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quarta-feira, 17 de abril de 2024

Antigos aliados ignoram apelos de Lula e põem em xeque mediação do Brasil na região - Ricardo Della Coletta (FSP)

Antigos aliados ignoram apelos de Lula e põem em xeque mediação do Brasil na região

Exemplos com Nicarágua e Venezuela ilustram, ainda que parcialmente, perda de influência de Brasília na América Latina

Brasília
Folha de S. Paulo, 16/04/2024

Ao menos dois impasses na política externa do Brasil mostram que as dificuldades que o presidente Lula enfrentou para se colocar como mediador em temas globais, como a Guerra da Ucrânia, repetiram-se num contexto regional e mesmo com líderes com quem o Partido dos Trabalhadores tem laços históricos.

Na semana passada, Lula disse ao cardeal Pietro Parolin estar profundamente decepcionado com o ditador da Nicarágua, Daniel Ortega. Durante audiência com o principal emissário do papa Francisco, o brasileiro lamentou que, no ano passado, Ortega nem sequer tenha respondido a pedidos de um telefonema para que ele pudesse interceder pela libertação do bispo Rolando José Álvarez —que ficou detido por mais de 500 dias e acabou expulso do país centro-americano em janeiro— e por outros religiosos perseguidos pelo regime nicaraguense.

O presidente relatou a Parolin ter tentado fazer o máximo possível, mas afirmou que Ortega se mostrou inflexível. O cardeal, por sua vez, agradeceu os esforços de Lula.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante evento no Palácio do Planalto, em Brasília - Gabriela Biló - 15.abr.22/Folhapress

Houve ainda um segundo caso em que um antigo aliado de Lula na região ignorou apelos diretos por moderação. O presidente promoveu uma guinada em sua política em relação à Venezuela depois que o ditador Nicolás Maduro decidiu bloquear o registro da candidatura de uma adversária.

O líder venezuelano, no entanto, também fez pouco caso do pedido de Lula, que havia defendido que a oposição pudesse participar livremente do pleito.

Os dois casos revelam um cenário na América Latina mais complexo do que o imaginado por auxiliares do petista no final de 2022, quando ele derrotou Jair Bolsonaro (PL). De acordo com especialistas ouvidos pela Folha, o cenário é ainda agravado por um quadro de desarticulação política na região

O PT é aliado histórico de Ortega, líder da revolução sandinista e no poder de forma ininterrupta desde 2007. A ditadura nicaraguense chegou a anunciar a libertação de Álvarez em meados de 2023, mas o religioso não aceitou a condição imposta por Ortega, de que deixasse a Nicarágua. O regime voltou a prendê-lo, e Álvarez só foi solto no início deste ano, com o compromisso de ir para o Vaticano —na prática, uma expulsão.

Ao longo desse processo, Lula teria tentado conversar com Ortega, mas seus pedidos não tiveram resposta.

Em relação à Venezuela, o brasileiro expressou sua frustração com Maduro no final de março, após o regime impedir o registro eleitoral de Corina Yoris. A acadêmica havia sido indicada para substituir María Corina Machado, principal nome da oposição, porém impedida pelo chavismo de concorrer a cargos públicos.

Em reunião com Maduro no início de março, em São Vicente e Granadinas, Lula havia defendido que o pleito venezuelano precisa ser o mais democrático possível. Ele também fez uma comparação com sua própria situação em 2018, quando, preso no âmbito da Operação Lava Jato, indicou Fernando Haddad (PT) para substituí-lo na eleição presidencial.

"Eu indiquei outro candidato, perdemos as eleições. Mas fez parte do jogo democrático. Participei, perdi, paciência", declarou o presidente dias depois, ao se referir à reunião com Maduro. O petista disse ainda que o bloqueio chavista contra a oposição é grave, revertendo a postura adotada até então de relativizar as críticas contra o ditador.

Para Hussein Kalout, pesquisador da Universidade Harvard, Lula tem tido dificuldades de projetar sua influência política mesmo com governos "do mesmo corte ideológico".

