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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sexta-feira, 3 de maio de 2024

Encyclopedia of South American History: contributions by Paulo Roberto de Almeida (para publicação em 2025)

 

Encyclopedia of South American History: contributions by Paulo R. Almeida

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com; pralmeida@me.com)

Relação e textos das contribuições preparadas para a Encyclopedia of South American History, com publicação prevista para 2024, Blomsbury Publisher.

 

 

Relação das contribuições preparadas em 2021 para o projeto coordenado pelo Prof. Micheal Tarver, para uma Enciclopédia de história da América do Sul, originalmente a cargo da editora ABC-CLIO, adquirida em 2021 pelo grupo Bloomsbury. 

 

Contribuições de Paulo Roberto de Almeida:

1)    3970. “Tordesillas, Treaty of (1494)”,

2)    3974. “Bandeiras”, Brasília, 12 Sept 2021, 3 p.; 1.074 words. 

3)    3976. “Bandeirantes”, Brasília, 12Sept 2021, 3 p., 1235 word. 

4)    3979. “Andrada e Silva, José Bonifácio de”, Brasília, 18 Sept 2021, 3 p.; 1.071 word.

        3980. "“Brazil, Independence Movement”, Brasília, 19 Sept 2021, 5 p. 


As eleições na Venezuela e o Brasil - Rubens Barbosa (Editorial revista Interesse Nacional)

Editorial revista Interesse Nacional

Rubens Barbosa

As eleições na Venezuela e o Brasil

Governo Lula diz ter a América do Sul como prioridade na política externa, mas está a reboque dos acontecimentos na região e teve sua liderança suplantada pela Colômbia na negociação por eleições limpas e paz política na Venezuela

Os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Colômbia, Gustavo Petro, durante reunião em Bogotá (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

A política externa brasileira em relação à Venezuela pode ser classificada como de “ambiguidade estratégica”. Se de um lado mantém apoio ao presidente Maduro e a seu regime autocrático, por outro tenta intermediar a crise de Caracas com a Guiana e morde e assopra em relação às medidas restritivas colocadas em vigência por Maduro contra seus principais opositores e potenciais candidatos com chances nas próximas eleições presidenciais no final de junho. 

O Brasil talvez seja o país que tem o maior interesse na transição democrática e na volta ao crescimento com a redução da pobreza na Venezuela. Isso se dá  pela dívida em relação ao Brasil, pela redução significativa do comércio bilateral, pelo fluxo de refugiados venezuelanos no Brasil (operação acolhida que só em 2023 recebeu mais de 192 mil refugiados, mais de 18% em relação a 2022) e pelo combate ao crime transnacional na Amazônia (drogas, armas).

‘Enquanto a política brasileira procura não interferir na situação política interna da Venezuela, a Colômbia adotou uma postura muito mais proativa’

Enquanto a política brasileira procura não interferir na situação política interna (Lula disse que a Venezuela é um país democrático porque tem mais eleições do que no Brasil), a Colômbia, que pela primeira vez elegeu um presidente de esquerda, adotou uma postura muito mais proativa, procurando contribuir concretamente para o encaminhamento transparente da campanha eleitoral e dos resultados das urnas.

 Colômbia e Venezuela chegaram a romper relações diplomáticas por três anos após o então presidente colombiano (Ivan Duque) não reconhecer a eleição de Maduro em 2018, após denúncias de fraude. Quando o atual presidente Gustavo Petro foi eleito, Caracas e Bogotá retomaram as relações, mas Petro manteve sua posição de independência, com críticas `à condução do processo eleitoral venezuelano, especialmente da decisão da justiça eleitoral com o apoio de Maduro, de excluir Maria Corina Machado, escolhida como a única candidata oposicionista às eleições presidenciais. Apesar disso, manteve um canal aberto para outras áreas (comércio, conversações com grupos guerrilheiros, refugiados, crise com a Guiana e com Equador pela ocupação da embaixada do México).

Dado o ativismo colombiano nas questões venezuelanas, o presidente Lula visitou o presidente Petro, em Bogotá, e certamente esses temas foram tratados, além da relação bilateral com o Brasil e questões ambientais na Amazônia.

‘Petro visitou Maduro e a oposição venezuelana para apresentar proposta para conseguir concretizar a “paz política” na Venezuela, aspecto fundamental de sua política externa’

Depois do encontro com Lula, Petro, em 10 de abril passado, visitou oficialmente Maduro e, na ocasião, reuniu-se também com a oposição venezuelana para apresentar proposta para conseguir concretizar a “paz política” na Venezuela, o que Petro considera como um aspecto fundamental de sua política externa.

Tal proposta parte do princípio de que há uma divisão do país, como evidenciado pela unidade das oposições em torno de Maria Corina Machado, inabilitada pela Justiça Eleitoral, assim como Corina Yores, apontada por Maria Corina para substituí-la nas urnas. E para buscar superar a crise política e econômica que afetou profundamente a população, com a saída de pelo menos 7,5 milhões de pessoas, desde 2018, segundo o Alto Comissário da ONU para Refugiados.

‘O plano colombiano consistiria em um acordo entre os principais atores políticos do país, pelo qual governo e oposição respeitariam o resultado das eleições e se comprometeriam a não perseguir os grupos derrotados’

O plano colombiano consistiria em um acordo entre os principais atores políticos do país, pelo qual governo e oposição respeitariam o resultado das eleições e se comprometeriam a não perseguir os grupos derrotados na disputa eleitoral, e um plebiscito no qual a população será chamada a chancelar ou não o acordo. Essa proposta – que em outras palavras – representa a sugestão que a classe política venezuelana repita o que outros países latino-americanos já fizeram na transição de regimes autoritários, militares, para governos civis: negociar e aprovar uma lei de anistia.

Pouco tempo depois, a Plataforma Unitária Democrática, a oposição unida, decidiu retirar todos os candidatos que poderiam representá-la e inscrever como candidato o diplomata Edmundo González Urrutia, que foi embaixador da Venezuela na Argentina. A mensagem que ele traz é de diálogo com o governo e com as Forças armadas  e de reconciliação nacional.

