O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 4 de abril de 2020

Ives Gandra Martins sobre Bolsonaro, Mourão e o impeachment

Parabéns mestre Ives Gandra pelo equilíbrio e ponderação.

Ricardo Bergamini


 Como dizia o mestre Roberto Campos: 

A paixão mobiliza, mas só a razão constrói (Roberto Campos).

 

 

Entrevista Ives Gandra Martins, jurista

 

“Bolsonaro está perdendo a credibilidade”

 

 

 

https://cdn-istoe-ssl.akamaized.net/wp-content/uploads/sites/14/2020/04/01.jpg

Germano Oliveira


Edição 03/04/2020 - nº 2621/ISTOÉ

 

O advogado Ives Gandra Martins, 85 anos, está internado há um mês no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, primeiro por causa de uma cirurgia no esôfago e, na sequência, por ter contraído a Covid-19. Mesmo isolado em um leito de UTI, ele tem falado ao telefone com empresários, advogados e jornalistas que desejam obter suas abalizadas reflexões sobre um dos momentos mais críticos do País. Escritor de diversos livros em que analisa a Constituição, Ives Gandra entende que o presidente Jair Bolsonaro tem colocado, de forma acertada, a sua preocupação em relação à crise econômica que surgirá da tragédia do coronavírus, mas julga que ele tem sido “inadequado” em seus posicionamentos contra o isolamento social. Para o jurista, o presidente mostra-se “equivocado” ao atacar a imprensa e os governadores, fazendo uma advertência: “ele precisa falar menos”. Segundo Gandra, antes de tentar resolver os problemas econômicos, Bolsonaro precisa se preocupar em salvar vidas, como pregam o ministro da Saúde e todos os líderes mundiais. Embora reconheça que Bolsonaro perde credibilidade e que o general Mourão “é muito bem preparado”, Ives Gandra não defende o impeachment. “Não acredito que seja o momento adequado para falarmos em afastamento do presidente. O momento é de união nacional”, diz ele, com a autoridade de quem deu sustentação técnica para o impeachment de Fernando Collor e foi um dos juristas que formulou o processo de afastamento de Dilma Rousseff.

 

Bolsonaro tem sido contestado por todos, sobretudo governadores e especialistas em saúde, por recomendar o fim do isolamento social determinado por conta do coronavírus. Como o senhor vê essa postura do presidente? 

 

Temos que analisar alguns aspectos. Bolsonaro tem colocado coisas certas de forma inadequada. Por exemplo. Se 150 países estão adotando o confinamento, e o próprio vice-presidente, Hamilton Mourão, diz o mesmo, do ponto de vista médico essa é a melhor solução. O que deve estar preocupando o presidente é que, enquanto houver o confinamento, vamos ter que gastar muito mais dinheiro e ter muito menos receita.

 

https://cdn-istoe-ssl.akamaized.net/wp-content/uploads/sites/14/2020/04/04-418x235.jpg

Atacar governadores e jornalistas neste momento é um equivoco do presidente. O ministro Mandetta está tomando a medida certa, que é o isolamento social

 

O que isso causará? 

 

Equivale a dizer que vamos entrar em um processo dramático. Tínhamos um déficit programado no início do ano de R$ 129 bilhões e agora vamos passar muito além disso. Já eliminamos o teto de gastos para ultrapassar esse valor e não vamos ter receitas durante esse período. Há previsão de uma receita no Orçamento que não vai acontecer, porque as empresas estão paradas. Agora, indiscutivelmente, estamos em uma dupla batalha: como recuperar a economia e como salvar vidas. Estamos em uma guerra. Quando há o avanço das tropas inimigas, e uma cidade pode ser destruída, todos defendem a cidade primeiro, pensando em salvar vidas. Depois é que se vê como reconstruir a cidade. A Europa foi destruída na Segunda Guerra Mundial e se não fosse o Plano Marshall não haveria a recuperação rápida que houve. Tenho a impressão de que a preocupação dele é com a economia, mas a posição do governo sobre o assunto tem sido manifestada claramente pelo ministro Mandetta e pelo próprio vice-presidente Hamilton Mourão: o confinamento social é o que precisa acontecer agora.

 

O problema é que Bolsonaro, na contramão dos demais líderes mundiais, está minimizando a pandemia do coronavírus, não? 

 

Eu tenho conversado por telefone com muita gente que me liga aqui no hospital e o ideal seria um entendimento do presidente com os governadores. O presidente tem uma equipe boa, mas o ideal é que, em primeiro lugar, ele parasse de atacar a imprensa, por que isso não leva a nada. É bobagem ele brigar com a imprensa, campo onde leva uma desvantagem monumental. Cada frase mal colocada, vira manchete de jornal no dia seguinte. Então, eu recomendo a ele: em primeiro lugar, falar menos. Em segundo lugar, dizer aos seus ministros, como o Mandetta (Saúde) e Paulo Guedes (Economia), que eles falam em seu nome. São ministros nomeados por ele e estão indo muito bem. Incluo aí o vice-presidente Mourão, que é um homem extremamente culto e que eu conheço bem, como general do Exército, como presidente do Clube Militar e até como coronel.

 

Como o senhor o conheceu? 

 

Quando ele fez o curso da escola de formação do Exército, para ser promovido a general, eu dei aulas para ele lá. É um sujeito extremamente preparado e que está agindo com muita racionalidade. Temos que lembrar que o general Mourão foi convidado por ele para ser seu vice. Tenho a impressão de que o presidente está fazendo coisas certas, mas externando-as de forma errada e inadequadamente. Os dois problemas são seríssimos, mas a questão maior agora é salvar vidas. Embora tenhamos que reconhecer que quanto mais atrasarmos a retomada econômica, mais problemas teremos no futuro, como o desemprego, etc. Concluindo: se ele falasse menos e desse mais autoridade aos ministros, ele solucionaria a crise política e os ministros conversariam melhor com os governadores, facilitando a união nacional contra o cornavírus.

