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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 24 de outubro de 2009

1440) Sapatos e soberania

De como os sapatos são importantes para a Soberania Nacional (ou não?)
Paulo Roberto de Almeida

Nesta semana que passou, mais exatamente no dia 20 de outubro de 2009, eu ouvi, diretamente e pela enésima vez – depois de já tê-la ouvido, lido ou assistido, outras tantas vezes, por todos os meios de comunicação possíveis – uma frase fatídica, que todas as pessoas bem informadas já ouviram também, e que resume, de maneira perfeitamente clara, o conceito de soberania nacional que ostentam certas pessoas:

“Ministro de Estado não tira os sapatos!”

A invectiva, obviamente, não tem nada a ver comigo, pois não sou ministro, muito menos de Estado, nem corro o risco, absolutamente, de converter-me numa dessas respeitáveis figuras, any time soon. Mas, já tirei, sim, os sapatos, algumas vezes, inclusive em aeroportos brasileiros, sempre e quando fui assim instado a fazê-lo por alguma autoridade aeroportuária de segurança (entendo que o mais humilde guarda-fronteiras é uma autoridade com plenos poderes, em sua restrita competência local e setorial). Jamais fiz desse pequeno incômodo momentâneo algo maior, ou diferente, do que o seu estrito significado real: uma medida de segurança, tomada por autoridades que zelam pela segurança de todos os usuários dos transportes aéreos (mas também poderia ser em qualquer outro meio, circunstância ou contexto).
Aliás, mesmo se eu fosse ministro, não consideraria tal medida desabusada, desrespeitosa ou de qualquer forma dirigida contra mim, pois entendo que qualquer pessoa deve colaborar e acatar normas de segurança adotadas em caráter universal. Pretender invocar uma qualquer autoridade superior para eximir-se de cumprir uma norma geral de segurança significa, em primeiro lugar, considerar acima dos demais usuários de transportes coletivos, quando o que se está fazendo é exatamente isso: usando um meio de transporte coletivo que obedece a normas de segurança ditadas por alguma autoridade do setor. Acho que essa coisa de invocar o “sabe com quem está falando?” já passou de moda, ou só é invocada por quem não está seguro de sua própria autoridade.
Eu não me sentiria menos “ministro”, se fosse o caso, se decidisse cumprir esse tipo de requisito universal de “minhas” próprias autoridades, nem me sentiria ofendido em minha dignidade pessoal, ou funcional, se autoridades estrangeiras de segurança assim o exigissem de mim. Não creio que minha respeitabilidade pessoal, ou funcional, como figura pública, ou que a soberania nacional que eu por acaso simbolizasse, seriam gravemente afetadas, ou politicamente prejudicadas, naquilo que é relevante, se por acaso eu decidisse, em lugar de brandir uma qualquer autoridade de minha parte, acatar determinações nesse sentido de qualquer autoridade que fosse. Poderia, claro, invocar minha hipotética qualidade de “ministro” de qualquer coisa, para subtrair-me a esse tipo de incômodo menor, mas não creio que o cuidado de eximir-me de tal exigência valeria o esforço da explicação, da apresentação de credenciais, da devida identificação, do reconhecimento, do pedido de desculpas, das mesuras apropriadas, enfim, do ritual habitual a que se submetem todos aqueles que se sentem no dever, na obrigação ou que têm prazer em exibir sua autoridade (sim, existem aqueles que viajam com valetes e mordomos, que cumprem esses rituais).

Bem, eu dizia, no começo, que esse assunto não é exatamente comigo e que eu não correria esse risco, e ratifico: não é nada comigo. Mas tem algo a ver comigo, ou com o meu modo de ser, como explico a seguir.
Pessoas importantes – não preciso dizer quem – vem insistindo, a cada oportunidade, sobre o absurdo que constitui o ato de retirar os sapatos em aeroportos, como se isso constituísse um grave atentado à soberania do País, uma ofensa à dignidade pessoal, ou funcional e, quem sabe?, uma diminuição da respeitabilidade nacional. Posso dizer, de imediato, que considero uma indignidade esse tipo de exploração política de atos excepcionais – posto que adotados sem expressa intenção de cometer aqueles “delitos” supra-mencionados – para proclamar, retoricamente, um conceito absolutamente ridículo de soberania nacional, que se resume exatamente a isto: o fato de se vincular a soberania de um Estado ao ato de retirar (ou não) os sapatos, por exigência de um simples guarda-fronteiras, por mais obtuso que este fosse, ou por mais alheio que seja às regras do tratamento diplomático de costume.
Desculpem-me o comentário, mas considero esse tipo de atitude uma exploração vil de algo que não está na capacidade da “vítima”: mudar a atitude rotineira, absolutamente mecânica e burocrática, do agente atuante; trata-se de uma exploração indigna da parte de quem a faz, pois que vincula a soberania nacional – noção mais relevante do que isso e, ao mesmo tempo, muito difusa – à ação concreta, cometida em território estrangeiro, por um agente de segurança, geralmente de nível médio, sem o preparo adequado e sem consciência do que constituam ou representem os dispositivos da Convenção de Viena. Supor que tudo aquilo é feito para humilhar a autoridade estrangeira – no caso, o ministro em questão – seria abusar da inteligência de todos os envolvidos, tanto de quem formula, quanto de quem ouve tal tipo de peroração ‘patriótica’.
A frase fatídica, repetida ad nauseam em várias circunstâncias, tem exatamente esse objetivo: o de fazer crer que a dignidade nacional depende da preservação dos sapatos nos próprios pés, mantidos mesmo sob exortação contrária de um pobre guarda-fronteiras, que está ali apenas tentando cumprir ordens estritas recebidas de cima. Trata-se de um episódio absolutamente insignificante, que qualquer pessoa sensata consideraria corriqueiro e sem maior significado político, a menos que alguém pretenda se enrolar na bandeira nacional e passar a considerar que os seus sapatos também fazem parte do território pátrio e representam um pedaço da soberania estatal. Ridicule, n’est-ce pas?

Pois bem, vamos agora fazer um pequeno exercício de suposições, e inverter personagens, tempo e circunstâncias, colocando no lugar dos “submissos” aqueles mesmos que exploram politicamente e de forma vil – ouso repetir – esse episódio.
Vamos supor que um ministro qualquer, vindo de seu país de origem, desembarque no aeroporto de trânsito de uma cidade periférica do império – pois parece que se trata bem desse tipo de geografia, já que o aeroporto de um “parceiro estratégico” não serviria para o exercício de ‘exploração’ – em torno de 5 horas da madrugada, para fazer transbordo ao vôo de destino, justamente para a capital do império, onde ele vai se encontrar com responsáveis políticos locais naquela mesma manhã. Alerto que esta suposição se conforma exatamente ao cenário em causa.
No controle de trânsito, o ministro em questão se depara com a mais alta autoridade presente, um humilde guarda-fronteiras, cujas ordens estritas são as de inspecionar severamente todo e qualquer passante no seu setor, sobretudo quando se está a pouco mais de dois meses de um terrível atentado perpetrado por meio de transporte aéreo e justo depois que mais um terrorista energúmeno pretendia explodir uma outra aeronave dirigida ao mesmo país em pleno vôo, tentando acender o explosivo plástico que ele trazia escondido em seus sapatos (atenção, para quem não sabe: a história é real; felizmente, ele não conseguiu e foi dominado por passageiros e pela tripulação; os sapatos são a prova do atentado planejado...).
Voilà: o humilde guarda-fronteiras em questão, consciente de seu alto dever de resguardar a segurança de todos os usuários (inclusive estrangeiros) dos transportes aéreos dirigidos à capital do império, decide exigir de todos, sem exceção, que submetam os seus sapatos à inspeção de raios-x, no que é um procedimento inédito para a época, mas que depois se converteu em algo rotineiro. Ele não quer nem ver passaportes, credenciais, não quer discutir com ninguém, não pretende ouvir nenhuma reclamação: ele apenas quer que todos os sapatos passem pela inspeção, nem mais, nem menos. Velhos, jovens, saudáveis, aleijados, autoridades, simples turistas, todos devem submeter-se ao monitoramento; essas são as suas ordens, e ele se empenha em cumpri-las integralmente, as simple as that...
So what!? O que faz, então, o patriótico ministro de Estado? Claro, ele pode invocar a sua alta autoridade, em face da baixa autoridade do simples guarda-fronteiras, mas o fato é que o homenzinho ali postado não o deixará passar a menos que ele retire os seus sapatos, como todo mundo, e os coloque na esteira de controle. Nem adianta argumentar, pois o sujeito pode perder a paciência e simplesmente responder: “I don’t give a damn who you are: either you submit your shoes or you can’t pass this way”.
Não tem conversa. O patriótico ministro pode telefonar para a residência de seu representante na capital do império (que estará dormindo, nessa hora), acordá-lo, avisá-lo que está bloqueado na zona de trânsito daquele maldito aeroporto de periferia por causa de um ridículo par de sapatos, e pedir que o sujeito faça algo no mesmo momento. Bem, vejamos o que pode fazer o atônito funcionário da capital. Não há como acionar a chancelaria local, deserta, salvo algum sonolento agente de vigilância. Ele pode tentar saber qual seria o telefone do diplomata de plantão, para que este acione a autoridade correspondente do maldito aeroporto periférico, para que este acione os serviços de segurança, para que estes alcancem o guarda X do corredor Z, do terminal N, da ala B. Ele pode também tentar telefonar para o seu contato no cerimonial, que provavelmente estará dormindo, mas que procurará acionar o cerimonial, para que este acione a autoridade correspondente, etc., etc., etc...
Claro, tudo isso supondo que todo mundo atenda telefonemas de madrugada, que as pessoas saibam o que fazer e, sobretudo, que o façam em tempo hábil para que o patriótico ministro não perca a sua conexão que parte em pouco mais de uma hora de trânsito. Não pretendendo tirar os sapatos, sob risco de ofender gravemente a dignidade e a soberania nacionais, o ministro em questão os preservará em seus pés, com grande chance de perder o resto da viagem e os encontros daquela manhã na capital do império. Melhor que ele se acomode em alguma cadeira dura, enquanto espera o problema ser resolvido, e tire um cochilo no intervalo. Nesse caso, melhor tirar os sapatos para ficar mais confortável, inclusive acomodando os pés na cadeira ao lado. Difícil tirar uma sesta naquela espera angustiosa...
Sim, claro, mais tarde, bem mais tarde, ele terá de engajar um pouco mais de esforço para explicar ao agente da companhia de trânsito por que faltou à chamada de embarque, por que não avisou que deixaria de embarcar, além de providenciar novo vôo para a capital do império (esperando que o avião das 10h30 não esteja lotado) e tentar remarcar todos os compromissos perdidos daquela manhã. Mas isso é o de menos: o importante é que a soberania e a dignidade nacionais tenham sido preservadas.
Claro, ele também pode escolher viajar em jatinho comercial privado ou oficial de serviço, mas certamente vai sair bem mais caro para o orçamento nacional do que viajar em avião de linha; e, para escapar de todos esses chatíssimos controles de segurança, ele precisa sempre mobilizar todos os serviços de cerimonial, mandar avisar todos os responsáveis de aeroportos da periferia do império, se munir de serviçais solícitos e se precaver com todas as credenciais necessárias. Tudo isso, cela va sans dire, para preservar a soberania do Estado, que é, como se sabe, muito suscetível a um simples descalçar de sapatos, símbolos por excelência da dignidade nacional.

Bem, terminemos aqui nosso exercício de suposições, pois eu entendo que, ocorrendo a hipótese acima, o ministro patriótico em questão não teria coragem de explorar de forma tão vil a “submissão ao império” de seu colega ‘neoliberal’, caso ele mesmo tivesse sido submetido ao indigno tratamento imperialista aqui descrito.
Ao fim e ao cabo, cabe reconhecer que tudo não passou de um episódio absolutamente insignificante para os assuntos de Estado, cujo alto tratamento na capital do império não foi minimamente afetado pelo infeliz controle no aeroporto periférico, desde que o ministro em questão não questione, está claro, a autoridade do guarda-fronteiras no zelar pela segurança de todos (e que não considere que tal gesto diminua, de algum modo, sua dignidade de ministro de Estado).
Espero, sinceramente, não ter de ouvir mais uma vez essa explicação simplória e ridícula de que tirar os sapatos em aeroportos é submissão ao império. Realmente, não gosto que abusem de minha inteligência ou que distorçam minha compreensão do que seja soberania nacional.