A combinação dessa proposta com a decisão da oposição de inscrever o embaixador Urrutia como candidato único contra Maduro, coloca o atual governo da Venezuela em uma posição difícil. Se vetar, a candidatura de Urrutia, se colocará contra a opinião pública internacional, sobretudo os EUA e seus vizinhos, em especial, a Colômbia e o Brasil. Se aceitar, corre o risco de perder a eleição, que será fiscalizada por observadores independentes para assegurar a lisura e a transparência. Quanto à proposta colombiana, até aqui, não houve reação do governo de Maduro. Se for recusada, o governo Maduro perde uma última oportunidade de buscar com a oposição uma saída negociada para a crise política. 

A reeleição de Maduro, contra todos os esforços em busca de uma eleição transparente e democrática, resultará em novas sanções dos EUA contra Caracas e colocará mais um grande problema para a política externa de Lula. 

O governo Lula, que coloca entre suas prioridades a América do Sul, está a reboque dos acontecimentos na região. Se houvesse liderança, o Brasil deveria ter se antecipado à Colômbia e apresentado uma proposta, como a lei de anistia, a exemplo do que ocorreu aqui. Agora, vazou a informação de que a proposta colombiana pode ser apoiada por Lula, desde que ela seja aceita por todas as partes venezuelanas envolvidas, o que colocará novamente em cheque a política externa em relação à Venezuela. Caso Maduro rejeite a sugestão de Petro ou o candidato da oposição seja impedido, como reagirá Lula, que apoiou a escolha de Urrutia?

Rubens Barbosa: Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Lula recebe convite, mas governo vê com ceticismo reunião sobre Ucrânia na Suíça - Ricardo Della Coletta (FSP)

Lula recebe convite, mas governo vê com ceticismo reunião sobre Ucrânia na Suíça

Petista é chamado para participar de cúpula sobre paz, mas auxiliares avaliam que ausência de representante russo coloca em xeque resultados práticos.

Ricardo Della Coletta
Folha de S. Paulo, 3/05/2024
BRASÍLIA

O presidente Lula (PT) foi convidado pelo governo da Suíça para participar de uma conferência de paz sobre a guerra na Ucrânia que, entre outros pontos, reconhece que um futuro processo negociador só terá êxito caso a Rússia participe — princípio que se aproxima ao defendido pelo Brasil.

Conselheiros do presidente, no entanto, encaram a proposta suíça com ceticismo e temem que a reunião não alcance avanços significativos justamente por não contar com representante de Moscou —segundo o país organizador, o governo liderado por Vladimir Putin não foi convidado por ter avisado anteriormente que não pretendia enviar delegação.

Outro ponto que gera receio no governo Lula é o fato de a cúpula estar sendo organizada pela Suíça a pedido do presidente ucraniano, Volodimir Zelenski. A expectativa é que ele esteja presente.

Auxiliares de Lula consideram que qualquer proposta de negociação que tenha como base os 10 pontos de paz propostos por Zelenski não tem futuro, uma vez que eles envolvem a retirada de tropas russas de território ocupado e o estabelecimento de um tribunal especial para julgar crimes de guerra de Moscou —exigências inaceitáveis para Putin.

Para tentar convencer o Brasil a participar, os suíços têm argumentado que a cúpula foi convocada a pedido da Ucrânia, mas que a presidência dos trabalhos será de responsabilidade de Berna. O plano de Zelenski, dizem, não será o norte das tratativas. 

O convite formal foi entregue na terça-feira (30) ao chanceler Mauro Vieira pelo chefe do Departamento de Assuntos Estrangeiros da Suíça, Ignazio Cassis, durante visita do brasileiro ao país europeu.

Vieira disse no encontro que a Suíça tem legitimidade e tradição para organizar um processo de paz sobre a Ucrânia, mas que não poderia antecipar se Lula vai ou não à cúpula.

Lula ainda não decidiu se vai comparecer. Um dos pontos indefinidos que são considerados pelo Brasil é qual será o nível de representação de outros países, principalmente aliados do país no Brics. Além dos sócios tradicionais —Rússia, ÍndiaChina e África do Sul—, o bloco foi recentemente expandido para incluir Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã.

Foram convidadas 160 delegações, e entre elas há países importantes do chamado Sul Global, como China, Índia e Arábia Saudita. O encontro está agendado para ocorrer nos dias 15 e 16 de junho, no luxuoso complexo hoteleiro de Bürgenstock, em Lucerna. As datas foram escolhidas por causa da proximidade com a cúpula do G7, que ocorre entre os dias 13 e 15 de junho na Itália, país vizinho.

Liderado pelos Estados Unidoso G7 é um grupo de países industrializados que têm posição comum de apoiar a Ucrânia contra o que consideram uma invasão injustificada da Rússia.

A expectativa da Suíça é que a proximidade das datas seja um estímulo para a presença de autoridades que estarão na cidade italiana de Fasano, principalmente o presidente dos EUA, Joe Biden. Lula foi chamado para a reunião do G7, mas ainda não confirmou presença.

De acordo com interlocutores no governo Lula, outro argumento que tem sido usado pelos suíços para pedir que o petista participe é que apenas um seleto grupo de líderes poderá discursar na cúpula em Bürgenstock —e que haverá um equilíbrio entre nações do Ocidente e do Sul Global. O Brasil seria um desses participantes com destaque.

Na nota sobre a reunião, a Suíça apresenta pontos que se distanciam de fórmulas de negociação anteriores encabeçadas por países do Ocidente. Ao destacar que não convidou a Rússia porque o governo Putin já havia manifestado desinteresse em participar, os suíços dizem reconhecer que qualquer processo futuro de paz sem Moscou é "impensável".

"A Rússia não foi convidada nessa etapa. A Suíça sempre se mostrou aberta a estender um convite [a Moscou] para essa cúpula. No entanto, a Rússia disse em repetidas ocasiões, e também de forma pública, que não tem interesse em participar dessa primeira cúpula", diz o comunicado.

"A cúpula na Suíça tem o propósito de iniciar um processo de paz. A Suíça está convencida de que a Rússia precisa estar envolvida nesse processo. Um processo de paz sem a Rússia é impensável".

