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domingo, 6 de junho de 2021

Militares se dobram a Bolsonaro - Daniel Carvalho, Ricardo Della Coletta (FSP)

 Sob Bolsonaro, militares vão de moderadores a controlados por presidente

Depois da demissão do general Fernando Azevedo do Ministério da Defesa, ingerência de mandatário sobre Forças Armadas ficou mais evidente

Daniel CarvalhoRicardo Della ColettaFolha de S. Paulo, 5/06/2021
BRASÍLIA

Se no início do governo Jair Bolsonaro os militares espalhados pelo primeiro escalão serviam como um anteparo para conter o radicalismo gestado no gabinete do ódio e nos braços ideológicos da gestão federal, a situação mudou dois anos depois.

Há quem perdeu a força ou até mesmo o cargo, enquanto outros militares se aproximaram do bolsonarismo e do jogo político conduzido pelo presidente. Tanto que alguns ganharam de colegas de farda um apelido: "generais do centrão".

O movimento permitiu que as Forças Armadas passassem a sofrer uma interferência política cada vez maior —evidenciando que quem manda é Bolsonaro— a despeito da hierarquia e das regras tão caras aos militares.

O principal sinal de enfraquecimento militar até então havia sido, no fim de março, a demissão do general Fernando Azevedo e Silva do Ministério da Defesa. A troca na pasta resultou na saída dos comandantes das três Forças, coroando a maior crise militar desde 1977.

Nos últimos dias, porém, a ingerência de Bolsonaro sobre os militares foi além.

Na quinta-feira (3), o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, aceitou a pressão do mandatário ao decidir livrar o general da ativa Eduardo Pazuello de qualquer punição por ter participado de um ato político ao lado do presidente.

Além disso, Pazuello ainda ganhou o cargo de secretário de Estudos Estratégicos da Secretaria de Assuntos Estratégicos, vinculada à Presidência da República. Ao levá-lo para um posto no Planalto, Bolsonaro deixou ainda mais claro que não aceitaria castigo para o ex-ministro.

Diante do desfecho produzido pelo presidente, muitos integrantes da cúpula das Forças Armadas que defendiam uma punição para Pazuello protagonizaram um contorcionismo retóricopara não se opor à decisão forçada por Bolsonaro —ou evitaram se manifestar em condição de anonimato, ao contrário do que fizeram nos últimos dias.

Defensor da punição, o vice-presidente Hamilton Mourão foi passar o feriado no Rio de Janeiro e, questionado pela Folha, não comentou o caso.

general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, demitido cargo de ministro da Secretaria de Governo em junho de 2019, disse em uma rede social que não estava falando com jornalistas por vergonha.

"É uma desmoralização para todos nós. Houve um ataque frontal à disciplina e à hierarquia, princípios fundamentais à profissão militar. Mais um movimento coerente com a conduta do presidente da República e com seu projeto pessoal de poder. A cada dia ele avança mais um passo na erosão das instituições", afirmou.

General Santos Cruz
na sexta

VERGONHA!

Ontem, 3 de junho de 2021, fui surpreendido com telefonemas e mensagens de dezenas de jornalistas sobre o encerramento do caso Pazuello. Em atenção ao trabalho que fazem, sempre respondo, mesmo que seja para informar que nada tenho a dizer. Mas ontem eu não disse nada. Por vergonha.

Por formação, me nego a fazer qualquer consideração sobre a decisão.

Sobre o conjunto dos fatos, é uma desmoralização para todos nós. 
Houve um ataque frontal à disciplina e à hierarquia, princípios fundamentais à profissão militar. Mais um movimento coerente com a conduta do Presidente da República e com seu projeto pessoal de poder. A cada dia ele avança mais um passo na erosão das instituições. 

Falta de respeito pessoal, funcional e institucional. Desrespeito ao Exército, ao povo e ao Brasil. Frequentemente, com sua conduta pessoal, ele procura desrespeitar, desmoralizar pessoas e enfraquecer instituições.