P.S. 1: Eu sinceramente não pretenderia tratar de assunto tão medíocre se não me sentisse incomodado, como disse ao início, com a repetição enfadonha de uma alegação tão despropositada quanto maldosa, em sua intenção de denegrir deliberadamente a reputação de um outro ocupante do cargo. Um pouco mais de seriedade, na invocação da soberania nacional, seria desejável.
P.S. 2: Eu tenho esse péssimo hábito: costumo escrever o que penso, e divulgar o que escrevo, de forma totalmente gratuita, estrito e lato senso. Assumo responsabilidade pelo que assino, e não me incomoda o que os outros pensem. De toda forma, tenho pouquíssimos leitores.
P.S. 3 (in addendum e como aviso preventivo): É típico de personalidades autoritárias o ato de não suportar críticas, ou de exigir, de sequazes e dos mais ‘fiéis’ (até eventual mudança de situação), fidelidade e respeito absolutos a seus feitos e desfeitos, mesmo os mais mesquinhos e vingativos. Obviamente que isto não me concerne, e eu não temo retaliações nem sanções morais (ou imorais, neste tipo de situação). Cada um deve atuar de acordo com o seu caráter; o meu está claramente exposto em todos os meus escritos, de forma absolutamente transparente. Eu costumo assinar embaixo do que escrevo, o que nem sempre é o caso de um espaço público como este, no qual diversos “Anônimos” se manifestam livremente (alguns até de forma agressiva e raivosa, but I don’t give a damn...).

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2055: 23.10.2009

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

1439) O futuro do futuro: George Friedman

E assim caminha a humanidade?
Entrevista: Autor de "Os Próximos 100 Anos" vê futuro mais modesto para o Brasil.
Por Eduardo Graça, para o Valor, de Nova York
Valor Econômico, 23/10/2009

No Texas, agentes americanos fiscalizam a fronteira com o México: "Se os EUA perdessem seus 12 milhões de imigrantes ilegais, a complicação econômica em que se meteria seria enorme", diz Friedman

O Brasil não é um dos protagonistas de "Os Próximos 100 Anos - Uma Previsão para o Século XXI", livro do cientista político George Friedman que acaba de chegar às livrarias brasileiras em edição da Best Business. Para ele, os Bric são mais um acrônimo da moda do que possíveis novas potências globais e o poderio americano está apenas em seu alvorecer. Campeão de vendas nos Estados Unidos, "Os Próximos 100 Anos" é um exercício de futurologia escancarado de Friedman. Aqui, o estrategista ignora o senso comum que pauta suas disputadas análises anuais geopolíticas, lidas atentamente tanto no Pentágono quanto em Wall Street, e investe na imaginação.

Sempre calcado em dados estatísticos, tendências e fatos históricos, Friedman revela um futuro surpreendente. Um século XXI em que o terrorismo islâmico se arrefece, a China se fragmenta e a Turquia, a Polônia e o Japão surgem como novas potências globais, um patamar abaixo dos EUA. Enquanto a Turquia controlará quase todo Oriente Médio, o México se aproveita de sua posição estratégica, com acesso ao Atlântico Norte e ao Pacífico, para se tornar a maior potência latino-americana, pronto para desafiar os EUA na disputa pelo coração do mundo a partir de 2080.

Na bola de cristal de Friedman aparecem ainda o fim de 300 anos de explosão populacional, a valorização do trabalho dos imigrantes e o desenvolvimento de um sistema de energia solar a partir do espaço que eclipsará o petróleo e diminuirá o apelo dos discursos conservacionistas e ambientalistas, assim como de questões como o aquecimento global.

Aos 60 anos, com mais de duas décadas passadas na Universidade de Louisiana, Friedman reclama em "Os Próximos 100 Anos" que a análise política convencional sofre de uma profunda falta de imaginação e lembra, profético: "As mudanças que nos levam em direção às novas eras são sempre chocantes, inesperadas". Há 13 anos ele criou a primeira empresa privada de inteligência do planeta, a Stratfor, por ele definida como uma organização noticiosa que usa inteligência, em vez de métodos jornalísticos, para capturar a informação. Em entrevista ao Valor, o consultor de grandes corporações fala dos desafios do Brasil - que, segundo ele, terá um programa espacial relevante por volta de 2060, ainda que "incompleto e desconectado de uma realidade geopolítica importante" - e das surpresas do cenário mundial em um século que apenas começou.

Friedman: o Brasil "ainda precisa superar muitos obstáculos até que possa, de fato, alterar o balanço global"

Valor: Pelo menos desde os anos 80, com "A Ascensão e Queda das Grandes Potências", do historiador Paul Kennedy, a tese do "mundo pós-americano" é tema constante para a inteligência ocidental. Mais recentemente, a noção ganhou fôlego com o best-seller de Fareed Zakaria. O sr., no entanto, aposta em mais um século americano...

George Friedman: O declínio dos EUA vem sendo previsto antes mesmo de sua emergência e depois do Vietnã todos diziam que ele era irreversível. No entanto, desde 1991, com o fim da União Soviética, eles se tornaram a única superpotência mundial. A história não se move tão rapidamente assim, e estamos falando de uma supremacia de apenas duas décadas. A economia americana responde a cerca de 25% de tudo o que é produzido no planeta, sua armada domina todos os oceanos do mundo. É o único grande poder com acesso tanto ao Atlântico quanto ao Pacífico. E, enquanto o Japão tem 364 pessoas por quilômetro quadrado e a Alemanha, 260, os EUA têm apenas 34. Ao contrário dessas duas grandes economias, os EUA seguirão crescendo em termos populacionais durante todo o século. Ou seja, quando você considera os fatos mais importantes na avaliação da força de um país - atividade econômica, poder militar e demografia -, é impossível pensar em outra potência neste século pronta para desalojar os EUA de sua liderança. O declínio, se acontecer, será lento.

Valor: Mesmo levando-se em conta o baque na economia americana por causa da atual crise financeira global.

Friedman: Há uma tendência em confundir popularidade com poder. Com certeza os EUA se tornaram recentemente mais e mais impopulares, talvez tanto quanto durante a Guerra do Vietnã ou os anos [de Ronald] Reagan. E também há a ilusão de que eventos cíclicos como a atual crise financeira podem ser analisados como grandes mudanças históricas. Admiro Fareed Zakaria, mas discordo quando ele afirma que os chamados Bric [Brasil, Rússia, Índia e China] vão desafiar o poder dos EUA. Esses quatros países têm de crescer estupidamente ao mesmo tempo em que os EUA fiquem estagnados, precisam investir enormemente em seu poderio militar e lidar com problemas sociais gigantescos que os EUA simplesmente não têm. Como é que a Rússia vai resolver seu problema demográfico? E China e Índia, como vencerão a pobreza? E o Brasil, como é que vai superar os revezes da própria localização geográfica e desenvolver Forças Armadas de peso ao mesmo tempo?

Valor: O sr. não crê em um mundo multipolar no século XXI?

Friedman: Minha visão é de que o mundo é sempre multipolar. O que muda são as forças relativas nos dois extremos. Está na moda a ideia dos Bric, mas Brasil, Rússia, Índia e China são países em condições diferentes de crescimento, em estágios de desenvolvimento singulares, com posições diversas no cenário mundial. A Rússia não pode ser comparada a nenhum dos outros Bric. Ela é hoje uma grande exportadora de matéria-prima, não uma potência industrial. Já a China, bem, é um país com muitas faces. Mais de 600 milhões de chineses têm um ganho familiar entre US$ 1 mil e US$ 2 mil por ano. Apenas 60 milhões de 1,3 bilhões de chineses chegam a US$ 20 mil/ano, computando o salário de toda uma família. Mais de 1 bilhão de chineses vivem na mais extrema forma de pobreza. Uma situação semelhante à da Índia, mas aqui temos de levar em conta os vastos problemas de infraestrutura que tornam o desenvolvimento inviável na China.

Valor: Em "Os Próximos 100 Anos" o sr. chega a prever a desintegração do país e um papel menor no cenário mundial para Pequim.

Friedman: A China é uma ilha. Ao Sul, montanhas e florestas. No Sudeste, o Himalaia. No Nordeste, o infinito das estepes. E no Norte, bem, no Norte há a Sibéria. Suas Forças Armadas são voltadas para a segurança interna e sua Marinha nem sequer existe propriamente. Há três características para um poder global: o dinamismo da economia, a estabilidade social e o poderio militar. A China conta com uma economia dinâmica, mas sua estabilidade social é comprometida por profundas divisões internas e suas Forças Armadas não são moldadas para exercer o poder em projeção global. Não creio que a China possa ser um poder global. E acredito que os chineses, que sabem bem de suas características e peculiaridades, já escolheram não ser este poder global.

Valor: O sr. também vê a decadência da Comunidade Europeia. Os europeus, o sr. escreve, lembram os EUA de antes da Guerra Civil. Pode explicar melhor essa comparação?

Friedman: Durante a crise financeira global, a Comunidade Europeia não usou Bruxelas para atacar seus problemas econômicos. Eles foram resolvidos, de forma independente, a partir das capitais de cada país membro. Os alemães não quiseram usar seu dinheiro para salvar bancos irlandeses. A crise serviu para descobrirmos de fato os limites de poder desta instituição chamada Comunidade Europeia. Era assim com os EUA, concebido como uma federação de Estados soberanos, até que os sulistas decidiram se separar da União em 1861. Foi somente depois da guerra, terrível, que a unidade dos EUA foi assegurada. Quem é que estaria preparado para lutar na Europa se a Itália, por exemplo, decidisse sair da União Europeia? Não há Exército comum, não há sequer uma moeda única, com alguns países adotando o euro e outros não. O Mercosul, por exemplo, é uma ideia interessante, desde que se entenda que o Brasil, que fala português e tem uma rica e particular história, vive uma realidade completamente diferente das circunstâncias da Argentina. Tentar criar uma potência que englobe Brasília e Buenos Aires é tão improvável como imaginar uma única Europa.

Valor: Já que falamos da América Latina, uma de suas previsões é a de uma guerra entre EUA e México na sua zona de fronteira, provocada pela imigração em massa, que transformará o sudoeste americano em área de população majoritariamente hispânica. Esse será o tendão de Aquiles dos EUA no século XXI?

Friedman: O problema da imigração ilegal é simples: neste momento os dois países precisam e querem esse fluxo de trabalhadores. Se os EUA perdessem esses 12 milhões de imigrantes ilegais, a complicação econômica em que se meteria seria enorme. Por sua vez, o México precisa do dinheiro enviado pelos trabalhadores vivendo nos EUA. Mas, especialmente para os americanos, essa é uma verdade extremamente impopular. Somente quando o jogo demográfico virar - e os EUA precisarem mais e mais de imigrantes - é que os dois países agirão de fato. Em um mundo onde a escassez de trabalhadores será a regra, e com a economia mexicana produzindo ofertas de trabalho suficientes para sua população, os EUA vão procurar desesperadamente por trabalhadores nos quatro cantos do planeta.

Valor: O sr. acredita que o México vai mesmo superar o Brasil neste século como maior economia latino-americana?

Friedman: O Brasil também é uma ilha, separada por florestas, montanhas e oceanos do resto da América Latina, com uma pequena ponte natural em direção ao Uruguai e à Argentina. O país está crescendo a uma velocidade tremenda, mas segue isolado como poder global e regional, embora não haja dúvida de que é um país importante e sua relevância só tende a aumentar, mas ainda precisa superar muitos obstáculos até que possa, de fato, alterar o balanço global.

Valor: Uma das razões pela qual o Brasil cresce é a necessidade de alimentar o planeta. Mas a revolução agrícola pode ter menos importância neste século se chegarmos à estabilidade demográfica sugerida em seu livro.

Friedman: Essa tendência não será modificada em curto prazo. A população global seguirá crescendo até o fim do século XXI, mas com velocidade progressivamente menor. Projeto que o Brasil, no fim do século, terá desenvolvido sua economia de modo ainda mais diversificado. A revolução da agricultura brasileira foi a alavanca do crescimento do país, mas não será seu sustentáculo. O Brasil vai crescer muito neste século e se diversificar ainda mais.

Valor: Em "Os Próximos 100 Anos" o sr. deixou de lado o aquecimento global. Aposta que o fim da explosão populacional e a exploração de fontes de energias alternativas vão resolver o problema. O discurso conservacionista, que margeia a discussão do desenvolvimento sustentável da Amazônia, por exemplo, seria, em sua visão, menos importante do que a busca incessante por novas fontes de energia?

Friedman: Não acredito que o conservacionismo possa resolver nossos problemas. Não é razoável pedir que se reduza o processo de industrialização do planeta. Os países mais avançados não vão reduzir suas emissões de gás carbônico à custa da redução de seu padrão social e é fantasioso acreditar na possibilidade da diminuição do consumo em escala global. O discurso conservacionista parte da premissa de que haveria uma mudança radical do estilo de vida das populações. Veja bem: ir de bicicleta para o trabalho não fará diferença alguma. O que precisamos é buscar fontes de energia avançadas, que não sejam baseadas em hidrocarbonetos, como o petróleo.