A recepção da iniciativa da Suíça foi ruim em Moscou. Segundo a agência Reuters, um porta-voz do Kremlin disse nesta quinta (2) não ver sentido na iniciativa.

O governo da Suíça argumenta que o propósito da reunião é "inspirar um processo de paz futuro e avançar elementos práticos e os passos necessários em direção a esse processo".

Nesse sentido, os organizadores pretendem abordar três pontos: proteção das instalações nucleares na Ucrânia, segurança alimentar que permita o escoamento de grãos para o abastecimento internacional e aspectos humanitários (desminagem, troca de prisioneiros e proteção à população civil).

Já o encontro de líderes lançaria as bases políticas de um processo negociador mais robusto no futuro, na visão de Berna.

As tratativas para a organização da conferência de paz começaram há meses. O tema foi tratado em janeiro entre autoridades suíças e o assessor internacional de Lula, embaixador Celso Amorim, à margem da reunião de conselheiros de segurança nacional em Davos.

Amorim foi consultado ainda em uma carta, à qual respondeu ressaltando a posição brasileira de que o êxito de qualquer negociação depende de que a Rússia esteja sentada à mesa.

O receio de integrantes do governo Lula é que o processo seja uma repetição de outros esforços de negociação vistos como improdutivos tanto pelo Planalto como pelo Itamaraty.

Uma reunião sobre o tema no ano passado na Dinamarca, por exemplo, foi considerada infrutífera por ressaltar a visão de países do Ocidente e por desconsiderar posições de países com opiniões diferentes, como o Brasil.

Caso decida participar da cúpula em Lucerna, o presidente Lula voltará a se envolver com um tema de política externa que lhe gerou atritos com EUA e países da Europa no começo do seu mandato.

Nos primeiros meses de 2023, Lula defendeu em diferentes ocasiões que um grupo de países deveria se unir para discutir a paz na Ucrânia. No entanto, ele atribuía igual responsabilidade entre Putin e Zelenski pelo início da guerra e chegou a declarar que os EUA incentivavam o conflito.

Com o passar do tempo, o petista se distanciou do assunto e passou a abordar a guerra da Ucrânia com menos frequência em seus discursos.

Liberdade de imprensa na Europa: Repórteres Sem Fronteiras

 What is the state of press freedom in Europe?

To analyse this, Reporters Without Borders (RSF) publishes the World Press Freedom Index every year.

The index ranks 180 countries on the ability of journalists to work and report freely and independently.

On the one hand, the 13 best countries according to the index are all in Europe. On the other hand, the situation in Russia, Türkiye and Belarus has been very serious, and not just since this year.

For example, more than 1,500 Russian journalists have fled abroad since the invasion of Ukraine in 2022.

Belarus’s position near the bottom of the RSF’s index is due to the persistent persecution of journalists under the pretext of combating “extremism”.

O nebuloso futuro da Rússia: podcast com Stephen Kotkin (Foreign Affairs)

Stephen Kotkin: Russia’s Murky Future

A Foreign Affairs podcast

 A entrevista mais inteligente que ouvi sobre o mundo atual, como ele é, e sobre como ele poderia evoluir: estamos numa Guerra Fria, e isso é o melhor que se pode ter, entre as alternativas possíveis:

https://youtu.be/zaJ9VZorgjM?si=Bki-lypmHLqNNI3P


200 anos de constituições e regimes políticos no Brasil, 1824-2024 - Paulo Roberto de Almeida

  200 anos de constituições e regimes políticos no Brasil, 1824-2024

Divulgado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/118459959/4652_200_anos_de_constituições_e_regimes_políticos_no_Brasil_1824_2024)


quinta-feira, 2 de maio de 2024

Em 2001 o Mercosul vivia a sua primeira grande crise (depois vieram outras): eu tinha uma proposta, que ficou inédita - Paulo Roberto de Almeida

Um trabalho para o qual foi solicitada autorização de publicação ao Itamaraty. Como nunca autorizaram, ficou inédito. Depois disso, deixei de pedir autorização para publicar: 

811. “Uma Constituição para o Mercosul? Uma proposta modesta: recuar, para melhor saltar”, Washington, 12 set. 2001, 5 p. Comentários sobre a crise e proposta de nova arquitetura institucional para o Mercosul. Revisto em 15/09, para refletir proposta de suspensão temporária da TEC. Incompleto, pois deveria ter sido seguido por uma segunda parte, propositiva, contendo os elementos mais importantes da futura “constituição” do Mercosul. Solicitada autorização ao Itamaraty para publicação, sem resposta. Inédito.


Uma Constituição para o Mercosul?

uma proposta modesta: recuar, para melhor saltar

 

Paulo Roberto de Almeida*

 

Que o Mercosul vive atualmente uma “crise de identidade” constitui fato que poucos disputariam, ainda que tal crise seja bem mais recente do que alguns pessimistas tradicionais gostariam de admitir. Com efeito, profetas retrospectivos do apocalipse integracionista vêm o momento de partida dessa crise na desvalorização brasileira de janeiro de 1999 ou, até mesmo, na incapacidade de os países membros realizarem as promessas do Tratado de Assunção de 1991 dando início, em janeiro de 1995, à zona de livre comércio intrarregional e à aplicação uniforme, extra-zona, da Tarifa Externa Comum. Ou seja, o Mercosul viveria em crise praticamente desde seu aparecimento enquanto personalidade de direito internacional, tal como estabelecido no Protocolo de Ouro Preto de 1994.

Não é essa minha opinião, ainda que eu reconheça o estágio incompleto da zona de livre comércio mercosuliana a partir de 1995 e o caráter algo “surrealista” de sua união aduaneira desde então, na qual os países membros decidiram manter, não exceções comuns à TEC, mas desvios nacionais de seu perfil normal, de 0 a 20%, e outras tantas (às vezes algumas centenas) de exceções temporárias ao regime de união aduaneira. Tais desvios e perfurações observados de 1995 a 2000 deveriam no entanto ser compreendidos, não como “pecados mortais”, mas como “pecados veniais” de um esquema integracionista ainda incipiente, devendo acomodar por um tempo suplementar – digamos uma segunda “fase de transição”, coincidente com o período de eliminação das exceções temporárias e com o esforço adicional de convergência definido, desde dezembro de 1994, em função de um estrito calendário – as dificuldades naturais de quatro países reconhecidamente assimétricos em termos de magnitude econômica, de perfil industrial, de presença comercial no mundo e sobretudo de interdependência recíproca nos fluxos interfronteiriços.