Não se pode aceitar a SUBVERSÃO da ordem, da hierarquia e da disciplina no Exército, instituição que construiu seu prestígio ao longo da história com trabalho e dedicação de muitos.
Péssimo exemplo para todos. Péssimo para o Brasil. 
À irresponsabilidade e à demagogia de dizer que esse é o "meu exército", eu só posso dizer que o "seu exército" NÃO É O EXÉRCITO BRASILEIRO. Este é de todos os brasileiros. É da nação brasileira.

A politização das Forças Armadas para interesses pessoais e de grupos precisa ser combatida. É um mal que precisa ser cortado pela raiz. 

Independente de qualquer consideração, a UNIÃO de todos os militares com seus comandantes continua sendo a grande arma para não deixar a política partidária, a politicagem e o populismo entrarem nos quartéis.

Carlos Alberto dos Santos Cruz”


Entre congressistas, o ato do comandante do Exército foi visto como mais uma mancha na imagem da instituição e elevou o temor de que ele abra as portas para possibilidade de anarquia nos quartéis.

O cenário atual em que os militares deixaram de ser uma força moderadora e passaram a ser controlados por Bolsonaro, que já usou diversas vezes a expressão "meu Exército", contrasta com episódios registrados no início do governo ou mesmo na campanha.

​​Quando Bolsonaro ainda era candidato, no Rio de Janeiro, o general da reserva Augusto Heleno(atual ministro da Segurança Institucional) já era conhecido como uma das mentes por trás da campanha.

Na transição em Brasília, o militar também tinha papel de destaque, quando atuava para conter os influenciadores ideológicos mais radicais do presidente, como o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).

O papel também era atribuído a outros fardados que se juntaram a Bolsonaro no governo, como Santos Cruz, Azevedo e Hamilton Mourão.

Depois, ingressaram no grupo os generais Luiz Eduardo Ramos, que foi para a reserva somente quando já era ministro da Secretaria de Governo —hoje ele está na Casa Civil— e Walter Braga Netto, que migrou da Casa Civil para a Defesa quando da demissão de Azevedo.

O núcleo militar do governo, como os fardados eram conhecidos, vivia em constante cabo de guerra com o grupo apelidado de ala ideológica, formada por seguidores do escritor Olavo de Carvalho.

Em alguns episódios, os militares fizeram valer sua vontade.

Ainda em fevereiro de 2019, em meio ao aumento de tensão entre com o ditador Nicolás Maduro, os conselheiros militares conseguiram convencer Bolsonaro a escalar Mourão como chefe de uma delegação que participou de uma conferência sobre a crise venezuelana em Bogotá.

À época, Maduro havia recém-fechado a fronteira da Venezuela com o Brasil, em retaliação à autorização dada pelo governo brasileiro para que opositores venezuelanos usassem Roraima como base para envio de ajuda humanitária. A escalação de Mourão foi vista como uma tentativa de reduzir as tensões.

Em outra vitória do grupo militar, ainda no início da gestão Bolsonaro, o então ministro Santos Cruz, da Secretaria de Governo, conseguiu articular a demissão de dois aliados do chanceler Ernesto Araújo da diretoria da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos).

A agência vinha passando por uma série de crises desde o início do governo.

O êxito de Santos Cruz, no entanto, foi breve. Cerca de um mês depois, ele foi demitido por Bolsonaro da pasta que ocupava, após atritos com o vereador filho do presidente.

Mourão, por sua vez, foi acionado em outra ocasião para tentar servir como força moderadora e pragmática frente à agenda bolsonarista.

Diante do aumento da pressão internacional contra a agenda ambiental do governo, Bolsonaro indicou seu vice para coordenar o Conselho da Amazônia. Mourão comanda uma estrutura cada vez mais esvaziada, e Bolsonaro tem respaldado o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) em conflitos recentes com o vice.

Nas demais questões, Mourão nem sequer é consultado e já sabe que não integrará a chapa de Bolsonaro pela reeleição. Ambientado na política, pretende disputar uma cadeira no Senado pelo Rio Grande do Sul em 2022.

Outros generais do primeiro escalão, por sua vez, se aproximaram do ambiente político.

Com bem menos influência, Heleno chegou a dizer que mudou a opinião que tinha sobre o centrão. O grupo era rejeitado por Bolsonaro na campanha e hoje dá sustentação ao governo no Congresso.

Ramos aumentou sua proximidade com a política no período em que esteve à frente da Secretaria de Governo. Muito próximo a Bolsonaro, promoveu rearranjos e hoje é uma das principais vozes que defendem as ingerências de Bolsonaro nos assuntos militares.

Em fevereiro do ano passado, garantiu a saída de Onyx Lorenzoni da Casa Civil e trouxe para a posição seu amigo Braga Netto. Em março, coordenou a dança das cadeiras que trocou os titulares de seis pastas.

Já Braga Netto, ao assumir a Defesa, deixou de lado o perfil discreto que tinha e passou a discursar a militantes do presidente e a acompanhar o mandatário em passeios de moto em agendas extraoficiais.​


General Santos Cruz sobre as FFAA

 Apenas transcrevendo a postagem do General Santos Cruz:

General Santos Cruz
na sexta

VERGONHA!

Ontem, 3 de junho de 2021, fui surpreendido com telefonemas e mensagens de dezenas de jornalistas sobre o encerramento do caso Pazuello. Em atenção ao trabalho que fazem, sempre respondo, mesmo que seja para informar que nada tenho a dizer. Mas ontem eu não disse nada. Por vergonha.

Por formação, me nego a fazer qualquer consideração sobre a decisão.

Sobre o conjunto dos fatos, é uma desmoralização para todos nós. 
Houve um ataque frontal à disciplina e à hierarquia, princípios fundamentais à profissão militar. Mais um movimento coerente com a conduta do Presidente da República e com seu projeto pessoal de poder. A cada dia ele avança mais um passo na erosão das instituições. 

Falta de respeito pessoal, funcional e institucional. Desrespeito ao Exército, ao povo e ao Brasil. Frequentemente, com sua conduta pessoal, ele procura desrespeitar, desmoralizar pessoas e enfraquecer instituições.

Não se pode aceitar a SUBVERSÃO da ordem, da hierarquia e da disciplina no Exército, instituição que construiu seu prestígio ao longo da história com trabalho e dedicação de muitos.
Péssimo exemplo para todos. Péssimo para o Brasil. 
À irresponsabilidade e à demagogia de dizer que esse é o "meu exército", eu só posso dizer que o "seu exército" NÃO É O EXÉRCITO BRASILEIRO. Este é de todos os brasileiros. É da nação brasileira.

A politização das Forças Armadas para interesses pessoais e de grupos precisa ser combatida. É um mal que precisa ser cortado pela raiz. 

Independente de qualquer consideração, a UNIÃO de todos os militares com seus comandantes continua sendo a grande arma para não deixar a política partidária, a politicagem e o populismo entrarem nos quartéis.

Carlos Alberto dos Santos Cruz”

sábado, 5 de junho de 2021

EUA vs China: o great game do século XXI - The Economist, Paulo Roberto de Almeida

A ilustração desta matéria da Economist — montadoras americanas e chinesas destruindo suas concorrentes europeias —, na verdade um retrato da competição global entre impérios do passado, do presente e do futuro, dá uma ideia precisa sobre o embate geopolítico e geoeconômico da atualidade, o enfrentamento dos EUA contra a China — sim, importante sublinhar a UNILATERALIDADE da nova doutrina do containment — e simboliza todo o sentido da nova Guerra Fria Econômica.

 Só tem um porém: a China já ganhou a contenda, simplesmente por ter a estratégia correta, por sinal, a mesma que levou a Grã-Bretanha à liderança da economia mundial no século XIX e, também, exatamente a mesma que garantiu a preeminência economica americana, e até sua supremacia militar, no decorrer do século XX.

Atualmente, todavia,  G-B e EUA simplesmente desistiram de avançar, abandonaram a globalização e o livre comércio, levam um combate de retaguarda e seguem estratégias defensivas, o que significa que já perderam, o segundo a despeito da arrogância e da pretensão em responder pela ação do Estado a um complexo processo de modernização que na China é conduzido pelo Estado e pelo conjunto da população; no caso dos EUA, eles importam cérebros do resto do mundo, e podem, portanto, retardar o processo de esclerose, e mesmo manter-se por mais tempo na vanguarda de tecnologias inovadoras e descobertas científicas.

A fórmula da China é mais simples, aplicada ao conjunto da população: muito estudo, muito trabalho, muito investimento inovador e muita vontade dos chineses de ficarem tão ricos quanto americanos e europeus, o que vai exigir volumes imensos de commodities importadas e muita energia, sob todas as formas.

Eles o farão com grande sentimento nacionalista, evitando as grandes humilhações do passado, de ocidentais e japoneses, que submeteram o secular Império do Meio a uma submissão constrangedora para uma civilização que inventou tudo de útil que existe na humanidade, inclusive diversas vacinas experimentais. Os americanos e europeus estão focados unicamente em garantir os louros do passado, os chineses olham para a frente, o que é a melhor maneira de vencer.

Por isso, os americanos vão perder, a menos que abandonem a insanidade geopolitica da “armadilha de Tucídides” e a loucura militar e econômica da estratégia inaplicável de um novo Containment, contra um país que não pretende submeter o gigante ocidental, apenas inundá-lo com seus produtos e tecnologia. A moeda digital virá como reforço in due course.

O século XIX foi marcado pelo Grande Jogo entre a Grã-Bretanha e a Rússia expansionista na Ásia; o século XX pelo jogo decisivo entre os EUA e a União Sovietica pela dominação mundial. Não foram os EUA que ganharam, pois a URSS implodiu em sua própria ineficiência. O jogo agora é outro, mas os EUA insistem em jogar olhando para o passado, como esses generais de academia. Inventaram até um Tucídides prêt-à-porter: idiotas!


E o Brasil nisso tudo? O Brasil simplesmente não conta, ou interessa apenas como fornecedor de matérias básicas e um pouco de divertimento (futebol, música, turismo precário). Além da bossa nova, alguém pode citar alguma contribuição genial do Brasil para o estoque de conhecimento útil em favor da humanidade? Seria o “jeitinho”, aquele modo maroto de contornar a realidade, e que nunca contribuiu para consolidar entre nós o Estado democrático de Direito?

Estamos ficando para trás, não sem que eu aponte as razões do atraso e os caminhos da prosperidade: estabilidade macroeconômica, competição microeconômica, boa governança, alta qualidade do capital humano e abertura ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros. Nada menos do que tudo isso.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 5/06/2021

O relato completo da destruição ambiental sob Bolsonaro -Salles - Nadia Pontes (DW)

 

Como conquistas ambientais do Brasil estão ruindo sob Bolsonaro

No Dia Mundial do Meio Ambiente, país não tem o que comemorar. Políticas de preservação consolidadas ao longo de décadas não vêm resistindo aos ataques do governo Bolsonaro. Saiba quais são as principais áreas ameaçadas.

Outrora considerado uma potência ambiental, o Brasil sofre com desmonte de suas políticas de conservação desde a ascensão de Jair Bolsonaro. Neste Dia Internacional do Meio Ambiente (05/06), o país não tem o que comemorar: relatos invasões e violência em unidades de conservação e terras indígenas dominam os noticiários; alertas de desmatamento registrados via satélite mostram alta de 41% no mês de maio em relação ao mesmo período de 2020.

"Estamos indo na contramão de tudo o que foi construído pelo Brasil durante muitos anos. É muito difícil construir a solidez das politicas ambientais, preservar e implementar. Mas desmontar é muito rápido. E recuperar isso talvez seja um exercício hercúleo", afirma Thelma Krug, pesquisadora aposentada do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Com a redemocratização, as últimas décadas foram marcadas pela criação e implementação de políticas ambientais no país que detém a maior floresta tropical do mundo e que, ao mesmo tempo, é um dos maiores produtores de commodities agrícolas.

