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terça-feira, 16 de novembro de 2021

Brasil-China: a grande batalha do 5G - Ana Clara Costa (Piaui)

 LIÇÃO DAS BRAVATAS

Os bastidores de como o governo cedeu à chinesa Huawei

Ana Clara Costa 

Piauí, Edição 182, novembro 2021

 

 

O dia 24 de novembro de 2020 era aguardado com certa dose de receio pelos interessados no leilão do 5G, a nova e rapidíssima tecnologia da internet que o Brasil implantará a partir de 2022. A razão da expectativa era um fato insólito: o ministro das Comunicações, Fábio Faria, levaria integrantes da Anatel, a agência que regula as telecomunicações, para uma reunião com o presidente Jair Bolsonaro e o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

 

A apreensão era justificada. Nunca antes um presidente da República convocou ao seu gabinete conselheiros da Anatel, uma agência independente do governo, e, para completar, eram cada vez mais ruidosos os rumores de que Bolsonaro queria banir a chinesa Huawei do leilão do 5G. Influenciado pela pregação norte-americana, desconfiava que a Huawei poderia usar sua rede para fins de espionagem no Brasil. Diante disso, supunha-se que a reunião incomum contemplaria um pedido que não estava previsto em lei: que a Anatel vetasse a participação da empresa chinesa.

 

Na noite anterior à reunião, um episódio agregara dose extra de tensão: o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) publicara uma série de tuítes críticos à China sobre o 5G. Em um deles, dizia que o Brasil apoiava “o projeto dos Estados Unidos para o 5G” e “sem a espionagem da China”. Não eram os primeiros ataques a Pequim. Em março daquele ano, reverberando o que Donald Trump dizia em Washington, o deputado usara o Twitter para culpar a China pelo coronavírus, recebendo uma resposta enérgica da Embaixada Chinesa, que o acusara de ter contraído “vírus mental” e estar “infectando a amizade” entre Brasil e China. Na ocasião, Bolsonaro teve de telefonar ao primeiro-ministro Xi Jinping para colocar panos quentes.

 

Mas, em novembro, ninguém sabia se o “vírus mental” não se espalhara pelo governo. A ideia de levar a turma da Anatel ao Palácio do Planalto partiu de Faria, que liderava as tratativas sobre o leilão do 5G. Ao chegar ao local, o ministro estava acompanhado de seu então secretário-executivo, Vitor Menezes, do secretário de Telecomunicações da pasta, Arthur Coimbra, do presidente da Anatel, Leonardo Euler, e de três dos quatro conselheiros da agência, Carlos Baigorri, Emmanoel Pereira, e Abraão Balbino. Ficaram cerca de trinta minutos na sala de espera da Presidência. Cientes dos rumores e da lambança diplomática de Eduardo Bolsonaro, os conselheiros já haviam definido que dariam razões técnicas para declinar um eventual pedido de exclusão da Huawei do edital do leilão. A principal delas: a Anatel é um órgão regulatório, não de segurança. Estava impedida, portanto, de deliberar sobre temas que não eram de sua competência.

 

 

 

Quando finalmente entrou no gabinete, a comitiva foi recebida com cordialidade pelo presidente, que falou de futebol antes de entrar no tema principal. O ministro Faria apresentou os técnicos e fez deferência especial ao conselheiro Baigorri, relator do edital do 5G. Bolsonaro então lançou, de forma evasiva, o seguinte comentário: “Esse negócio de 5G é importante. Tem muita pressão aí, dos americanos, e discussão com os chineses…”

 

O presidente não mencionou os tuítes do filho e, surpreendentemente, demonstrava não estar muito interessado em discutir o 5G em detalhes. Antecipando-se a um eventual pedido incômodo, Baigorri foi direto ao ponto. “Tem muita pressão mesmo, presidente”, disse ele. “Mas não temos como fazer nada a respeito da Huawei via edital. Precisa ser por decreto”, afirmou, referindo-se ao instrumento que só o presidente da República poderia editar. Baigorri então explicou que qualquer restrição à empresa teria de ter fundamento técnico. O general Heleno, sentado ao lado de Baigorri, assentiu: “Realmente, não dá para ser por edital. Se não for decreto, cai na Justiça no dia seguinte, com decisão de primeira instância.”

 

Nesse momento, o ministro Faria revelou a solução que já estava sendo preparada nos escaninhos de seu ministério, em conjunto com o GSI. “Não se preocupe, presidente. Inclusive, já temos uma minuta de decreto para quando o senhor quiser discutir o assunto com o GSI.” Faria tinha a minuta em mãos, mas não a mostrou aos presentes. Dias depois, o texto seria compartilhado com alguns técnicos. Redigido com base em uma instrução normativa lançada pelo GSI sete meses antes, dizia que só poderiam fornecer equipamentos para a rede 5G as empresas que apresentassem regras de governança específicas, como a publicação de seu quadro societário.

 

A regra atingia a Huawei em cheio. Embora tenha sido fundada pelo engenheiro e ex-militar Ren Zhengfei, um proeminente membro do Partido Comunista Chinês, a empresa informa em seu site que é “totalmente comandada por seus funcionários”. Dos seus 194 mil trabalhadores, quase 100 mil são acionistas, segundo a companhia. A Huawei diz ainda que “nenhuma agência do governo ou organização externa” detém suas ações. Contudo, como emite apenas bonds ao mercado e não tem ações listadas em bolsa, a empresa jamais precisou abrir seu quadro de sócios ou submeter-se à auditoria externa de firmas conhecidas, como a PwC, a Deloitte, a Ernst & Young ou a KPMG. Por isso, ninguém jamais conseguiu confirmar a real participação do governo na empresa.

 

A reunião terminou em meia hora, sem que Bolsonaro tivesse feito qualquer outro comentário sobre o assunto. Mas a existência de uma minuta de decreto alarmou os técnicos, em especial Leonardo Euler, o presidente da Anatel, que verbalizou seu estado de choque. Para o ministro Faria e seus auxiliares, Euler era visto como o elemento “chinês” na agência, em razão de sua amizade com um dos interlocutores da Huawei em Brasília, o ex-deputado Daniel Vilela (MDB-GO) – que foi justamente quem o indicou para presidir a agência no final do governo de Michel Temer, em 2018. Por essa razão, Faria não quis mostrar a minuta durante a reunião. Temia que Euler pudesse repassar as informações à chinesa. Em entrevista à piauí sobre o 5G, quando foi indagado sobre o episódio da minuta, Euler afirmou desconhecer o documento e se limitou a dizer que o papel da agência é técnico, não político. “A discussão do 5G tem as vertentes geopolítica, econômica e técnica. A vertente geopolítica extrapola a atuação da agência. O espaço para a discricionariedade da Anatel encontra limites em suas próprias competências legais. Ela implementa políticas públicas formuladas pelo Executivo.”

 

 A história da minuta do decreto rapidamente circulou entre os interessados no leilão – sobretudo as operadoras de telefonia e os diplomatas chineses. Por ser uma fabricante, e não uma operadora, a Huawei não poderia participar do certame, apenas vender seus equipamentos para que as teles oferecessem internet aos seus clientes. Por isso, as operadoras, principalmente a Claro, cujo modelo de negócio está voltado para a massificação de sua rede, não desejavam a exclusão da Huawei – o que elevaria o custo de instalação do 5G. Em razão da produção em larguíssima escala e dos subsídios do governo chinês, os equipamentos da Huawei têm preço até 40% inferiores aos das principais concorrentes, como a sueca Ericsson e a finlandesa Nokia.

 

Além disso, segundo a Anatel, cerca de 40% dos equipamentos usados pelas empresas de telecom nas redes de 3G e 4G no Brasil são fabricados pela Huawei – uma realidade que se materializou sem que nenhuma autoridade brasileira tenha reclamado até agora de suspeita de espionagem. Em função disso, as operadoras temiam que a exclusão da chinesa as obrigasse a substituir parte dos aparelhos já em uso, agravando os custos ainda mais. Nem mesmo a Ericsson, que contratara uma consultoria para acompanhar o tema do 5G no Brasil, desejava o veto. Na Suécia, a empresa defendeu, sem sucesso, que a chinesa não fosse banida do 5G. Sua razão era pragmática: temia ser retaliada em seus negócios na China. Por coerência, resolveu manter a mesma posição no Brasil e defender a inclusão da Huawei.