Valor: E o sr. aposta na energia solar...

Friedman: Sim, creio que essa nova fonte de energia será solar, mas gerada no espaço, pois do contrário teríamos de reservar vastas áreas do planeta apenas para os painéis solares, o que seria um desastre ecológico. Um consórcio japonês liderado pela Mitsubishi já começou a desenvolver essa ideia e o investimento impressiona. Nos EUA, a Nasa também tem um projeto nessa direção. Aposto que em 50 anos já enxergaremos a solução: energia solar baseada no espaço

1438) A marcha da democracia (?) na AL: Nicaragua

Da coluna diaria (em 23.10.2009) de Cesar Maia:

O GRAVÍSSIMO PRECEDENTE DA NICARÁGUA: A CONSTITUIÇÃO É INCONSTITUCIONAL!

1. Daniel Ortega e o ex-presidente Aleman (que ficou em prisão domiciliar por corrupção e sem mobilidade por ordem de arresto através da Interpol), num acordo anos atrás, dividiram entre si o STF de lá. No pacote, a acusação contra o maleteiro de Aleman foi esquecida e a lei eleitoral mudada, para que Ortega pudesse ganhar a presidência com maioria simples.

2. A Constituição da Nicarágua proíbe a reeleição. É um dispositivo que tem muitos anos de vigência. Na medida em que Ortega não tem maioria parlamentar para mudar a constituição, usou um canal direto junto ao STF, que explicitamente controla. Arguiu a inconstitucionalidade da própria constituição. Foi além de Chávez, que para mudar a constituição, convoca eleições de oportunidade para uma assembleia confiável ou faz plebiscito. Ortega não teve esse trabalho.

3. Propôs a inconstitucionalidade da proibição de reeleição, em nome do direito de todos serem eleitos. Isso é desdobramento da crise de Honduras em que o explícito Zelaya, não tendo apoio do parlamento, tentou aplicar o kit-chavista na marra. Mas no caso, o STF o impediu. Então a solução de Ortega foi declarar, pelo STF manipulado, inconstitucional a própria constituição. Os "magistrados" decidiram que o artigo 147 é "inaplicável" e ponto final.

4. Esse precedente cria nos países de instituições menos sólida, dois caminhos para um golpe cinza: substituir o parlamento por outro era um caminho, e agora substituir o STF por outro. A gravidade disso não tem antecedentes. Espera-se que a OEA, ou cortes internacionais acionadas se pronunciem.

(Sem comentarios, pois acho que nao precisa, a realidade basta a si mesma. PRA)

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

1437) A construcao do Apartheid no Brasil -- O pré-sal e as cotas raciais...

Também achei estranho vincular o pré-sal, a discriminacão racial e as políticas (ainda bem) reparadoras. Todos ficamos aliviados ao constatar que uma pequena parte das fabulosas riquezas do pré-sal pode e deve ir para as minorias oprimidas no país.
Ops, espere um pouco, alto lá, vamos com calma.
Também li na imprensa que, na última PNAD cerca de 54 por cento dos brasileiros se (auto)definiram como negros ou pardos. Ou seja, para todos os efeitos, afro-descendentes são maioria neztepaiz.
Sendo assim, nós brancos caucasianos é que somos minoria, e devemos, assim receber todas as proteções e benesses da lei: cotas, reservas, dinheiro do pré-sal, e tudo o que mais for.
Somos minoria (quase oprimida), em todo caso assistindo a um poderoso movimento de construção do Apartheid neztepaiz.
Não acredita? Leia abaixo...
PRA


O pré-sal e a equidade de gênero e raça
Adilton de Paula
Jornal do Brasil, 21/10/2009

RIO - No dia 5 de outubro, em Curitiba, um grupo de técnicos e especialistas nas questões de energia, raça e gênero, convidados pelo Instituto Adolpho Bauer (IAB) e pela Associação Nacional dos Coletivos de Afro-Empreendedores Brasileiros (Anceabra), discutiram O marco regulatório do pré-sal e a promoção da igualdade de gênero e raça.

Partimos do pressuposto de que o petróleo é de propriedade de todo o povo brasileiro, e que qualquer novo processo do país advindo da exploração e uso deste combustível (como no caso do pré-sal) deve reverter em benefício e riqueza para o conjunto da população brasileira.

Partimos também da premissa de que a sociedade brasileira tem uma dívida histórica com grande parcela de nossa população (negros e mulheres), a qual vem sendo excluída e precarizada ao longo da história de desenvolvimento de nosso país e sociedade. E, por isso, neste sentido, qualquer enriquecimento do país deverá levar em conta, de forma substancial, a presença desta população na distribuição e partilha destas riquezas.

Verificamos, também, que ao longo da história da sociedade brasileira, tivemos diversas benesses naturais, que geraram imensas margens de enriquecimento do país, mas que, no entanto, excluíram e impediram a participação dos negros e das mulheres deste processo. Assim foi com o ciclo da madeira, com a cana de açúcar, com o ciclo do ouro, da borracha, do café e mesmo com o amplo processo de industrialização por que passamos a partir das primeiras décadas do século passado.

Com o advento do pré-sal, economistas e especialistas mostram que o Brasil passará a ser a quinta economia mais rica do planeta. Vemos isto como altamente positivo, mas não podemos aceitar que este enriquecimento mais uma vez sirva à apropriação individual ou esteja a serviço de grupos fechados e tradicionais (homens, brancos, jovens).

Nós nos posicionamos conjuntamente com as lutas e mobilizações propostas pela FUP (Federação Unificada dos Petroleiros) e com o posicionamento da UNE (União Nacional dos Estudantes), de que a maior parcela dos recursos que serão gerados nesta nova onda de riquezas do pré-sal deverá ser direcionada ao setor educacional brasileiro.

Hoje, mais que nunca, investir em educação é investir no futuro da sociedade brasileira.

Ressaltamos, entretanto, que para não manter o criminoso fosso de separação social de classe, gênero e raça no país, é fundamental que estes recursos reforcem as políticas afirmativas como o Prouni, levando em consideração que este é um real espaço e mecanismo de promoção da justiça social e da equidade de gênero e raça.

O grupo levantou dado e informações e está produzindo um documento, mais denso de justificativa sócio-histórico, sobre o porquê e a importância de o pré-sal ser uma peça fundamental na promoção do combate ao machismo e ao racismo e na promoção da igualdade de gênero e raça.

Partimos da seguinte pergunta geradora: é possível com o pré-sal gerar riquezas e promover a igualdade de gênero e raça?

Julgamos que sim, é possível, mais que possível, é necessário e devido, já que ao longo de nossa história jogamos estas parcelas da sociedade à marginalização e as deixamos nos piores processos de pobreza e miserabilidade. Julgamos que não há desenvolvimento sustentável, sem a promoção da igualdade de gênero e raça. E entendemos que o Brasil não chegará a ser uma grande economia e uma grande nação, se não houver solidariedade e justiça social.

Acreditamos também que este é um debate muito promissor, e por isso convocamos todos a dialogar conosco.

Não queremos ficar no reducionismo do debate do pré-sal pelo pré-sal, queremos discutir crescimento e desenvolvimento, queremos discutir como fortalecer e desenvolver todo o povo brasileiro e principalmente como podemos romper com as amarras e dores da exclusão, principalmente com a exclusão de classe, gênero e raça.

Saímos desse diálogo fortalecidos e animados porque vamos fazer o debate reverberar em todas as nossas redes sociais e em todos os espaços políticos e institucionais.

Chamamos a atenção de todos e todas para a cegueira institucional e pobreza da grande mídia, que tenta nos taxar e evitar o diálogo. Solicitamos que se abra o diálogo, sem dogmas, racismos, machismos e outros preconceitos, pois temos certeza de que, com uma conversa franca e aberta, todos teremos muito mais a ganhar do que a perder.

O Congresso Nacional terá que votar o marco regulatório até o fim de outubro. Portanto, solicitamos a todos e a todas que monitorem seus políticos, enviem e-mail, telefonem, entrem em contato e perguntem sobre seus respectivos posicionamentos sobre o pré-sal e principalmente como pensam sobre este tema em conjunto com a promoção da igualdade de gênero e raça.

Defendemos o pré-sal em regime de partilha, acreditamos que esta riqueza é de todos e que por todos e todas precisa ser usufruída.

Espalhe este debate, mobilize sua família, amigos e comunidade, e vamos contribuir mais uma vez para a construção de um grande país e de uma grande nação com espaços, direitos e oportunidades iguais para todos e todas.

Adilton de Paula é presidente do Instituto Adolpho Bauer

1436) O ministro volatil e a especulacao nacional

O Ministro Mantega e o IOF sobre os capitais especulativos estrangeiros (oh, que horror!)
(eu comento a nota que segue mais abaixo, PRA)

O ministro Mantega me parece alguém bizarro, como uma pessoa que acaba de desembarcar de Vênus, de Marte, ou quem sabe até de Plutão, e ainda não percebeu que vivemos todos num único planeta, com regras que são basicamente globais, ou que pelo menos deveriam ser (salvo decreto divino).
Mas, o Brasil, parece, continua a ser o país da jabuticaba, do peru à brasileira, das coisas, enfim, feitas do nosso jeito (ou do jeito dele), sem que se perceba que as regras devem valer para todos, sem distinção.
O ministro Mantega decretou que quem faz especulação no Brasil é estrangeiro. Pior? capitalistas perversos, desembarcados de alguma nave alienígena, que vêm sugar os nossos recursos, drenar os nossos capitais, fazendo, oh, que horror!, especulações em bolsa das mais desenfreadas, entrando e saindo dos mercados de capitais com a desenvoltura de bailarinas numa peça de Tchaikowski.
Ele quer reservar a capacidade de fazer especulações apenas aos brasileiros, aos bondosos capitalistas brasileiros, que aqui residem, e que podem assim entrar e sair das bolsas, sem precisar desembarcar de naves alienígenas, com toda essa sofreguidão especulativa de que apenas os capitalistas estrangeiros são capazes.
O ministro Mantega ainda não percebeu que quem faz especulação é o próprio governo, ao mudar as regras do dia para a noite, depois voltar atrás, hesitar mais um pouco, mudar de idéia, enfim, especular com a nossa infinita paciência de ficar assistindo ao governo fazer uma bobagem atrás da outra e dizer, oh céus, quanta bondade!, que ele está protegendo o Brasil da sanha especulativa dos capitalistas estrangeiros.
O ministro Mantega ainda não percebeu que quem é volátil é especialmente o governo, e seu bando de tecnocratas amestrados nas artes de um keynesianismo vulgar, que ficam babando de raiva ao ver tanto capital estrangeiro entrar impunemente no nosso augusto país, e que ficam esperando a melhor oportunidade para se vingar desses capitalistas manhosos, de fala estrangeira, e zás, lhes aplicar um bom IOF, para que eles aprendam, de uma vez, que especulação é um jogo reservado unicamente aos brasileiros, de preferência ao próprio governo brasileiro.
O ministro Mantega e seus meninos amestrados ainda não aprenderam que existe um princípio básico nas relações econômicas internacionais que se chama tratamento nacional, que recomenda -- mas isso é apenas para os mais crentes, claro -- que se trate de igual forma os estrangeiros e os nacionais, na suposição de que ambos sabem especular por igual, em todo caso, bem menos e com menor competência do que o próprio governo.
O ministro Mantega e seus meninos amestrados ainda não aprenderam que a especulação e a volatilidade são oferecidas assim, de graça, aos capitalistas estrangeiros e brasileiros pelo próprio governo, asi no más, pelo simples fato de que é o governo quem fixa as taxas de juros, quem determina as demais condições dos mercados de crédito (dominados em mais de 60% por entidades públicas, aliás, usando os nossos recursos, FAT e tudo o mais), que é o governo quem fixa as regras das aplicações financeiras que podem e não podem ser feitas, enfim, o governo pode tudo, inclusive especular com o seu, o meu, o nosso dinheiro (como no pré-sal, como nas "mamonas assassinas" do biodiesel, como na bolha imobiliária que ele está construindo agora mesmo com o seu magnifico programa "Minha Casa Minha Vida", tão eficiente quanto o PAC), o governo é quem faz as melhores e as piores especulações privadas, públicas e outras menos conhecidas (sobretudo no orçamento congressual).
O ministro Mantega, por fim, quer proteger os capitalistas especuladores (não os nacionais, apenas os estrangeiros) de todos os riscos que eles poderiam incorrer, apostando o seu (deles) dinheiro na nossa bolsa. Vejam como ele é magnânimo: ele quer evitar que eles ganhem muito dinheiro às nossas custas, esquecendo que eles também podem perder, especulando na bolsa. Mas isso ele quer evitar, quanta bondade.
Ele quer que apenas brasileiros especulem contra o Brasil, o que, convenhamos, é uma nova espécie de reserva de mercado, digna de alguma teoria da jabuticaba (como estou elaborando uma, vou incorporar essa contribuição genial do ministro Mantega).
Enfim, o ministro Mantega é também previdente: ele quer taxar logo na entrada, e mesmo que o capitalista estrangeiro especule mal, e perca dinheiro, ele ainda assim terá de deixar 2% por cento por aqui, apenas pela permissão magnânima que lhe é dada de especular. Quanta sapiência...

Sim, quase esqueço de dizer. Tudo isso é para evitar que o real se valorize demais e o dólar deprecie. Se posso fazer uma aposta com (ou uma especulação contra) o Ministro Mantega, eu diria que isso não vai acontecer. Posso apostar um dólar furado como o real vai continuar se valorizando, mesmo com 2, 3 ou 5% de taxação.
Enfim, se me permito fazer uma sugestão para contrarrestar essa tendência: que tal se o BC deixasse de acumular absurdas reservas, notoriamente exageradas (a um custo fiscal inaceitavel, posto que se trata de dívida pública e de custo-oportunidade) e que tal se a Fazenda liberalizasse um pouco mais o comércio exterior (especialmente o de importação), para que o mercado enxugasse naturalmente os dólares em excesso?
Trata-se apenas de uma sugestão especulativa, claro...
Paulo Roberto de Almeida
22.10.209


(Ver este editorial do Estado de S. Paulo, de 23.10.2209, neste link)

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Mantega: IOF na entrada barra capital especulativo
Boletim da Liderança do PT na Câmara dos Deputados, 22.10.2009

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou ontem na Câmara que a cobrança de 2% de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas aplicações estrangeiras em ações e renda fixa não irá reduzir investimentos para as empresas, mas cumprirá o objetivo de barrar a entrada do capital especulativo no país. Mantega destacou que o governo está disposto a discutir a tributação com os setores interessados e disse acreditar numa repercussão positiva da medida.

“Nós acabamos de lançar a medida e temos de observar sua repercussão. Acredito que será positiva, mas isso não impede que a gente possa pensar em medidas complementares, adicionais. Estamos abertos a todas as propostas. Eu não podia dialogar com os setores porque não podia revelar essa medida com antecedência. Agora irei discutir com todos os setores que quiserem fazer isso”, afirmou.

Mantega disse ainda que não acredita que haja uma diminuição da abertura de capital por conta do novo IOF. “Quando se faz uma subscrição numa ação de uma empresa, a preocupação não é com o ganho financeiro, mas com a rentabilidade da empresa, o dividendo que a ação vai render. Ou seja, está-se apostando na produção e isso não foi afetado pela medida”.

O ministro disse ainda que a taxação de 2% na entrada e não na saída do capital é mais favorável. “É mais fácil tributar na entrada, porque o governo tem esse dado preciso, porque quando entra o capital de fora ele tem de fazer o câmbio, tem de traduzir de dólar ou de euros em reais, e é nesse momento em que se faz a tributação, na saída é mais complicado”, disse.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

1435) Debumking Thucydides: já estava na hora (afinal sao mais mais de 2.500 anos)

Eu adoro revisionismo histórico, sobretudo quando é bem feito. Ainda não tenho certeza sobre a obra deste revisionista americano, Donald Kagan, que se encarregou de esquartejar (no sentido acadêmico, claro) o primeiro historiador digno desse nome. Demorou um bocado, já que até aqui Tucidides foi incensado, repetido, citado, sem que alguém duvidasse da sua palavra. Ora, sendo apenas um homem, um cidadão político e, o que mais é, parte interessada numa história sempre controversa, seria natural se duvidar da sua palavra, ou da sua escrita. Afinal de contas, são 2.500 anos de distância, o que dá algum recuo histórico, que os historiadores dizem necessitar para julgar com calma eventos passados.
Ainda não conferi o material, mas vale exame acurado...
PRA

Did Thucydides Really Tell the Truth?
The hidden agenda of the pioneering historian.
By Anthony Grafton
Slate Magazine, Monday, Oct. 19, 2009
http://www.slate.com/id/2232862/

Thucydides: The Reinvention of History
Donald Kagan
Vikin, 272 p.; ISBN-13: 978-0670021291
Price: $17.79 (Amazon)

Modern readers are often shocked to learn that the Athenians—citizens of a free city who defeated the Persians when they invaded Greece, built the Parthenon, and staged the tragedies of Aeschylus and Sophocles—also massacred the citizens not of an enemy state but of a neutral power. Ancient readers were also shocked when they learned this story from the same source: Thucydides, the exiled general who recorded the atrocity, and the dialogue that preceded it, in an account that is in many ways the model for all subsequent western histories of high politics and war.

The drama is riveting. In 431 BC a conflict now called the Peloponnesian War had erupted between two sets of cities, one led by Athens and one by Sparta. It had raged for 15 years when the Athenians demanded the allegiance of the heretofore neutral Melians, whose city traced its origin to Sparta. The Melians balked, and at their request, the leaders of the two sides held a private conference.

The Athenians spoke first. With breathtaking frankness they dismissed considerations of justice as irrelevant. Justice could obtain only between equals. "For ourselves," the Athenians said, "we shall not trouble you with specious pretences … since you know as well as we do that right, as the world goes, is only in question between equals in power, while the strong do what they can and the weak suffer what they must."

The Melians claimed the right to hope that they could resist the Athenians' overwhelming power and that the gods might support them. The Athenians responded with contemptuous clarity: "Of the gods we believe, and of men we know, that by a necessary law of their nature they rule wherever they can." When the Melians refused to submit, the Athenians, helped by local traitors, besieged and captured the city. They executed all adult males, sold the women and children into slavery, and sent out colonists of their own to repopulate the island.

Powerfully written scenes like this one have fascinated, excited, and worried readers for two millennia and more. One critic, Dionysius of Halicarnassus, insisted that the Athenians' words "were appropriate to oriental monarchs addressing Greeks, but unfit to be spoken by Athenians to the Greeks whom they liberated from the Medes." Modern readers continue to feel the illuminating and frightening power of this great history, and they still try to use it to understand the present. When American soldiers destroyed villages in Vietnam, protesters at universities in the States bitterly recalled what the citizens of democratic Athens said and did at Melos.

What lesson or lessons did Thucydides hope to teach? And did his desire to draw lessons conflict with his professed belief that historians should tell the truth? Over the centuries, scholarship has grown like kudzu over the text. Older generations collated Thucydides' work with other sources and debated the order in which parts of it were composed or revised. More recently, scholars have updated an approach put forward by F.M. Cornford in 1907. They have taken the existing text as a coherent whole and used literary techniques to analyze it. From this standpoint, it looks as if when Thucydides composed the Melian dialogue, he modeled history partly on tragedy. Did he mean this distinctive episode as a comment on the war as a whole?

The literary approach is one of many that Donald Kagan does not take in his eloquent new study of Thucydides—just as the Melian dialogue is one of many passages that he does not analyze (even though he notes its suggestive power). That Kagan admires the Greek historian is clear. He argues, at length, that Thucydides invented real history. Unlike his predecessors, Thucydides believed that history must be true to be instructive,and did systematic research. Unlike them, too, he believed that men made their own history, without divine intervention, in a world ruled by force and fear. Kagan emphasizes, and shows sympathy for, Thucydides' claim that his book would offer indispensable guidance for those engaged in future wars, for centuries to come. But he argues that we should not trust Thucydides too far—not, in fact, very far at all—when it comes to understanding the Peloponnesian War.

A long-serving professor at Yale and a pre-eminent modern historian of fifth-century BC Greece, Kagan has mastered every source, from the contemporary comedies of Aristophanes and inscriptions that recorded treaties and tribute payments to the later biographies of Plutarch, that can confirm or qualify Thucydides' account. He mobilizes all of these resources to support what he presents as a revisionist approach to Thucydides. The Greek historian, Kagan notes, was not a disinterested observer but a participant in the events he described. A member of the Athenian elite, he served as a military commander, and the city sent him into exile when he failed to protect Amphipolis, a strategically valuable colony. When he began to write, he had an agenda of his own.

Thucydides' narrative, Kagan argues, was an effort to clear the Athenian elite of blame for multiple errors and to put the blame on Athenian democracy: Thucydides wanted his readers to believe that Pericles, the statesman and general who dominated Athenian politics at the start of the war, had had a viable plan to defeat the Spartans. But after he died of the plague, demagogues gained control of the city. One of them, Alcibiades, persuaded the Athenians to send an armada to Sicily. It failed catastrophically. But Thucydides insisted that the disaster wasn't the fault of the aristocratic general Nicias, who led the campaign. The decay of Athenian politics, itself largely caused by the death of Pericles and the pressures of warfare, led to the Sicilian disaster. In fact, the campaign could have worked if Nicias hadn't made crucial mistakes. For all Thucydides' careful research and for all the dry precision of much of his prose, he didn't just give the facts; he mounted a highly successful campaign to shape posterity's view of the great events of his time.

Powerfully argued and beautifully written, Kagan's book has a paradox at its core. Thucydides, according to Kagan, invented the project of objective political history. He analyzed what Machiavelli would call "the effective truth of things"—the granular, ugly facts of political life. And yet his work distorted the events in vital ways. The great revisionist who removed the gods from history played tricks of his own on the past. But no one could see through them until another great revisionist, Donald Kagan, pulled the magician's curtain to the side and revealed him at work.

All historians write in part about themselves. Kagan wants to be the heir of Thucydides, the tough-minded historian who thought the past could illuminate the future. A liberal turned conservative activist, he has used historical analogies to argue that America needs more muscular policies and stronger armed forces. But Kagan also wants to be the heir of the Athenian democratic politicians who fearlessly invaded far-off Sicily: After 9/11, he ardently supported plans for the invasion of Iraq, talking as tough as Alcibiades and disparaging unpatriotic "defeatists" who criticized the invasion or doubted its positive effects. These two ambitions are in tension, and they leave fault lines throughout Kagan's book.

Kagan has some right on his side: Thucydides did select his evidence, as all historians do, and he had firm views about the nature of the Athenian polity and much else. But his approach is only partly novel. Historians have made similar arguments for generations. Theodore Wade-Gery argued 60 years ago, in an article in a standard reference work, The Oxford Classical Dictionary, that Thucydides misrepresented major Periclean policies and actions. And the literary approach that Kagan largely rejects shows, in its own way, how Thucydides artfully shaped his material.

Thucydides also aimed at intellectual and literary targets that Kagan doesn't touch on. Kagan systematically avoids detailed discussion of passages like the Melian dialogue and Pericles' funeral oration for the Athenian dead—the set pieces that glow like literary constellations in the dark night sky of Thucydides' history, and that make it hard to use his work—even by reading it, as Kagan does, against the grain—as a warrant for imperialism.

In his account of the revolution in Corcyra, Thucydides tells his readers what happens to society, and even to language itself, in an age of civil war: "Words had to change their ordinary meaning and to take that which was now given them. Reckless audacity came to be considered the courage of a loyal ally; prudent hesitation, specious cowardice; moderation was held to be a cloak for unmanliness; ability to see all sides of a question, inaptness to act on any." Almost two and a half millennia before Orwell, Thucydides diagnosed the diseases of language caused by war and faction. He admitted that men could live by lofty sentiments in peacetime. But "war takes away the easy supply of daily wants, and so proves a rough master, that brings most men's characters to a level with their fortunes." Hence the corruption of character and language, which "have occurred and always will occur, as long as the nature of mankind remains the same."

Through the whole fever dream that is human history, no one has ever written more cogently of the disasters of war than this retired general, who saw war as the natural condition of states. No one has ever dissected more meticulously the character of a great democratic state, or revealed more vividly the moral corruption that war brings with it. Of that Thucydides—who was every bit as real as Kagan's consummately political historian, and who speaks to us every bit as powerfully—the reader will find few traces in this book.

Anthony Grafton teaches European history at Princeton. His recent books include What Was History?and Worlds Made With Words.

Article URL: http://www.slate.com/id/2232862/

1434) A vida como ela é: mas nao exatamente na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa

O reporter da Folha, Fabiano Maisonnave, correspondente em Caracas, e temporariamente deslocado para Tegucigalpa (coitado) é o que os americanos chamam de "embedded reporter", ou seja, inserido no meio da confusão. Ele manda seus relatos chistosos (como diriam nuestros hermanos) sobre o que acontece no meio que está cobrindo (acho que não vai deixar saudades em sua vida de reporter).