"Todo o arcabouço ambiental foi criado pra valer após Constituição. Da Política Nacional de Recursos Hídricos ao licenciamento ambiental e Politica Nacional de Mudanças Climáticas”, diz Tasso Azevedo, coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG) e do Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo no Brasil (MapBiomas).

NATUREZA E MEIO AMBIENTE | 05.05.2021

Especialistas e pesquisadores ouvidos pela DW Brasil são unânimes: o movimento agora é no sentido contrário. "É a primeira vez que temos um período em que o governo age deliberadamente contra a agenda ambiental. Essa que essa é a novidade”, pontua Azevedo.

A seguir, a DW lista as principais conquistas ambientais do Brasil nas últimas décadas e como elas vêm sendo ameaçadas.

Meio Ambiente e a Constituição Federal

Depois de duas décadas de regime militar, a Constituição Federal de 1988 tentava limpar os resquícios do longo período de perseguições, censura e autoritarismo.

Junto a garantias de direito à liberdade, à vida, a Carta destinou um capitulo inteiro ao meio ambiente. Passava a ser obrigação do Estado defender e preservar o ambiente ecologicamente equilibrado para todos os brasileiros, inclusive para as gerações que ainda virão. 

Além da proteção à natureza, a Constituição criou embasamento legal em torno dos direitos indígenas, quilombolas e povos tradicionais. "Era também uma resposta ao que acontecia na Ditadura Militar, em que o meio ambiente foi profundamente afetado, populações indígenas e quilombolas foram perseguidas e dizimadas", lembra Carlos Nobre, climatologista associado ao Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP).

As décadas que se seguiram foram usadas para implementar o que previa a Constituição. A demarcação de terras indígenas, por exemplo, foi acelerada durante os dois mandatos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 2002 - até hoje o governo que mais executou esse tipo de processo.

Mas, desde que Jair Bolsonaro assumiu a presidência, em 2019, notícias sobre demarcações deram espaço a pedidos de investigação e denúncias. "Em todas as áreas, incluindo os direitos indígenas, o atual governo não está cumprido a Constituição”, afirma Tasso Azevedo.

Um dos casos mais recentes envolve ameaças aos indígenas Yanomami, em Roraima e Amazonas, e Munduruku, no Pará, que sofrem com ataques violentos e invasões de suas terras. Após a denúncia das violações feita pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso determinou que o governo federal adote medidas imediatas para garantir a proteção desses territórios e de seus povos.

Sistema de Monitoramento da Amazônia

A partir de 1988, o programa de monitoramento via satélite da maior floresta tropical do mundo, que tem 60% de sua porção no território brasileiro, passou a ser contínuo. A análise, feita desde então pelo Inpe, mostrou que o Brasil já desmatou mais de 800 mil quilômetros quadrados de Floresta Amazônica até 2020, área três vezes maior que o estado de São Paulo.

O programa, porém, começou às avessas: ainda durante a Ditadura Militar, no fim dos anos 1970, a vigilância via satélite tinha o objetivo de fiscalizar se a vegetação estava sendo destruída como o programado, já que o governo incentivava a substituição da mata nativa por fazendas.

Anos mais tarde, o país passou a sofrer uma grande pressão internacional por conta do aumento do desmatamento e os dados do programa foram fundamentais para criação de políticas de controle.

"O Brasil foi pioneiro em estruturar sistemas de monitoramento de florestas tropicais introduzindo novas ferramentas e abordagens, ao longo do tempo, para ampliar as questões de monitoramento. Adicionalmente, o Inpe teve um papel importante na comunicação com a sociedade ao tornar públicos os dados", aponta Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB).

Foi essa transparência que permitiu que imprensa e organizações da sociedade civil soubessem o que acontecia no bioma. E quando os satélites indicaram uma alta no ritmo de corte da floresta no primeiro ano do governo Bolsonaro, a tentativa foi de desqualificar os dados.

Ricardo Galvão, diretor do instituto à época, foi exonerado ao defender o trabalho de monitoramento feito há mais de 30 anos. Semanas antes, Bolsonaro havia dito que os dados de alerta eram mentirosos e que Galvão estaria "a serviço de alguma ONG".