Agregue-se a esses elementos “estruturais” os fatores conjunturais ligados às crises financeiras da segunda metade dos anos 90, aos processos inconclusos de estabilização macroeconômica sem possibilidade de coordenação das políticas adotadas para tal efeito e até de divergência cambial entre os dois principais sócios do esquema do Mercosul, para se ter uma idéia da magnitude dos desafios enfrentados pelos países membros entre 1995 e 2000, ou mais propriamente até o começo de 2001, quanto tem início a segunda gestão Cavallo à frente do Ministério argentino da economia. Nem a diminuição temporária de comércio registrada em 1999, efetivamente vinculada ao decréscimo da atividade econômica no Brasil, pode ser apontada como a fonte da crise, pois nem essa tendência se manteve – uma vez que os fluxos voltaram a seu patamar “normal” um ano depois – nem a Argentina deixou de exibir superávit no comércio bilateral, constituindo o Brasil sua mais segura fonte de recursos em divisas, à falta de todas as demais. A crise do Mercosul tem, portanto, uma data e talvez até uma ficha de identidade, e esta certamente não tem nada a ver com a ausência de institucionalidade, como gostariam alguns puristas da supranacionalidade.

Afirmo resolutamente que, até aquela data, o Mercosul não vivia em crise, ainda que ele fosse obrigado a conviver com as crises individuais de seus países membros, quais sejam, os desequilíbrios brasileiros de balanço de pagamentos (que motivaram, por exemplo, as restrições do Banco Central aos “generosos” esquemas de financiamento externo às importações), as renitentes dificuldades da Argentina em adquirir competitividade externa por força de sua camisa de força cambial (o que também motivou a “taxa de estatística” de 3%, oportunamente convertida em aumento linear da TEC por igual valor e período adicional), quando não as ameaças menemistas de dolarização unilateral ou outros destemperos inconseqüentes do líder argentino como seu apelo aparentemente incompreensível a uma relação especial com o império do norte, quando tudo indicava que o país tinha muito pouco a ganhar por essa via e muito mais no aprofundamento da relação com seu vizinho e principal parceiro econômico. Enfim, em que pesem os problemas acumulados em anos de salvaguardas ilegais, em medidas antidumping abusivas, em outros tantos desvios normativos nacionais ao funcionamento normal da união aduaneira, para não mencionar o sistema lentíssimo de solução de controvérsias, o Mercosul seguia seu caminho modesto de realizações e de promessas, confiante em poder superar dificuldades conjunturais, em deixar o “limbo” do surrealismo aduaneiro para penetrar, não no suposto “paraíso” do mercado comum, mas no “purgatório” da coordenação de políticas macroeconômicas – algo que começou a ser definido na reunião de Florianópolis, de dezembro de 2000 –, condição indispensável para a consolidação de um espaço econômico unificado no Cone Sul, para a conclusão exitosa de negociações regionais (CAN), hemisféricas (Alca) e extra-regionais (com a UE, a África do Sul) e para a afirmação de sua personalidade e voz próprias nos foros multilaterais do tipo da OMC, do G-8 ou da própria ONU. 

A crise tem início, de verdade, quando o projeto de mercado comum, ainda que realisticamente afastado para ocasiões mais propícias, vem a ser radical e arrogantemente afastado do horizonte político dos quatro membros por um dos responsáveis econômicos de um dos seus mais importantes países, proclamando-se em seu lugar a utilidade ou mesmo a necessidade de uma volta ao princípio da zona de livre comércio, como se esta fosse um patamar para a plena realização das potencialidades individuais dos países membros ou até mesmo para a solução de seus problemas estruturais de competitividade e de equilíbrio fiscal. Não surpreende que o “pai da conversibilidade” defendesse tal proposta, uma vez que ela coincide com sua visão “excêntrica” do mundo, isto é, com uma Weltanschauung que vê no Brasil e na TEC as raízes de todos os problemas de inserção competitiva de seu país no mundo, e que faz das relações “extrarregionais” privilegiadas com o gigante hemisférico o início da solução de todos esses dilemas. Surpreende, sim, que um ex-chanceler brasileiro, o Embaixador Lampreia, defenda a mesma proposta, alegadamente para libertar o Brasil da “camisa de força” da união aduaneira, da obrigação de comprar na loja da esquina e não “onde bem nos aprouver” e da proibição de concluir acordos preferenciais com eventuais parceiros extrarregionais. Ora, a TEC do Mercosul é, manifestamente, uma derivação da tarifa brasileira, nossas compras externas são muito bem distribuídas entre os principais parceiros e as negociações de novos acordos têm sido geralmente feitas em consonância com as metas brasileiras para o relacionamento externo do Mercosul. Surpreende, também, que outro responsável econômico encare com “tranquilidade uma conversa sobre a suspensão temporária da TEC”, como se esta decisão fosse de natureza rotineira e seu objeto não estivesse no próprio centro da concepção formal e substantiva de uma união aduaneira, que o Mercosul pretende ser e deveria supostamente representar.