Zelaya é “hóspede”. E os 36 demais, o que são?
Fabiano Maisonnave
Blog da Folha de S. Paulo, 19/10/2009

Tenho evitado descrever episódios pessoais, mas o incidente da tarde de ontem é mais um exemplo de que a embaixada brasileira em Tegucigalpa, há quatro semanas abrigando Manuel Zelaya e seus “acompanhantes”, se encontra em uma situação administrativa pra lá de anômala e não deveria permanecer como está por mais tempo.
Como é de praxe, aos domingos familiares de Zelaya (e apenas dele) visitam a embaixada. Na saída, também como é de praxe, fui até o portão para ver se haveria constrangimentos na hora da sempre rigorosa revista. Estavam de saída a mãe de Zelaya, a sogra, a filha e uma neta de 4 anos.
A revista geralmente é feita bem diante do portão da embaixada. Nessas situações, os jornalistas ficamos acompanhando da calçada _pela regra dada pela polícia, ainda é “território brasileiro”. Desta vez, no entanto, o ponto era uns poucos metros mais para baixo, no meio da rua, bloqueada para veículos.
No mesmo instante, a cerca de 20 metros do portão, o padre Andrés Tamayo celebrava, na garagem, uma missa com a presença de Zelaya.
Como os leitores têm acompanhado aqui, há um crescente cerco policial-militar à embaixada, e a saída dos familiares era, a meu ver, jornalisticamente relevante.
O problema é que o “porteiro” da embaixada, Mario Irias, um ex-militar que trabalha para Zelaya, queria trancar a porta, mas eu disse para esperar até que a revista terminasse. Ele não me fez caso: simplesmente fechou a porta da embaixada comigo do lado de fora, a passos de alguns policias e militares que assistiam à cena.
Foi preciso que eu forcejasse até reabrir a porta, que é de correr. Na discussão, eu disse a ele que não poderia fechar a porta da embaixada brasileira a um cidadão do país sendo que nem sequer é funcionário.
“Estou cumprindo ordens”, disse. “Ordens de quem?”, perguntei a ele, três vezes, sem ouvir resposta.
As ordens, claro, não vieram do diplomata Lineu de Paula, o enviado do Celso Amorim. São de Zelaya e de seus “assessores de segurança”.
Obviamente, De Paula discordou e foi pedir explicações a Irias, que se justificou afirmando que Zelaya estava perto da entrada _argumento razoável, mas que ele não usou comigo, apenas me deixou do lado de fora.
Irias sabe que me colocou em situação de risco: poderia facilmente ter sido preso por um dos policiais e militares a poucos metros de mim. As pessoas que a conta-gotas deixam a embaixada só o fazem na presença de um promotor do Ministério Público, que vem com hora marcada.
O problema de fundo de tudo isso é que, embora De Paula tenha a palavra final sobre o que ocorre na embaixada, seu subordinado se resume a um guarda de uma empresa privada de segurança. Já o “batalhão” de Zelaya tem 36 pessoas. São eles, e não o pessoal da embaixada, os encarregados da limpeza, da distribuição dos quartos e dos banheiros e, principalmente, da segurança (os guarda-costas de Zelaya entregaram um pequeno arsenal de 17 armas à embaixada, que as mantém numa sala fechada).
É gente demais por tempo demais _ são 28 dias hoje que Zelaya e seus seguidores tomaram a embaixada.
Amorim já disse e redisse que o “hóspede” Zelaya pode ficar por tempo indeterminado. Mas, e os demais 36, são o quê? E por quanto tempo?
Não tem havido relatos de perseguição do lado de fora para quem já saiu _esta embaixada já suportou 313 pessoas dormindo aqui, nos primeiros dias. Conversei com duas pessoas que deixaram a casa há semanas, e ambas estão bem.
A embaixada precisa voltar a funcionar e precisa de seus funcionários. Há uma comunidade de cerca de 500 brasileiros aqui, e uma desnecessária decisão do governo brasileiro agora obriga os hondurenhos a tirar visto para viajar ao Brasil.
Se o acordo não sair hoje, já passou da hora de repensar essa hospedagem.

PS: na foto acima, um cartaz colocado pela segurança de Zelaya na entrada de metade do andar de cima da embaixada.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

1433) Semana de relacoes internacionais do Uniceub, Brasilia

Abaixo a programação da Semana de Relações Internacionais do Centro Universitário de Brasília - UniCEUB, organizada pelo Diretório Acadêmico do Curso de Relações Internacionais, da qual devo participar, em formato de workshop, nos dias 22 e 23 de outubro.
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Paulo Roberto de Almeida

IX Semana de Relações Internacionais
Centro Universitário de Brasília – UniCEUB
Diretório Acadêmico do Curso de Relações Internacionais

O Papel brasileiro no cenário internacional contemporâneo


Palestras (19h10):

Segunda – feira (19/10) – Papel da Sociedade Civil (Mediador: Emb. Fernando Guimarães Reis; diretor do Instituto Rio Branco)
O processo de formulação da política externa e a participação da sociedade

Terça – feira (20/10) – Política Externa Brasileira (Mediadora: Profa. Renata Rosa)
Marco Aurélio Garcia (PR) – “Prioridades da Política Externa Brasileira.”

Quarta – feira (21/10) – Economia Global (Mediador: Prof. Carlito Zanetti)
19h10: Prof. Renato Baumann (CEPAL/Unb) – “Os principais desafios da economia brasileira e da economia global no atual contexto internacional”
21h10: Mansueto Almeida (IPEA) – “Internacionalização das empresas brasileiras: a criação de líderes nacionais e competidores globais.”

Quinta – feira (22/10) – Comércio Internacional (Mediadora: Profa. Silvia Menicucci de Oliveira Selmi Apolinário)
19h10: Welber Barral (Secex/MDIC) – “O comportamento e perspectivas do comércio exterior brasileiro no cenário atual.”
21h10: Carlos Federico Dominguez Ávila (UNIEURO) – “A atuação do Brasil na crise hondurenha e as implicações políticas.”

Sexta – feira (23/10) – Política Externa e Direitos Humanos (Mediador: Prof. Renato Zerbini Ribeiro Leão)
19h10: Antônio Jorge Ramalho da Rocha (Unb) – “O papel da Academia na formulação da política externa brasileira.”


Workshops - 17h30 às 19h:

1) Terça, 20 e Quarta 21 - “A crise financeira de 2008: surgimento, características e perspectivas.” Prof. Márcio de Oliveira Jr.

2) Quinta 22 e Sexta 23 - “Características da Política Externa do Brasil: o jeito brasileiro de fazer diplomacia.” Prof. Paulo Roberto de Almeida.

Local: Auditório da Reitoria – Bloco 1 - SEPN 707/907 - Campus do UniCEUB - Asa Norte Brasília - DF - CEP: 70790-075

sábado, 17 de outubro de 2009

1432) Minha homenagem a Norberto Bobbio nos seus 100 anos de nascimento

A liberdade de destruir a liberdade: um aviso preventivo vindo do passado
Paulo Roberto de Almeida

Norberto Bobbio, o maior intelectual italiano do século 20, nasceu em Torino no dia 18 de outubro de 1909, e teria, portanto, neste dia 18 de outubro de 2009, exatamente cem anos, o que ele ‘falhou’ em completar em aproximadamente cinco anos, tendo falecido em Torino em 9 de janeiro de 2004. Retomo esses dados da excelente cronologia elaborada sobre sua vida e obra por Marco Revelli, no volume que adquiri recentemente em Veneza tão pronto ele foi publicado:

Norberto Bobbio
Etica e Politica: Scritti di impegno civile
Progetto editoriale e saggio introduttivo di Marco Revelli
(Milano: Arnoldo Mondadori Editore, 2009, 1718 p.; ISBN: 978-04-57314-2)
(Paguei 55 euros, o que representa 3 centavos de euro por página, cada uma bem mais valiosa em sabedoria e conhecimento do que o seu estrito valor monetário)

O volume é uma compilação de seus escritos mais importantes, divididos em cinco partes, começando por sua Autobiografia intellettuale: Compagni e Maestri (seus colegas de colégio, de universidade e de lutas políticas, sobretudo antifascistas e pela liberdade e democracia na Itália republicana do pós-guerra); Valori Politici e Dilemmi Etici (escritos e conferências sobre a ética e a política, sobre a liberdade e a igualdade, sobre a paz e a guerra); Le Forme della Politica (seus textos mais famosos de polêmica: Democrazia e dittatura, Socialismo e comunismo e Destra e sinistra); e, ao final, Congedo (seus escritos da idade senil: De senectute e A me stesso).
O livro é precedido por uma introdução magistral de Marco Revelli (Nel labirinto del Novecento), de uma cronologia e notas a esta edição, do mesmo autor, que também complementa o livro por notas sobre os textos, por uma bibliografia completíssima e por um índice dos nomes (não, infelizmente não existe um índice de ideias, que teria sido um instrumento muito útil ao pesquisador).

O livro é um tesouro de trouvailles (como os textos sobre os amigos, homenagens publicadas em revistas, para nós obscuras, geralmente por ocasião da morte de cada um deles; e Bobbio sobreviveu à maior parte dei suoi compagni), assim como um instrumento poderoso de referências sobre todos os seus trabalhos publicados, aqui apenas selecionados. Bobbio tem, segundo Revelli, 4.803 escritos catalogados, em todas as categorias – livros, artigos, conferências, entrevistas – o que daria 128 volumes, com 944 artigos, 1.452 ensaios, 457 entrevistas, 316 palestras). Ufa!: vai ser preciso alguém tempo para ler tudo, por isso mesmo este volume é um achado.

Na impossibilidade de falar aqui de todos, ou sequer dos mais importantes textos selecionados neste volume, prefiro fazer uma transcrição de um dos escritos compilados por Revelli, que talvez guarde alguma similaridade com a situação política do Brasil atual. Ele foi escrito por Norberto Bobbio em 1969 e fazia parte de uma homenagem prestada ao seu colega de colégio Leone Ginzburg, intelectual de origem russa, judeu, lutador antifascista, assassinado pela Gestapo em Roma, em 1944. No 25o. aniversário de sua morte, Bobbio publicou uma carta numa edição especial, Dialogo con Leone Ginzburg, na revista Resistenza (a. XXXIII, n. 4, aprile 1969), na qual dizia o seguinte (transcrevo o original italiano, e depois tento a minha tradução improvisada):

Oggi, sappiamo che la libertà si può usare per il bene e per il male. Si può usare non per educare ma per corrompere, non per accrescere il proprio patrimonio ideale ma per dilapidarlo, non per rendere gli uomini più saggi e nobili, ma per renderli più ignoranti e volgari. La libertà si può anche sprecare. Si può sprecarla fino al punto di farla apparire inutile, un bene non necessario, anzi dannoso. E a furia di sprecarla, un giorno o l’altro (vicino? lontano?) la perderemo. Ce la toglieranno. Non sappiamo ancora chi: se coloro che abbiamo lasciato prosperare alla nostra destra, o coloro che stanno crescendo tumultuosamente alla nostra sinistra. Abbiamo comunque il sospetto, alimentato da una continua severa lezione durata mezzo secolo, che la differenza non sarà molto grande. (p. cviii-cix)

(tradução não autorizada, e sobretudo não competente, de Paulo R. de Almeida:)
Hoje, sabemos que a liberdade pode ser usada para o bem e para o mal. Ela pode ser usada não para educar, mas para corromper, não para aumentar o próprio patrimônio ideal [mental], mas para dilapidá-lo, não para tornar os homens mais sábios e nobres, mas para torná-los mais ignorantes e vulgares. A liberdade pode inclusive ser desperdiçada. Pode-se desperdiçá-la até o limite de fazê-la parecer inútil, um bem não necessário, aliás prejudicial. E nessa fúria de desperdiçá-la, um dia ou outro (próximo? longínquo?) nós a perderemos. Vão tirá-la de nós. Não sabemos ainda quem: se aqueles que deixamos prosperar à nossa direita, ou aqueles que estão crescendo tumultuosamente à nossa esquerda. Temos de toda forma a suspeita, alimentada por uma contínua e grave lição que perdurou por meio século, que a diferença não será muito grande.

Acredito, pessoalmente, que esta advertência de Bobbio, feita no seguimento das convulsões estudantis que agitaram a Europa, e um pouco todo o mundo, a partir de 1968, com seu cortejo de atos libertários, bastante criatividade e espontaneidade, mas também com muitas exibições de irracionalidade anticapitalista e de comportamentos antidemocráticos – basta dizer que a Revolução Cultural chinesa, um exemplo extremo de irracionalidade obscurantista, era saudada pelos revoltosos de “maio de 1968” como se fosse a libertação final da exploração capitalista e da democracia burguesa –, se aplica inteiramente à conjuntura presente no Brasil, com seu cortejo de ataques velados à liberdade de imprensa, seu festival de banalidades políticas e de irracionalidades econômicas, enfim suas ameaças latentes a uma liberdade duramente conquistada em algumas décadas de lutas democráticas (hoje enganosamente apropriadas por aqueles mesmos que queriam esmagar a liberdade no altar de suas crenças ultrapassadas).
Bobbio nasceu numa Itália pré-fascista, cresceu na crise política do pós-primeira guerra, atravessou todo o período de totalitarismo mussoliniano (tendo inclusive, por razões familiares, flertado com o movimento em sua juventude), se fez homem na luta antifascista dos anos 1930 e 40, participou da construção constitucional da Itália liberada e republicana do pós-segunda guerra, e deu sua imensa contribuição intelectual para os debates do seu tempo: as difíceis escolhas entre liberdade e igualdade, entre democracia representativa e seus simulacros pela via direta ou plebiscitária – um cenário que infelizmente ressurge de maneira irracional na América Latina – e faleceu sem ter visto o sistema político italiano expurgado das pragas da corrupção e do loteamento das instituições estatais por políticos fisiológicos.
A sua Itália era – e é – muito parecida com o Brasil em seus “costumes” políticos. Pena que não ostentemos (ainda?) nenhum Norberto Bobbio entre nós.
Minhas homenagens a Norberto Bobbio em seus ‘100’ anos de vida...

Brasília, 2051: 17.10.2009

1431) A OTAN bolivariana: estava demorando para sair...

Bem, a Alba ja constitui, como sabemos, uma dinâmica, vibrante e, sobretudo, poderosa zona de livre comércio, uma união econômica, visando à integração política.
Nada mais justo, portanto, que ela também constitua uma espécie de OTAN bolivariana, já dispondo inclusive do seu comandante em chefe: tudo será mais facil e rápido, pois dólares nao parecem faltar ao coronel. (Sim, mas ele pretende substituir o comércio em dólares, pelo Sucre, apenas criado: resta saber como vai adquirir armas em Sucre...).
No resto, se trata de uma séria concorrência ao projeto brasileiro vagamente similar: o Conselho Sul-Americano de Defesa.
Parece que, não mais que de repente, surgem concorrentes para as iniciativas brasileiras na região, como se o coronel fosse um partidário dos regimes concorrenciais, ou seja, que vença o melhor...
Aliás, havia um observador russo na reunião da Alba: vamos ver o que dizem aqueles que não gostam de ingerências externas na região, e que achavam (acham ainda) que os acordos Colômbia-EUA constituem uma séria ameaça à paz e à segurança na região...
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Paulo Roberto de Almeida

Chávez propone crear un organismo militar del Alba
17.10.09

Según Chávez, la máxima expresión de la derecha está en Honduras.


Bolivia - Los presidentes de Alternativa Bolivariana para los Pueblos de América (ALBA) anunciaron que crearán un "consejo de seguridad" regional para garantizar la democracia en el bloque y encomendaron a su comisión política estudiar un proyecto para debatirlo en la próxima cumbre presidencial.

La iniciativa surgió del presidente venezolano Hugo Chávez en la VII Cumbre del ALBA que comenzó el viernes en esta ciudad del centro de este país y fue respaldada por sus colegas de Bolivia, Ecuador y por delegaciones de Cuba y las islas caribeñas que integran el bloque.

Chávez sugirió que el órgano debería denominarse consejo de seguridad del ALBA pero su colega de Bolivia Evo Morales sugirió la creación de la "escuela militar de la dignidad y soberanía del ALBA para el desarrollo de nueva doctrina militar" distante de aquella que Estados Unidos fomentó en el continente en décadas pasadas en materia de seguridad nacional.

El presidente venezolano dijo que "las fuerzas de la derecha nacionales e internacionales estarían más de uno tocando las puertas de los cuarteles... de esos órganos de inteligencia golpistas, asesinos"

"No podemos nosotros quedarnos de brazos cruzados porque ésa es una amenaza que está latente allí y está en su máxima expresión en Honduras. Creo que debemos tomar esa propuesta (de Morales) de crear un organismo militar de los países del ALBA", señaló.

"Nosotros deberíamos incluso incrementar las labores de todo lo que es entrenamiento y adiestramiento conjunto. Deberíamos hacer maniobras terrestres, aéreas, marítimas" dijo Chávez y agregó: "Yo no sé que va a pasar en Honduras, pero los pueblos tienen derecho a la resistencia, incluso armada...".

"Queremos revoluciones pacíficas, pero que no nos obliguen a regresar a la Sierra Maestra y hacer un Vietnam, dos Vietnam, tres Vietnam en América Latina. Esto se lo digo con mucha firmeza a los imperialistas y a los gorilas que están por allí y que creen que van a instalar de nuevo en este continente la era de las cavernas", sostuvo.

Presidentes y delegados de alto nivel de los países del ALBA inauguraron el viernes en esta ciudad la séptima cumbre de este bloque, en la que intervino un enviado del mandatario de Rusia, que expresó el deseo de profundizar relaciones multilaterales y bilaterales con las naciones de la región.

Rusia fue uno de los países invitados a la cumbre en la que toman parte los presidentes de Bolivia, Evo Morales; Ecuador, Rafael Correa, y Venezuela Hugo Chávez. También asisten los primeros ministros de Dominica, Roosevelt Skerit; de Antigua y Barbuda, Winston Baldwin Spencer, y de San Vicente y las Granadinas, Ralph Gonsalves.

Se anunció que el presidente de Nicaragua, Daniel Ortega, llegará el sábado mientras que el presidente cubano Raúl Castro delegó su representación al vicepresidente José Ramón Machado.

El ALBA está integrado por Bolivia, Ecuador, Venezuela, Cuba, Nicaragua, Dominica, San Vicente y las Granadinas, y Antigua y Barbuda.

Los mandatarios también aprobaron un tratado para poner en vigencia desde el próximo año el Sistema Unificado de Compensación de Pagos (Sucre) que será un mecanismo de pago del comercio intraregional y que en el futuro podría derivar en una moneda común para los países. El convenio aprobado señala que el Sucre ha sido creado como "instrumento de soberanía monetaria y financiera y para eliminar la dependencia del dólar".

La primera jornada tuvo un desarrollo apresurado debido a que Correa debe retornar a su país el domingo.

En forma paralela, líderes indígenas andinos, afrodescendientes, caribeños, representantes de pueblos originarios de Canadá y activistas, perfilan en la cumbre social un "modelo de desarrollo más armónico con la naturaleza" y reflexionan sobre "economía comunitaria, soberanía alimentaria, crisis civilizatoria, cambio climático y derechos de la madre tierra".

Ambas cumbres concluirán el sábado en un estadio de fútbol donde se encontrarán los mandatarios con líderes sociales.

Se trata del quinto año del ALBA que nació en el 2004 bajo el patrocinio de Cuba y Venezuela y como un alternativa al Area de Libre Comercio de las Américas, ALCA, promovida por el ex presidente de Estados Unidos George W. Bush.

1430) Mitos sobre o FMI - Mailson da Nobrega

Mitos e verdades sobre o FMI
Maílson da Nóbrega
Veja, 17.10.2009

"O G-20 não substituiu o FMI nem diminuiu sua importância. O Fundo foi a organização
mais citada no comunicado: 31 vezes"

As cenas se repetiram em mais uma reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI), realizada em Istambul, na Turquia. Durante o evento, encerrado no último dia 7, hordas de jovens bem vestidos e dizendo-se antiglobalização bloquearam ruas, promoveram arruaças e depredaram caixas automáticos e lojas que nada tinham a ver. Estudantes empunharam cartazes com os dizeres "FMI, fora de nossa cidade".

A dificuldade de entender para que serve o FMI não é privilégio dessas turbas, que costumam se guiar por uma mistura de ignorância, preconceitos anticapitalistas e vetustos ideais marxistas. Nos seus tempos de oposição, o presidente Lula também entoava o "Fora FMI" para desancar os acordos que o Brasil celebrava para enfrentar as crises vindas do exterior ou produzidas por nossos próprios desequilíbrios.

Talvez movido pelas reminiscências daqueles tempos, Lula comemorou de forma canhestra o resultado da reunião do G-20 em 25 de setembro de 2009. Em vez de celebrar duas decisões históricas – a transformação do G-20 em principal fórum de cooperação econômica mundial e a transferência de 5% de cotas do FMI dos países ricos para os emergentes –, o presidente preferiu dissertar sobre o vazio.

Disse que o G-20 não terá ingerência nos países: "A política de constrangimento era antes, quando o FMI ficava mandando os países fazer ajuste fiscal e acabava atrofiando a economia". Para o ministro da Fazenda, o FMI ficou subordinado ao G-20. Quanta confusão!

O G-20 existe para discutir a cooperação e a coordenação de políticas, em especial no campo financeiro. Seus comunicados orientam decisões de instituições multilaterais. Representam apoio político para mudanças institucionais nos respectivos países. É um colegiado que não tem como se ingerir em assuntos internos de seus membros.

O FMI, criado em 1944, tem por objetivo "fomentar a cooperação global, assegurar a estabilidade financeira, facilitar o comércio internacional, promover o emprego e o crescimento sustentáveis e reduzir a pobreza". É um mandato para nenhum "desenvolvimentista" botar defeito.

O FMI exerce suas funções de três formas: (1) monitoramento da situação econômica e financeira, visando a prevenir crises; (2) auxílio a países em crise, mediante o fornecimento temporário de recursos e o apoio a medidas para corrigir seus desequilíbrios; (3) assistência técnica e treinamento em áreas de sua especialidade.

Regra geral, o FMI ajuda países a enfrentar dificuldades de acesso a financiamento externo. Por isso, a entrega dos recursos depende de medidas (as chamadas condicionalidades) para atacar as fontes dessas dificuldades, o que reduz por um tempo a atividade econômica e o emprego. Daí a ideia de que o Fundo prejudica o país.

Ocorre que não estabelecer tais condições seria contrário aos interesses de longo prazo do próprio país. Equivaleria a tratar uma doença grave sem prescrever remédios às vezes amargos e não mudar condutas nocivas à saúde do paciente. Feito de seres humanos, o FMI erra, mas é no mínimo exagero rotular os seus acordos como interferência em um país, mesmo porque se pode recusá-los. Foi o que fez Juscelino Kubitschek, que preferiu evitar medidas impopulares contra a inflação ascendente.

As condicionalidades se aplicam a quaisquer países em dificuldades que precisem do apoio financeiro do FMI para superá-las. Ricos, emergentes ou pobres. Os primeiros, ainda nos anos 40, foram a França, a Holanda e o Reino Unido. Esse último, resgatado de uma crise cambial na segunda investidura de Harold Wilson como primeiro-ministro (1974-1976), teve de ajustar-se.

Na atual crise financeira mundial, o FMI criou uma linha flexível para países de comprovada gestão macroeconômica responsável. México e Colômbia a utilizaram. Se quisesse, o Brasil poderia ter feito o mesmo. Os três conduzem políticas semelhantes às prescritas pelo FMI em crises passadas.

Ao contrário do que se disse por aqui, o G-20 não substituiu o FMI nem diminuiu sua importância. O Fundo foi a organização mais citada no comunicado: 31 vezes. Acontece que muitos preferem os mitos. Dá para entender. Fica bem falar mal do FMI ou tripudiar sobre seus supostos infortúnios.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

1429) Um blog contra o racismo oficial (e promovido pelo governo)

Um blog contra o racismo e a racialização do Brasil

Apoio totalmente o blog Contra a racialização do Brasil, neste link.
No “Quem somos”, lê-se: “Somos um grupo contra o racismo e a racializaçao racialização do País, composto por sociólogos, antropólogos, juristas, médicos, biólogos, historiadores e líderes de movimentos sociais. A diversidade de opiniões e de visões de mundo é evidente“.

Transcrevo a carta de 21 de abril de 2008 contra o racismo oficial.

A famosa "Carta dos 113 intelectuais contra a Racialização do Brasil"
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Nós, intelectuais da sociedade civil, sindicalistas, empresários e ativistas dos movimentos negros e outros movimentos sociais, dirigimo-nos respeitosamente aos Juízes da corte mais alta, que recebeu do povo constituinte a prerrogativa de guardiã da Constituição, para oferecer argumentos contrários à admissão de cotas raciais na ordem política e jurídica da República.

Na seara do que Vossas Excelências dominam, apontamos a Constituição Federal, no seu Artigo 19, que estabelece: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”. O Artigo 208 dispõe que: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”.

As palavras da Lei emanam de uma tradição brasileira, que cumpre exatos 120 anos desde a Abolição da escravidão, de não dar amparo a leis e políticas raciais. No intuito de justificar o rompimento dessa tradição, os proponentes das cotas raciais sustentam que o princípio da igualdade de todos perante a lei exige tratar desigualmente os desiguais. Ritualmente, eles citam a Oração aos Moços, na qual Rui Barbosa, inspirado em Aristóteles, explica que: “A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade.” O método de tratar desigualmente os desiguais, a que se refere, é aquele aplicado, com justiça, em campos tão distintos quanto o sistema tributário, por meio da tributação progressiva, e as políticas sociais de transferência de renda. Mas a sua invocação para sustentar leis raciais não é mais que um sofisma.