Lei de Crimes Ambientais

Dez anos após a promulgação da Constituição, a Lei de Crimes Ambientais (n.º 9.605 de 12 de fevereiro de 1998) criou os instrumentos para punir quem destrói o meio ambiente. A legislação definiu as responsabilidades, centralizou e uniformizou as penas.

"Ela ajudou a melhorar a fiscalização com uso de imagens de satélite, por causa dela mais agentes ambientais foram contratados", exemplifica Paulo Barreto, pesquisador sênior do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia, Imazon.

Uma das consequências foi a criação da lista pública de áreas embargadas por aqueles que descumprirem a lei, ou seja, que cortam a floresta ilegalmente. Desde 2008, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) permite a consulta das propriedades penalizadas. O guia oferece a localização e dados da infração para que bancos, por exemplo, considerem essas informações antes de ceder crédito.

Esse instrumento, na opinião de Barreto, foi importante para envolver o setor privado na luta contra o desmatamento ilegal. "O setor privado que compra de produtores de áreas embargadas passou a ter também responsabilidade. Isso trouxe grandes frigoríficos e traders de grãos para o jogo", pontua Barreto, destacando ainda a importância da Moratória da Soja, de 2006, um acordo entre empresas e produtores que vetava a compra do grãos vindos de áreas desmatadas sem licença.

Bolsonaro e Ricardo Salles. Ministro chegou a defender que governo deveria aproveitar que a imprensa estava distraída com a pandemia para desmontar mecanismos de preservação

Construído ao longo de décadas, o rigor da fiscalização ambiental se perdeu na administração de Bolsonaro. Além da queda na aplicação de multas em anos de disparada de desmatamento, o setor de fiscalização ambiental está perto de se tornar inviável devido ao baixo orçamento do Ministério do Meio Ambiente para 2021.

"Nos últimos dois anos, vivemos um rápido ataque sobre tudo isso. Tínhamos desenvolvido uma capacidade grande de controle ambiental, que era orgulho dos brasileiros", comenta Raquel Biderman, vice-presidente da Conservação Internacional no Brasil e representante da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.

Para Biderman, falta uma ação mais rigorosa para barrar o desmonte atual. "Se o Brasil consolidou normas tão rígidas, tão importantes, por que o Ministério Público e o Judiciário não foram tão proativos nos últimos dois anos [para frear o desmonte]? Isso para mim é uma incógnita. Muito poderia ter sido evitado”, comenta.

Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm)

Lançado em 2004, o PPCDAm foi o primeiro plano estratégico colocado em prática para proteger um bioma brasileiro. O plano, criado por um grupo que incluía 17 ministérios sob coordenação da Casa Civil, se baseava em três eixos: ordenamento fundiário e territorial; monitoramento e controle ambiental; fomento às atividades produtivas sustentáveis.

Para Carlos Nobre, o PPCDAm proporcinou uma grande redução do desmatamento na Amazônia a partir daquele ano. Depois de chegar ao segundo maior índice em 2004, com 27,7 mil km², a destruição do bioma caiu para 4,6 mil km², em 2012, a menor já registrada.

"Foi uma queda de mais de 70% nas taxas de desmatamento no Brasil em comparação com a média de 1995 a 2004", lembra Nobre. "Quando se fazia a conta de quanto carbono se deixou de emitir com essa queda, o Brasil se tornou o maior país com emissões evitadas do mundo, ganhando grande destaque internacional", complementa.

Quando Bolsonaro chega ao poder e Hamilton Mourão assume o "controle" de assuntos relacionados à Amazônia o plano praticamente deixou de existir. "Mourão apresentou um ‘pseudoplano', muito sintético, com nada de novo”, comenta Thelma Krug. "A proposta desse governo de regularização fundiária, um problema desde sempre, vem numa contramão porque querem regularizar áreas que foram tomadas por grileiros e que são muito responsáveis pelo desmatamento. Um retrocesso muito grande", avalia.