Pode-se até mesmo conceber a adoção de uma decisão conjunta abrindo o caminho para a suspensão temporária da TEC, ainda que não se veja bem em que tal decisão, que deveria responder a critérios de ordem estratégica, possa ajudar na solução de problemas e dificuldades temporários que requerem mais ações de natureza tática. As vantagens desse recuo ao livre cambismo sub-regional tampouco nos ajudariam a escapar do fantasma de um “fracasso político” internacional, supostamente representado pela incapacidade do Mercosul em realizar uma cópia exitosa do esquema comunitário europeu, como se tal obrigação estivesse inscrita no “código genético” do Tratado de Assunção. O Mercosul, contrariamente ao que pensam muitos juristas e acadêmicos de plantão, nunca foi a nossa “versão sul-americana da União Européia” – se tanto, um arremedo do Benelux – e nem se deve pensar que ele sequer deva ser um dia uma promessa de uma tal construção gótica, hiperburocratizada e custosa demais para nossos objetivos modestamente integracionistas. Ele é, e deve permanecer, um projeto de mercado comum sub-regional, pois que tal corresponde ao perfil “ótimo” (ou ideal) de nossa inserção econômica internacional e às possibilidades de construção de uma interdependência regional que complemente o processo de “globalização mercantilista” que continuará a caracterizar tanto o sistema multilateral de comércio como a internacionalização financeira no futuro previsível. É no Mercosul – e na sua extensão para a América do Sul – que o Brasil conseguirá promover sua versão regional do projeto britânico-vitoriano de um free-trade universal aplicado ao continente e uma analogia geoeconômica, ainda que em escala restrita, da vocação hobsoniana (e luxemburguiana, para os marxistas) da “exportação de capitais”. Mais do que isso o Mercosul não poderá fazer pelo Brasil, o que é bem menos, reconheçamos, do que o grandioso projeto anti-imperialista e desenvolvimentista que alguns economistas da oposição gostariam de ver em seu perfil integracionista, como se o Mercosul devesse necessariamente ser um bastião antiamericano e antiAlca e como se ele fosse trazer ao Brasil os capitais, a tecnologia e os mercados que o país tem de buscar por seus próprios esforços, isto é, os de seus homens de negócios e também pelo engenho e arte de sua diplomacia e de sua tecnoburocracia econômica.

Eu também gostaria de “promover uma nova ordem no Mercosul”, mas ela não passa, absolutamente pelo abandono da ideia de mercado comum, ou sequer do projeto de união aduaneira, ainda que essa ordem possa vir definida em função de uma nova arquitetura integracionista que preserve aqueles objetivos fundamentais mesmo quando abandonando temporariamente a chamada “camisa de força” da TEC e alguns dos prazos ainda irrealistas desta “segunda (ou terceira) fase de transição”. O que eu proponho é substituir o Tratado de Assunção, o Protocolo de Ouro Preto e alguns dos demais instrumentos derivados por uma carta constitucional do Mercosul, preservando integralmente os objetivos definidos pelos “pais fundadores” do Mercosul, mas introduzindo um esquema de geometria variável que dê aos países membros a flexibilidade necessária para atender às suas prioridades do momento – e portanto os outros três membros não poderiam reclamar quando o Brasil fosse realizar alguns de seus objetivos econômicos no cenário sul-americano, e não mais exclusivamente mercosuliano –, retomando a “liberdade” tarifária em troca do compromisso de convergir para a união aduaneira num período adicional, digamos até 2010, quando os efeitos de uma eventual – e ainda altamente hipotética – Alca ainda não terão sido sentidos em toda sua dimensão liberalizante. Até lá, espera-se que a Argentina tenha se libertado de sua própria “camisa de força” cambial, que o Brasil tenha estabilizado satisfatoriamente sua economia e estabelecido a conversibilidade plena do real – base da futura moeda comum do Mercosul – e que os demais sócios regionais tenham resolvido encontrar na América do Sul (e não numa mirífica Alca que deixará muitos a “ver navios”) o cenário ideal para a expansão de seus negócios.

Não se trata, para mim, de “dar um passo atrás”, mas tão simplesmente de “recuar para melhor saltar”, ou seja, confirmar os objetivos ambiciosos dos founding fathers, ainda que renunciando temporariamente à metodologia uniforme de fazer todos os sócios encilhar e montar cavalos de corrida, sobretudo quando alguns desses animais são mais ariscos do que outros. Alguns podem esporear soberbos ginetes, outros preferir o patinete: o importante é marcar um encontro para a assembleia do condomínio em prazo certo, pois os cobradores estarão batendo à porta em determinados prazos. Proponho mesmo que a assembleia geral para aprovar a Constituição do Mercosul, em substituição aos atuais instrumentos, seja realizada no Brasil no segundo semestre de 2004, quando o País estiver novamente à frente do esquema integracionista e quando saberemos se existirá ou não a hipótese alcalina (em função do que teremos de ajustar a geometria variável e a arquitetura flexível do novo esquema). Até lá pode-se pensar na implementação de uma fase preparatória a essa conferência diplomática de “refundação” do Mercosul mediante a combinação de um processo estratégico de reflexão e definição do novo instrumento institucional com a adoção tática de instrumentos temporários suscetíveis de acomodar dificuldades setoriais e circunstâncias nacionais especiais. Numa próxima oportunidade pretendo abordar a questão do que poderia conter essa nova carta constitucional do Mercosul. 

 

* Paulo Roberto de Almeida (http://pralmeida.tripod.com) é doutor em ciências sociais, diplomata de carreira e autor dos seguintes livros: Mercosul: fundamentos e perspectivas (São Paulo: LTr, 1998) e O Mercosul no contexto regional e internacional (São Paulo: Aduaneiras, 1993).

As opiniões expressas no presente texto são exclusivamente as de seu autor e não correspondem a posições ou políticas do Ministério das Relações Exteriores ou do Governo brasileiro.

 

[Washington, 811: 12/09/2001; Rev.: 15/09/2001]

(1800 palavras; 10 mil caracteres)

 

Nota em 2/05/2024:

Como nunca tive autorização para publicar esse trabalho, deixei de elaborar minha proposta de "nova carta constitucional" do Mercosul, como eu prometia ao final desse artigo acima. Agora acho que não vale muito a pena. O Mercosul virou uma colcha de retalhos, anda muito esgarçado.

Macron e a morte anunciada da Europa - The Economist

 Grato a Augusto de Franco pela transcrição:

A mensagem urgente de Emmanuel Macron para a Europa

The Economist (02/05/2024)

O presidente francês emite um aviso sombrio e profético

Em 1940, depois de a França ter sido derrotada pela blitzkrieg nazi, o historiador Marc Bloch condenou as elites do seu país entre guerras por não terem conseguido enfrentar a ameaça que estava por vir. Hoje, Emmanuel Macron cita Bloch como um aviso de que as elites europeias estão dominadas pela mesma complacência fatal.

O presidente da França expôs a sua visão apocalíptica numa entrevista ao The Economist no Palácio do Eliseu. Aconteceu dias depois de ter proferido um grande discurso sobre o futuro da Europa – uma maratona indisciplinada, de duas horas, à escala de Castro, que vai desde a aniquilação nuclear até uma aliança de bibliotecas europeias. Os críticos de Macron chamaram-lhe uma mistura de campanha eleitoral, o habitual interesse próprio francês e a vaidade intelectual de um presidente jupiteriano que pensa no seu legado.

Gostaríamos que eles estivessem certos. Na verdade, a mensagem do senhor Macron é tão convincente quanto alarmante. Na nossa entrevista, alertou que a Europa enfrenta um perigo iminente, declarando que “as coisas podem desmoronar muito rapidamente”. Ele também falou da montanha de trabalho que temos pela frente para tornar a Europa segura. Mas ele está atormentado pela impopularidade interna e pelas más relações com a Alemanha. Tal como outros visionários sombrios, ele corre o risco de a sua mensagem ser ignorada.

A força motriz por detrás do aviso do Sr. Macron é a invasão da Ucrânia. A guerra mudou a Rússia. Desprezando o direito internacional, emitindo ameaças nucleares, investindo pesadamente em armas e tácticas híbridas, abraçou a “agressão em todos os domínios de conflito conhecidos”. Agora a Rússia não conhece limites, argumenta. A Moldávia, a Lituânia, a Polónia, a Roménia ou qualquer país vizinho poderiam ser todos os seus alvos. Se vencer na Ucrânia, a segurança europeia ficará em ruínas.

A Europa tem de acordar para este novo perigo. Macron recusa-se a recuar na sua declaração de Fevereiro de que a Europa não deveria excluir a possibilidade de enviar tropas para a Ucrânia. Isto suscitou horror e fúria em alguns dos seus aliados, mas ele insiste que a sua cautela apenas encorajará a Rússia a prosseguir: “Temos sido, sem dúvida, demasiado hesitantes ao definir os limites da nossa acção para alguém que já não os tem e que é o agressor.”

Macron está convencido de que, quem quer que esteja na Casa Branca em 2025, a Europa deve livrar-se da sua dependência militar de décadas da América e, com ela, da relutância de cabeça enfiada na areia em levar a sério o poder duro. “A minha responsabilidade”, diz ele, “é nunca colocar [a América] num dilema estratégico que significaria escolher entre os europeus e os [seus] próprios interesses face à China”. Ele pede que um debate “existencial” ocorra dentro de meses. Trazer países não pertencentes à UE, como a Grã-Bretanha e a Noruega, criaria um novo quadro para a defesa europeia que representaria menos fardo para a América. Ele está disposto a discutir a extensão da protecção proporcionada pelas armas nucleares francesas, o que romperia dramaticamente com a ortodoxia gaullista e transformaria as relações da França com o resto da Europa.

O segundo tema de Macron é que se abriu um fosso industrial alarmante à medida que a Europa ficou para trás da América e da China. Para Macron, isto faz parte de uma dependência mais ampla em energia e tecnologia, especialmente em energias renováveis ​​e inteligência artificial. A Europa tem de responder agora, ou poderá nunca conseguir recuperar o atraso. Ele diz que os americanos “pararam de tentar fazer com que os chineses se conformem às regras do comércio internacional”. Chamando a Lei de Redução da Inflação de “uma revolução conceptual”, ele acusa a América de ser como a China ao subsidiar as suas indústrias críticas. “Você não pode continuar como se isso não estivesse acontecendo”, diz ele.

A solução do senhor Macron é mais radical do que simplesmente pedir que a Europa iguale os subsídios e a protecção americanos e chineses. Ele também quer uma mudança profunda na forma como a Europa funciona. Duplicaria os gastos com investigação, desregulamentaria a indústria, libertaria os mercados de capitais e aumentaria o apetite dos europeus pelo risco. Ele é severo quanto à distribuição de subsídios e contratos para que cada país receba de volta mais ou menos o que investe. A Europa precisa de especialização e escala, mesmo que alguns países percam, diz ele.

Os eleitores sentem que a segurança e a competitividade europeias são vulneráveis. E isso leva ao terceiro tema do senhor Macron, que é a fragilidade da política europeia. O presidente francês reserva um desprezo especial aos nacionalistas populistas. Embora ele não tenha mencionado o nome dela, uma delas é Marine Le Pen, que tem ambições de substituí-lo em 2027. Num mundo cruel, as suas promessas vazias de fortalecer os seus próprios países resultarão, em vez disso, em divisão, declínio, insegurança e, em última análise, conflito.

As ideias de Macron têm poder real e ele provou ser presciente no passado. Mas suas soluções apresentam problemas. Um perigo é que possam, de facto, minar a segurança da Europa. Os seus planos poderiam distanciar a América, mas não conseguem preencher a lacuna com uma alternativa europeia credível. Isso deixaria a Europa mais vulnerável às predações da Rússia. Também serviria para a China , que há muito procura lidar com a Europa e a América separadamente, e não como uma aliança.

Os seus planos também poderão ser vítimas da estrutura difícil da própria ue . Exigem que 27 governos sedentos de poder cedam o controlo soberano da fiscalidade e da política externa e dêem mais influência à Comissão Europeia, o que parece improvável. Se a política industrial do senhor Macron acabar por trazer mais subsídios e protecção, mas não desregulamentação, liberalização e concorrência, isso pesaria sobre o próprio dinamismo que ele está a tentar aumentar.