 

 A notícia da minuta movimentou o lobby das operadoras no Congresso, que arregaçou as mangas para tentar impedir o veto à Huawei. O governo da China, por sua vez, passou a pressionar seus parceiros comerciais no Brasil, notadamente no agronegócio, para que fizessem chegar ao Palácio do Planalto seu descontentamento. Os exportadores de carne foram avisados pelos importadores chineses de que seria difícil manter o acesso ao mercado interno se a Huawei fosse vetada. O Brasil é um dos países que detêm o maior número de estabelecimentos habilitados a fornecer carne aos chineses (102 no total). A diplomacia de Pequim fazia questão de frisar que esse setor específico se beneficiaria muito do constante aumento do nível de renda da população chinesa, que passaria a consumir cada vez mais carne.

 

A pressão chegou à Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), que representa o lobby dos grandes vendedores, e à Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), que atua em nome dos abatedouros. Ambas acionaram a ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS), que, segundo um ex-auxiliar de Bolsonaro, chegou a receber um telefonema de seu homólogo chinês, Tang Renjian, avisando que a China gostaria de competir em condição de igualdade com as demais empresas interessadas no 5G. O ex-senador Blairo Maggi, um dos maiores produtores de soja do país, entrou no circuito para interceder em favor dos chineses, conversando com Tereza Cristina. O embaixador chinês em Brasília, Yang Wanming, o mesmo que respondeu com dureza às provocações de Eduardo Bolsonaro, procurou a ministra para despejar sua insatisfação. A senadora Kátia Abreu (PP-TO) e o deputado Fausto Pinato (PP-SP), então presidente da Frente Parlamentar Brasil-China e da Comissão de Agricultura da Câmara, falavam sem nenhum pudor que haveria retaliação se a China não estivesse no 5G. 

 

A senadora Kátia Abreu não quis dar entrevista à piauí alegando não estar interessada em falar “do passado”. O deputado Fausto Pinato, advogado e empresário nascido em Fernandópolis (SP), integra a bancada ruralista desde seu primeiro mandato, em 2015. Apoiou a eleição de Bolsonaro e celebrou a aproximação do governo com os Estados Unidos. Hoje, mudou de opinião. “Eu sou de direita assumido. Direita moderada. Eu não defendo o regime chinês. O que eu defendo é: se a melhor parceria para o agro é com a China, ótimo. Se a melhor parceria para o 5G for a China, ótimo também. Se não for a China e for outro país, ótimo. Temos de ser pragmáticos. Não dá para embarcar na ideologia do pessoal da terra plana”, diz.

 

Pinato também ouvia as associações ligadas à exportação de carne, em especial a Abiec, reclamarem do governo nos bastidores, mas não ousavam fazer o mesmo em público. “Todo mundo ficava quieto publicamente”, relembra o deputado. “Só se falava a portas fechadas. Na hora de se expor, era eu na Câmara, a Kátia Abreu no Senado e a ministra Tereza Cristina sempre agindo via embaixada para colocar panos quentes, dizendo: ‘O problema são os filhos, não ele.’ A Abiec e o setor como um todo falavam à boca pequena que estava errado. Mas não queriam brigar publicamente em favor da China porque o Bolsonaro está dando tudo o que eles querem.” O deputado e ex-ministro da Agricultura Neri Geller (PP-MT) também guarda recordações pouco saudosas daqueles dias. “O quanto nós trabalhamos para conquistar esses mercados, quantas viagens para a China!”, lembra o político, que também é produtor rural e expoente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). “Eu sou da base. Não estou fazendo crítica sistemática, mas apenas pontual. A política externa, nesse caso, foi muito equivocada. Graças a Deus a ministra Tereza pacificou as coisas. Senão teria sido muito pior”, diz.

 

Para o agronegócio, brigar com a China é uma estupidez. É para os chineses que vão 35% de suas exportações. No caso da soja, 70% do que é exportado vão para os portos chineses. A China importa mais que o dobro do segundo maior parceiro do agro brasileiro, que é a União Europeia, destino de 15% da produção nacional. E, para o governo, se indispor com a China também é uma estupidez. Entre janeiro e agosto deste ano, o saldo da balança comercial brasileira com a China resultou num superávit de 35 bilhões de dólares – o que corresponde a 67% do superávit total do Brasil. Os chineses são, de longe, o parceiro comercial mais relevante do Brasil, superando com folga os Estados Unidos, com quem o Brasil registra déficit, pois importa mais do que exporta. 

 

Estava criado o confronto entre o comércio e a ideologia.

 

A participação chinesa no 5G havia se tornado um dilema estratégico para os países que seguem o modelo do capitalismo ocidental. Além dos Estados Unidos, nações como Alemanha, Austrália, Nova Zelândia, Reino Unido, França, Espanha e Itália já haviam banido a chinesa, aprovando leis restritivas ao setor de telecom ou estabelecendo regras que, na prática, impediam a Huawei de fornecer seus equipamentos. No Japão, de cujos semicondutores a China é grande compradora, não há empecilho legal para a presença da Huawei, mas o país se alinhou politicamente a Washington na questão do 5G e tem fornecedores locais para suprir boa parte de sua demanda interna. Na Alemanha, as regras são as seguintes: a Huawei pode participar, desde que crie uma subsidiária alemã, com capital aberto na Bolsa de Frankfurt e auditoria feita por uma firma especializada – requisitos que, pelas razões já descritas, a chinesa não quer cumprir.

 

Em meio à disputa entre Estados Unidos e China, a diplomacia norte-americana tentou convencer as demais potências mundiais de que Pequim acessava dados de usuários ilegalmente. O argumento principal é que a Huawei está submetida à Lei de Inteligência Nacional, em vigor desde 2017 na China, segundo a qual qualquer organização ou cidadão deve apoiar, ajudar e cooperar com o trabalho da inteligência do Estado chinês. Em 2019, a Huawei apresentou um parecer de um escritório de advocacia chinês mostrando que a lei não se aplicaria às subsidiárias nem aos seus funcionários no exterior. Mas o documento não convenceu pois a legislação também prevê que o trabalho de “inteligência” seria uma obrigação legal de todo cidadão chinês, mesmo fora da China. Antes dessa lei, em meados de 2011, a Huawei convidou o governo norte-americano a inspecionar in loco as instalações da companhia em Shenzhen. O Comitê de Inteligência da Câmara, liderado pelo Partido Republicano, topou a oferta. No ano seguinte, publicou um relatório de 52 páginas. Dizia – e isso, ressalte-se, antes da lei de inteligência – não ser possível confiar que a Huawei não estivesse sob influência do governo.

 

A pressão norte-americana chegou ao Brasil logo na primeira reunião que Bolsonaro teve com Trump, em sua visita a Washington, em 2019. Entre os principais assuntos tratados, estava a participação da Huawei no 5G. Em setembro de 2020, quando visitou o Brasil, o então secretário de Estado, Mike Pompeo, fez questão de falar sobre a “importância de manter o futuro do Brasil livre do Partido Comunista Chinês”. Antes da visita, Pompeo fez uma carta pública em que instava o Brasil a assinar o “Clean Network” (Rede Limpa), acordo criado pelos Estados Unidos para reunir os países que baniram a Huawei e compensá-los financeiramente por eventuais perdas decorrentes de sanções chinesas. Em novembro, enquanto promovia uma cachoeira de mentiras para provar que sua derrota eleitoral fora uma fraude, Trump mandou um representante ao Brasil, Keith Krach, para reforçar a pressão pelo veto à China.

 

As autoridades chinesas, por sua vez, também entraram em campo para dissipar a percepção de que faziam espionagem. Numa reunião virtual em 18 de setembro de 2020, o chanceler Ernesto Araújo recebeu um recado de seu contraparte chinês Wang Yi. O chinês iniciou a conversa lembrando o vigor das exportações brasileiras de carne bovina e suína para a China, e ressaltou os esforços do seu país para criar uma iniciativa global para coibir a “insegurança digital”. No glossário sutil da diplomacia, estava claro que se referia aos riscos de retaliação comercial em caso de banimento da Huawei. Num despacho diplomático sigiloso endereçado à Embaixada Brasileira em Pequim, ao qual a piauí teve acesso, Araújo relatou a conversa assim: “Limitei-me a mencionar que se trata de discussão premente e a informar que a proposta chinesa [sobre segurança digital] será examinada com a devida atenção.”

 

Em outubro, a diplomacia brasileira mostrava preocupação com o assunto. Em outro telegrama diplomático, dessa vez despachado pela Embaixada Brasileira em Nova Delhi, o embaixador André Corrêa do Lago relatava que a Índia vivia um dilema parecido com o do Brasil. Na implantação de sua rede de 5G, os indianos tentavam equilibrar riscos à segurança de dados, alinhamento político com os Estados Unidos e presença forte da China no setor de tecnologia local, onde 25% dos equipamentos da infraestrutura de 3G e 4G são chineses. (Em maio deste ano, a Índia decidiu correr o risco de eventuais sanções comerciais e vetou a Huawei no seu 5G.)

 

Enquanto as pressões se multiplicavam no Brasil, Bolsonaro resolveu que o assunto seria tratado apenas pelo ministro Fábio Faria. “Ninguém vem falar de 5G comigo e não está aberta a agenda para quem quer que seja a pessoa, a não ser que ela venha acompanhada do ministro Fábio Faria, das Comunicações”, disse, em dezembro de 2020. Na verdade, estava irritado com seu vice, Hamilton Mourão. Em 2019, Mourão visitou a China, onde foi recebido por Xi Jinping com honras de chefe de Estado. Bolsonaro ficou enciumado. No Brasil, Mourão recebeu o embaixador chinês ao menos duas vezes e, naquele dezembro, falou publicamente contra o veto à Huawei, dizendo que encareceria o 5G. Fábio Faria sentiu-se atropelado, e Bolsonaro quis cortar as asas do vice.

 

O presidente estava numa encruzilhada. Ou se rendia à posição do agronegócio e à proeminência da China no comércio externo brasileiro, ou se rendia às principais potências mundiais, sob liderança dos Estados Unidos, e à ala ideológica de seu governo, que insistia em dizer que o Brasil não dependia da China, mas a China é que dependia do Brasil. Acuado pela sucessão de bravatas que ele próprio patrocinara, do “comunavírus” à “vachina chinesa”, Bolsonaro não sabia o que fazer – e não fez nada. Enquanto a minuta do decreto pairava no ar, as semanas se passavam sem uma decisão.

 

Até que Bolsonaro foi abalroado por dois fatos com os quais não contava: Donald Trump teve que engolir a derrota, e o mundo passou a correr atrás de vacinas para combater a pandemia. Com a vitória do democrata Joe Biden, a posição dos Estados Unidos em relação à China se manteve inalterada, mas esfriou em relação ao Brasil. O governo brasileiro ficou inseguro de depender da ajuda norte-americana em caso de retaliação chinesa. “Quando o Trump perde e a Covid-19 retoma mais forte, em 2021, o Brasil passa a depender dos insumos da China para a vacina”, explica Thiago de Aragão, diretor da consultoria Arko Advice e especializado em relações internacionais pela universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos. “O jogo virou completamente. A dependência da China cresceu e ficou caro demais para o governo bancar a restrição ao 5G. O governo teve uma oportunidade política de criar o veto à China antes da derrota do Trump e não a aproveitou. Ficou tarde demais.”

 

O retorno da pandemia, associado à disputa de Bolsonaro com o governador paulista João Doria para ser o primeiro a vacinar, empurrou o governo brasileiro para o colo da China. No dia 11 de dezembro, menos de três semanas depois da reunião da minuta do decreto, Ernesto Araújo enviou um telegrama em caráter “urgentíssimo” à Embaixada em Pequim dando instruções para que fossem realizadas “gestões urgentes junto às autoridades chinesas” a fim de que a empresa Wuxi Biologics pudesse exportar ao Brasil a substância ativa (também chamada de IFA) para a fabricação de doses da vacina AstraZeneca. “Solicito informar com a brevidade possível a reação das autoridades chinesas”, escreveu o chanceler.

 

Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que fez parceria com a Universidade de Oxford para produzir a AstraZeneca, toda a documentação para importar o IFA já tinha sido enviada à China, incluindo o parecer favorável da Anvisa à importação. No entanto, o governo chinês exigiu uma burocracia extra: um pedido oficial do governo brasileiro que fizesse referência à emergência sanitária e confirmasse que o destino do IFA era realmente a Fiocruz. Tratava-se de um trâmite incomum, mas que foi cumprido pelo Itamaraty com rapidez.

 

No dia 6 de janeiro de 2021, quase um mês depois do apelo de Ernesto Araújo, o IFA ainda não havia sido despachado para o Brasil. O encarregado de negócios da Embaixada Brasileira em Pequim, Celso de Tarso Pereira, relatou as dificuldades. Primeiro, o pessoal do posto diplomático tentou agendar uma reunião entre o então ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, e sua contraparte chinesa, o ministro Ma Xiaowei. Os chineses declinaram, dizendo que o tema não estava sob a alçada de Xiaowei. Então, os diplomatas brasileiros começaram a buscar a área responsável, mas ficavam sendo encaminhados de um órgão para outro.

 

Perdidos no labirinto burocrático, os diplomatas entraram em contato diretamente com a Wuxi Biologics e com a própria filial da AstraZeneca na China, no intuito de encurtar caminhos. Em vão. “Seguiram-se telefonemas e trocas de mensagens diárias com diplomatas chineses”, escreveu Pereira. “Até agora, contudo, não foram franqueadas informações concretas sobre o processo. Mesmo o acesso direto ao diretor do Departamento de Organizações Internacionais, a quem, entende-se, caberia dar o parecer da chancelaria sobre o caso, tem sido dificultado.”

 

Lendo-se os telegramas, fica-se com a impressão de que os diplomatas em Pequim não perceberam que, por trás da burocracia, havia uma retaliação pela ameaça à Huawei. Em 15 de janeiro, com os trâmites ainda paralisados, Ernesto Araújo, o criador do neologismo “comunavírus”, enviou carta ao chanceler chinês pedindo polidamente que intercedesse pelo Brasil. “Ficaria muito grato se pudesse contar com a intervenção de Vossa Excelência para a obtenção da autorização da referida exportação. Trata-se de insumos essenciais para a manufatura no Brasil de parte importante da cobertura vacinal de que os brasileiros necessitam”, escreveu Araújo.

 

Na mesma época, o Chile recebeu cerca de 4 milhões de doses da vacina chinesa Sinopharma, sem enfrentar tamanha burocracia. A Turquia, no entanto, que esperava 20 milhões de doses da Sinovac, também lidava com atrasos semelhantes ao brasileiro – e havia indícios de que também se tratava de uma retaliação. Uma reportagem do jornal The Washington Post, publicada em 7 de abril, especulou que Pequim estava pressionando a Turquia pela extradição de imigrantes da etnia uigur, uma maioria muçulmana que a China persegue de modo implacável. Fiel à sua discrição, a China jamais admitiu que retaliava o Brasil pela Huawei ou a Turquia pelos uigures.

 

A pressão por meio do comércio exterior é prática recorrente, e não apenas do governo chinês. “A União Europeia usa esse expediente na África, ameaçando retirar o dinheiro destinado aos países africanos se eles não votarem de forma coordenada na Organização Mundial do Comércio”, afirma o ex-secretário de Comércio Exterior Welber Barral, hoje sócio da consultoria BarralMJorge. “Mas, no caso da China, tudo é muito mais organizado e menos transparente. A estratégia de pressão é mais centralizada, e os atores privados obedecem com muito mais efetividade do que num país como os Estados Unidos, onde há debates internos, oposição, um setor privado com maior autonomia. Poucos países têm o poder de pressão da China”, explica Barral.

 

Embora o decreto do 5G não tenha prosperado, o setor de proteína animal permanece sob pressão incomum. Os embarques de carne para a China foram paralisados em setembro depois que se detectaram dois casos atípicos de vaca louca (não se tratava de uma contaminação generalizada, mas de casos pontuais, decorrentes do envelhecimento do animal). Dentro da Abiec, acredita-se que a China tenha aproveitado a oportunidade para tentar derrubar o preço do produto no mercado internacional e, de quebra, retaliar o Brasil em razão dos ataques vindos do governo. “A questão técnica está resolvida porque já ficou provado que são dois casos atípicos”, diz o deputado Neri Geller. “Por que o mercado permanece fechado, então? É rescaldo da discussão ideológica dos últimos dois anos. Com a mudança no comando do Itamaraty, melhorou muito. Mas o passado pesa”, diz. A ministra Tereza Cristina tentou viajar à China para mitigar o problema, mas, até o fechamento desta edição, não recebera aval de Pequim para embarcar.

 

Só o Itamaraty de Ernesto Araújo não entendeu o jogo – ou fingiu não entender. No dia 20 de janeiro, em audiência na Câmara dos Deputados, o chanceler chegou a dizer que não havia identificado “nenhum problema de natureza política em relação ao fornecimento desses insumos provenientes da China”. E ainda detalhou: “Nem nós no Itamaraty aqui de Brasília nem a nossa Embaixada em Pequim nem outras áreas do governo identificaram problemas de natureza política, diplomática. Não identificamos nenhum percalço nesse sentido.” Tanto havia percalço que, naquele mesmo mês, até o próprio ministro Fábio Faria já apoiava o pleito da China. E a minuta do decreto presidencial contra a Huawei foi para a gaveta – de onde nunca mais saiu.

 

“Não existe coincidência aí”, diz um aliado de primeira ordem do presidente, que falou com a piauí na condição de anonimato para não ser excluído do rol de amigos. “O presidente conseguiu evitar se curvar à pressão chinesa durante muito tempo. Mas os atores a favor da China foram mais fortes. A ministra Tereza e a bancada do agronegócio ganharam reforços quando o Fábio Faria e o Bruno Dantas [ministro do Tribunal de Contas da União] também passaram a pressionar em favor da China. Ficou insuportável. O presidente não teve como resistir.” Ele relata ainda que, em uma das reuniões ministeriais ocorridas em janeiro, Tereza Cristina foi taxativa: “Se não flexibilizar no 5G, não vai ter respirador nem vacina”, disse a ministra. Consultada pela piauí, ela não quis falar.

 

 No dia 5 de fevereiro, a China despachou para o Brasil um primeiro lote de 90 litros de insumos para a fabricação da AstraZeneca pela Fiocruz. No final daquele mês, foi autorizado o envio de outros 180 litros, que permitiram a fabricação de cerca de 9 milhões de doses da vacina. Um técnico que acompanhou as discussões do caso resumiu assim o desfecho das negociações: “O assunto do decreto morreu, a vacina foi liberada.”

 

Pouco antes da liberação dos insumos pela China, no dia 2 de fevereiro, o ministro Fábio Faria liderou uma comitiva de umas dez pessoas para visitar as fábricas das principais fornecedoras de equipamentos para o 5G – na Suécia, na Finlândia, na Coreia do Sul, no Japão e, claro, na China. Era a “missão 5G”. Convidou três ministros do TCU (aos quais caberia aprovar o edital), o almirante Flávio Rocha, secretário de Assuntos Estratégicos do governo, que faria o papel de olhos e ouvidos de Bolsonaro, e o ministro da Defesa Walter Braga Netto, que poderia sanar suas dúvidas sobre segurança de dados. Braga Netto mandou em seu lugar o general Ivan Corrêa Filho, comandante de “Comunicações e Guerra Eletrônica” do Exército. Os destinos asiáticos não estavam contemplados na primeira concepção do roteiro, que incluía apenas Suécia e Finlândia, países com os quais o Brasil pretendia negociar. Depois da retaliação chinesa sobre o IFA, o ministro Faria incluiu a Ásia na viagem que duraria onze dias.

 

A comitiva voou a bordo de um Embraer Legacy 600 da Força Aérea Brasileira. Em Estocolmo, primeira parada, ficaram hospedados no hotel Radisson, quatro estrelas, visitaram a Ericsson, tiveram encontros com membro do governo sueco, e uma parte da comitiva partiu para uma visita à residência de Marcus Wallenberg, vice-presidente do conselho do conglomerado Investor AB, fundo que controla não só a Ericsson, mas também a AstraZeneca. Wallenberg vive em Täcka Udden, numa propriedade de estilo francês-renascentista comprada por sua família em 1888. O almirante Flávio Rocha ficou impressionado, não tanto pela conversa sobre o 5G, mas pela decoração de inspiração naval da residência. Os Wallenberg descendem de negociadores navais, e todos os homens da família são obrigados a se alistar na Marinha sueca antes de ingressar nos negócios.

 

Em Helsinque, capital da Finlândia, a comitiva foi recebida pelo presidente da Nokia, Pekka Lundmark, quando deu-se o primeiro contratempo: um dos tripulantes do voo da FAB testara positivo para a Covid-19. Em função disso, a passagem pela Coreia do Sul, em razão de restrições impostas pelo país para evitar o risco de contágio, teve de ser cancelada. A comitiva seguiu direto para o Japão. Em Tóquio, ficaram hospedados no bairro de Ginza, numa área elegante da cidade, encontraram-se com autoridades japonesas e visitaram as instalações da Fujitsu e da NEC, fabricantes menores de componentes para o 5G.

 

O grupo só desembarcou em Shenzhen, no sudeste da China, na noite do dia 10. E teve uma deferência especial, que demonstra o interesse chinês: foram dispensados da quarentena de 21 dias exigida de todos que chegassem do exterior. A Embaixada Brasileira em Pequim alertara o ministro Faria de que seria difícil conseguir contornar a regra de quarentena, algo proibido até mesmo aos membros da cúpula do governo. Os diplomatas relataram ainda que a comitiva corria o risco de ser retida ainda no aeroporto ao desembarcar. Foi o embaixador chinês em Brasília, Yang Wanming, um alto membro do Partido Comunista, que conseguiu a façanha de liberar os brasileiros da exigência. Em contrapartida, toda a missão teve de ficar confinada em uma mesma residência em Shenzhen, sem autorização para sair. Só puderam se locomover em vans selecionadas pela Huawei.

 

Na manhã seguinte à chegada dos brasileiros, 8h30 em ponto, o grupo teve uma reunião virtual com o fundador e presidente da Huawei, Ren Zhengfei, que estava resguardado desde o início da pandemia. Sua última aparição pública ocorrera em 21 de janeiro de 2020, quando esteve no Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, e foi entrevistado pelo historiador israelense Yuval Harari.

 

Depois da reunião com Zhengfei, a comitiva fez um tour pelo campus tecnológico da Huawei, onde recebeu horas de demonstrações da tecnologia 5G, e conheceu um laboratório de segurança cibernética e proteção de dados – essa parte específica do roteiro foi pedida pelo Ministério da Defesa. Foi o último compromisso da “missão 5G”, que deixou a China naquela mesma noite, menos de 24 horas depois do desembarque. Segundo o relatório da viagem apresentado ao Ministério das Comunicações, a turma estava tão exausta que pediu para pernoitar nas escalas em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, e em Argel, na Argélia.

 

Apesar da mobilização brasileira para ir à China e da disposição chinesa em receber a comitiva, o ministro Fábio Faria ainda negava que a viagem tivesse qualquer intuito de pacificação política. Dizia aos seus auxiliares que, se fosse uma missão política, eles teriam ido a Pequim – e teriam sido recebidos pelo chanceler Wang Yi.

 

Mesmo sem escala em Pequim, a visita da comitiva brasileira ajudou a serenar os ânimos. No início de março, a pedido da China, houve uma videoconferência entre o número dois da Embaixada Chinesa em Brasília, Qu Yuhui, e diplomatas do Itamaraty. Segundo um telegrama a que a piauí teve acesso, o chinês elogiou a passagem da comitiva brasileira pela China e tomou a iniciativa de tocar no assunto da Huawei. Disse que eram “encorajadores os sinais de que nenhuma empresa será impedida, a priori, de participar do processo”.

 

No mês seguinte, com Ernesto Araújo já demitido da chancelaria, o clima ficou ainda mais ameno. Carlos Alberto França, o novo chanceler, recebeu uma ligação de acolhida do seu colega chinês, Wang Yi. A conversa telefônica foi testemunhada pelo chefe de gabinete de França, o embaixador Achilles Zaluar, e pela secretária de Negociações Bilaterais na Ásia, Pacífico e Rússia, a embaixadora Márcia Donner Abreu. Wang Yi disse que a China continuaria a importar produtos agrícolas brasileiros e que o país tinha interesse em “ampliar a cooperação em telecomunicações e 5G”. Ao relatar a conversa em telegrama à Embaixada Brasileira em Pequim, França disse ter notado que a “missão 5G” em Shenzhen havia sido “exitosa”.

 

O problema é que a base bolsonarista, incitada contra a China desde a campanha eleitoral de Bolsonaro, continuava o barulho. Nas redes sociais, diziam que a vacina CoronaVac, de origem chinesa, era ineficaz e não perdiam uma oportunidade para denunciar a espionagem chinesa no 5G. O deputado Fausto Pinato, que tentava aplainar o caminho para a Huawei, era chamado de “lobista do regime comunista”. Intrigado com a omissão de Bolsonaro em censurar um comportamento que dinamitaria as relações com a China, ele foi ao Palácio do Planalto para uma reunião com o então ministro da Secretaria de Governo, o general Luiz Eduardo Ramos.

 

Pinato rememora: “Ramos então me disse: você sabe que é difícil, esse pessoal não gosta da China, é coisa pessoal. Ou seja: por uma questão pessoal estava prejudicando o país?” O próprio deputado conhecia o assunto. Em outubro de 2019, ele acompanhara a viagem da comitiva presidencial à China. Ele lembra que, durante a viagem, o general Augusto Heleno e o próprio Bolsonaro temiam pela segurança de seus dados pessoais. “Eles são tão neuróticos que confundem a ficção com a realidade. Ficavam o tempo todo preocupados de usarem seus próprios telefones.” E nem mesmo o Ministério da Defesa conseguiu até hoje provar o risco de insegurança cibernética. Convocados para falar na Câmara dos Deputados sobre os riscos do leilão do 5G, os militares, diz Pinato, “não apresentaram nenhuma prova de vazamento ilícito de dados”.

 

Era perceptível que a paranoia não estava limitada à base bolsonarista até que apareceu uma evidência concreta. No final de abril, quando parecia que as coisas podiam se manter sob controle, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse num evento que o coronavírus havia sido “inventado” pela China. O estrago estava feito, mas ficou pior. Em seguida, Bolsonaro, compartilhando a ideia de Guedes, disse que o coronavírus estava aí para ser usado numa “guerra química”. Não chegou a mencionar a China, mas deixou implícito que a tal arma saíra dos laboratórios de Pequim. O deputado Pinato se recorda do episódio: “Depois de todo o nosso esforço, vinha o Bolsonaro ou algum ministro e colocava tudo a perder. Ficamos com cara de palhaços.”

 

Desde sua visita à China, o ministro Fábio Faria sabia que o Brasil não tinha condições de impor aos chineses as mesmas restrições que outros países impuseram. Mas achava que uma liberação total à Huawei colocaria o Brasil numa posição de vulnerabilidade no mundo. Além das elevadas considerações de caráter geopolítico, havia ainda a banalidade da política interna: os bolsonaristas mais carnívoros, dentro e fora do governo, precisavam receber alguma coisa com a aparência de filé para, pelo menos, fazer de conta que tiveram uma vitória. Faria, ele mesmo, teve uma ideia.

 

Em conversa com os técnicos do seu ministério, ele sugeriu que fosse acrescida ao edital do leilão uma nova exigência: a rede de 5G que servisse o Executivo, o Legislativo e o Judiciário teria de ser construída por empresas que seguissem regras compatíveis com companhias de capital aberto. A regra excluía a Huawei, mas a exclusão seria restrita apenas à infraestrutura da rede dos três poderes da República. Era o que, internamente, o governo passou a chamar de “rede privativa”. Também ficaria contemplada nessa regra a rede 5G na região do programa Amazônia Conectada, numa tentativa de atenuar os temores conspiratórios dos militares de que a China poderia ameaçar a soberania nacional em solo amazônico.

 

A Anatel foi informada da novidade e incluiu-a no texto do edital do leilão. Em seguida, o documento foi submetido à avaliação do TCU. A resposta da área técnica do tribunal saiu só no início de agosto, depois de uma análise criteriosa: apontava uma série de erros no edital, como a omissão de não obrigar as operadoras a fornecerem internet de alta velocidade para as escolas públicas. Sobre a “rede privativa”, o edital dizia, sem meias-palavras: que era ilegal. Só seria legal se fosse implantada por meio de licitação ou parceria público-privada – e não um leilão. Os ministros não são obrigados a seguir a avaliação da área técnica. Por isso, a “rede privativa” entrou no edital do leilão mesmo assim. No fim de agosto, depois de incluírem às pressas a internet para as escolas públicas, o edital estava aprovado no TCU.

 

 O técnico do TCU, responsável pelo relatório, reforçou, com certa dose de resignação, que todos os pontos que haviam sido descritos e trabalhados ao longo de quatro meses por sua equipe eram importantes para o leilão. “Tudo que estava no relatório era muito relevante”, afirma Uriel Papa, secretário da área de Infraestrutura do TCU. Internamente, os ministros já estavam convictos de que o leilão tinha de ser aprovado o quanto antes, alegando que a pandemia já havia atrasado demais o cronograma, e avaliavam que a área técnica havia sido dura em seu relatório porque estava ressentida. Na avaliação de um dos ministros, que pediu à piauí que seu nome não fosse revelado, os técnicos se aborreceram por não terem sido ouvidos durante o processo. Somente em julho deste ano, quando o relatório da área técnica estava prestes a ser concluído, Uriel Papa foi convidado a ir a uma viagem organizada pelo ministro Faria. Visitou as instalações de 5G e rede privativa em Washington, nos Estados Unidos. A cortesia, contudo, não alterou o tom do relatório.

 

 A inclusão da “rede privativa” no edital foi apenas uma forma de satisfazer o apetite do bolsonarismo. A proposta da rede exclusiva poderia ser executada pelo governo sem edital nem leilão. A lei de licitações prevê que o governo tem a prerrogativa de escolher a empresa de sua preferência para realizar determinados serviços. Na infraestrutura do 5G, por exemplo, bastaria que escolhesse, no caso específico da rede para os três poderes, qualquer empresa que não a Huawei. A diferença é que essa saída, já prevista em lei, não daria o discurso que a base bolsonarista exige. Para a Huawei, foi uma excelente solução. Estima-se que a “rede privativa”, que contempla também a Amazônia, corresponderá a apenas 5% dos investimentos previstos para toda a rede nacional. A empresa chinesa, no final das contas, ficará com o filé.

 

Depois de todo o barulho sobre a China, o Brasil acabou se colocando numa posição ímpar. Entre as quinze maiores economias do mundo, é um dos únicos países que vai aceitar, com restrição mínima, o fornecimento de equipamentos da Huawei na sua infraestrutura de 5G. Os outros – Estados Unidos, Alemanha, México, Reino Unido, Índia, França, Austrália, Itália e Espanha – impuseram veto total ou critérios difíceis de serem cumpridos. O Japão, apesar da ausência de restrições, é um dos mais ativos no acordo da Clean Network. O Canadá ainda não bateu o martelo, mas aposta-se que seguirá alinhado com os Estados Unidos. A Coreia do Sul e a Rússia, que completam a lista dos grandes, são as exceções e não devem banir a Huawei. Em 2019, o Reino Unido chegou a dizer que autorizaria equipamentos da empresa chinesa em até 35% de suas redes de 5G, uma vitória tão significativa que o fundador da Huawei disse que fora a sua “batalha de Stalingrado”. Mas, neste ano, sob pressão do Partido Conservador, o primeiro-ministro Boris Johnson voltou atrás.