Nos últimos dois anos, a destruição da floresta na Amazônia voltou a bater recordes da última década, registrando uma perda de 10 mil km², em 2019, e de 11 mil km² em 2020.

Código Florestal

Aprovado sob um clima bastante polêmico em 2012, o novo Código Florestal é apontado por alguns especialistas como um marco importante das políticas ambientais nos últimos anos. A legislação regula o uso do solo em propriedades privadas e estabelece as áreas que devem ser preservadas.

"Somos um país florestal e um país agrícola, exportador de produtos primários. A reformulação da lei foi importante para regulamentar uso do solo e de forma rigorosa nos aspectos ecológicos", argumenta Raquel Biderman.

índios da tribo Yanomami. Governo Bolsonaro defende explorar terras indígenas economicamente e desmontou mecanismos de proteção como a Funai

O Cadastro Ambiental Rural (CAR) obrigatório é apontado uma iniciativa importante. "Não é perfeito porque depende dos proprietários que autoindicam o limite das terras, mas é um instrumento fantástico de monitoramento”, comenta Thelma Krug.

A implementação do código, por outro lado, ainda não ocorreu em sua totalidade. "O Brasil não vai atrair investidores por conta de uma percepção internacional de que operamos na ilegalidade, porque não cumprimos o Código Florestal, a Politica Nacional de Mudanças Climáticas e tantas outras", pontua Biderman, acrescentando que a temática é cada vez mais central na economia global e influencia tomada de decisões dos bancos e de investidores.

"Nos últimos anos, temos sido percebidos como um pais que tem risco e por isso o dinheiro foge daqui", complementa Biderman.

Fundo Amazônia

A criação do Fundo Amazônia, em 2008, ainda é vista como pioneira. O programa mais duradouro de financiamento à proteção da maior floresta tropical do mundo bancava projetos que combatessem o desmatamento, maior fonte de gases que aceleram as mudanças climáticas no Brasil.

O dinheiro vinha de doações da Noruega e Alemanha a partir de um principio claro: o recurso saia à medida que a destruição da vegetação caísse. "O Brasil conseguiu introduzir algo que foi muito importante, que é o pagamento por resultados", pontua Thelma Krug, lembrando que as discussões preliminares começaram na Conferência do Clima ainda em 2005.

Nos anos prévios a Bolsonaro, o fundo apoiou 102 projetos. "O Fundo Amazônia deu dois sinais: se há resultados, há recursos. E esse recurso foi importante para lidar com questões estruturantes, como a implantação do CAR, manutenção do sistema de monitoramento do Inpe, ampliação do monitoramento para o cerrado, entre outros", diz Tasso Azevedo.

Desde 2019, porém, a iniciativa segue paralisada. Naquele ano, Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, disse, sem provas, ter encontrado "indícios de irregularidades" no gasto de verbas e promoveu mudanças unilaterais na gestão do fundo, sem consultar os doadores. O Tribunal de Contas da União investigou os projetos e não constatou nenhuma irregularidade. Salles ainda criou atritos adicionais com os doadores ao tentar direcionar recursos do fundo para projetos de regularização fundiária, algo não previsto no estatuto do mecanismo

"Ao criar essa confusão toda, a pretexto de tirar dinheiro das ONGs, o que governo fez foi drenar recursos das instituições publicas, que hoje sofrem mais do que nunca", analisa Azevedo.  

Com o atual contexto de enfraquecimento das políticas ambientais, Thelma Krug não vê perspectivas de melhora da credibilidade do país no exterior. "Não tenho muito confiança de que pagamentos virão para o Brasil sem que haja a demonstração de resultados concretos", aponta.

EXPLORAR SEM DESTRUIR A AMAZÔNIA 

Conservação e uso sustentável 

A Reserva Extrativista Médio Juruá foi oficialmente criada em 4 de março de 1997. Com 28,7 mil quilômetros quadrados, a reserva ocupa um terço do município de Carauari, Amazonas. A unidade de conservação só pode ser utilizada por populações extrativistas tradicionais. São permitidos a agricultura de subsistência e o uso sustentável dos recursos naturais.