostos sobre o significado da globalização –o fluxo de capital, ideias e pessoas numa economia internacional integrada.
Para os tucanos, a globalização é uma força inexorável. "Queiramos ou não", disse FHC ao chegar ao Planalto, em 1995, "a globalização é uma nova ordem internacional. O mundo pode ser dividido entre as regiões ou países que participam do processo de globalização e usufruem seus frutos e aqueles que não participam". Ou o Brasil se adapta a esse novo mundo, ou se autocondena ao atraso.
Quando chegou ao poder, FHC entendeu que o Brasil era fraco demais para resistir ao que chamava de "ventos do mundo". O sistema internacional não lhe oferecia espaço de manobra.
Para os petistas, entretanto, a globalização não é um fato inescapável da realidade, mas um projeto político talhado pelas grandes potências do Atlântico Norte. Assim, a globalização pode (e deve) ser resistida e negociada. Ninguém pode fazer isso melhor que grandes países em desenvolvimento, que têm capacidade de arrancar concessões dos mais poderosos em troca de sua adesão.
Lula pôde agir assim porque chegou ao Planalto com um país estabilizado e em franca ascensão. O sistema internacional do PT a partir de 2003 abria ao Brasil brechas antes inimagináveis: do desastre da intervenção americana no Iraque à ascensão da China, no mundo daquela época havia jogo novo para o país.
Essas diferenças levaram o Planalto de tucanos e petistas a elaborar receitas alternativas.
Para os tucanos, se o Brasil quiser participar da globalização precisará de "credenciais de boa conduta internacional". Foi isso que a diplomacia de FHC buscou em áreas como direitos humanos, não proliferação nuclear, meio ambiente e comércio internacional, assinando compromissos externos que o regime militar antes rejeitara de forma sumária.
O objetivo não era mudar o mundo, mas utilizar normas internacionais como alavanca para reformar um país ainda marcado pelo penoso entulho autoritário acumulado desde a era Vargas e pela história de hiperinflação.
Na concepção petista, o Brasil deveria explorar as rachaduras do projeto político da globalização, que eram evidentes nos protestos de Seattle (1999) e foram escancaradas quando o governo americano invadiu o Iraque sem autorização das Nações Unidas (2003). Para o núcleo pensante do PT, existia uma demanda mundial por vozes alternativas, como sugere o lema: "Outro mundo é possível".
Assim, FHC rodou o planeta para amarrar o Brasil a novas regras internacionais que permitissem ao país embarcar num novo ciclo de desenvolvimento capitalista. Lula manteve essa política, mas adicionou a ela uma ambição reformista.
O ativismo internacional do PT começou com visitas de altíssimo perfil a Cuba, Irã, Líbia e Síria, além de numerosos périplos pela África e pela América Latina. Em seguida, Lula foi central na criação dos Brics, do Ibsa (acrônimo em inglês para o grupo formado por Índia, Brasil e África do Sul) e na formação do G20.
O PT optou por um estilo negociador maximalista na Rodada Doha, nos embates pela Alca e na tentativa de reformar o Conselho de Segurança da ONU. Patrocinou no Haiti a maior mobilização de tropas brasileiras desde a Segunda Guerra Mundial e criou iniciativas inéditas para o Oriente Médio.
As diferenças entre PT e PSDB são, portanto, reais. Mas é crucial não exagerá-las.
NORMAS
FHC aderiu às normas do Ocidente liberal de maneira lenta, parcial e, na maioria das vezes, negociada. Não houve no Brasil do PSDB uma fuga em direção ao neoliberalismo como na Argentina de Menem, a Venezuela de Pérez ou o México de Salinas.
O governo tucano empurrou a Alca com a barriga e patrocinou a expansão do Mercosul. Na OMC, FHC patrocinou a política revisionista de quebrar patentes, transformando o papel das grandes farmacêuticas no mundo. A estratégia de aproximar o Brasil de Chávez foi criada pelo PSDB, assim como o foi a decisão de proteger o regime autoritário de Alberto Fujimori no Peru.
O discurso brasileiro mais incendiário que um presidente brasileiro já fez em relação à hegemonia americana não foi de Lula, mas de FHC. "A globalização reduz a liberdade dos países", disse o tucano. E alertou: "Esse capitalismo especulativo pode danificar o próprio centro do sistema".
Já Lula adotou uma política externa revisionista, mas na maioria das vezes avançou com cautela.
Em vez de denunciar a dívida brasileira com o FMI como ilegítima, pagou-a. Em vez de chocar-se com os desmandos do governo Bush, aproximou-se da Casa Branca como nenhum outro presidente brasileiro. Quando Brasília propôs um Conselho de Defesa para a Unasul, o ministro da Defesa do governo do PT não começou seu périplo de consultas pelas capitais sul-americanas, mas por Washington. E, nas apostas mais arriscadas da diplomacia petista –a rodada Doha e a Declaração de Teerã–, Lula tentou uma conciliação com os americanos até o último minuto.
Em política externa, ao longo desses 20 anos, tucanos e petistas tiveram muito em comum.
Ambos apostaram na construção de coalizões regionais, concebendo o Mercosul como instrumento para resistir à integração hemisférica proposta pelos Estados Unidos. Ambos imaginaram a integração regional como oportunidade de negócios para a indústria de Defesa e para construtoras brasileiras abastecidas a crédito barato do BNDES. Juntos, PT e PSDB rejeitaram as demandas dos países vizinhos por instituições regionais densas, preferindo compromissos minimalistas que permitissem ao Brasil reagir de modo unilateral quando fosse útil ou necessário.
Petistas e tucanos também reduziram ao máximo o conflito com os Estados Unidos, buscando apoio da Casa Branca ao mesmo tempo que evitavam fazer o jogo de Washington na América do Sul. Ambos os partidos, quando no poder, se recusaram a pressionar o chavismo na Venezuela.
Petistas e tucanos também evitaram abrir o comércio brasileiro na marra. Mantiveram as negociações comerciais em fogo brando, sem ameaçar os interesses protecionistas de uma parte influente da indústria nacional, mesmo quando isso privilegiasse poucos em detrimento da maioria.
Em temas como narcotráfico e mudança do clima, PT e PSDB optaram por compromissos internacionais minimalistas. Não usaram a política externa para forçar a reforma das polícias militares, para barrar o crescimento do narcotráfico, para disciplinar o agronegócio desmatador ou para chacoalhar um Estado que ainda pratica crimes sistemáticos contra os direitos de sua própria população. Contra esses interesses enquistados, não houve mobilização diplomática significativa.
POÇO
PT e PSDB operaram em política externa para adaptar o Brasil a um mundo muito mais interdependente. No processo, produziram respostas diferentes, mas beberam de um poço comum. Em nenhum momento compraram uma briga para valer contra os interesses que mantêm bolsões de atraso em nossa sociedade.
O que aprendemos nesses 20 anos de diplomacia de PT e PSDB é que os conceitos de esquerda e direita –ao menos em política externa– não são necessariamente valores em oposição. Em nossa experiência histórica, a direita adaptou o Brasil à globalização, enquanto a esquerda buscou condicionar o processo num momento em que o Brasil parecia forte o suficiente para fazê-lo. Para além das diferenças brutais de estilo, a mudança ocorreu na margem.
O resultado desse experimento foi parcial. Quando se trata de política externa, a luta do progresso contra o atraso ainda está longe de ser ganha.
MATIAS SPEKTOR, 38, é doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV.