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segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Ameaça de conflito militar entre Venezuela e Guiana mobiliza Itamaraty (Metrópoles)

 Ameaça de conflito militar entre Venezuela e Guiana mobiliza Itamaraty

Metrópoles Online | Últimas Notícias
20 de novembro de 2023

Brasil, por meio de sua diplomacia, busca cooperar para uma solução pacífica na disputa entre Venezuela e Guiana pela área da Guiana Essequiba. Num movimento que pode comprometer a estabilidade do continente, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, convocou um referendo sobre a anexação da região, que representa metade do território guianense.

Fontes dentro do governo brasileiro ouvidas pelo portal Metrópoles afirmaram que o país "defende uma solução pacífica a essa controvérsia" e que busca "relembrar o compromisso de consolidação de uma Zona de Paz e Cooperação entre os Estados americanos".

Apesar da tensão crescente, o Itamaraty ainda trata do assunto de maneira reservada com os envolvidos e com outros atores regionais, tentando evitar que o debate público esquente ainda mais.

O clima está ruim entre os dois países envolvidos. Nas redes sociais, o líder venezuelano, que vive a pressão internacional para participar de eleições livres, tem feito publicações em defesa da incorporação de parte do país vizinho.

"Acreditamos profundamente no diálogo e no acordo baseados no respeito do direito inalienável e histórico que temos como Povo. A Guiana Essequiba nos pertence por herança e séculos de luta e sacrifício. Vamos construir a verdadeira paz e prosperidade para os nossos meninos e meninas", escreveu Maduro sobre a região, que é rica em recursos como petróleo.

Dilema internacional

A situação na América do Sul é acompanhada pela Corte Internacional de Justiça (CIJ), que se reuniu na última semana no Palácio da Paz - sede do tribunal em Haia, Holanda - para ouvir as representações das duas nações. O agente guianense na audiência, Carl B. Greenidge, repudiou a realização da votação nacional convocada pelo governo venezuelano.

"O referendo que a Venezuela marcou para 3 de dezembro de 2023 foi concebido de modo a obter um apoio popular esmagador, rejeitar a jurisdição e antecipar um julgamento futuro. Ao fazê-lo, querem minar a autoridade e a eficácia do principal órgão judicial", disse o representante da Guiana.

Em resposta, a vice-presidente venezuelana, Delcy Rodríguez, acusou a Guiana de "colonialismo judicial" por ter recorrido contra a anexação no tribunal internacional. "Viemos derrotar a pretensão do colonialismo judicial da Guiana, que instrumentaliza esta Corte para frear o que não pode ser interrompido. No dia 3 de dezembro, os venezuelanos votarão", prometeu a venezuelana.

O processo com os dois países tramita na CIJ desde 2018, mas ganhou importância e celeridade devido à convocação da votação na Venezuela.

Resultado antecipado

Em entrevista ao Metrópoles, o professor Alcides Cunha Costa Vaz, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), avalia que o referendo convocado por Maduro tem alta chance de ser aprovado.

"A probabilidade de passar é muito elevada. A Venezuela caminha para eleições gerais em 2024. E essa é uma demanda histórica do país. Se você ver os mapas venezuelanos, a região aparece listrada e é chamada de 'zona de reclamação'. Algo assim pode unir a população. E as cinco perguntas do referendo são no sentido de endossar a incorporação", comentou.

Além disso, o acadêmico pontua que a Venezuela não reconhece o Tribunal Internacional de Justiça como instância competente ao julgamento do processo, o que dificulta as tentativas de negociação. "Mesmo que uma decisão prospere na Corte, ela jamais será reconhecida [pela Venezuela]", afirmou.

Guerra da Ucrânia na América do Sul?

Diante da escalada de tensões, uma das preocupações levantadas é que um cenário semelhante ao do conflito Rússia e Ucrânia aconteça novamente, só que na América do Sul. Vaz comenta que essa também não é uma alternativa distante.

Do lado guianense, há forte apoio dos Estados Unidos, que visa proteger interesses comerciais. "Em 2022, a Guiana ofereceu pontos de exploração de petróleo nas águas rasas do território. Uma das primeiras candidatas foi a petrolífera Exxonmobil. O governo americano respalda esse interesse, com sinalização clara da embaixada em Georgetown (capital da país sul-americano) de cooperação militar", explicou Costa Vaz.

Em declaração recente, a nova embaixadora dos EUA no país, Nicole Theriot, reiterou a perspectiva de presença militar estadunidense. "[ ] trabalharemos para apoiar nossa parceria bilateral, melhorar os objetivos de segurança mútua, enfrentar ameaças transversais e promover a segurança regional", declarou a diplomata norte-americana.

Do lado venezuelano, a Rússia, principal fornecedor de armamento do país, também observa a região. "Durante a administração Trump, nos EUA, quando foi ventilada a possibilidade de uma intervenção estadunidense, o governo russo pousou dois bombardeiros em Caracas (capital da Venezuela) e deixou clara sua oposição. Aqui temos algumas das maiores reservas de petróleo do mundo, o que é de interesse russo", relembrou Vaz.

Num cenário de superpotências de lados opostos em um conflito militar, até mesmo o Conselho de Segurança das Nações Unidas ficaria de mãos atadas. Isso acontece, porque junto com China, França e Reino Unido; EUA e Rússia fazem parte dos assentos permanentes, que têm poder de veto. Isso lhes permite barrar resoluções, independente do apoio da comunidade internacional. Assim, há margem para que bloqueiem medidas, mesmo que essas estejam no sentido de cessar o enfrentamento.

E o Brasil?

Apesar de a discussão não envolver diretamente o Brasil, analistas políticos afirmam que a disputa pode fazer com que o Itamaraty tenha que assumir posicionamento mais contundente. Do contrário, a escalada das tensões poderia afetar regiões próximas, como avalia André César, cientista político da Hold Assessoria.

"São vizinhos, que sempre tiveram uma relação pacífica conosco. Então, um eventual embate entre os dois se tornaria um problema que poderia respingar nas populações próximas e na nossa própria política. É um assunto que, literalmente, bate à porta. Lembre-se do caso de venezuelanos entrando aqui via Roraima. Tudo que é assunto fronteiriço é delicado. Não tem como escapar dessa", avalia.

Entretanto, essa visão não é unânime. Outros especialistas entendem que o Brasil não tende a ser diretamente afetado. "A controvérsia já se estende há anos e o nunca tomamos uma posição muito clara, além, claro, da tendência histórica da diplomacia de dar ênfase à resolução pacífica dos conflitos", diz Nicholas Borges, analista de política internacional da BMJ Consultores Associados.

Paz estratégica

"Há interesse brasileiro em jogo também. A recuperação venezuelana beneficiaria o comércio bilateral e, além disso, daria margem a investimentos bilaterais no setor petrolífero", pontua o professor Alcides Cunha Costa Vaz.

O plano brasileiro é relembrar o compromisso de se estabelecer uma Zona de Paz e Cooperação - tratado iniciado pelo Brasil que tem como objetivo promover cooperação regional e a manutenção da paz na região do Atlântico Sul.

No entanto, há temor de que isso não seja o suficiente. "A diplomacia brasileira precisaria ir além dessa narrativa, reforçando que a eventual anexação poderia prejudicar as negociações que a Venezuela vem tratado com os Estados Unidos sobre os embargos econômicos", comentou Borges.


O Brasil é uma Argentina em marcha lenta? Não exatamente, ou não ainda… - Paulo Roberto de Almeida

O Brasil é uma Argentina em marcha lenta? Não exatamente, ou não ainda…

Paulo Roberto de Almeida

Nota sobre a transição política argentina e possível comparação com o Brasil


Atenção: o peronismo não acabou. Foi apenas derrotado numa presidencial, como já tinha sido no passado, por problemas que ele próprio criou. 

Se o novo executivo, com a oposição do peronismo, não conseguir resolver os problemas criados por um movimento que se converteu em república sindical, ele poderá voltar ao poder, para criar os mesmos problemas.

A Argentina não está livre de novos sobressaltos, de recriar velhos problemas, de inventar novos e de insistir em soluções erradas. Não é fácil ser argentino: três gerações atrás eles inventaram uma espécie de moto perpétuo que dilapida pouco a pouco a riqueza que tinham conseguido amealhar mais de cem anos atrás. 

O Brasil também já ingressou na etapa da república sindical, mas não conseguiu ainda formular uma doutrina para alimentar o eterno retorno da fênix destruidora de riquezas. A chave do problema está na força das ideias. Nosso “peronismo” é apenas de botequim, sem a consistência do justicialismo. O lulopetismo é apenas uma variante do velho populismo, sem qualquer força doutrinal. Um oportunismo disfarçado de política social, justificado pelas enormes carências de um país relativamente desenvolvido, mas com uma carga desmesurada de desigualdades e de injustiças sociais. 

Nunca tivemos a riqueza per capita dos argentinos, e ainda vai demorar para alcançá-la. Nossa produtividade é mediocre, essencialmente em função da má qualidade e insuficiência da educação de massa, coisa que os argentinos tinham alcançado mais de cem anos atrás. 

O peronismo conseguiu dilapidar até esse ativo público; o nosso nunca foi de verdade construído. Oligarcas de direita e república sindical de esquerda no Brasil nunca atribuíram relevância efetiva à educação de massa de qualidade para os mais pobres, de qualquer cor. 

Estamos ainda em marcha lenta, não sabemos ainda para o quê, exatamente.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 20/11/2023

domingo, 19 de novembro de 2023

A arte de ficar calado, de novo - Rubens Barbosa sobre Lula boquirroto

Rubens Barbosa: A arte de ficar calado, de novo

 

Revista Interesse Nacional, novembro 17, 2023


Presidente erra ao fazer declarações sobre a guerra na Faixa de Gaza, e pode gerar problemas para os interesses brasileiros. Para embaixador, falas de Lula também não contribuem para diminuir as tensões e divisões internas no Brasil 

Por Rubens Barbosa*

Algumas pessoas atravessam a rua para pisar em casca de banana, escorregar e se machucar.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva repete o mesmo equívoco de falar publicamente o que ele pode até pensar, mas que não deveria tornar público, para evitar controvérsia. 

‘A palavra do presidente conta, especialmente, em questões de relações internacionais’

A palavra do presidente conta, especialmente, em questões de relações internacionais.

No inicio de seu governo, o presidente elogiou a Venezuela e o regime Maduro, relativizando o conceito de democracia. Na oportunidade, foi publicamente corrigido pelos presidentes do Uruguai e do Chile e teve de ouvir manifestações políticas internas com desgaste próprio e do governo. No começo da guerra da Rússia na Ucrânia, Lula disse que os presidentes russo, Putin, e ucraniano, Zelensky, eram igualmente responsáveis pelo conflito, ganhando críticas generalizadas.

Os arroubos verbais do presidente transformam situações que poderiam ser vistas como sucesso em atritos desnecessários que prejudicam a própria ambição de Lula de ter um papel de maior visibilidade e influência nas questões geopolíticas mais relevantes. Para embaixador, aparenta haver um esvaziamento problemático do Itamaraty, mas as declarações até agora não devem ter consequências práticas contra o país.

 

Agora, depois de 7 de outubro, quando o mundo estarrecido viu cenas terríveis com os ataques terroristas do Hamas em território israelense e as cenas igualmente dramáticas com as mortes de civis (em especial mulheres e crianças) em Gaza, Lula e seu governo voltam a emitir opiniões controvertidas. 

Depois de chamar o primeiro-ministro Netanyahu de insano e a reação bélica israelense de insanidade, Lula, ao receber o grupo de 32 brasileiros que voltavam de Gaza, disse que Israel estava bombardeando mulheres e crianças em ação terrorista, como os atos do Hamas, equiparando Israel ao Hamas. Por outro lado, em encontro em Paris, promovido pelo governo francês, sobre questões humanitárias relacionadas ao conflito, o assessor internacional do Planalto disse que o que está acontecendo na Faixa de Gaza poderia ser equiparado a um genocídio.

Assim como aconteceu no episódio do encontro com Maduro, a reação a essas declarações veio no mesmo dia. A Confederação Israelita do Brasil respondeu que gostaria de ver mais equilíbrio no posicionamento presidencial e que é errado equiparar uma democracia, como Israel, com ações do grupo terrorista Hamas. No mesmo sentido, se manifestaram o Instituto Israel Brasil e a ONG Stand with Us. 

As opiniões públicas do alto escalão do governo brasileiro, no caso de Gaza, poderão repercutir contra os interesses nacionais. Uma nova lista de cerca de 50 brasileiros está  sendo elaborada, e o governo terá de negociar com Israel, em especial, que tem a última palavra para a saída de nacionais de vários países pela porta de Rafah. Embora não haja evidência do que ocorreu, não pode ser descartada a hipótese de que o atraso de um mês da liberação dos brasileiro de Gaza, apesar dos esforços do governo, pode ser atribuído a uma reação de Israel às posições do Brasil no Conselho de Segurança da ONU e às declarações de altas autoridades brasileiras.

As manifestações de Lula também não contribuem para diminuir as tensões e divisões internas no Brasil em relação ao bolsonarismo. A Confederação enfatizou que “devemos nos esforçar para não importarmos o trágico conflito no Oriente Médio para o cenário já tão polarizado do Brasil”. Segundo pesquisas de opinião pública, o antissemitismo e a islamofobia estão aumentando no pais. Não há interesse na radicalização desse tema, em vista da importância das comunidades árabe e judaica e da convivência harmoniosa existente historicamente entre elas.