E o último problema é que Macron pode muito bem falhar na sua política – em parte porque é impopular no seu país. Ele prega a necessidade de pensar à escala europeia e deixar para trás o nacionalismo mesquinho, mas a França bloqueou durante anos a construção de ligações de poder com Espanha. Ele alerta para a ameaça iminente de Le Pen, mas até agora não conseguiu criar um sucessor que possa vê-la partir. Ele não pode abordar uma agenda que teria sobrecarregado os dois grandes líderes do pós-guerra, Charles de Gaulle e Konrad Adenauer, sem a ajuda do chanceler da Alemanha, Olaf Scholz. No entanto, o relacionamento deles é terrível.

O senhor Macron é mais claro sobre os perigos que a Europa enfrenta do que o líder de qualquer outro grande país. Quando a liderança é escassa, ele tem a coragem de olhar a história nos olhos. A tragédia para a Europa é que as palavras da francesa Cassandra podem muito bem cair em ouvidos moucos.


O mundo torto e a America avestruz do candidato Trump: o homem que vai terminar de afundar os EUA - entrevista revista Time

 Não sei se ele completamente idiota ou se é “apenas” um ignorante que ignora a própria ignorância.

A bombástica entrevista do Trump à revista TIME 

Na área comercial, o que o milionário do imobiliário pretende fazer é uma guerra comercial não apenas contra a China, mas contra boa parte do resto do mundo.

Indagado sobre um plano atribuído a ele de impor uma tarifa adicional de 10% sobre todas as importações e uma tarifa de mais de 60% sobre as importações chinesas, Trump responde: ‘Pode ser mais do que isso’, alegando que os outros países roubam ‘nossa riqueza’.

O reporter da Time lembra a Trump que a maioria dos economistas diz que altas tarifas de importação aumentam os preços internos, e pergunta se ele se sente confortável com inflação adicional nos EUA.

Sua resposta é simplória, ainda mais para quem já governou a nação mais poderosa do planeta. Ele diz 'não acreditar' que sua ação resultará em inflação, e sim que vai proteger a indústria americana.

E se queixa da China, com enorme superavit comercial com os EUA, como também aponta dificuldades com outros países na área comercial, incluindo o Brasil.

‘Eu me dou muito bem com Modi (chefe do governo indiano), mas é muito difícil lidar com a Índia em termos comerciais’, disse. ‘A França é francamente muito difícil no comércio. O Brasil é muito difícil no comércio. O que eles fazem é cobrar muito caro para entrar no país. Eles dizem: "Não queremos que você envie carros para o Brasil ou não queremos que você envie carros para a China ou para a Índia. Mas se você quiser construir uma fábrica em nosso país e empregar nosso pessoal, tudo bem. E é basicamente isso que estou fazendo’.

Trump não acredita que as empresas repassam o custo da tarifa mais elevada? Sua resposta: ‘Não, acho que o que acontece é que, em vez de trazer seu produto da China, por causa desse custo adicional, você acaba fabricando o produto nos Estados Unidos. Tradicionalmente, é isso que acontece’.

Trump é lembrado então que sua guerra comercial com a China, em seu mandato na Casa Branca, quando aumentou tarifas em 50% contra o aço chinês, por exemplo, custou à economia dos EUA nada menos de US$ 316 bilhões e 300 mil empregos perdidos, conforme uma estimativa de Bloomberg Economics. Para o candidato republicano, porém, quem fez esse cálculo não sabe do que está falando. Diz que, se não tivesse elevado as barreiras contra os chineses, ‘não teríamos nenhuma indústria siderúrgica agora. Eles estavam praticando dumping de aço em todo o país'.

O ex-presidente relata uma conversa com executivos da Harley Davidson, quando estava na Casa Branca: ''Eu perguntei: "Só por curiosidade, como vocês lidam com a Índia?" "Não muito bem." Lembrem-se de que isso foi há cinco anos, quatro anos atrás, eles disseram: "Nada bem. Não podemos fazer negócios com a Índia, porque eles nos cobraram uma tarifa muito alta, de mais de 100%". E a esse preço, você sabe, há um ponto em que o consumidor quebra e não consegue comprar. Eles disseram: "Mas eles farão de tudo para construirmos uma fábrica da Harley Davidson na Índia. Eles não querem que forneçamos motocicletas para a Índia, mas querem que construamos uma fábrica". Eu disse: "Bem, não vou ficar muito feliz com isso".

Trump acha que o que está acontecendo hoje é que a China agora está construindo fábricas no México para produzir carros para vender nos Estados Unidos ‘e isso não vai acontecer quando eu for presidente, porque vou impor 100% de tarifas sobre elas. Porque não vou permitir que eles roubem o resto de nossos produtos. Sabe, o México ficou com 31% da nossa fabricação de automóveis. E a China ficou com uma parte muito maior do que isso’.

O reporter da Time pede para Trump esclarecer se ele está considerando uma tarifa de 100% sobre as importações chinesas e mexicanas. Sua resposta: ‘Eu não disse isso. Eles nos cobram 100%. A Índia nos cobra mais do que isso. O Brasil nos cobra o que - o Brasil é um país com tarifas muito grandes, muito grandes. Pergunto às pessoas: "Com quem é pior lidar? Não vou dar essa resposta porque não quero insultar os países, já que me dou bem com eles. Mas você ficaria surpreso. A União Europeia é muito dura conosco’.

Aparentemente, ele tem simpatia por reciprocidade tarifária. Uma ideia que já foi discutida no passado em Washington era de, se um país aplicasse tarifa de 100% sobre produtos americanos, em contrapartida sofreria alíquota parecida por parte dos EUA.

O que Trump avisa na entrevista à Time é de fato é que, se eleito, vai deflagrar uma nova onda de guerra comercial. Na prática, vai desmontar o sistema de regras, e portanto a OMC, numa dimensão bem pior do que se imaginava.

A agressividade de Trump atravessa todos os temas. Ele ameaça com deportações em massa de migrantes por militares dos EUA e campos de detenção para quem recusar partir. Também menciona monitoramento da gravidez para impor proibições ao aborto.

O republicano menciona repressão ao "inimigo interno" se ele voltar à Casa Branca, e tampouco descarta violência política se não for eleito.

"Acho que o inimigo interno, em muitos casos, é muito mais perigoso para o nosso país do que os inimigos externos da China, Rússia e vários outros", disse Trump na entrevista, ao ser indagado se estaria disposto a suspender partes da Constituição dos EUA para lidar com os oponentes.