 

Quando ele diz que os governadores são lunáticos e a imprensa é histérica, o senhor entende que o presidente esteja sendo irresponsável? 

 

Acho que ele está sendo inadequado. É o estilo dele, mas usa uma estridência desnecessária nesse momento. Repito: se ele falasse menos, estaríamos melhores. Mas cada vez que ele ataca a imprensa e os governadores, em vez de conquistar aliados, ele cria inimigos. Por isso, tenho ligado para pessoas próximas a ele para recomendar que deixe os ministros falarem. Ele tem parar de criar inimigos desnecessários.

 

https://cdn-istoe-ssl.akamaized.net/wp-content/uploads/sites/14/2020/04/02-418x235.jpg

Não acredito que agora seja a hora adequada para falarmos em afastamento do presidente. O Brasil não aguentaria outro processo de impeachment. O momento é de união nacional

 

Ao afirmar que a Covid-19 é uma gripezinha ou um resfriadinho, o presidente faz chacota com a grave crise de saúde? 

 

Do ponto de visto clínico, ele até está correto. Houve mais mortes no Brasil por gripe do que pelo coronavírus. A H1N1 matou mais gente proporcionalmente do que a Covid-19. Não é só porque a letalidade é menor. A diferença é que esse é um vírus universal. Temos uma guerra mundial. 

 

Mas o presidente está contrariando a ciência, que manda todo mundo se isolar em casa, não?

 

Ele pode estar pregando isso sim, mas o Luiz Henrique Mandetta, seu ministro da Saúde, nomeado por ele, e que continua ministro, está pedindo o confinamento social. O vice-presidente também está defendendo o isolamento social.

 

Isso significa dizer que Mandetta e Mourão têm mais credibilidade do que o presidente?

 

É exatamente por isso que eu tenho a impressão de que Bolsonaro está perdendo a credibilidade. O que ele está fazendo, eu chamo de estridência desnecessária. O general Mourão uma vez disse uma coisa importante: não devemos entrar em batalha que não podemos ganhar. É bobagem o que ele está fazendo. Atacar governadores e jornalistas nesse momento é um equivoco. O Ministério da Saúde e o Ministério da Economia estão tomando as medidas certas. O presidente, então, poderia fazer mais, se delegasse poderes ao ministro Mandetta, que está se baseando em questões técnicas para agir. A questão é que as prioridades do presidente não são as mesmas das do ministro da Saúde.

 

Como assim, Bolsonaro está pensando mais na reeleição do que em salvar vidas?

 

Não tenho essa certeza. Ele foi deputado federal por sete mandatos, quando a postura era ser atacado e ele reagir. Mas, como presidente da República, tem que ser diferente. Não tem que reagir, a priori, aos ataques. E ele continua reagindo aos ataques desnecessariamente. Outra coisa importante: ele não tem valorizado o ministro que ele colocou lá. Embora esteja mantendo o Mandetta no cargo, ele o faz porque sabe que há um elo fundamental do ministro no combate ao coronavírus com as medidas tomadas de acordo com as orientações da OMS.

 

Já há políticos, economistas, juristas e até ministros do STF dizendo que o presidente está perdendo as condições de governabilidade. O senhor acha que há clima para o impeachment?


O impeachment é apenas uma hipótese, mas não acredito que seja o momento adequado. Não vejo essa possibilidade por enquanto. O Brasil não aguentaria outro processo de impeachment. O momento é de união nacional. Quando o Collor sofreu o impeachment, eu lancei, e o Paulo Brossard relançou, um livro sobre o impeachment. Depois, o primeiro parecer do impeachment da presidente Dilma foi meu. Nos comentários sobre os “Direitos da Constituição” que eu e o Celso Bastos fizemos, em 15 volumes, o capitulo sobre o Poder Executivo foi meu. O impeachment tem que ter apoio jurídico, o que não é difícil de se encontrar em qualquer circunstância. Mas, para que ele vá em frente, depende fundamentalmente de apoio político. É um processo menos jurídico e mais político. Tentaram derrubar o Michel Temer e ele tinha apoio político. Foi um fracasso. A Dilma não tinha apoio político e caiu. O presidente Bolsonaro ainda tem apoio político.

 

A própria população começa a pedir isso, com frequentes panelaços. O senhor acha que esse movimento pode levar ao afastamento do presidente?

 

Quem poderá responder a essa questão é o deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara. Ele é que pode avaliar se há ou não ambiente para um pedido de impeachment. Eu tenho a impressão de que esse é um assunto prematuro. Quanto aos panelaços, eles aconteceram com a Dilma. Começaram em março e um ano depois ela sofreu o impeachment. Mas o que eu vejo hoje é que a equipe do presidente está funcionando, o ministro da Saúde está funcionando. Por isso, acredito que o presidente tenha capacidade de recuperação. Eu gostaria que não houvesse impeachment e que ele falasse menos e delegasse mais. Ele tem que entender que o inimigo dele agora é o coronavírus.

 

Se houvesse impeachment, o vice-presidente Hamilton Mourão teria condições de governar melhor o País?

 

Não conheço Bolsonaro pessoalmente, mas o Mourão conheço bem. É um homem excepcionalmente preparado. General de quatro estrelas, comandou no Amazonas, serviu nos Estados Unidos, na Bélgica, na Costa do Marfim, fala cinco idiomas. É um homem com grande visão universal dos problemas políticos. Eu o conheci na época em que ele era coronel. Fez escola para general onde sou professor há 31 anos. É profundamente democrata. Poucos sabem disso. Ele é patriota, dedicado à Nação, mas acredito que se o presidente conseguir controlar essas estridências, ele poderá levar seu governo até o final. Conheço o Exército muito bem. Os generais são todos democratas e não fariam nada fora da lei. Não acredito em movimento a favor de Mourão nas casernas. A única possibilidade do impeachment seria partindo dos políticos e não vejo condições para isso.

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, está tomando medidas adequadas que permitirão enfrentarem a pandemia?