Contrastando com a chegada discreta de 1.500 brasileiros da Cisjordânia e de Israel, o desembarque dos 32 nacionais e palestinos, parentes dos brasileiros, ganhou grande destaque com a presença do presidente Lula e de Janja, além de meia dúzia de ministros em uma clara intenção de capitalizar politicamente para mostrar quem realmente foi responsável pela liberação dos que quiseram sair. Foi a resposta ao ex-presidente Bolsonaro, que declarou ter falado com o governo israelense para acelerar a decisão de liberar a saída dos brasileiros. Com isso, novamente acirrou a polarização interna e apareceu querendo tirar ganhos políticos de uma questão humanitária, o que não passou despercebido.

‘O Itamaraty manteve uma atuação profissional, evitando declarações de cunho político em defesa de qualquer um dos lados’

O Itamaraty, ao longo de todo o conflito na Faixa de Gaza e no tocante à guerra na Ucrania, manteve uma atuação profissional, evitando declarações de cunho político em defesa de qualquer um dos lados. 

A chancelaria procurou tratar a questão dentro dos limites da diplomacia com uma posição técnica de equidistância no resguardo dos interesses brasileiros. A competente coordenação com o Ministério da Defesa em dez voos que trouxeram mais de 1.500 da Cisjordânia, de Israel e da Faixa de Gaza procurou afastar o trabalho de conotações políticas e os pronunciamentos do ministro Mauro Vieira e dos embaixadores em Ramalah, no Cairo e em Israel primaram pela contenção e por ausência de manifestações politicas.

 

Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC., é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.

 

sábado, 18 de novembro de 2023

Conflito territorial entre Venezuela e Guiana: novidades à luz da convocação ao referendo - Lucas Carlos Lima (Conjur)

 

OPINIÃO

Conflito territorial entre Venezuela e Guiana: novidades à luz da convocação ao referendo

17 de novembro de 2023, 17h14

recente convocação de um referendo pelo governo da Venezuela em relação ao reivindicado território de Essequibo — disputado com a Guiana — adiciona uma nova camada de juridicidade à controvérsia territorial entre os dois estados latino-americanos. Trata-se de antiga disputa que surgiu como resultado da alegação venezuelana de nulidade do Laudo Arbitral de 3 de outubro de 1899, que determina a fronteira atual entre as duas partes em virtude de “uma transação política realizada às escondidas da Venezuela e sacrificando seus direitos legítimos”.

À época, a arbitragem ocorreu entre a colônia da Guiana Britânica e a Venezuela,que disputavam uma larga porção de terra (rica em recursos naturais) entre os rios Oniroco e Essequibo. Um tribunal arbitral composto por cinco juristas (dois americanos, dois ingleses e um russo) foi composto para delimitar pacificamente a fronteira em questão. Na atualidade, uma modificação de tal fronteira poderia também ter impacto nos recursos marítimos e energéticos de ambos os países. O presente ensaio analisa o conflito territorial à luz dos procedimentos judiciais perante a Corte Internacional de Justiça, em particular diante do requerimento de medidas provisórias solicitado pela Guiana no fim de outubro diante da  convocação do referendo.

Conflitos territoriais perante a Corte da Haia
Conflitos resolvendo controvérsias territoriais e marítimas não são raros perante a Corte Internacional de Justiça [1]. Em verdade, existe uma longa e constante jurisprudência que assenta este tribunal como o órgão por excelência para resolver conflitos desta natureza que são, como se sabe, extremamente complexos, e não raramente envolvem profundos sentimentos nacionais de relação com o território. Apesar de pode se afirmar que nos últimos tempos a jurisprudência da Corte ter variado substancialmente, incorporando temáticas como direito ambiental internacional ou direitos humanos, é também possível notar que a Corte não deixou de ser o órgão judicial ao qual Estados recorrem para solucionar conflitos em relação à soberania sobre territórios disputados, também relativos a zonas marítimas.

Reprodução

Exemplos recentes nesse sentido são os casos da Delimitação da Plataforma Continental entre Nicarágua e Colômbia (2023), a Delimitação Marítima entre Somália e Quênia (2021), entre Peru e Chile (2014) ou entre Burkina Faso e Niger (2013). Desde que a Corte sedimentou a doutrina jurídica do uti possidetis iuris [2] em 1983 no célebre caso entre a Burkina Faso e a República do Mali há um profundo interesse dos Estados em utilizar meios judiciais para verificar quem possui as melhores teses jurídicas para comprovar a soberania sobre um determinado território.

A tensão de fundo em todas essas controvérsias territoriais reside no fato de que as regras estabelecidas no direito internacional para resolvê-las são essencialmente frutos de pretensões contestadas e decisões arbitrais ou judiciais avaliando tais pretensões. Não existem, obviamente, tratados internacionais que determinam regras para delimitações territoriais. Estas se dão exatamente pelo fruto da troca e de negociações de Estados por suas fronteiras — muitas vezes definidas, no passad,o como resultado de conflitos armados. Se por um lado, o princípio da integridade territorial, decorrente da soberania dos Estados, parece ser um valor jurídico de grande força normativa que tende ao status quo e à inamovibilidade e à estabilidade das fronteiras, há também novas situações jurídicas que permitem, raramente, a contestação de fronteiras internacionais.

A controvérsia entre Venezuela e Guiana não parece ser excepcional na abordagem caso a caso que o direito internacional adota para resolver essas questões. Suas origens são antigas e por mais que possam eventualmente ser aquecidas à luz de ações políticas, constitui um caso que merece entendimento exatamente porquanto possui implicações também na política interna e externa dos Estados — e seus vizinhos.

As decisões da Corte Internacional de Justiça no caso Guiana e Venezuela
Se o laudo arbitral emitido em 1899 pacificou temporariamente as relações entre a colônia da Guiana Britânica e a Venezuela, é possível verificar a existência de uma controvérsia entre os Estados durante o período de descolonização da Guiana. Em 1962, a Venezuela informou o então Secretário-Geral da ONU sobre a existência de uma controvérsia entre Reino Unido e Venezuela “referente à demarcação da fronteira entre a Venezuela e a Guiana Britânica”, alegando que o Laudo de 1899 havia sido fruto de um conluio,  e que, portanto, não poderia reconhecer o Laudo. Peritos de ambas as partes examinaram o laudo e chegaram a conclusões diferentes. Em 1966, após a independência da Guiana, a questão continuava pendente entre as partes e um tratado foi assinado reconhecendo a controvérsia — o Acordo de Genebra, que outorgava autoridade ao Secretário-Geral da ONU para auxiliar na solução da questão. Uma das perguntas do referendo convocado pela Venezuela diz respeito, justamente à legitimidade do Tratado de Genebra como fonte da resolução da controvérsia.

As conversas entre os Estados sobre o tema continuaram sob os bons ofícios do Secretário-Geral da ONU até 2014. Em 2017, Antônio Guterres decidiu que, após ter “cuidadosamente analisado” os processos de bons ofícios em 2017, e não tendo as partes chegado a uma solução, ele optaria por conduzir a disputa “à Corte Internacional de Justiça como o meio a ser utilizado agora para utilizado para sua solução” com base no Acordo de Genebra de 1966. Em 29 de março de 2018 a República da Guiana iniciou um procedimento perante a Corte Internacional de Justiça buscando reconhecer a validade do Laudo Arbitral, e, portanto, a intangibilidade de sua fronteira e território.

Até o momento, a Corte Internacional de Justiça emitiu duas decisões.

A primeira delas diz respeito à própria jurisdição da Corte que, segundo as regras essenciais do direito internacional, deve ser baseada sobre o consentimento de ambas as partes para poder decidir uma disputa. Em decisão de dezembro de 2020, procedimento no qual a Venezuela decidiu não participar, a Corte Internacional de Justiça, por 12 votos a 4, entendeu possuir jurisdição sobre o caso em virtude do Acordo de Genebra de 1977 e pela decisão do Secretário-Geral.

A Venezuela então mudou sua atitude em relação ao processo e resolveu apresentar suas defesas — isto é, objeções preliminares à jurisdição da Corte – afirmando ser o pedido da Guiana inadmissível em virtude da ausência de uma terceira parte diretamente interessada na controvérsia: o Reino Unido. Trata-se da assim chamada doutrina do Ouro Monetário pela primeira vez aplicado no caso Monetary Gold Removed from Rome in 1943 (Italy v. France, United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland and United States of America). A doutrina exige que a Corte se abstenha de decidir uma controvérsia quando os interesses jurídicos de um terceiro estado que não ofereceu seu consentimento e que constituem “o próprio objeto” do caso, ou quando o Tribunal não pode decidir o caso a ele submetido sem antes julgar a responsabilidade internacional (ou os direitos) de um terceiro Estado. No caso, e em síntese, a tese venezuelana seria de que

a declaração de nulidade do laudo de 1899 acabaria por se manifestar sobre um eventual comportamento do Reino Unido, potência colonizadora à época, e, portanto, faltaria um elemento essencial à controvérsia, que deveria ser dispensada.

Embora tenha declarado admissível a objeção da Venezuela, a Corte não deu a ela razão. Em decisão de abril de 2023, a Corte Internacional de Justiça entendeu que “a prática das partes do Acordo de Genebra demonstra sua concordância de que a disputa poderia ser resolvida sem o envolvimento do Reino Unido”. De uma maneira tangencial, a Corte da Haia entendeu que o princípio do ouro monetário não se aplicava ao caso porque os interesses do Reino Unido durante todo o processo da formulação da disputa não estavam em jogo. Embora aqui não seja o espaço, pode-se processualmente, duvidar desse entendimento limitado da aplicação do princípio e se questionar sobre as razões pelas quais a Corte preferiu adotá-lo. Fato é que, como conclusão, a decisão de 2023 fez com que a controvérsia entre Guiana e Venezuela avançasse rumo ao mérito, até que a convocação de um referendo adicionasse uma nova  fase processual à disputa.

A convocação do referendo e as medidas cautelares
A estratégia da Venezuela de convocar um referendo com cinco perguntas em relação à controvérsia da Guiana Essequiba é uma tentativa de inserir um novo elemento na complexa questão que envolve os dois Estados. O elemento da autodeterminação dos povos3, quando aplicável efetivamente, é particularmente relevante em controvérsias territoriais. De maneira sucinta, a consulta ao povo venezuelano tem cinco objetivos: 1. Rechaçar o laudo arbitral de 1899; 2. Contestar o Acordo de Genebra como instrumento-fonte da solução; 3. Não reconhecer a jurisdição da Corte Internacional de Justiça; 4. Opor-se à pretensão da Guiana de explorar a zona marítima; 5. Criar um novo estado federal da Guiana Essequiba como parte da Venezuela.

Diante de tal convocatória, e a fim de proteger os direitos pendentes na lide perante a Corte da Haia, a República da Guiana realizou um pedido de medidas cautelares perante a Corte. O célere pedido da Guiana não busca apenas a não-realização do referendo, mas também uma ordem da Corte que exija que nenhuma atitude seja tomada para exercer controle de fato sobre a região — antecipando os rumores de que a área seria alvo de algum tipo de operação militar de controle. Nos próximos meses, a Corte terá de se debruçar sobre os requisitos essenciais de seu próprio processo em relação à plausibilidade dos direitos a serem violados, o risco de dano ao objeto principal da lide e poderá, efetivamente, decidir que o referendo  afeta o objeto da disputa. Nesse caso, poder-se-ia conjecturar que a Corte da Haia teria poderes para delimitar a ação do referendo. Naturalmente, uma decisão do gênero não seria muito bem recebida em Caracas, sobretudo ao se considerar que, historicamente, a Venezuela mostra alguma reticência em relação ao uso da Corte para a solução da questão.

Qual o futuro da controvérsia?
Controvérsias internacionais que tocam o território dos Estados, recursos naturais e fortes sentimentos nacionais nem sempre encontram seu deslinde último numa decisão judicial. A Corte Internacional de Justiça muitas vezes emitiu decisões significativamente importantes no interior de um processo político-jurídico maior. A decisão sobre medidas cautelares, passível de afetar algum modo o referendo conclamado, pode ter impactos políticos significativos, especialmente num contexto de chamamento de eleições, de renegociação de sanções, e de reestruturação geoenergética da região. Esses elementos extrajudiciais não aparecem com frequência no raciocínio jurídico da Corte Internacional de Justiça, que deverá ponderar, em concreto, os limites de seus poderes e de sua jurisdição sobre a disputa da nulidade do laudo e os novos episódios relativos à querela das partes.

Pode-se questionar se a reabertura e rediscussão de laudos arbitrais emitidos há décadas é uma boa política para a estabilidade das fronteiras da região. No Brasil, a questão do Pirara e o laudo do rei Vittorio Emmanuele 3º é exemplo disso. É doutrina comumente repetida que uma das forças políticas do Brasil no cenário internacional é a ausência de controvérsias territoriais com seus vizinhos. No caso venezuelano, por outro lado, existe uma consistente alegação de corrupção do laudo que é sustentada há mais de sessenta anos.

Talvez a maior lição que, nesse momento, a controvérsia possa oferecer não é apenas a complexidade do direito dos povos ao seu território ou as tensões políticas que emergem com esse tipo de controvérsia. O caso demonstra que existe uma linguagem possível de discussão das questões jurídicas que abdica da força e repudia ações de violência para resolver controvérsias internacionais. Há ainda instituições internacionais que podem oferecer uma contribuição significativa, com base na linguagem do direito internacional, que pode evitar as posições políticas polarizadas. Conhecer as controvérsias, os argumentos que as cingem, e os limites das instituições que podem atuar em sua resolução é um benefício não trivial que ainda é oferecido pelo direito internacional.