O candidato do Partido Republicano acena com chantagem financeira em relação aos europeus, que deverão pagar mais por assistência militar americana. Sobre ajuda à Ucrania, diz que, ‘se a Europa não paga, porque deveríamos pagar? Ela (Europa) é muito mais atingida. Temos um oceano entre nós e a Rússia. Eles não’.

Na área comercial, o que o milionário do imobiliário pretende fazer é uma guerra comercial não apenas contra a China, mas contra boa parte do resto do mundo.

Indagado sobre um plano atribuído a ele de impor uma tarifa adicional de 10% sobre todas as importações e uma tarifa de mais de 60% sobre as importações chinesas, Trump responde: ‘Pode ser mais do que isso’, alegando que os outros países roubam ‘nossa riqueza’.

O reporter da Time lembra a Trump que a maioria dos economistas diz que altas tarifas de importação aumentam os preços internos, e pergunta se ele se sente confortável com inflação adicional nos EUA.

Sua resposta é simplória, ainda mais para quem já governou a nação mais poderosa do planeta. Ele diz 'não acreditar' que sua ação resultará em inflação, e sim que vai proteger a indústria americana.

E se queixa da China, com enorme superavit comercial com os EUA, como também aponta dificuldades com outros países na área comercial, incluindo o Brasil.

‘Eu me dou muito bem com Modi (chefe do governo indiano), mas é muito difícil lidar com a Índia em termos comerciais’, disse. ‘A França é francamente muito difícil no comércio. O Brasil é muito difícil no comércio. O que eles fazem é cobrar muito caro para entrar no país. Eles dizem: "Não queremos que você envie carros para o Brasil ou não queremos que você envie carros para a China ou para a Índia. Mas se você quiser construir uma fábrica em nosso país e empregar nosso pessoal, tudo bem. E é basicamente isso que estou fazendo’.

Trump não acredita que as empresas repassam o custo da tarifa mais elevada? Sua resposta: ‘Não, acho que o que acontece é que, em vez de trazer seu produto da China, por causa desse custo adicional, você acaba fabricando o produto nos Estados Unidos. Tradicionalmente, é isso que acontece’.

Trump é lembrado então que sua guerra comercial com a China, em seu mandato na Casa Branca, quando aumentou tarifas em 50% contra o aço chinês, por exemplo, custou à economia dos EUA nada menos de US$ 316 bilhões e 300 mil empregos perdidos, conforme uma estimativa de Bloomberg Economics. Para o candidato republicano, porém, quem fez esse cálculo não sabe do que está falando. Diz que, se não tivesse elevado as barreiras contra os chineses, ‘não teríamos nenhuma indústria siderúrgica agora. Eles estavam praticando dumping de aço em todo o país'.

O ex-presidente relata uma conversa com executivos da Harley Davidson, quando estava na Casa Branca: ''Eu perguntei: "Só por curiosidade, como vocês lidam com a Índia?" "Não muito bem." Lembrem-se de que isso foi há cinco anos, quatro anos atrás, eles disseram: "Nada bem. Não podemos fazer negócios com a Índia, porque eles nos cobraram uma tarifa muito alta, de mais de 100%". E a esse preço, você sabe, há um ponto em que o consumidor quebra e não consegue comprar. Eles disseram: "Mas eles farão de tudo para construirmos uma fábrica da Harley Davidson na Índia. Eles não querem que forneçamos motocicletas para a Índia, mas querem que construamos uma fábrica". Eu disse: "Bem, não vou ficar muito feliz com isso".

Trump acha que o que está acontecendo hoje é que a China agora está construindo fábricas no México para produzir carros para vender nos Estados Unidos ‘e isso não vai acontecer quando eu for presidente, porque vou impor 100% de tarifas sobre elas. Porque não vou permitir que eles roubem o resto de nossos produtos. Sabe, o México ficou com 31% da nossa fabricação de automóveis. E a China ficou com uma parte muito maior do que isso’.

O reporter da Time pede para Trump esclarecer se ele está considerando uma tarifa de 100% sobre as importações chinesas e mexicanas. Sua resposta: ‘Eu não disse isso. Eles nos cobram 100%. A Índia nos cobra mais do que isso. O Brasil nos cobra o que - o Brasil é um país com tarifas muito grandes, muito grandes. Pergunto às pessoas: "Com quem é pior lidar? Não vou dar essa resposta porque não quero insultar os países, já que me dou bem com eles. Mas você ficaria surpreso. A União Europeia é muito dura conosco’.

Aparentemente, ele tem simpatia por reciprocidade tarifária. Uma ideia que já foi discutida no passado em Washington era de, se um país aplicasse tarifa de 100% sobre produtos americanos, em contrapartida sofreria alíquota parecida por parte dos EUA.

O que Trump avisa na entrevista à Time é de fato é que, se eleito, vai deflagrar uma nova onda de guerra comercial. Na prática, vai desmontar o sistema de regras, e portanto a OMC, numa dimensão bem pior do que se imaginava.

A agressividade de Trump atravessa todos os temas. Ele ameaça com deportações em massa de migrantes por militares dos EUA e campos de detenção para quem recusar partir. Também menciona monitoramento da gravidez para impor proibições ao aborto.

O republicano menciona repressão ao "inimigo interno" se ele voltar à Casa Branca, e tampouco descarta violência política se não for eleito.

"Acho que o inimigo interno, em muitos casos, é muito mais perigoso para o nosso país do que os inimigos externos da China, Rússia e vários outros", disse Trump na entrevista, ao ser indagado se estaria disposto a suspender partes da Constituição dos EUA para lidar com os oponentes.

O candidato do Partido Republicano acena com chantagem financeira em relação aos europeus, que deverão pagar mais por assistência militar americana. Sobre ajuda à Ucrania, diz que, ‘se a Europa não paga, porque deveríamos pagar? Ela (Europa) é muito mais atingida. Temos um oceano entre nós e a Rússia. Eles não’.

Grato a Mauricio David pela transcrição.