 

Está indo bem. Vi o depoimento de diversos economistas no jornal “O Estado de S. Paulo”, mas nenhum deles apresenta soluções. A retomada da crise vai ser muito difícil. As empresas não vão ter capitais e o governo vai ter que amparar as pessoas socialmente mais desprotegidas. Como ter investimentos se não haverá dinheiro? Aí surgem alguns parlamentares que falam em imposto sobre grandes fortunas. Mas como pagar esse imposto se as empresas vão ter que sustentar os empregados mesmo sem trabalhar e gerar produção? Como elas vão pagar os empréstimos que terão que fazer agora? O governo vai ter que encontrar caminhos para sair desse impasse. O Paulo Guedes está tomando medidas competentes, mas não vai ser fácil. Ou o governo vai tirar dinheiro da sociedade ou terá que emitir dinheiro, com consequências na inflação. Estamos diante de um problema tão grave que leva o presidente a priorizar em seus discursos a recuperação econômica, quando, na verdade, ele deveria pelo menos esperar passar o pico da crise para fazer isso.

 

https://cdn-istoe-ssl.akamaized.net/wp-content/uploads/sites/14/2020/04/03-418x235.jpg

Conheço muito bem o general Mourão. É um homem excepcionalmente preparado, fala cinco idiomas, tem uma visão universal dos problemas brasileiros e é profundamente democrata

 

Recentemente, o presidente estimulou seus aliados a pedirem o fechamento do Congresso e do STF. O senhor acha que foi uma atitude irresponsável e que poderia provocar uma ruptura institucional?


Mas ele mesmo desautorizou depois a manifestação. O artigo 2º da Constituição prevê a harmonia e a independência dos Poderes. Nenhum Poder pode interferir no outro. Tanto assim que o presidente Bolsonaro vinha mantendo um bom relacionamento com o ministro Dias Toffoli (STF). Eu tenho a impressão de que essa linha de fechar o Congresso e o Supremo é uma mentalidade antidemocrática. É fundamental que os Três Poderes sejam harmônicos e independentes. Uma interferência de um sobre o outro provoca trepidação na democracia.

 

Essas declarações de Bolsonaro contra o Congresso podem atrasar ainda mais as reformas necessárias para a retomada da economia, sobretudo após o coronavírus?


Temos que partir do seguinte. Todas as reformas, como a tributária e a administrativa, serão paralisadas. Quando derrotarmos o coronavírus, todos os projetos serão no sentido da recuperação econômica. As reformas como a tributária e administrativa são para serem analisadas em tempos de paz e nós vamos estar em um tempo de pós-guerra. Como vamos financiar, como vamos ter crédito? Vamos ou não vamos emitir dinheiro? Vamos controlar a inflação ou vamos taxar a sociedade para não emitir dinheiro? Como vamos pedir apoio internacional, em um momento em que todas as nações também estarão destroçadas? Tudo isso teremos que analisar depois do pós-guerra, pois o problema social do País vai se agravar muito.

 

Dentro do que o senhor chama de estridência do presidente, sabemos que ele é muito influenciado pelo radicalismo dos filhos, como Carlos Bolsonaro, que dirige o gabinete do ódio. O senhor acha que os filhos atrapalham o presidente?

 

Eu não conheço os filhos do presidente. E com Bolsonaro só falei uma vez por telefone. Agora, indiscutivelmente ele tem ministros de altíssimo nível. Os ministros da Infraestrutura (Tarcísio de Freitas), ministra da Agricultura (Tereza Cristina), ministro da Economia (Paulo Guedes), ministro da Justiça (Sergio Moro), ministro da Saúde (Luiz Henrique Mandetta). O general Ramos é outro excepcional quadro, assim como o general Mourão. Todos estão ao lado dele, nomeados por ele. Bolsonaro deveria dar mais ouvidos a esses ministros do que aos filhos, que nem oficialmente estão no governo.

 

Diante da crise política e da pandemia, o senhor acha que as eleições de outubro devam ser adiadas?

 

Acho que elas já estão adiadas. Tóquio também disse que não adiaria as Olimpíadas de julho e adiou. O pico da crise do coronavírus começará a cair no final de agosto ou começo de setembro. Como é que poderemos ter eleições em outubro? Apesar dos ministros do TSE dizerem que ainda é prematuro falar em adiamento, não há a menor condição de termos eleições. Como vamos realizar convenções e comícios? Para mim, devemos prorrogar os mandatos dos atuais prefeitos para 2022 e realizarmos eleições gerais para todos os cargos de uma vez só. As nossas urnas eleitorais são rápidas e haverá, inclusive, menos gastos com campanhas eleitorais.

Previsões imprevidentes: vale a pena retomar? - Paulo Roberto de Almeida

Previsões imprevidentes: vale a pena retomar?

 

Paulo Roberto de Almeida


 

Como sabem os meus 18 leitores, eu costumava fazer, a cada final ou começo de ano, as minhas “previsões imprevidentes” para o ano que se iniciava, que constituíam o exato contrário daqueles chutes de astrólogos, videntes, adivinhos e outros viajantes do futuro, no sentido em que as minhas previsões eram feitas exatamente, precipuamente, com o objetivo de não se realizarem. Quanto mais eu errava, mais eu acertava, ou seja, as minhas previsões raramente se equivocavam em não acertar. Nisso, confesso, fui ajudado pelos companheiros, que sempre prometiam o que não poderiam cumprir. Fui buscar os meus “chutes ao contrário” e achei exatamente previsões para todos os anos, desde que comecei o exercício no segundo ano do memorável governo dos companheiros.

Abaixo, vocês vão encontrar previsões imprevidentes (ou imprevisíveis) para cada um dos anos de 2004 a 2019. Muitas dessas previsões estão linkadas a sites ou blogs ainda funcionando, enquanto outras perderam seus ganchos ou âncoras originais, fruto dessa inconstância dos provedores de acesso, inclusive no próprio site deste que escreve neste momento. Prometo restabelecer o conjunto das previsões, para gáudio dos fanáticos por esse tipo de besteirol, ou imitadores de adivinhos de circo ou astrólogos de aluguel, como certo sofista expatriado. Enquanto isso não ocorre, quem tiver interesse por algum ano especial, cujo link desapareceu, é só me pedir pelo número.

Mas, êpa! Verifico agora que está faltando um ano crucial, o do primeiro para o segundo ano do presente governo. Não existe uma série de chutes para o governo atual, e confesso que não sei por quê. Será por que este governo é tão insosso, tão bizarro, tão esquizofrênico, tão estapafúrdio, que eu não me senti motivado a sequer rir um pouco de suas maluquices? Será que eu estava simplesmente cansado de ficar escrevendo uma série de bobagens, sem muito sentido acadêmico, apenas para alimentar a curiosidade malsã de alguns, ou o secreto desejo de ter uma tábua astrológica de graça, para outros?

Em todo caso, vou pensar no assunto. Enquanto a veia literária não volta, fiquem aqui na hora da saudade, com a série escrita até aqui. Divirtam-se.



1177. “Astrologia diplomática: Especulações sobre a política internacional em 2004 (e além)”, Brasília, 11 jan. 2004, 4 p. Paródia às previsões astrológicas, especulando sobre comportamentos da ONU, do império, da Europa, África, Brasil, Mercosul, comércio internacional, meio ambiente, direitos humanos e os astrólogos diplomáticos em 2004 e mais além. Distribuído em listas de relações internacionais. Retomada integralmente no trabalho 2736. “Astrologia Diplomática: minhas previsões de dez anos atrás para dez anos à frente”, Hartford, 22 dezembro 2014, 2 + 5 p. Nova introdução ao trabalho n. 1177 (de janeiro de 2004), com as mesmas previsões de dez anos atrás, reforçadas. Blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/12/astrologia-diplomatica-minhas-previsoes.html) e disseminado no Facebook. Disponível no Academia.edu (link: https://www.academia.edu/9870651/2736_Astrologia_Diplomatica_2004_e_2014_).

 

1369. “Sete previsões Imprevidentes: minha ‘caixa de surpresas’ para o novo ano”, Gramado, 27 dez. 2004; Brasília, 4 jan. 2005, 12 p. Antecipações impossíveis para o novo ano. Publicado na revista Espaço Acadêmico (ISSN: 1519-6186; a. IV, n. 44, jan. 2005). Relação de Publicados n. 537.

 

1518. “Astrologia diplomática?”, Brasília, 31 dez. 2005, 2 p. Comentário de estilo jocoso sobre as previsões astrológicas para 2006, que cobriram igualmente a área da política externa. Postado no blog PRA (http://paulomre.blogspot.com/2005/12/102-astrologia-diplomtica.html#links).

 

1703. “Previsões para o ano da graça de 2007: sempre otimista quanto à sua impossibilidade”, Brasília, 24 dezembro 2006; 4 p.; revisão ampliada: 29 dezembro, 13 p. Objetivos inatingíveis no Brasil, na continuidade das previsões de 2004 e das resoluções de 2005. Versão curta publicada em Via Política (1 janeiro 2007); versão longa: Espaço Acadêmico (ano 6, n. 68, janeiro 2007). Feita versão resumida e ligeiramente modificada, em 2/01/2007, para o site do Instituto Millenium, sob o título: “Previsões imprevidentes para 2007: Um novo exercício de resultados contrários”; publicado em quatro partes a partir do dia 3.01.2007 (links: Parte 1; Parte 2, em 4.01.2007; Parte 3, em 5.01.2007; e Parte 4, em 8.01.2007. Relação de Publicados n. 738, 739. 

 

1855. “Minhas previsões imprevidentes para 2008 (com mil perdões pelo ligeiro atraso...)”, Brasília, 29 janeiro 2008, 4 p. Continuidade da série de astrologia político-econômica. Espaço Acadêmico (ano VII, n. 81, fevereiro 2008). Relação de Publicados n. 819.

 

1963. “Previsões imprevisíveis em tempos de crise global: minha astrologia econômica para 2009 (e mais além)”. Brasília, 16 dezembro 2008, 12 p. Mais uma da série das “profecias não realizáveis”, como é costume a cada começo de ano. Via Política (22.12.2008). Espaço Acadêmico (ano 8, n. 92, janeiro 2009). Republicado, sob o título de “Minha astrologia econômica para 2009”, no boletim digital Dom Total (09/04/2009; link: http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=586). Relação de Publicados 884. Academia.edu (https://www.academia.edu/attachments/32900586/download_file).

 

2070. “A Primeira Década do Século 21: um retrospecto e algumas previsões imprevisíveis”, Voo Beijing-Paris: 6.12.2009; voo Paris-São Paulo: 9.12.2009; Brasília: 19.12.2009, 13 p. Revisão dos dez anos transcorridos desde 2000 e algumas questões pendentes para a próxima década. Publicado Espaço Acadêmico (ano 9, n. 104, janeiro 2010, p. 27-37; link: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/9117/5140). Dividido em duas partes para publicação no Via Política: 1) “Balanço da primeira década do século 21: um retrospecto pessoal”, (2.01.2010); 2) “Brasil: o que faremos dos próximos dez anos?”. Relação de Publicados n. 945 (Via Política) e 946 (Espaço Acadêmico).

 

2231. “Previsões imprevisíveis para o Brasil em 2011: Resoluções para o novo governo à maneira de Benjamin Franklin”, Brasília, 17 dezembro 2010, 8 p. Especulações sobre um conjunto de resoluções do novo governo com base no trabalho “995TrezeResoluAnoNovo”, contendo princípios de boa conduta moral de Benjamin Franklin. Espaço Acadêmico (vol. 10, n. 116, janeiro de 2011, p. 101-107; ISBN: 1519-6186; link: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/12090/6479). Republicado em Via Política(17.01.2011) e em Dom Total (20.01.2011; link: http://www.domtotal.com.br/colunas/detalhes.php?artId=1773). Relação de Publicados n. 1017.

 

2345. Previsões imprevisíveis para 2012, Brasília, 16 dezembro 2011, 2 p. Postado no blog Diplomatizzando (16/12/2011; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/12/minhas-previsoes-imprevisiveis-para.html).

 

2455. “Minhas Previsões Imprevisíveis para 2013 (não custa continuar tentando, para ver se em algum ano dá certo...)”, Brasília, 20 Dezembro 2012, 4 p. Postado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2012/12/minhas-previsoes-imprevisiveis-para.html). Postado novamente no blog em 24/12/2013; (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2013/12/revisando-as-previsoes-imprevisiveis.html).

 

2544. “Previsões imprevidentes para 2014: sempre apostando no melhor”, Hartford, 14 dezembro 2013, 6 p. Exercício habitual de chutes aleatórios, no sentido de apostar no que pode dar errado. Divulgado no blog Diplomatizzando(link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2013/12/previsoes-imprevidentes-para-2014-paulo.html).

 

2736. “Astrologia Diplomática: minhas previsões de dez anos atrás para dez anos à frente”, Hartford, 22 dezembro 2014, 2 + 5 p. Nova introdução ao trabalho n. 1177 (de janeiro de 2004), com as mesmas previsões de dez anos atrás, reforçadas. Blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/12/astrologia-diplomatica-minhas-previsoes.html). Disponível no Academia.edu (link: https://www.academia.edu/9870651/2736_Astrologia_Diplomatica_2004_e_2014_).

 

2737. “Previsões Imprevidentes: dez anos de desacertos contínuos”, Hartford, 23 dezembro 2014, 3 p. Listagem atualizada e corrigida de todos, ou quase todos, os textos elaborados como astrologia diplomática ou previsões a contrário senso. Divulgada no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/12/previsoes-imprevidentes-dez-anos-de.html). Disponível no Academia.edu (link: https://www.academia.edu/9871426/2737_Previs%C3%B5es_Imprevidentes_dez_anos_de_desacertos_cont%C3%ADnuos_2004-2014_).

 

2738. “Previsões imprevidentes para 2015: a situação está russa (sem querer ofender...)”, Tallahassee, 28 dezembro 2014, 3 p. Continuidade da série, com novas previsões condenadas ao fracasso. Divulgada no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/12/previsoes-imprevidentes-para-2015.html). Postado no Academia.edu (31/12/2014; link: https://www.academia.edu/9963498/2738_Previs%C3%B5es_imprevidentes_para_2015_a_situa%C3%A7%C3%A3o_est%C3%A1_russa_sem_querer_ofender..._2014_).

 

2912. “Previsões imprevidentes para 2016: pela primeira vez a imprevisão ganha da previsão”, Brasília, 31 dezembro 2015, 5 p. Continuidade do exercício, com apenas quatro previsões imprevisíveis. Postado no blog Diplomatizzando(link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2015/12/previsoes-imprevidentes-para-2015-pela.html), e disseminado no Facebook (https://www.facebook.com/paulobooks/posts/1061451080585008). Revisão ampliada, 14 de janeiro de 2016, 8 p. Postado novamente no Diplomatizzando (link: http://www.diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/01/previsoes-imprevidentes-para-2016.html) e no Facebook (https://www.facebook.com/paulobooks/posts/1069196793143770).

 

3072. “Minhas previsões imprevidentes para 2017: já estou sentindo saudades dos companheiros”, Brasília, 31 dezembro 2016, 7 p. Dando continuidade à série, com novas e jocosas previsões impossíveis. Publicado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/12/minhas-previsoes-imprevidentes-para.html) e disseminado no Facebook (https://www.facebook.com/paulobooks/posts/1381837305213049). Postado na Academia.edu (1/01/2017; link: http://www.academia.edu/30692793/3072_Minhas_previsoes_imprevidentes_para_2017_2016_).

 

3204. “Previsões imprevisíveis para 2018: sempre otimista quanto à sua improbabilidade”, Brasília, 9 dezembro 2017, 2 p. Continuidade do exercício, com previsões imprevisíveis de natureza sobretudo políticas, tendo em vista o ano eleitoral. Postado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/12/previsoes-imprevisiveis-para-2018.html); divulgado no Facebook (link: https://www.facebook.com/paulobooks/posts/1742104675852975). 

 

3385. “Previsões imprevisíveis para 2019: finalmente uma mudança de paradigmas?”, Brasília, 25 dezembro 2018, 4 p. Novas previsões, em situação de novidade relativa em 2019. Postado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/12/previsoes-imprevisiveis-para-2019-algo.html). 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4 de abril de 2020

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Os veteranos encostados no Itamaraty - Denise Chrispim Marin (Veja, 20/09/2019)

Para quem não tinha lido a matéria de setembro de 2019, eu a reproduzo novamente aqui: 

Os veteranos encostados no Itamaraty

Ernesto Araújo preencheu os principais postos do Itamaraty com diplomatas menos experientes — e deixou sem função definida gente com longa quilometragem

Por Denise Chrispim Marin - Atualizado em 20 set 2019, 09h55 - Publicado em 20 set 2019, 06h30 
PUNIDO - Almeida, que publicou críticas ao chanceler em seu blog: mesa na biblioteca para escapar da sala no porão Daniel Marenco/Agência O Globo

Fazer carreira na diplomacia sempre foi uma empreitada escorregadia, sujeita aos humores do governo e do chanceler de plantão. Um passo na direção errada, ou uma troca de função em momento impróprio, pode render anos no limbo, até os ventos políticos mudarem. Durante décadas o Itamaratyacomodou esses diplomatas “excedentes” no temido DEC — sigla do informal, mas muito movimentado, “departamento de escadas e corredores”. Uma vez exilado lá, o funcionário não tinha sala, nem mesa, nem cadeira e vagava como assombração pelo Palácio dos Arcos, em Brasília, à procura de um colega capaz de abrigá-lo em algum gabinete. O DEC foi extinto quando o Tribunal de Contas da União deu um pito no Ministério das Relações Exteriores por manter funcionários sem cargo e ganhando salário, mas o conceito permanece vivíssimo. Neste governo de política externa heterodoxa e indiferença à hierarquia diplomática, o chanceler Ernesto Araújo já encaixou vários desafetos em áreas pouco nobres do palácio e reservou a sala 203 do Anexo 1 — prontamente batizada de “Parque dos Dinossauros” — para que veteranos sem cargo fixo aguardem a convocação para uma ou outra tarefa eventual (com direito a água e cafezinho).