[1] Sobre o tema, ver JENNINGS, R.Y. The Acquisition of Territory in International Law. Manchester, 2017. KOHEN, Marcelo; HÉBIÉ, Mamadou. (orgs) Research Handbook on Territorial Disputes in International Law. Elgar Publisher, 2018; BONAFÉ, Beatrice I.Territory and Conflicts: Is International Law the Problem? In: Nicolini, Palermo, Milano (orgs). Law, Territory and Conflict Resolution: Law as a Problem and Law as a Solution, 2016; LANDO, Massimo. Maritime Delimitation as a Judicial Process. Cambridge: 2019.

[2] Sobre o tema, o caso e suas implicações, ver LIMA, Lucas Carlos. Uti possidetis juris e o papel do direito colonial na solução de controvérsias territoriais internacionais. Sequência, v. 38, n. 77, 2017, pp. 122- 147.

[3] Sobre o tema, ver o clássico CASSESE, Antonio. Self-Determination of Peoples: a legal reappraisal. Cambridge: 1998. Ver também SUEDI, Yusra. Self-determination in territorial disputes before the International Court of Justice: From rhetoric to reality? Leiden Journal of International Law, Vol. 36, 2022, pp. 161-177 e ainda, no caso Chagos, LIMA, Lucas Carlos. A opinião sobre o arquipélago de Chagos: a jurisdição consultiva da Corte Internacional de Justiça e a noção de controvérsia. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, nº 75, 2019, pp. 281-302.

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Tesouros culturais da Humanidade, via Unesco

 Unesco came up with the big idea of giving free access to the world digital library on the Internet.

A beautiful gift to all mankind!

Here is the link: https://www.wdl.org/fr for France. It collects maps, texts, photographs, recordings and films of all times and explains the gems and cultural relics of every libraries on the planet, available in seven languages.

Enjoy and make those around you enjoy.

And then several links that will interest museum, opera and cinema lovers

- The FNAC has put a selection of 500 free books to download, I put you the link:

 https://livre.fnac.com/n309183/Tous-les-Ebooks-gratuits

Some cultural places or shows you can visit from home:

- The National Opera in Paris is uploading free of charge its shows on https://lnkd.in/gwdGY8n

- The Metropolitan Opera of New York will broadcast its shows free of charge

 https://bit.ly/2w2QXbP

- La Cinémathèque Française offers its 800 masterclasses, essays & video lectures, 500 articles on its collections & programming

https://lnkd.in/ghCcNKn

- The Forum des Images offers to view its meetings

 https://lnkd.in/gFbzp5q

- Centre Pompidou: You can listen to podcasts dedicated to the works thanks to Centre Pompidou

 https://lnkd.in/gGifD3r

- Museums: 10 online museums to visit from your couch

https://lnkd.in/gV_S_Gq

-1150 movies are available on https://lnkd.in/gspcqCm

Audrey Azoulay, Director General of UNESCO

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

O governo Lula 3 está precisando de um freio de arrumação? Mas só ele? O Brasil não sente falta de uma grande sacudida? - Paulo Roberto de Almeida

O governo Lula 3 está precisando de um freio de arrumação? Mas só ele? O Brasil não sente falta de uma grande sacudida?

Paulo Roberto de Almeida

Não conhecemos, como já ocorria sob o desgoverno do Bozo, nenhum plano detalhado do ou para o governo de Lula 3: não teve na campanha, nem depois; só promessas genéricas, ao estilo do “Brasil voltou”.

Mas voltou para onde, para quem e para o quê exatamente? 

O próprio dirigente máximo, o “nosso Guia” (como diria um dos seus maiores aspones), ainda não disse o que pretende fazer do seu novo mandato.

Não se sabe bem o que essa “volta” quer dizer, à falta de uma exposição clara e detalhada sobre os planos do governo para cada uma das grandes áreas setoriais: economia, segurança, politica externa, meio ambiente, emprego, etc.

No lugar de uma estratégia clara para cada uma dessas grandes áreas, reina uma grande confusão, na politica interna, na economia, na diplomacia, com uma série de improvisos, de puxadinhos, de volta-atrás e de adaptações aos desafios que surgem daqui e dali, inopinadamente. 

O Centrão parece satisfeito com esse parlamentarismo disfarçado, à meia boca, pois que está engolindo postos (de mulheres especialmente), emendas (que continuam a todo o vapor) e outras mil prebendas, sem precisar se justificar e sem assumir responsabilidades pelos sucessos ou insussessos pela marcha geral dos acontecimentos. É o vai-da-valsa?

Vai continuar assim até 2026? Ainda estamos numa espécie de test-drive retardado?

Quando será a próxima reunião geral do ministério quilométrico? E os postulantes a dois ou três cargos estratégicos? Vão esperar até quando? 

Só sabemos que os fundos Partidário, Eleitoral, dos subsídios setoriais, das exceções tributárias, vão aumentar, num ritmo meio desconhecido, como ocorre, aliás, com nosso parlamentarismo fake. 

Ao que parece, como na Inglaterra da Revolução Gloriosa, Sua Majestade Lula III “reina, mas não governa”. 

Chegamos, enfim, a uma “estabilidade” dentro de um parlamentarismo nouveau style, não assumido? Saiu do armário do Centrão, essa ameba política que sempre governou o Brasil (salvo nas ditaduras florianista, do Estado Novo e do regime militar de 1964)?

Diversas oligarquias dividiram o poder desde 1822: latifundiária, industrialista, militar, sindicalista e várias combinações de uma plutocracia estilo metamorfose ambulante. Poucas vezes, talvez nenhuma, tivemos elites modernizantes, encarregadas de comandar de forma eficiente tecnocratas esclarecidos cuidando do policy-making macroeconômico e setorial. 

Quando, por exemplo, tivemos um grande plano de melhoria da produtividade geral do país com base numa genuína revolução educacional capaz de elevar substancialmente a qualidade do capital humano, a principal riqueza de uma nação? Alguém se lembra de algum, a despeito de grandes estadistas propondo, ao longo da história, projetos geralmente frustrados de reformas no e para o país? 

Apresentei duas dezenas de propostas nesse sentido em meu mais recente livro: “Construtores da Nação: projetos para o Brasil, de Cairu a Merquior” (LVM). 

Suas tentativas servem apenas de triste memória de sonhos irrealizados? 

Vamos continuar amargando o título zweiguiano bem conhecido no exterior de “once and future country”? Na verdade, não precisamos de nenhum qualificativo triunfalista ao estilo do “Por Que Me Ufano de Meu País”, ou de uma exposição pessimista na onda do “Retrato do Brasil”.