Os concursos vestibulares, pelos quais se dá o ingresso no ensino superior de qualidade “segundo a capacidade de cada um”, não são promotores de desigualdades, mas se realizam no terreno semeado por desigualdades sociais prévias. A pobreza no Brasil tem todas as cores. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2006, entre 43 milhões de pessoas de 18 a 30 anos de idade, 12,9 milhões tinham renda familiar per capita de meio salário mínimo ou menos. Neste grupo mais pobre, 30% classificavam-se a si mesmos como “brancos”, 9% como “pretos”, e 60% como “pardos”. Desses 12,9 milhões, apenas 21% dos “brancos” e 16% dos “pretos” e “pardos” haviam completado o ensino médio, mas muito poucos, de qualquer cor, continuaram estudando depois disso. Basicamente, são diferenças de renda, com tudo que vem associado a elas, e não de cor, que limitam o acesso ao ensino superior.

Apresentadas como maneira de reduzir as desigualdades sociais, as cotas raciais não contribuem para isso, ocultam uma realidade trágica e desviam as atenções dos desafios imensos e das urgências, sociais e educacionais, com os quais se defronta a nação. E, contudo, mesmo no universo menor dos jovens que têm a oportunidade de almejar o ensino superior de qualidade, as cotas raciais não promovem a igualdade, mas apenas acentuam desigualdades prévias ou produzem novas desigualdades:

§ As cotas raciais exclusivas, como aplicadas, entre outras, na Universidade de Brasília (UnB), proporcionam a um candidato definido como “negro” a oportunidade de ingresso por menor número de pontos que um candidato definido como “branco”, mesmo se o primeiro provém de família de alta renda e cursou colégios particulares de excelência e o segundo provém de família de baixa renda e cursou escolas públicas arruinadas. No fim, o sistema concede um privilégio para candidatos de classe média arbitrariamente classificados como “negros”;

§ As cotas raciais embutidas no interior de cotas para candidatos de escolas públicas, como aplicadas, entre outras, pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), separam os alunos proveniente de famílias com faixas de renda semelhantes em dois grupos “raciais” polares, gerando uma desigualdade “natural” num meio caracterizado pela igualdade social. O seu resultado previsível é oferecer privilégios para candidatos definidos arbitrariamente como “negros” que cursaram escolas públicas de melhor qualidade, em detrimento de seus colegas definidos como “brancos” e de todos os alunos de escolas públicas de pior qualidade.

A PNAD de 2006 informa que 9,41 milhões de estudantes cursavam o ensino médio, mas apenas 5,87 milhões freqüentavam o ensino superior, dos quais só uma minoria de 1,44 milhão estavam matriculados em instituições superiores públicas. As leis de cotas raciais não alteram em nada esse quadro e não proporcionam inclusão social. Elas apenas selecionam “vencedores” e “perdedores”, com base num critério altamente subjetivo e intrinsecamente injusto, abrindo cicatrizes profundas na personalidade dos jovens, naquele momento de extrema fragilidade que significa a disputa, ainda imaturos, por uma vaga que lhes garanta o futuro.

Queremos um Brasil onde seus cidadãos possam celebrar suas múltiplas origens, que se plasmam na criação de uma cultura nacional aberta e tolerante, no lugar de sermos obrigados a escolher e valorizar uma única ancestralidade em detrimento das outras. O que nos mobiliza não é o combate à doutrina de ações afirmativas, quando entendidas como esforço para cumprir as Declarações Preambulares da Constituição, contribuindo na redução das desigualdades sociais, mas a manipulação dessa doutrina com o propósito de racializar a vida social no país. As leis que oferecem oportunidades de emprego a deficientes físicos e que concedem cotas a mulheres nos partidos políticos são invocadas como precedentes para sustentar a admissibilidade jurídica de leis raciais. Esse segundo sofisma é ainda mais grave, pois conduz à naturalização das raças. Afinal, todos sabemos quem são as mulheres e os deficientes físicos, mas a definição e delimitação de grupos raciais pelo Estado é um empreendimento político que tem como ponto de partida a negação daquilo que nos explicam os cientistas.

Raças humanas não existem. A genética comprovou que as diferenças icônicas das chamadas “raças” humanas são características físicas superficiais, que dependem de parcela ínfima dos 25 mil genes estimados do genoma humano. A cor da pele, uma adaptação evolutiva aos níveis de radiação ultravioleta vigentes em diferentes áreas do mundo, é expressa em menos de 10 genes! Nas palavras do geneticista Sérgio Pena: “O fato assim cientificamente comprovado da inexistência das ‘raças’ deve ser absorvido pela sociedade e incorporado às suas convicções e atitudes morais Uma postura coerente e desejável seria a construção de uma sociedade desracializada, na qual a singularidade do indivíduo seja valorizada e celebrada. Temos de assimilar a noção de que a única divisão biologicamente coerente da espécie humana é em bilhões de indivíduos, e não em um punhado de ‘raças’.” (“Receita para uma humanidade desracializada”, Ciência Hoje Online, setembro de 2006).

Não foi a existência de raças que gerou o racismo, mas o racismo que fabricou a crença em raças. O “racismo científico” do século XIX acompanhou a expansão imperial européia na África e na Ásia, erguendo um pilar “científico” de sustentação da ideologia da “missão civilizatória” dos europeus, que foi expressa celebremente como o “fardo do homem branco”.

Os poderes coloniais, para separar na lei os colonizadores dos nativos, distinguiram também os nativos entre si e inscreveram essas distinções nos censos. A distribuição de privilégios segundo critérios etno-raciais inculcou a raça nas consciências e na vida política, semeando tensões e gestando conflitos que ainda perduram. Na África do Sul, o sistema do apartheid separou os brancos dos demais e foi adiante, na sua lógica implacável, fragmentando todos os “não-brancos” em grupos étnicos cuidadosamente delimitados. Em Ruanda, no Quênia e em tantos outros lugares, os africanos foram submetidos a meticulosas classificações étnicas, que determinaram acessos diferenciados aos serviços e empregos públicos. A produção política da raça é um ato político que não demanda diferenças de cor da pele.

O racismo contamina profundamente as sociedades quando a lei sinaliza às pessoas que elas pertencem a determinado grupo racial – e que seus direitos são afetados por esse critério de pertinência de raça. Nos Estados Unidos, modelo por excelência das políticas de cotas raciais, a abolição da escravidão foi seguida pela produção de leis raciais baseadas na regra da “gota de sangue única”. Essa regra, que é a negação da mestiçagem biológica e cultural, propiciou a divisão da sociedade em guetos legais, sociais, culturais e espaciais. De acordo com ela, as pessoas são, irrevogavelmente, “brancas” ou “negras”. Eis aí a inspiração das leis de cotas raciais no Brasil.

“Eu tenho o sonho que meus quatro pequenos filhos viverão um dia numa nação na qual não serão julgados pela cor da sua pele mas pelo conteúdo de seu caráter”. Há 45 anos, em agosto, Martin Luther King abriu um horizonte alternativo para os norte-americanos, ancorando-o no “sonho americano” e no princípio político da igualdade de todos perante a lei, sobre o qual foi fundada a nação. Mas o desenvolvimento dessa visão pós-racial foi interrompido pelas políticas racialistas que, a pretexto de reparar injustiças, beberam na fonte envenenada da regra da “gota de sangue única”. De lá para cá, como documenta extensamente Thomas Sowell em Ação afirmativa ao redor do mundo: um estudo empírico (Univer Cidade, 2005), as cotas raciais nos Estados Unidos não contribuíram em nada para reduzir desigualdades mas aprofundaram o cisma racial que marca como ferro em brasa a sociedade norte-americana.

“É um impasse racial no qual estamos presos há muitos anos”, na constatação do senador Barack Obama, em seu discurso pronunciado a 18 de março, que retoma o fio perdido depois do assassinato de Martin Luther King. O “impasse” não será superado tão cedo, em virtude da lógica intrínseca das leis raciais. Como assinalou Sowell, com base em exemplos de inúmeros países, a distribuição de privilégios segundo critérios etno-raciais tende a retroalimentar as percepções racializadas da sociedade – e em torno dessas percepções articulam-se carreiras políticas e grupos organizados de pressão.

Mesmo assim, algo se move nos Estados Unidos. Há pouco, repercutindo um desencanto social bastante generalizado com o racialismo, a Suprema Corte declarou inconstitucionais as políticas educacionais baseadas na aplicação de rótulos raciais às pessoas. No seu argumento, o presidente da Corte, juiz John G. Roberts Jr., escreveu que “o caminho para acabar com a discriminação baseada na raça é acabar com a discriminação baseada na raça”. Há um sentido claro na reiteração: a inversão do sinal da discriminação consagra a raça no domínio da lei, destruindo o princípio da cidadania.

Naquele julgamento, o juiz Anthony Kennedy alinhou-se com a maioria, mas proferiu um voto separado que contém o seguinte protesto: “Quem exatamente é branco e quem é não-branco? Ser forçado a viver sob um rótulo racial oficial é inconsistente com a dignidade dos indivíduos na nossa sociedade. E é um rótulo que um indivíduo é impotente para mudar!”. Nos censos do IBGE, as informações de raça/cor abrigam a mestiçagem e recebem tratamento populacional. As leis raciais no Brasil são algo muito diferente: elas têm o propósito de colar “um rótulo que um indivíduo é impotente para mudar” e, no caso das cotas em concursos vestibulares, associam nominalmente cada jovem candidato a uma das duas categorias “raciais” polares, impondo-lhes uma irrecorrível identidade oficial.

O juiz Kennedy foi adiante e, reconhecendo a diferença entre a doutrina de ações afirmativas e as políticas de cotas raciais, sustentou a legalidade de iniciativas voltadas para a promoção ativa da igualdade que não distinguem os indivíduos segundo rótulos raciais. Reportando-se à realidade norte-americana da persistência dos guetos, ele mencionou, entre outras, a seleção de áreas residenciais racialmente segregadas para os investimentos prioritários em educação pública.

No Brasil, difunde-se a promessa sedutora de redução gratuita das desigualdades por meio de cotas raciais para ingresso nas universidades. Nada pode ser mais falso: as cotas raciais proporcionam privilégios a uma ínfima minoria de estudantes de classe média e conservam intacta, atrás de seu manto falsamente inclusivo, uma estrutura de ensino público arruinada. Há um programa inteiro de restauração da educação pública a se realizar, que exige políticas adequadas e vultosos investimentos. É preciso elevar o padrão geral do ensino mas, sobretudo, romper o abismo entre as escolas de qualidade, quase sempre situadas em bairros de classe média, e as escolas devastadas das periferias urbanas, das favelas e do meio rural. O direcionamento prioritário de novos recursos para esses espaços de pobreza beneficiaria jovens de baixa renda de todos os tons de pele – e, certamente, uma grande parcela daqueles que se declaram “pardos” e “pretos”.

A meta nacional deveria ser proporcionar a todos um ensino básico de qualidade e oportunidades verdadeiras de acesso à universidade. Mas há iniciativas a serem adotadas, imediatamente, em favor de jovens de baixa renda de todas as cores que chegam aos umbrais do ensino superior, como a oferta de cursos preparatórios gratuitos e a eliminação das taxas de inscrição nos exames vestibulares das universidades públicas. Na Universidade Estadual Paulista (Unesp), o Programa de Cursinhos Pré-Vestibulares Gratuitos, destinado a alunos egressos de escolas públicas, atendeu em 2007 a 3.714 jovens, dos quais 1.050 foram aprovados em concursos vestibulares, sendo 707 em universidades públicas. Medidas como essa, que não distinguem os indivíduos segundo critérios raciais abomináveis, têm endereço social certo e contribuem efetivamente para a amenização das desigualdades.

A sociedade brasileira não está livre da chaga do racismo, algo que é evidente no cotidiano das pessoas com tom de pele menos claro, em especial entre os jovens de baixa renda. A cor conta, ilegal e desgraçadamente, em incontáveis processos de admissão de funcionários. A discriminação se manifesta de múltiplas formas, como por exemplo na hora das incursões policiais em bairros periféricos ou nos padrões de aplicação de ilegais mandados de busca coletivos em áreas de favelas.

Por certo existe preconceito racial e racismo no Brasil, mas o Brasil não é uma nação racista. Depois da Abolição, no lugar da regra da “gota de sangue única”, a nação brasileira elaborou uma identidade amparada na idéia anti-racista de mestiçagem e produziu leis que criminalizam o racismo. Há sete décadas, a República não conhece movimentos racistas organizados ou expressões significativa de ódio racial. O preconceito de raça, acuado, refugiou-se em expressões oblíquas envergonhadas, temendo assomar à superfície. A condição subterrânea do preconceito é um atestado de que há algo de muito positivo na identidade nacional brasileira, não uma prova de nosso fracasso histórico.