No total, existem no momento dezesseis diplomatas no ostracismo, e a maioria não sabe direito como foi parar nessa situação e se ainda tem alguma chance de obter um posto de verdade no ministério. O custo desse desperdício de experiência é de cerca de 4,5 milhões de reais por ano.

Há os que sabem, sim, precisamente o motivo da punição. Com passagens pelo DEC original nos anos 2000, durante as gestões de Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães, por causa das frequentes críticas aos governos do PT, o “contrarianista” Paulo Roberto de Almeida chegou a ser reabilitado no governo Michel Temer, quando foi promovido a embaixador — por sinal, na mesma turma de Araújo, dezessete anos mais novo. Mas viu-se deslocado neste ano para a Divisão de Arquivo, no 2º subsolo do Anexo 2 do Itamaraty, o “Bolo de Noiva”, onde celular e wi-fi não funcionam. Almeida, 42 anos de carreira diplomática, dezesseis livros publicados e doutor em ciências sociais pela Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica, responde hoje a um primeiro-secretário — a terceira das seis “patentes” da afunilada hierarquia do Itamaraty.

IDEOLÓGICO - Araújo: quebra da hierarquia na distribuição dos melhores cargos Evan Vucci/AP

Para driblar o vazio tecnológico, o embaixador apossou-se de uma mesa da biblioteca do ministério, onde escreveu Miséria da Diplomacia, obra que trata da ausência de política externa na gestão de Araújo, por ele chamado de “chanceler acidental” e “diplomata utópico”. Almeida foi demitido da diretoria do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri) na Segunda-Feira de Carnaval, sete horas depois de ter republicado em seu blog, o Diplomatizzando, artigos do embaixador aposentado Rubens Ricupero e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso criticando Araújo e do próprio chanceler desancando os outros dois. “Antes, eu já tinha publicado a nota ‘Olavices debiloides’, com declarações de Olavo de Carvalho, a quem Ernesto Araújo chama de professor”, confessa. O sogro de Araújo, o ex-secretário-geral das Relações Exteriores Luiz Felipe de Seixas Corrêa, ainda tentou interceder em favor do diretor do Ipri, que o convidara para uma palestra na semana seguinte. Não adiantou. Almeida observa quão “tóxico” se tornou quando atravessa o corredor entre os Anexos 1 e 2 do Itamaraty para visitar os “dinossauros” e, nos corredores, recebe no máximo alguns sorrisos disfarçados dos conhecidos. “Queria muito voltar para o Ipri, mas com total liberdade. Como vou me aposentar em 2022, creio que meu futuro é mesmo no porão do Itamaraty”, suspira.

Continua após a publicidade

Ao contrário do calejado Almeida, outros diplomatas na geladeira da atual gestão jamais haviam passado por tal situação. Dois deles foram chamados de Bruxelas e de Viena no fim de 2018 para assumir subsecretarias do Itamaraty e, no dia da posse de Jair Bolsonaro, se viram sem cargo em Brasília nem indicação para outras posições no exterior. Nesse caso, foram vítimas da decisão de Araújo de mudar o organograma da casa e reservar os principais postos a embaixadores tão novatos quanto ele. “A hierarquia, que era a coluna vertebral do Itamaraty, virou uma salada. O chanceler quer trabalhar só com quem diga amém a suas ideias e decisões”, afirma um diplomata congelado.

ALIADO - Serra, embaixador em Paris: defesa do governo na crise da Amazônia Marcos Oliveira/Ag. Senado

Enquanto os bons cargos no ministério são ocupados pela ala júnior, os embaixadores seniores lutam pela sobrevivência. Antes mesmo da posse de Bolsonaro, alguns mais espertos, antecipando a transformação do Itamaraty em um dos ministérios ideológicos do novo governo, trataram de buscar postos em embaixadas menos relevantes e em consulados, evitando assim ter de defender causas que consideram constrangedoras. Três diplomatas veteranos conquistaram cargos em outras áreas do governo — na Presidência, na Vice-Presidência e no Gabinete de Segurança Institucional —, conseguindo ao mesmo tempo livrar-­se dos ditames do ministério e adicionar 5 000 reais ao salário.

Há veteranos, porém, alinhados com o bolsonarismo desde a campanha eleitoral. O embaixador em Paris, Luís Fernando Serra, que chegou a ser cogitado para o cargo de chanceler, pôs mais lenha na fervura dos incêndios na Amazônia ao defender veementemente o governo em entrevistas à imprensa francesa. No último grupo militam os vira-casacas, que fizeram carreira nos governos petistas e hoje são só elogios à diplomacia da era Araújo. A embaixadora Maria Nazareth Farani Azevêdo, ex-­chefe de gabinete de Amorim, que criou para ela a missão brasileira na ONU em Genebra, tanto se empenha agora em combater a diversidade de gênero que protagonizou um memorável bate-boca com o ex-deputado Jean Wyllys na Suíça. Fasci­nado pelo chavismo na década passada, Antônio Simões, embaixador do Brasil em Montevidéu, pediu recentemente à organização de um festival de cinema na cidade que vetasse a exibição do documentário Chico — Artista Brasileiro, sobre o compositor Chico Buarque de Hollanda.

Os diplomatas exilados por Araújo, seja em ambientes pouco salutares do ministério, seja no Parque dos Dinossauros, recebem 23 000 reais brutos para trabalhar muito pouco e reclamam da subutilização de seus talentos — encontram-se nessa ingrata condição especialistas em meio ambiente, desarmamento, relações com a União Europeia, negociações políticas, assuntos de Oriente Médio e África, entre outros. “Agora, fazemos bico”, queixa-se um congelado. O embaixador Flávio Macieira, 67 anos, 42 de carreira, desembarcou em Brasília no fim de 2018, vindo do Panamá, a economia que mais cresce na América Latina, depois de cumprir dez anos no exterior. Não tinha cargo reservado e caiu no Parque dos Dinossauros, mas não perdeu a esperança de ainda fazer algo útil antes da aposentadoria compulsória, aos 75 anos. “Creio que, com o tempo, todo esse grupo experiente vai acabar sendo aproveitado”, diz, otimista. O Palácio do Itamaraty, hoje sede do Escritório de Representação no Rio de Janeiro (Ererio), abriga cinco veteranos sem funções. Na representação de São Paulo (Eresp), três embaixadores estão na mesma condição.

Continua após a publicidade

Para o Ministério das Relações Exte­riores, o gelo de diplomatas não passa de “rodízio e renovação de chefias”. “Como ocorre em todas as instituições, públicas e privadas, há profissionais que podem não estar inteiramente satisfeitos com as posições que ocupam ou que considerem não ter sido atendidas suas expectativas”, declarou o ministério em nota a VEJA. O embaixador Mário Vilalva, demitido da Agência de Promoção de Expor­tações e Investimento (Apex) em abril passado, depois de ter denunciado um “golpe” de Araújo para mudar o estatuto do órgão, é dos poucos insatisfeitos que resolveram quebrar o gelo: está fechando contrato com uma empresa privada e vai abandonar a diplomacia. Dinossauro, nem pensar.

Publicado em VEJA de 25 de setembro de 2019, edição nº 2653

Embaixador vai à Justiça contra assédio moral e perseguição no Itamaraty - Edoardo Ghirotto (Veja, 3/04/2020)

Embaixador vai à Justiça contra assédio moral e perseguição no Itamaraty

Paulo Roberto de Almeida alega ser alvo de "retaliação financeira" por criticar a forma como Ernesto Araújo tem guiado a política externa brasileira

Por Edoardo Ghirotto - 3 abr 2020, 15h00

O embaixador Paulo Roberto de Almeida ingressou nesta semana com uma ação na Justiça Federal do Distrito Federal para responsabilizar a União por ações de assédio moral e de perseguição no Ministério das Relações Exteriores. Almeida afirma que tem sofrido “retaliações financeiras” desde que começou a criticar publicamente o trabalho do chanceler Ernesto Araújo.

Com 42 anos de carreira, o diplomata foi demitido em março de 2019 do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) e acabou alocado na Divisão de Comunicações e Arquivo, onde são exercidas funções de caráter burocrático. Na ação judicial, Almeida afirma que está há quase um ano sem receber nenhuma incumbência.

Em setembro de 2019, VEJA contou a história de Paulo Roberto de Almeida e de outros colegas de vasta carreira no Itamaraty que estavam no ostracismo por serem considerados desafetos de Ernesto Araújo. Há ao menos dezesseis diplomatas nessa situação. O custo desse desperdício de experiência é de cerca de 4,5 milhões de reais por ano.

Almeida decidiu entrar na Justiça após o Itamaraty lhe imputar “dez faltas injustificadas” em março, o que reduziria o pagamento a que tem direito. Situação semelhante já havia ocorrido no início do ano, quando o embaixador recebeu apenas 210 reais de salário no mês de janeiro. O desconto de 99% da remuneração se deu sob a alegação de que ele teria de indenizar o Itamaraty por outras 20 faltas injustificadas entre maio e agosto de 2019.

O diplomata alega que não foi informado de que faltas estavam sendo computadas e que apresentou os motivos para as ausências nas datas marcadas, que incluíam dois finais de semana. Entre as razões estavam participações em bancas de mestrado e doutorado, programas de pós-graduação e eventos políticos e diplomáticos, incluindo um cerimonial do Comando Militar em que o próprio Ernesto Araújo estava presente. O Itamaraty, no entanto, indeferiu todas as justificativas.

Ao ingressar com a ação de tutela de urgência, a fim de impedir novos descontos sumários em sua folha salarial, Almeida pede para que a Justiça obrigue o Itamaraty a apresentar documentos relacionados à lotação, ao controle de frequência e ao abono de faltas e atrasos de outros embaixadores. “Com efeito, a ré poderá provar que a situação do autor não é isolada e que o tratamento que ele recebe é o mesmo dos seus colegas”, diz a defesa do diplomata.

Almeida também solicita “a anulação das faltas indevidamente imputadas” e, quando for o caso, “o ressarcimento dos respectivos descontos”. Cobra ainda que seja anulada a sua lotação na Divisão de Comunicações e Arquivo e que o Itamaraty o transfira para um posto de acordo com seu grau hierárquico. Segundo ele, a falta atribuições e a função incompatível caracterizam ato de improbidade administrativa e de desperdício de recursos públicos.

Por fim, Almeida exige que a União arque com o pagamento de uma multa de 50 mil reais por danos morais. “Essas humilhações impostas ao autor, de forma discriminatória, servem, ainda, à intimidação de colegas de carreira que possuam reservas quanto à adequação da atual política externa aos padrões profissionais da diplomacia brasileira”, diz a defesa do embaixador.

O Itamaraty foi procurado para se manifestar a respeito da ação, mas não se posicionou até a publicação desta reportagem.

Kafka no Itamaraty - Paulo Roberto de Almeida

Kafka no Itamaraty

 

Paulo Roberto de Almeida

  

Na madrugada da segunda-feira de Carnaval de 2019, depois de ler a imprensa do domingo recém findo, de ter selecionado dois artigos que reputei relevantes para a política externa – meu terreno de atuação nas últimas quatro décadas –, um do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, outro do ex-ministro Rubens Ricupero, e de ter a eles agregado um artigo-resposta do atual chanceler, fui dormir, após ter postado os três textos no blog Diplomatizzando, convidando a um debate sobre a diplomacia do governo Bolsonaro. Fui acordado poucas horas depois pelo chefe de gabinete do chanceler, que comunicou minha exoneração, “com efeito imediato”, do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais do Itamaraty, que exercia desde agosto de 2016, por acaso depois de uma longa travessia do deserto durante todos os governos lulopetistas, quando não tive nenhum cargo na Secretaria de Estado das Relações Exteriores, tendo sido relegado ao que os colegas diplomatas chamam desdenhosamente de DEC, Departamento de Escadas e Corredores.

Encarei com certo estoicismo o lazer forçado, passando a maior parte do tempo na Biblioteca do Itamaraty, transformada em meu escritório quase permanente, onde aliás redigi livros sobre a política externa, entre eles Nunca Antes na Diplomacia (2014). Resignei-me a um novo limbo naquele ambiente de saber, e lá fiquei durante dois meses, quando também aproveitei para escrever e publicar um novo livro, que aliás não tinha nada a ver com o governo em curso: Contra a corrente: Ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil (2014-2018). Em maio, fui comunicado que estava sendo lotado na Divisão do Arquivo, passando a estar sob a chefia de um Primeiro Secretário, mas que eu não deveria me preocupar com isso, pois tudo era apenas “formalmente”.

A despeito de ter consultado a própria alta chefia da Administração sobre as minhas novas atribuições, numa me foram atribuídos quaisquer encargos ou tarefas naquela unidade, de onde deduzi que eu estava, uma vez mais, relegado a um novo limbo na carreira. Dei continuidade, pois, às minhas atividades de estudos e pesquisas, e aproveitei para escrever um novo livro, desta vez sobre a política externa do atual governo, livremente disponível em meu blog: Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty. Imagino que o mesmo deva ter causado certa comoção no Gabinete do chanceler, mas só fui descobrir como meses depois, no final de novembro, por meio de uma transparente publicação no Boletim de Serviço do Itamaraty, lido por todos os funcionários do Serviço Exterior, em todo o nosso planetinha redondo, segundo a qual eu teria incorrido em “vinte faltas injustificadas” entre maio (quando de minha lotação nos Arquivos) e agosto. Procedi à imediata justificação de todas aquelas faltas, sendo que duas eram de um sábado e domingo, uma terceira de um evento oficial no Comando Militar do Planalto, onde compareci a convite do Ministério da Defesa, no qual se encontrava o próprio chanceler (que deve ter ficado muito irritado ao me ver na sala VIP, conversando com generais, almirantes e brigadeiros; sou professor eventual nos cursos da ESG); as demais faltas correspondia todas a eventos acadêmicos: bancas de mestrado e doutorado no Uniceub, onde sou professor, e cursos ou seminários a convite de outras instituições acadêmicas.

Minhas justificativas foram “indeferidas” em menos de três dias, e no dia 1/01/2020 fui contemplado com seu reflexo no meu contracheque: exatos R$ 210,16, ou seja, menos de um quinto de um salário mínimo. Conclui que o chanceler estava mesmo com muita raiva de mim, a ponto de me deixar sem um mínimo recurso alimentar naquele mês. Os descontos se referiam apenas a três distantes meses de 2019, assim que fui novamente contemplado em 13 de março com nova publicação acintosa no Boletim de Serviço, registrando “dez faltas injustificadas” entre setembro e outubro, o que deve prenunciar novas publicações do mesmo teor nos próximos meses. Mais uma vez justifiquei cada uma delas, fornecendo inclusive as provas de cursos e seminários, ademais de uma atividade da cadeira Jean Monnet, a convite da própria Delegação da EU no Brasil (tudo documentado no blog Diplomatizzando: link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/04/uma-trajetoria-diplomatica-do-limbo-ao.html). Um processo kafkiano tinha começado contra mim, orientado pela alta cúpula.

Uma observação quanto à meticulosidade burocrática desse sistema de registro de faltas: ela é seletiva, ou propriamente míope. Nenhum dos vários outros embaixadores colocados em disponibilidade pelo esforço de “saneamento etário” empreendido pelo chanceler Ernesto Araújo foi jamais contemplado com tal distinção honorífica de ter o seu nome publicado no Boletim de Serviço como sendo um reles funcionário “relapso”, passível, portanto, de sofrer todo o furor da Lei. Antigamente, nos tempos em que os animais falavam, como gosta de lembrar o ex-chanceler Celso Lafer, os intelectuais que se exerciam nas lides intelectuais eram até admirados e encorajados pelo Itamaraty, como registrado na belíssima obra que ele publicou em 2001, sob a direção do acadêmico diplomata Alberto da Costa e Silva: O Itamaraty na Cultura Brasileira, uma coleção de ensaios cobrindo a vida e a obra de algumas dezenas de representantes das letras e das humanidades que eram ou se tornaram diplomatas, desde o século XIX até o grande intelectual José Guilherme Merquior. 

O embaixador Rubens Ricupero, por sua vez, a quem comuniquei a nova postura do Itamaraty, transformado em bedel severo de diplomatas pertencentes a certas “tribos”, escreveu-me o seguinte: “estou de fato convencido de que uma administração que se recusa a empregar o funcionário em trabalho útil implicitamente reconhece que abriu mão dos serviços que ele poderia prestar. Em tais condições, não parece admissível que essa administração exija presença física como se se tratasse do cumprimento de pena de reclusão em regime fechado. E veja, hoje em dia em direito penitenciário, se considera que a administração penal tem o dever de oferecer trabalho até aos condenados! Desejo a Você muita sorte nesta luta pelo Itamaraty e em defesa de sua própria dignidade.”

A julgar pela imagem atual da diplomacia brasileira no exterior, as piores faltas do Itamaraty não são exatamente as do seu corpo profissional.


Paulo Roberto de Almeida, é embaixador e professor no Uniceub

 

[Brasília, 2 de abril de 2020]