Estamos apenas aguardando elites um pouco mais razoáveis do que as que tivemos até aqui, capazes de produzir algum estadista em condições de dar uma sacudida na nação, para que ela enfim confronte seus verdadeiros problemas. 

Não precisa fazer tudo de uma só vez. Bastaria, por exemplo, começar por uma revolução educacional que construa uma educação de base, de massa, de qualidade.

Só isso já seria um bom começo de redenção do povão sempre esquecido.

Seria pedir muito?

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 17/11/2023

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

O que mudou na diplomacia brasileira? - Paulo Roberto de Almeida (Entrevista TV Cultura de SP)

O que mudou na diplomacia brasileira?

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Notas para entrevista na TV Cultura de SP 

 

1) Desde a ocasião do protagonismo do Barão do Rio Branco, quais foram os papéis mais importantes desempenhados pela diplomacia brasileira até hoje – no sentido de conquistar respeito e uma posição para o Brasil no cenário internacional?

PRABarão: percepção das mudanças geopolíticas no mundo, transição da velha hegemonia europeia para a ascensão da nova potência americana; respeito e concórdia com os vizinhos sul-americanos, especialmente Argentina, que era bem mais rica e poderosa do que o Brasil; Pacto ABC; busca de um lugar para o Brasil no mundo, baseada no Direito Internacional e no respeito à soberania de todos os países; Rui Barbosa desenvolveu essas ideias na II conferência da paz da Haia: igualdade soberana dos Estados, que se tornou o eixo central do multilateralismo contemporâneo e da política externa brasileira, um princípio defendido por Rui em 1907; o respeito ao Direito Internacional nas situações de guerra, enunciado por Rui em 1916: não se pode ser neutro entre a Justiça e o crime, como ocorreu com a invasão da Bélgica neutra pelo Império alemão. Essas mesmas causas da Justiça e do respeito ao Direito Internacional foram defendidas por Oswaldo Aranha desde o ataque a Pearl Harbor. Novamente, foi respeitado o acatamento dos mesmos princípios por San Tiago Dantas, em 1962, quando da ação americana na OEA para a expulsão de Cuba.

 

2) Como definir o legado de cada um destes três personagens emblemáticos para a diplomacia brasileira: Barão do Rio Branco, Ruy Barbosa e Oswaldo Aranha?

PRA: Uma política externa centrada estritamente nos interesses nacionais, autônoma em relação ao jogo entre grandes potências e focada no desenvolvimento nacional. A ideologia central da diplomacia é o desenvolvimento econômico e o exercício de uma plena autonomia na política externa.

 

3) Que fatores foram fundamentais para dar início à tradição de o Brasil abrir as sessões da assembleia da ONU? E que influência teve, para o Brasil alcançar este posto, o episódio da criação de Israel e da busca por uma solução passando pela tentativa de se reconhecer também a existência de um Estado Palestino, em 1947?

PRA: Oswaldo Aranha retoma os grandes princípios defendidos por Rio Branco e por Rui Barbosa, se alia às nações defensoras do Direito Internacional e das liberdades democráticas, e por isso sempre foi respeitado em sua postura diplomática. Ele se permitia inclusive discutir com a SERE no RJ instruções que julgava muito grudadas nas posições dos EUA: defendia que o Brasil deveria ter seus próprios critérios para as votações na ONU.

 

4) O que mudou na diplomacia brasileira desde a abertura democrática na década de 1980? Quais os principais objetivos da política externa do Brasil hoje?

PRA: A política externa da redemocratização retoma os grandes eixos da diplomacia do desenvolvimento nacional, sem mais os constrangimentos autoritários do regime militar, e liberta dos tabus ideológicos daquele período. Ela foi inquestionavelmente nacional e por isso desfrutava de um consenso muito raro na política doméstica. Ela deixou de ser consensual e nacional, ao ser apropriada por concepções partidárias durante os vários mandatos do PT, ao se alinhar com algumas das ditaduras menos recomendáveis do continente e alhures; ela se tornou canhestramente ideológica, além de exibir concepções de política econômica herdadas do velho nacionalismo desenvolvimentista da era Vargas, o que nos afastou de uma maior inserção na interdependência econômica global. O exemplo mais claro disso é a oposição do PT às orientações econômicas e aos padrões de políticas econômicas da OCDE, cujas práticas são as das nações mais desenvolvidas e democráticas (com algumas exceções) do planeta.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4516, 16 novembro 2023, 2 p.


 

Xi Jinping retraça a história das relações sino-americanas - discurso em San Francisco

 Galvanizing Our Peoples into a Strong Force  For the Cause of China-U.S. Friendship Speech

by H.E. Xi Jinping.

President of the People’s Republic of China

At Welcome Dinner by Friendly Organizations in the United States

San Francisco, November 15, 2023

Ladies and Gentlemen,

Friends,

It gives me great pleasure to meet with you, friends from across the American society, in San Francisco to renew our friendship and strengthen our bond. My first visit to the United States in 1985 started from San Francisco, which formed my first impression of this country. Today I still keep a photo of me in front of the Golden Gate Bridge.


Before going further, I wish to express my sincere thanks to the National Committee on U.S.-China Relations, the U.S.-China Business Council, the Asia Society, the Council on Foreign Relations, the U.S. Chamber of Commerce and other friendly organizations for hosting this event. I also want to express my warm greetings to all American friends who have long committed to growing China-U.S. relations and my best wishes to the friendly American people.


San Francisco has borne witness to exchanges between the Chinese and American peoples for over a century. A hundred and fifty-eight years ago, a large number of Chinese workers came all the way to the United States to build the first transcontinental railroad, and established in San Francisco the oldest Chinatown in the Western Hemisphere. From here, China and the United States have made many achievements—USD 760 billion of annual bilateral trade and over USD 260 billion of two-way investment, 284 pairs of sister provinces/states and sister cities, and over 300 scheduled flights every week and over five million travels every year at peak time. These extraordinary accomplishments were made jointly by our peoples accounting for nearly one quarter of the global population.


San Francisco has also borne witness to the efforts by China and the United States in building a better world. Seventy-eight years ago, after jointly defeating fascism and militarism, our two countries initiated together with others the San Francisco Conference, which helped found the United Nations, and China was the first country to sign the U.N. Charter. Starting from San Francisco, the postwar international order was established. Over 100 countries have gained independence one after another. Several billion people have eventually shaken off poverty. The forces for world peace, development and progress have grown stronger. This has been the main fruit jointly achieved by people of all countries and the international community.


Ladies and Gentlemen,


Friends,


The foundation of China-U.S. relations was laid by our peoples. During World War II, our two countries fought side by side for peace and justice. Headed by General Claire Lee Chennault, a group of American volunteers, known as the Flying Tigers, went to the battlefield in China. They not only engaged in direct combats fighting Japanese aggressors, but also created “The Hump” airlift to transport much-needed supplies to China. More than 1,000 Chinese and American airmen lost their lives on this air route. After Japan attacked Pearl Harbor, the United States sent 16 B-25 bombers on an air raid to Japan in 1942. Running low on fuel after completing their mission, Lieutenant Colonel James Doolittle and his fellow pilots parachuted in China. They were rescued by Chinese troops and local civilians. But some 250,000 civilian Chinese were killed by Japanese aggressors in retaliation.


The Chinese people never forget the Flying Tigers. We built a Flying Tigers museum in Chongqing, and invited over 1,000 Flying Tigers veterans and their families to visit China. I have kept in touch with some of them through letters. Most recently, 103-year-old Harry Moyer and 98-year-old Mel McMullen, both Flying Tigers veterans, went back to China. They visited the Great Wall, and were warmly received by the Chinese people.


The American people, on their part, always remember the Chinese who risked their lives to save American pilots. Offspring of those American pilots often visit the Doolittle Raid Memorial Hall in Quzhou of Zhejiang Province to pay tribute to the Chinese people for their heroic and valorous efforts. These stories fill me with firm confidence that the friendship between our two peoples, which has stood the test of blood and fire, will be passed on from generation to generation.


The door of China-U.S. relations was opened by our peoples. For 22 years, there were estrangement and antagonism between our two countries. But the trend of the times brought us together, converging interests enabled us to rise above differences, and the people’s longing broke the ice between the two countries. In 1971, the U.S. table tennis team visited Beijing—a small ball moved the globe. Not long after that, Mr. Mike Mansfield led the first U.S. Congressional delegation to China. This was followed by the first governors’ delegation including Iowa Governor Robert Ray and then many business delegations, forming waves of friendly exchanges.


This year, after the world emerged from the COVID-19 pandemic, I have respectively met in Beijing with Dr. Henry Kissinger, Mr. Bill Gates, Senator Chuck Schumer and his Senate colleagues, and Governor Gavin Newsom. I told them that the hope of the China-U.S. relationship lies in the people, its foundation is in our societies, its future depends on the youth, and its vitality comes from exchanges at subnational levels. I welcome more U.S. governors, Congressional members, and people from all walks of life to visit China.


The stories of China-U.S. relations are written by our peoples. During my first visit to the United States, I stayed at the Dvorchaks in Iowa. I still remember their address—2911 Bonnie Drive. That was my first face-to-face contact with the Americans. The days I spent with them are unforgettable. For me, they represent America. I have found that although our two countries are different in history, culture and social system and have embarked on different development paths, our two peoples are both kind, friendly, hardworking and down-to-earth. We both love our countries, our families and our lives, and we both are friendly toward each other and are interested in each other. It is the convergence of many streams of goodwill and friendship that has created a strong current surging across the vast Pacific Ocean; it is the reaching out to each other by our peoples that has time and again brought China-U.S. relations from a low ebb back onto the right track. I am convinced that once opened, the door of China-U.S. relations cannot be shut again. Once started, the cause of China-U.S. friendship cannot be derailed halfway. The tree of our peoples’ friendship has grown tall and strong; and it can surely withstand the assault of any wind or storm.


The future of China-U.S. relations will be created by our peoples. The more difficulties there are, the greater the need for us to forge a closer bond between our peoples and to open our hearts to each other, and more people need to speak up for the relationship. We should build more bridges and pave more roads for people-to-people interactions. We must not erect barriers or create a chilling effect. 


Today, President Biden and I reached important consensus. Our two countries will roll out more measures to facilitate travels and promote people-to-people exchanges, including increasing direct passenger flights, holding a high-level dialogue on tourism, and streamlining visa application procedures. We hope that our two peoples will make more visits, contacts and exchanges and write new stories of friendship in the new era. I also hope that California and San Francisco will continue to take the lead on the journey of growing China-U.S. friendship!


Ladies and Gentlemen,


Friends,


We are in an era of challenges and changes. It is also an era of hope. The world needs China and the United States to work together for a better future. We, the largest developing country and the largest developed country, must handle our relations well. In a world of changes and chaos, it is ever more important for us to have the mind, assume the vision, shoulder the responsibility, and play the role that come along with our status as major countries.


I have always had one question on my mind: How to steer the giant ship of China-U.S. relations clear of hidden rocks and shoals, navigate it through storms and waves without getting disoriented, losing speed or even having a collision?


In this respect, the number one question for us is: are we adversaries, or partners? This is the fundamental and overarching issue. The logic is quite simple. If one sees the other side as a primary competitor, the most consequential geopolitical challenge and a pacing threat, it will only lead to misinformed policy making, misguided actions, and unwanted results. China is ready to be a partner and friend of the United States. The fundamental principles that we follow in handling China-U.S. relations are mutual respect, peaceful coexistence and win-win cooperation.


Just as mutual respect is a basic code of behavior for individuals, it is fundamental for China-U.S. relations. The United States is unique in its history, culture and geographical position, which have shaped its distinct development path and social system. We fully respect all this. The path of socialism with Chinese characteristics has been found under the guidance of the theory of scientific socialism, and is rooted in the tradition of the Chinese civilization with an uninterrupted history of more than 5,000 years. We are proud of our choice, just as you are proud of yours. Our paths are different, but both are the choice by our peoples, and both lead to the realization of the common values of humanity. They should be both respected.


Peaceful coexistence is a basic norm for international relations, and is even more of a baseline that China and the United States should hold on to as two major countries. It is wrong to view China, which is committed to peaceful development, as a threat and thus play a zero-sum game against it. China never bets against the United States, and never interferes in its internal affairs. China has no intention to challenge the United States or to unseat it. Instead, we will be glad to see a confident, open, ever-growing and prosperous United States. Likewise, the United States should not bet against China, or interfere in China’s internal affairs. It should instead welcome a peaceful, stable and prosperous China.


Win-win cooperation is the trend of the times, and it is also an inherent property of China-U.S. relations. China is pursuing high-quality development, and the United States is revitalizing its economy. There is plenty of room for our cooperation, and we are fully able to help each other succeed and achieve win-win outcomes.


The Belt and Road Initiative as well as the Global Development Initiative (GDI), the Global Security Initiative (GSI) and the Global Civilization Initiative (GCI) proposed by China are open to all countries at all times including the United States. China is also ready to participate in U.S.-proposed multilateral cooperation initiatives. This morning, President Biden and I agreed to promote dialogue and cooperation, in the spirit of mutual respect, in areas including diplomacy, economy and trade, people-to-people exchange, education, science and technology, agriculture, military, law enforcement, and artificial intelligence. We agreed to make the cooperation list longer and the pie of cooperation bigger. I would like to let you know that China sympathizes deeply with the American people, especially the young, for the sufferings that Fentanyl has inflicted upon them. President Biden and I have agreed to set up a working group on counternarcotics to further our cooperation and help the United States tackle drug abuse. I also wish to announce here that to increase exchanges between our peoples, especially between the youth, China is ready to invite 50,000 young Americans to China on exchange and study programs in the next five years.