 

É uma disputa de gigantes. China e Estados Unidos estão brigando para saber quem vai controlar a nova geração de redes de comunicação ultra velozes. Num futuro cada vez mais próximo, a automação de processos simples (como dirigir um carro) e complexos (como fazer uma cirurgia cardíaca) poderão ser feitos remotamente. Essa perspectiva torna a espionagem de dados um trunfo para quem rouba e um perigo para quem é roubado. As agências de inteligência dos Estados Unidos e do Reino Unido avaliam que, embora a Huawei possa estar bem-intencionada, o modelo de governo chinês a impediria de agir com independência caso fosse requisitada a fornecer dados de usuários.

 

Desde que os Estados Unidos passaram a questionar a idoneidade da Huawei, no início da década de 2010, a empresa vem negando o uso de sua rede para propósitos ilícitos. Zhengfei, o fundador, também nega que sua empresa tenha participação acionária do governo, embora uma reportagem do Wall Street Journal tenha apontado que a companhia acumulou 75 bilhões de dólares em financiamento estatal, subsídios e benefícios fiscais ao longo das últimas três décadas. A Huawei negou ao WSJ que recebe tratamento diferenciado do governo. Em outra reportagem, publicada pela BBC, Zhengfei foi questionado sobre o fato de uma das ex-presidentes da Huawei, Sun Yafang, ter trabalhado no Ministério de Segurança chinês. O empresário respondeu que a suspeita não era justa. A piauí pediu uma entrevista com o representante da Huawei no Brasil, mas a empresa não quis falar.

 

Depois que sua filha e ex-diretora financeira da Huawei passou três anos presa no Canadá a pedido da Justiça norte-americana, acusada de fraude, lavagem de dinheiro e espionagem industrial, Zhengfei adotou uma postura mais beligerante em relação aos Estados Unidos. Criou um plano de comunicação para defender a imagem da empresa na mídia internacional, brigar na Justiça para ter o direito de vender no mercado norte-americano e investir em tecnologia. Ganhar o mercado brasileiro nunca foi sua “batalha de Stalingrado”, mas era fundamental em sua estratégia mundial.

 

O leilão do 5G é um evento singular que marcará um ponto de inflexão nas telecomunicações, segundo o empresário Roberto Nogueira, presidente da Brisanet, empresa de telecom que cresceu a partir década de 2000 investindo em fibra ótica no Nordeste e, agora, depois de captar mais de 1 bilhão de reais na bolsa de valores, poderá disputar lotes no leilão ao lado das grandes, como Vivo, Claro, Tim e da mineira Algar. “É um momento único. Estamos vivendo a década da transformação da infraestrutura de telecomunicações. Os cabos desaparecem e entra a fibra ótica na banda larga das residências, o 5G passa a entregar internet móvel de alta performance. Tudo isso abrirá caminho para uma transformação de logística e serviços nas próximas décadas”, explica Nogueira. Segundo ele, participar do leilão do 5G é fundamental porque não haverá outro parecido nas próximas duas décadas.

 

A Algar, que foi uma das primeiras clientes da Huawei no Brasil, quando ainda estava em vigor a tecnologia de segunda geração, chamada de GSM, nos anos 2000, não tem reclamações a fazer da empresa, embora tenha, ao longo do tempo, migrado sua rede para a Nokia. “Foi uma experiência ímpar. Boa tecnologia, bom serviço, bom suporte”, diz o presidente da empresa, Jean Carlos Borges. Contudo, ele relata que com a chegada das redes 3G e 4G, os equipamentos mais voltados para a tecnologia de dados, e menos para telecom, passaram a interessar mais à sua empresa – daí a migração para a Nokia, que ofereceu uma combinação entre tecnologia e preço que lhe pareceu mais vantajosa. “Hoje, esses equipamentos das duas fabricantes coexistem”, explica.

 

Embora se fale no “leilão do 5G”, o que o governo leiloará para as operadoras neste mês de novembro é o “espectro”, uma espécie de tubulação por onde passam os dados. O 5G é a tecnologia que transporta esses dados dentro do espectro. Serão leiloadas, portanto, faixas maiores e menores dessa tubulação. As maiores faixas serão, em sua maioria, de abrangência nacional. Mas haverá um lote separado para empresas que desejam operar em apenas uma região, como é o caso da Brisanet e da Algar. Elas ocuparão um espectro menor dentro da tubulação. Quando todas as fases do certame forem concluídas, a nova tecnologia começará a chegar aos usuários a partir do ano que vem.

 

 As operadoras têm até julho de 2022 para construir a infraestrutura nas 26 capitais e no Distrito Federal e entregar o novo serviço. Embora o 5G para a telefonia móvel seja a grande novidade, o aumento da rede de fibra ótica será obrigatório para drenar o volume colossal de dados em circulação. Ou seja, o investimento em fibra ótica também será fundamental para promover a universalização da internet de alta velocidade no Brasil. As operadoras terão de investir na fibra tanto quanto na internet móvel 5G, elevando em dez vezes o cabeamento da rede de banda larga fixa no Brasil.

 

O Brasil já está conectado: 83% dos domicílios têm algum acesso à internet, mas apenas 44% têm um computador. Conclui-se, portanto, que a conectividade no país se apoia, sobretudo, na internet móvel, por celular — com planos majoritariamente pré-pagos e de baixo volume de dados. O 5G transformará essa realidade porque permitirá que a população de baixa renda consiga acessar aplicativos que exigem elevado fluxo de dados, como os de streaming de vídeos — que servem tanto para o entretenimento quanto para a educação online. Embora Bolsonaro tenha se centrado na influência chinesa ao longo de todo o debate sobre o 5G, a realidade é que, no Brasil, as dificuldades reais são outras — e o inimigo é interno.

 

 https://piaui.folha.uol.com.br/materia/licao-das-bravatas/

 

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

O farsante em 2014, quando perdeu a candidatura para seu fantoche - Editorial Estadão

 Em 2014, contrariando declarações anteriores, nas quais reconhecia (mentirosa e hipocritamente) que havia “sido traído” (pelos companheiros mafiosos Dirceu, Delubio e outros), mas que tentava, sem sucesso, voltar ao poder no qual havia colocado o seu fantoche e “provar” que o julgamento do Mensalão tinha sido “uma farsa”, o Estadão publicava um editorial desmentindo o chefão mafioso, que eu reproduzi nomeu blog, este mesmo.

Como diria uma série televisiva, vale a pena ler de novo.

Paulo Roberto de Almeida 

quarta-feira, 30 de abril de 2014

A maior fraude da politica brasileira volta a grasnar - Editorial Estadao

Não dá para levar a sério

Editorial O Estado de S. Paulo, quarta-feira, 30 de abril de 2014

Não se deve levar a sério quem não leva a sério a si mesmo. Diante das nuvens que ameaçam carregar de sombras o cenário eleitoral, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu abrir a caixa de ferramentas e "partir para cima" de quem ou o que quer que seja que represente risco para o projeto de perpetuação do PT no poder.

Tem aproveitado todas as oportunidades para exercitar sua conhecida e inexcedível desfaçatez. Na noite de sábado passado, em entrevista à TV portuguesa, chegou ao cúmulo, ao interromper a entrevistadora que queria saber o nível de suas relações com José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares e sair-se com uma inacreditável novidade: "Não se trata de gente de minha confiança".

Então está tudo explicado. E toda a Nação tem a obrigação de reconhecer que o ex-presidente falava a verdade em agosto de 2006, quando o escândalo do mensalão estourou: "Quero dizer, com franqueza, que me sinto traído. Não tenho vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos que pedir desculpas". O fato de as pessoas (a "gente") a que Lula se referia serem o seu então ministro-chefe da Casa Civil - na verdade, um primeiro-ministro ad hoc -, o presidente nacional e o tesoureiro de seu partido tinha então toda a importância, a ponto de o presidente se sentir traído.

Mas, em 2006, surfando no prestígio popular garantido pelo sucesso de seus projetos sociais, Lula reelegeu-se presidente e, cheio de si, subestimando como de hábito o discernimento das pessoas, começou a, digamos, mudar de ideia sobre o mensalão.

Afinal, se estava tão bem na foto, por que posar de vítima?

Em novembro de 2009, já na pré-campanha eleitoral do ano seguinte, passou uma borracha nas declarações anteriores e proclamou diante das câmeras de televisão: "Foi uma tentativa de golpe no governo. Foi a maior armação já feita contra o governo".