“Quem exatamente é branco e quem é não-branco?” – a indagação do juiz Kennedy provoca algum espanto nos Estados Unidos, onde quase todos imaginam conhecer a identidade “racial” de cada um, mas parece óbvia aos ouvidos dos brasileiros. Entre nós, casamentos interraciais não são incomuns e a segregação residencial é um fenômeno basicamente ligado à renda, não à cor da pele. Os brasileiros tendem a borrar as fronteiras “raciais”, tanto na prática da mestiçagem quanto no imaginário da identidade, o que se verifica pelo substancial e progressivo incremento censitário dos “pardos”, que saltaram de 21% no Censo de 1940 para 43% na PNAD de 2006, e pela paralela redução dos “brancos” (de 63% para 49%) ou “pretos” (de 15% para 7%).

A percepção da mestiçagem, que impregna profundamente os brasileiros, de certa forma reflete realidades comprovadas pelos estudos genéticos. Uma investigação já célebre sobre a ancestralidade de brasileiros classificados censitariamente como “brancos”, conduzida por Sérgio Pena e sua equipe da Universidade Federal de Minas Gerais, comprovou cientificamente a extensão de nossas miscigenações. “Em resumo, estes estudos filogeográficos com brasileiros brancos revelaram que a imensa maioria das patrilinhagens é européia, enquanto a maioria das matrilinhagens (mais de 60%) é ameríndia ou africana” (PENA, S. “Pode a genética definir quem deve se beneficiar das cotas universitárias e demais ações afirmativas?”, Estudos Avançados 18 (50), 2004). Especificamente, a análise do DNA mitocondrial, que serve como marcador de ancestralidades maternas, mostrou que 33% das linhagens eram de origem ameríndia, 28% de origem africana e 39% de origem européia.

Os estudos de marcadores de DNA permitem concluir que, em 2000, existiam cerca de 28 milhões de afrodescendentes entre os 90,6 milhões de brasileiros que se declaravam “brancos” e que, entre os 76,4 milhões que se declaravam “pardos” ou “pretos”, 20% não tinham ancestralidade africana. Não é preciso ir adiante para perceber que não é legítimo associar cores de pele a ancestralidades e que as operações de identificação de “negros” com descendentes de escravos e com “afrodescentes” são meros exercícios da imaginação ideológica. Do mesmo modo, a investigação genética evidencia a violência intelectual praticada pela unificação dos grupos censitários “pretos” e “pardos” num suposto grupo racial “negro”.

Mas a violência não se circunscreve à esfera intelectual. As leis de cotas raciais são veículos de uma engenharia política de fabricação ou recriação de raças. Se, individualmente, elas produzem injustiças singulares, socialmente têm o poder de gerar “raças oficiais”, por meio da divisão dos jovens estudantes em duas raças polares. Como, no Brasil, não sabemos quem exatamente é “negro” e quem é “não-negro”, comissões de certificação racial estabelecidas pelas universidades se encarregam de traçar uma fronteira. A linha divisória só se consolida pela validação oficial da autodeclaração dos candidatos, num processo sinistro em que comissões universitárias investigam e deliberam sobre a “raça verdadeira” dos jovens a partir de exames de imagens fotográficas ou de entrevistas identitárias. No fim das contas, isso equivale ao cancelamento do princípio da autodeclaração e sua substituição pela atribuição oficial de identidades raciais.

Na UnB, uma comissão de certificação racial composta por professores e militantes do movimento negro chegou a separar dois irmãos gêmeos idênticos pela fronteira da raça. No Maranhão, produziram-se fenômenos semelhantes. Pelo Brasil afora, os mesmos candidatos foram certificados como “negros” em alguma universidade mas descartados como “brancos” em outra. A proliferação das leis de cotas raciais demanda a produção de uma classificação racial geral e uniforme. Esta é a lógica que conduziu o MEC a implantar declarações raciais nominais e obrigatórias no ato de matrícula de todos os alunos do ensino fundamental do país. O horizonte da trajetória de racialização promovida pelo Estado é o estabelecimento de um carimbo racial compulsório nos documentos de identidade de todos os brasileiros. A história está repleta de barbaridades inomináveis cometidas sobre a base de carimbos raciais oficialmente impostos.

A propaganda cerrada em favor das cotas raciais assegura-nos que os estudantes universitários cotistas exibem desempenho similar ao dos demais. Os dados concernentes ao tema são esparsos, contraditórios e pouco confiáveis. Mas isso é essencialmente irrelevante, pois a crítica informada dos sistemas de cotas nunca afirmou que estudantes cotistas seriam incapazes de acompanhar os cursos superiores ou que sua presença provocaria queda na qualidade das universidades. As cotas raciais não são um distúrbio no ensino superior, mas a face mais visível de uma racialização oficial das relações sociais que ameaça a coesão nacional.

A crença na raça é o artigo de fé do racismo. A fabricação de “raças oficiais” e a distribuição seletiva de privilégios segundo rótulos de raça inocula na circulação sanguínea da sociedade o veneno do racismo, com seu cortejo de rancores e ódios. No Brasil, representaria uma revisão radical de nossa identidade nacional e a renúncia à utopia possível da universalização da cidadania efetiva.

Ao julgar as cotas raciais, o STF não estará deliberando sobre um método de ingresso nas universidades, mas sobre o significado da nação e a natureza da Constituição. Leis raciais não ameaçam uma “elite branca”, conforme esbravejam os racialistas, mas passam uma fronteira brutal no meio da maioria absoluta dos brasileiros. Essa linha divisória atravessaria as salas de aula das escolas públicas, os ônibus que conduzem as pessoas ao trabalho, as ruas e as casas dos bairros pobres.
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Neste início de terceiro milênio, um Estado racializado estaria dizendo aos cidadãos que a utopia da igualdade fracassou – e que, no seu lugar, o máximo que podemos almejar é uma trégua sempre provisória entre nações separadas pelo precipício intransponível das identidades raciais. É esse mesmo o futuro que queremos?

21 de abril de 2008

1428) Fome e insuficiencia alimentar - um problema de politica comercial, nao climatico

A FAO anuncia que será preciso aumentar a oferta alimentar até 2050, sob risco de penúria alimentar e fome em algumas regiões:

Nourrir la planète en 2050, un défi déjà d'actualité
L'Organisation des Nations unies pour l'alimentation et l'agriculture (FAO) organise vendredi la Journée mondiale de l'alimentation. (Le Monde, 16.10.2009)

Mas o problema da fome no mundo não tem nada a ver com problemas climáticos ou ambientais. Ele é inteiramente devido às políticas erradas dos Estados e, sobretudo, ao protecionismo comercial na área agrícola.
Vejam o excelente artigo abaixo.

Starving for Freedom Blame famine on trade restrictions, not on climate change or a lack of Western aid.
JULIAN MORRIS
WALL STREET JOURNAL - October 16th

Today is World Food Day and, once again, millions of people in East Africa are starving. Some have sought to turn this tragedy into opportunity. Ethiopia's Prime Minister Meles Zenawi blames Western-induced climate change, and demands that rich countries cut greenhouse gas emissions and provide more aid. These views are echoed by the World Bank, Oxfam, Christian Aid and that bellwether of bad ideas, Gordon Brown. But such top-down solutions are doomed to failure. If Africans are to to weather their existing and future climates, the solutions must come from the bottom up.

Birhan Weldu became the poster child for famine in Africa 25 years ago. Then 3 years old, the image of the emaciated girl from the Ethiopian highlands appeared in newspapers across the world and was shown at a "Live Aid" event, viewed by over a billion people. A grown-up Ms. Weldu appeared at the "Live 8" concert in 2005-as if demonstrating the success of the effort mounted by Sir Bob and his buddies.

Although thousands of individuals like Ms. Weldu have been saved by Western charity and taxes, millions more have suffered and died needlessly from famine in East Africa in the past quarter century. But their suffering was not caused by a lack of aid. Nor was it caused primarily by climate change (Western-induced or otherwise). Rather, it was and is the result of policies in the affected countries that inhibit freedom and incentives to trade, own land, and invest in diverse, prosperity-enhancing economic activities.

Before about 1800, famine was a common cause of death everywhere. The majority of the world's population were subsistence farmers. When conditions were good, they produced enough to eat and a little more. When conditions were bad, they consumed their savings. If the bad conditions persisted, they died.

Then, first in England and soon in many other parts of the world, people began to rise above subsistence. They specialized more narrowly than before in the production of certain goods and they traded with others who also specialized. This led to increased output, as specialists were able to produce more than generalists. Competition in the supply of goods drove innovation, which led to further increases in output. Agricultural production rose dramatically and famine declined.

Two European famines of the nineteenth century stand out as exceptions: Ireland from 1845 to 1852, and Finland from 1866 to 1868. Both were the result of oppressive governments restricting the rights of individuals to own land and trade. In both countries, subsistence farming, combined with disease and bad weather, resulted in the death of many.

Since the 1920s, global deaths from drought-related famines have fallen by 99.9%. The reason? Continued specialization and trade, which has skyrocketed the amount of food produced per capita, and has enabled people in drought-prone regions to diversify and become less vulnerable.

In places where trade is restricted, people are forced to remain subsistence farmers. So, when drought occurs, the majority suffer and many die. The Indian drought of 1965 affected 100 million people, of which 1.5 million died. India subsequently liberalized and farmers adopted new technologies, notably high-yielding varieties of wheat and rice developed by Norman Borlaug, a truly deserving recipient of the Nobel Peace Prize. Although the droughts of 1987 and 2002 affected three times as many people, there were only 300 reported deaths in 1987 and none in 2002.

The 1983 to 1985 famine in Ethiopia, which Ms. Weldu survived, was a direct result of then-President Mengistu Haile Miriam's policies, which combined socialism with a violent resettlement program. Unable to trade, people engaged in subsistence agriculture. When drought struck in 1983, as it does periodically, millions were unable to obtain enough food. Aid flowed in from foreign governments and from naïve Westerners (including me, since I bought a couple of copies of "Do They Know It's Christmas?"), but much of it was requisitioned by the regime and used to oppress the very people it was supposed to help. Over a million died.

Mengistu continued to implement his socialist vision after the drought, forcing over 12 million people to live in essentially autarkic villages, promoting poverty and inhibiting adaptation. Ethiopia's economy had been growing steadily until Mengistu came to power, with real per capita GDP rising by about 50% in the 20 years before 1973 (in spite of attempts by the government at planned agro-industrialization). But by the time he was eventually forced out of office in 1990, Ethiopia's real per capita output was about 10% lower than in 1973.

Things did not change much during the 1990s, and GDP stagnated. Since coming to power in 1991, Mr. Zenawi has removed some trade restrictions and introduced a commodities exchange. As a result, the economy has grown rapidly. Yet state restrictions on ownership of land, and the government's view that certain agricultural activities are essential, have undermined investment and prohibited the rural poor from fully participating in the economy. This means the recent drought has again hit the rural poor hardest, and left around 14 million people on the verge of starvation.

The pattern repeats across the continent. In the 1970s, Idi Amin murdered and exiled Uganda's traders and nationalized many businesses. The country's economy collapsed. When Yoweri Museveni came to power, he gradually liberalized the economy and it has since prospered. But in the northeast, government forces have clashed with the Lords Resistance Army and with so-called "warrior" pastoralists in Karamoja. Over two million people have been forced into subsistence farming, and are thus at the mercy of the variable climate.

Kenya's economy has also grown rapidly for the past several years, as a result of economic liberalization. But large swathes remain subject to uncertain tenure rules, which make it more difficult to buy, sell or mortgage land, thus inhibiting agricultural improvement and diversification, and acting as barriers to trade. In such areas, tribal conflicts are more frequent, for in the absence of trade, warfare is the only way to improve one's lot. Kenya's land reforms of 2009 promise to exacerbate this situation by further undermining security of tenure.

The situation in Somalia is similar: Years of lawlessness and warfare have destroyed formal property rights and trade. As a consequence, about half of the population now faces the prospect of starvation.

Instead of carping about climate change and more aid, the World Bank, Western governments and all those charities in Africa should learn the lessons from one of this year's economics Nobel laureates. Elinor Ostrom has spent a lifetime analyzing the ways in which humans devise institutions-from formal property rights to informal "rules of the game"-that let them solve their own problems. Her work emphasizes the need for such institutions to be built from the bottom up, without interference from higher levels of government.

Unfortunately, the West still incentivizes the political elite in Africa to impose rules from the top down, by providing "aid" that lets them ignore their citizens. Let's stop "aiding" these kleptocrats with our taxes. Those leaders who genuinely want to govern will have to stop interfering, so their people can own property and trade.

Mr. Morris is executive director of International Policy Network.