Recently, the three pandas at Smithsonian’s National Zoo in Washington D.C. have returned to China. I was told that many American people, especially children, were really reluctant to say goodbye to the pandas, and went to the zoo to see them off. I also learned that the San Diego Zoo and the Californians very much look forward to welcoming pandas back. Pandas have long been envoys of friendship between the Chinese and American peoples. We are ready to continue our cooperation with the United States on panda conservation, and do our best to meet the wishes of the Californians so as to deepen the friendly ties between our two peoples.


Ladies and Gentlemen,


Friends,


China is the largest developing country in the world. The Chinese people long for better jobs, better lives, and better education for their children. It is what the 1.4 billion Chinese hold dear to their hearts. The Communist Party of China (CPC) is committed to working for the people, and our people’s expectation for a better life is our goal. This means we must work hard to secure their support. Thanks to a century of exploration and struggle, we have found the development path that suits us. We are now advancing the rejuvenation of the Chinese nation on all fronts by pursuing Chinese modernization.


We are committed to striving in unity to achieve modernization for all Chinese. A large population is a fundamental aspect of China’s reality. Our achievements, however great, would be very small when divided by 1.4 billion. But a problem, however small, would be huge when multiplied by 1.4 billion. This is a unique challenge for a country of our size. In the meantime, big also means strength. The leadership of the CPC, the system of socialism with Chinese characteristics, and the endorsement and support of the people are our greatest strengths. China is both a super-large economy and a super-large market. Not long ago the sixth China International Import Expo was held, attracting over 3,400 business exhibitors from 128 countries including the United States. The exhibition area of American companies has been the largest for six consecutive years at the Expo. Modernization for 1.4 billion Chinese is a huge opportunity that China provides to the world.


We are committed to prosperity for all to deliver a better life for each and every Chinese. To eliminate poverty is the millennia-old dream of the Chinese nation, and prosperity for all is the longing of all Chinese. Before I turned 16, I was in a village in northern Shaanxi Province, where I lived and farmed with villagers, and I knew about their worries and needs. Now half a century on, I always feel confident and strong when staying with the people. Serving the people selflessly and living up to their expectations is my lifelong commitment. When I became General Secretary of the CPC Central Committee and President of the People’s Republic of China, 100 million people were still living below the poverty line set by the United Nations. Thanks to eight years of tenacious efforts, we lifted them all out of poverty. We realized the poverty reduction goal of the U.N. 2030 Agenda for Sustainable Development 10 years ahead of schedule. In the process, over 1,800 CPC members lost their lives in the line of duty.


Our goal is not to have just a few wealthy people, but to realize common prosperity for all. Employment, education, medical services, child care, elderly care, housing, the environment and the like are real issues important to people’s daily life and close to their heart. They are being steadily integrated into our top-level plans for national development, thus ever increasing the sense of fulfillment, happiness and security of our people. We will continue to promote high-quality development and deliver the benefits of modernization to all. This is the CPC’s founding mission and the pledge we have made to the people. It will surely be realized with the support of the people.


We are committed to well-rounded development to achieve both material and cultural-ethical advancement for the people. Our forefathers observed that “When people are well-fed and well-clad, they will have a keen sense of honor and shame.” Material shortage is not socialism, nor is cultural-ethical impoverishment. Chinese modernization is people-centered. An important goal of Chinese modernization is to continue increasing the country’s economic strength and improving the people’s living standards, and at the same time, enriching the people’s cultural lives, enhancing civility throughout society and promoting well-rounded development of the person. The purpose of the Global Civilization Initiative I proposed is to urge the international community to address the imbalance between material and cultural advancement and jointly promote continued progress of human civilization.


We are committed to sustainable development to achieve harmony between man and nature. The belief that humans are an integral part of nature and need to follow nature’s course is a distinctive feature of traditional Chinese culture. We live in the same global village, and we possibly won’t find another inhabitable planet in our lifetime. As an English saying goes, “We do not inherit the Earth from our ancestors, we borrow it from our children.” When I was Governor of Fujian Province in 2002, I called for turning Fujian into the first ecological province in China. Later when I worked in Zhejiang Province in 2005, I said that clear waters and green mountains are just as valuable as gold and silver. Today, this view has become a consensus of all the Chinese people. China now has close to half of the world’s installed photovoltaic capacity. Over half of the world’s new energy vehicles run on roads in China, and China contributes one-fourth of increased area of afforestation in the world. We will strive to peak carbon dioxide emissions before 2030 and achieve carbon neutrality before 2060. We have made the pledge, and we will honor it.


We are committed to peaceful development to build a community with a shared future for mankind. Peace, amity and harmony are values embedded in Chinese civilization. Aggression and expansion are not in our genes. The Chinese people have bitter and deep memories of the turmoils and sufferings inflicted upon them in modern times. I often say that what the Chinese people oppose is war, what they want is stability, and what they hope for is enduring world peace. The great rejuvenation of the Chinese nation cannot be achieved without a peaceful and stable international environment. In pursuing modernization, we will never revert to the beaten path of war, colonization, plundering or coercion.


Throughout the 70 years and more since the founding of the People’s Republic, China has not provoked a conflict or war, or occupied a single inch of foreign land. China is the only major country that has written peaceful development into the Constitution of the country and the Constitution of the governing party, thus making peaceful development a commitment of the nation. It benefits from and safeguards the current international order. We remain firm in safeguarding the international system with the U.N. at its core, the international order underpinned by international law, and the basic norms governing international relations based on the purposes and principles of the U.N. Charter. Whatever stage of development it may reach, China will never pursue hegemony or expansion, and will never impose its will on others. China does not seek spheres of influence, and will not fight a cold war or a hot war with anyone. China will remain committed to dialogue and oppose confrontation, and build partnerships instead of alliances. It will continue to pursue a mutually beneficial strategy of opening up. The modernization we are pursuing is not for China alone. We are ready to work with all countries to advance global modernization featuring peaceful development, mutually beneficial cooperation and common prosperity, and to build a community with a shared future for mankind.


Ladies and Gentlemen,


Friends,

The passage of time is like a surging river—much is washed away, but the most valuable stays. No matter how the global landscape evolves, the historical trend of peaceful coexistence between China and the United States will not change. The ultimate wish of our two peoples for exchanges and cooperation will not change. The expectations of the whole world for a steadily growing China-U.S. relationship will not change. For any great cause to succeed, it must take root in the people, gain strength from the people, and be accomplished by the people. Growing China-U.S. friendship is such a great cause. Let us galvanize the Chinese and American peoples into a strong force to renew China-U.S. friendship, advance China-U.S. relations, and make even greater contributions to world peace and development!