Exatamente um ano depois, já comemorando a eleição da sucessora que havia escolhido a dedo, anunciou, onipotente, sua primeira proeza tão logo deixasse o governo: "Vou desmontar a farsa do mensalão".

Os fatos acabaram demonstrando que Lula não estava com essa bola toda. Provavelmente até hoje ele não entendeu direito como é que um colegiado de 11 ministros, dos quais 8 - esmagadora maioria - foram escolhidos por ele próprio e por sua sucessora, foi capaz de armar uma falseta dessas contra "nós".

Mas Lula nunca foi de dar bola para os fatos. Quando não gosta deles, simplesmente os descarta. Prefere criar suas próprias versões.

Uma dessas criativas versões, novidade no repertório do grande palanqueiro pela precisão quase científica que aparenta conter, foi revelada nessa entrevista televisiva que concedeu em Lisboa, durante sua estada em Portugal para as comemorações dos 40 anos da Revolução dos Cravos. E bota criatividade nisso: "O mensalão teve praticamente 80% de decisão política e 20% de decisão jurídica". Quer dizer: a Suprema Corte de Justiça do País tornou-se politicamente cúmplice da "maior armação já feita contra o governo".

A entrevistadora da TV portuguesa estranhou a esdrúxula divisão, mas o ilustre personagem não hesitou em, novamente, sacrificar a lógica e a coerência em benefício de sua cruzada contra o Mal. E encerrou o assunto: "O que eu acho é que não houve mensalão".

Pelo menos ele está "achando" - não tem a categórica certeza que demonstrou quando garantiu, na prematura apoteose do pré-sal, que o Brasil se tornara "autossuficiente" em petróleo.

Outra pérola do pensamento lulista foi oferecida aos telespectadores quando a entrevistadora provocou o entrevistado sobre o fato de sua popularidade manter-se incólume enquanto a de sua sucessora despenca. Ato falho ou exacerbação do ego, Lula sentenciou: "O povo é mais esperto do que algumas pessoas imaginam".

De resto, o fato de, certamente julgando a partir de seu próprio exemplo, entender que a "esperteza" é uma grande virtude do povo brasileiro, Lula dá a exata medida dos valores éticos que cultiva, na hipótese generosa de que cultive algum.

Levá-lo a sério é cada vez mais difícil.

A Nota idiota do PT sobre a Nicarágua (apenas registro histórico)

 O Chefão de todos eles, que é um pouco mais inteligente do que os petistas ordinários, a despeito de no fundo concordar com a nota IDIOTA do PT sobre as eleições “democráticas” vencidas pelo ditador sanguinário Daniel Ortega, mandou apagar essa nota e finge que não é com ele. 

Como eu acho que essas coisas precisam ser registradas para a História, transcrevo o horror imbecil nas minhas ferramentas:

Paulo Roberto de Almeida

ESCÂNDALO!

O autocrata-eleitoral Daniel Ortega ganhou a eleição para um quarto mandato com 75% dos votos. A eleição foi de fachada. Os cinco concorrentes eram paus-mandados do regime autoritário. Sete verdadeiros oposicionistas não puderam concorrer porque foram presos por ele por traição.

Leiam abaixo a nota que o PT teve a cara de pau de publicar.

"Saudação às eleições nicaraguenses

O Partido dos Trabalhadores (PT) saúda as eleições nicaraguenses realizadas neste domingo, 7 de novembro.

O Partido dos Trabalhadores (PT) saúda as eleições nicaraguenses realizadas neste domingo, 7 de novembro, em uma grande manifestação popular e democrática deste país irmão.

Os resultados preliminares, que apontam para a reeleição de Daniel Ortega e Rosario Murillo, da FSLN, confirmam o apoio da população a um projeto político que tem como principal objetivo a construção de um país socialmente justo e igualitário.

Esta vitória será conquistada apesar das diversas tentativas de desestabilização do governo e do bloqueio internacional contra a Nicarágua e seu atual governo, uma situação que penaliza principalmente os mais pobres e necessitados.

Esperamos seguir com a FSLN neste caminho de construção de uma América Latina e Caribe livres e soberanos, uma região de paz e democracia social que possa servir de exemplo para todo o mundo".

Romenio Pereira

Secretário de Relações Internacionais


08 de novembro de 2021.


Cf. 

It’s Time to Get Honest About the Biden Doctrine - Anne-Marie Slaughter

 The New York Times – 14.11.2021

It’s Time to Get Honest About the Biden Doctrine

Anne-Marie Slaughter

 

A year after President Biden’s election, we’re beginning to see the contours of his foreign policy: He has something for everyone. For balance-of-power realists, he has countered China by working much more closely with “the Quad” — India, Australia, Japan and the United States — and creating a new British, Australian, U.S. nexus with the AUKUS submarine deal, no matter how clumsily handled.

For liberal internationalists, he has re-engaged with global institutions: rejoining the World Health Organization and the U.N.-sponsored Paris Agreement to limit climate change and recommitting to NATO. For those advocating “restraint” in America’s military might, he has ended at least the visible “forever wars.”

And for democracy and human rights activists committed to a values-based foreign policy, Mr. Biden will be hosting a Summit for Democracy next month. The administration has also ratcheted up both its rhetoric and its actions on human rights issues, accusing China of both genocide and crimes against humanity for its treatment of its Uyghur population and authorizing sanctions against several officials responsible for the war and humanitarian crisis in Ethiopia.

Yet when everyone gets something, no one gets everything, which is why the core principles of Mr. Biden’s worldview have been hard to pin down.

Not for lack of trying, however. Richard Haass, president of the Council on Foreign Relations, argues that Mr. Biden is continuing many of Donald Trump’s “America First” policies in a different guise. Joshua Shifrinson, a Boston University professor, and Stephen Wertheim, senior fellow at the Carnegie Endowment for International Peace, claim that the Biden Doctrine is “pragmatic realism,” pursuing U.S. interests “in a competitive world” and changing course as necessary to achieve them.

On the values-based side of the foreign policy ledger, a growing number of observers insist that the real Biden Doctrine is to preserve and prove “the supremacy of democracy” worldwide. As Jonathan Tepperman, former editor in chief of Foreign Policy, argues, the “global contest between democracies and autocracies” provides an “organizing principle” to link investing in infrastructure and industrial policy at home, pursuing a foreign policy for the middle class and working to build coalitions of democracies abroad.

Perhaps Mr. Biden is perfectly comfortable with multiple “Biden Doctrines.” He might say that reconciling conflicting impulses and brokering compromises is his trademark as a politician who knows how to get things done.

The problem is that swinging from one framework and set of goals to another without a set of clear principles and priorities risks falling radically short of the progress that the world needs on existential issues. What difference does it make whether the United States “beats China” if our cities are underwater, the Gulf Stream stops warming northern Europe and the United States, and hundreds of millions of climate refugees are on the move? If we destroy the biodiversity on the planet? If millions more people die from serial pandemics? If people the world over do not have the means to flourish and care for one another?

It is time to break free of 20th-century thinking. Two decades of Mr. Biden’s 50-odd years in public life were spent during the Cold War and a third during the 1990s with the United States as a hyperpower. For most of this period great-power competition and making the world safe for democracy were fused. “People” issues were relegated to human rights advocates and development experts. Diplomacy and defense were the provinces of nations and the field of international relations.

The frameworks, paradigms and doctrines of that era, of any kind, are simply insufficient to meet the challenges of the 21st century. Bolder thinking is required, thinking that shifts away from states, whether great powers or lesser powers, democracies or autocracies. It is time to put people first, to see the world first as a planet of eight billion people rather than as an artificially constructed system of 195 countries and to measure all state actions in terms of their impact on people. Instead of competing with China today on one issue and cooperating tomorrow on another, Mr. Biden must prioritize cooperation on global issues and challenge other nations, regardless of whether they are democracies, autocracies or something in between, to join in.

This approach is known as globalism, which has a bad name because of its association with globalization. But globalism is actually closer to localism, to beginning with people, where they live and what they need, regardless of what colored square on the map they happen to be born in. It is a people-centered rather than a state-centered approach to problem-solving on a global scale. It does not pretend that governments don’t exist or don’t matter, but rejects the idea that interstate rivalry matters as an end in itself — the essence of geopolitics.

Government officials as a set of actors can contribute to either global problems or global solutions. To succeed as problem solvers, however, they must work side by side with global corporations and networks of cities, civic groups, faith groups, universities, scientists and others. These actors are not just “helpers” or catalysts or constituents. They are players in global politics.

Mr. Biden sometimes seems to be moving in this direction. His speech to the U.N. General Assembly in September laid out a long list of global problems, from health and climate change to inequality and corruption. In my view, his greatest foreign policy achievement to date was to secure a minimum global corporate tax rate of 15 percent, ensuring that corporations worldwide pay at least a portion of their fair share for the public goods — from roads to intellectual property laws — that they rely on and that benefit all citizens. The Biden administration also embraces an “all of society” approach to fighting climate change.

Time and again, however, Mr. Biden’s other goal — of beating China, or more broadly of lining up the democracies to beat the autocracies — gets in the wayThis week, thanks to the work of John Kerry, the climate envoy, the United States and China reached an important agreement to cooperate on deeper cuts to both carbon dioxide and methane emissions. It’s not enough, however, and misses a larger opportunity to mobilize the United States, China, the European Union and India as co-leaders on a global climate challenge.

The lure of competition — often on the edge of conflict — with a rival superpower is just too strong, both for Mr. Biden and for the tight-knit band of brothers who form the core of his foreign policy team. Secretary of State Antony Blinken and Jake Sullivan, the national security adviser, are veterans of the Obama administration’s “pivot to Asia,” a concept designed and advanced in large part by Kurt Campbell, now the White House Asia czar.

From the perspective of 20th-century geopolitics, it makes sense for the Biden administration to approach its relationship with China as one in which the United States has many different goals: economic, military and diplomatic. On some issues, like climate or health, we seek China’s cooperation. On many more, like military primacy, freedom of navigation in the South China Sea, fair trade, intellectual property rights, cybersecurity and human rights, our relationship requires competition and coercion. Hence we have the frequent trade-off debate, in which China hawks have demanded that Mr. Kerry not give an inch to get concessions on Chinese emissions or to encourage other actions that are necessary to stop the globe from warming another degree.

From a people-first perspective, saving the planet for humanity must be a goal that takes precedence over all others. The United States should openly challenge China to a competition to see which country can deliver the cleanest and safest environment for its people while at the same time increasing their well-being. Which country can build and deploy clean technologies the fastest? Which country can help the most developing countries upgrade their infrastructure and wean themselves off carbon?

It should be possible to develop common measures to assess the climate impact of China’s Belt and Road investments versus the Build Back Better World initiative — a project of the Group of 7 wealthiest economies — and the E.U.’s Global Gateway investments and to agree on a set of nongovernmental organizations charged with applying and publicizing these metrics.Global youth movements, from the Sunrise Movement in the United States to the China Youth Climate Action Network and Greta Thunberg’s followers everywhere, would be ideal candidates.

When it comes to the Covid-19 pandemic, if our collective goal really is to vaccinate and treat as many people as possible worldwide, then it’s time to ignore geopolitics. Back in September, the Biden administration’s global vaccine summit brought together over 100 governments and an additional 100 global actors to commit to vaccinating 70 percent of the world’s people by 2022. China has said that it is now working with 19 nations to produce vaccines and cooperating with another 30 countries on vaccine distribution through the Belt and Road Initiative. Indeed, President Xi Jinping of China proposed a Global Vaccine Cooperation Action Initiative at the Group of 20 summit last month, without an apparent response from the United States. Aboard Air Force One, on his way to Rome, Mr. Sullivan told reporters that “the main thrust of the effort on Covid-19 is not actually traveling through the G20.” My translation: The Chinese and their partners have one effort and the United States and its partners have another.

Mr. Biden believes in the inherent value and ultimate superiority of democracy. He sees it as the form of government that best recognizes human dignity and agency, and that can deliver well-being and prosperity for the greatest number of people. So do I. But this conviction, which was as reflexive as breathing for most Americans during the 20th century, must now be put to an empirical test, starting at home.

Mr. Biden gets this, in part. He has made clear that the United States must demonstrate that our democracy can in fact represent and deliver results for our own people. Bolder thinking would insist that the United States face all the ways in which our democracy has fallen short for millions of our people and accept at least the possibility that other forms of government could be better. Beyond U.S. borders, the contest between democracy and autocracy should be an open competition to see which governments can deliver more — materially, intellectually, spiritually and all the other ways we measure human flourishing — for their people. One measure might be which country does the most to achieve the U.N.’s Sustainable Development Goals, as assessed by a global coalition of civic organizations.

Globalism is not mushy government idealism — far from it. It does not deny the existence or importance of government — at the local, state, national and international levels — or of intergovernmental diplomacy. But it insists that the great-power games, as deadly as they have been and could still be, must give way to planetary politics, in which human beings matter more than nationalities. Competition itself is fine and natural, but it needs to be competition to achieve a goal that benefits us all.

Under normal circumstances, administrations set goals and navigate the conflicting interests that are the essence of politics. They muddle through one crisis, one summit, one speech at a time. But we are not living in normal times. As Mr. Biden understands and is striving to achieve on the domestic front, it’s time for bold, transformative change. To vaccinate fewer people globally in the hope of demonstrating American or even democratic superiority is a moral calamity that will hurt us all.

To some, adopting people-centered policies at the national and global levels might seem so fanciful as to be delusional. But history shows that it is possible to change course, even drastically. Just over a hundred years ago, the United States Senate refused to ratify the Treaty of Versailles and turned its back on the League of Nations. At the time, no one would have predicted that a quarter-century later, President Franklin Roosevelt would be a principal architect of the United Nations and that the United States would embrace a set of global institutions designed to maintain peace, prosperity and security. Gen Z and many millennials are already thinking in planetary terms, putting people ahead of states. It is time for the rest of us to catch up.

 

Ms. Slaughter is C.E.O. of New America, a think tank and civic enterprise.

 

Colaboração a Enciclopedia sobre a História da América do Sul colonial até a independência: verbetes sobre o Brasil (ABC-CLIO)

Já colaborei com uma série de conceitos. Transcrevo abaixo aqueles que se relacionam mais diretamente com o Brasil e que ainda não encontraram voluntários para escrever .

Paulo Roberto de Almeida 


CFP: South America: From European Contact to Independence Project

by H. Micheal Tarver

Now seeking contributors to a forthcoming two-volume encyclopedia on South American history from European contact through independence, to be published by ABC-CLIO under the editorship of Micheal Tarver and Carlos Márquez. Expressions of interest are welcome from graduate students, postdocs, professors, and public history professionals. 

A headword list has been determined by the editors and publisher, with entries ranging from regional Amerindian groups at European arrival to heroes and heroines of the independence movements. Although the work will be formatted in the traditional A-Z style, the entries will represent various themes found within South American history. Interested contributors can find the list of available entries at https://tarver.org/headwords. Suggestions for additional entry topics are welcomed.

Most individual entries will be 1000 words. All Contributors will receive free access to the e-book version of the Work. Contributors who write five 1000-word entries will also receive one (1) complimentary set of the printed edition of the Work (estimated retail cost $225) in lieu of a monetary payment.

Deadline for this round of contributions is March 15, 2022. Contributors who author multiple entries will be assigned varying deadlines to foster the submission process. Additional calls for contributors will appear thereafter.

Questions concerning the project should be sent to Micheal Tarver at mtarver@atu.edu.


BC Clio New entries (related to Brazil): 


Alvares Cabral, Pedro

Amerindians in Brazil

Bragança, House

Brazil, Provinces of

Câmara Municipais

Captaincies of Brazil that Failed 

Captaincies of Portuguese South America

Carta de Doação

Donatários

First Banda Oriental Campaign (1810-1811)

First Treaty of San Ildefonso (1777)

Madrid, Treaty of (1750)

Minas Gerais

Missionaries in Portuguese America

National Library of Brazil

Pedro I

Recife

Religious Orders in South America

São Vicente

Sugar Industry