"O caso da Nicarágua mostra que o peso gravitacional do Brasil na América Latina vem caindo gradativamente. Não somos prioridade imediata para esses países face a outras potências", diz.

Em referência específica à América do Sul, Kalout aponta ainda que está em curso um "processo de fragmentação política e econômica". Para ele, isso "decorre da ausência de um país que é capaz de unir e ter um projeto claro de integração baseado em desenvolvimento e investimento".

"Integrar sem investir e propor apenas uma visão política não é mais possível", afirma.

Dawisson Belém Lopes, professor de política internacional da UFMG, por outro lado, afirma que não é possível avaliar a influência do governo Lula na América Latina apenas olhando o caso da Nicarágua e da Venezuela.

"A gente tem que resgatar outros episódios em que Lula foi bem-sucedido, por exemplo na mediação do conflito entre Venezuela e Guiana. A bomba foi desarmada e, pelo menos por ora, é mais positiva do que negativa a participação do Brasil", analisa.

Ele se refere à crise do Essequibo, região da Guiana rica em recursos naturais e reivindicada pela Venezuela. O Brasil chegou a ser garantidor de um acordo entre os dois países, mas Caracas assinou uma lei que trata o território guianense como parte da Venezuela —o que voltou a acirrar as tensões.

Lopes afirma ainda que a situação atual da região é muito mais desafiadora do que nos mandatos anteriores de Lula, quando havia uma convergência ideológica de líderes de esquerda."Agora a América Latina é tremendamente heterogênea em relação à primeira década do século 21", diz.

Auxiliares de Lula e diplomatas ouvidos pela Folha concordam que a falta de um instrumento de integração regional é um dos principais obstáculos para a atuação internacional do governo no âmbito sul-americano.

Hoje não há em funcionamento uma organização internacional responsável pela coordenação política na América do Sul, a exemplo do que ocorreu com a Unasul e depois com o Prosul (aliança de governantes de direita).

Lula tentou relançar um projeto de integração numa reunião de presidentes em Brasília em maio do ano passado, mas houve veto à recriação da Unasul —que acabou vista por alguns países como um projeto ideológico de esquerda.

Os países então acordaram o lançamento de uma iniciativa chamada Consenso de Brasília, em que ministros dos diferentes governos têm se encontrado periodicamente para discutir suas áreas. O problema é que esse esforço tem sobrevivido principalmente graças ao impulso político dado por Brasil, Chile e Colômbia. Há dúvidas sobre a sustentabilidade de longo prazo em caso de mudança de orientação desses governos.

Mesmo no contexto da américa Latina o cenário é desafiador, dizem diplomatas e especialistas. Como a Folha mostrou, a Celac, principal organização de coordenação política na América Latina, rachou no conflito diplomático entre México e Equador. A cúpula virtual da entidade desta terça (16) foi esvaziada, com o boicote de cinco países e outros líderes que decidiram escalar ministros para representá-los.



segunda-feira, 1 de abril de 2024

Os perigos da diplomacia personalista: Putin, TPI e G20 - Ricardo Della Coletta, José Marques (FSP), Paulo Roberto de Almeida

 Primeiro a noticia (ver a íntegra abaixo):

“ PUTIN

Governo produz parecer que embasa possível vinda de Putin para o G20. Texto oferece defesa para descumprir eventuais ordens de prisão do TPI contra chefes de Estado. A Folha de S. Paulo questionou o Itamaraty sobre o parecer apresentado na ONU e sua relação com a possível vinda de Putin ao Brasil. O ministério respondeu que não comentaria, uma vez que o documento faz observações iniciais de um tema que ainda será negociado.”

Agora o comentário:

O Estatuto de Roma está incorporado à Constituição do Brasil. Mas Lula nunca ligou para isso, assim como nunca ligou para as cláusulas de relações internacionsis contidas no art. 4. da mesma Carta, sobretudo o item da não interferência nos assuntos internos de outros Estados. Ele o fez sistematicamente a favor de seus amigos esquerdistas, com destaque para os comunistas cubanos, os chavistas (Chávez, Morales e outros), e todos os demais que estivessem na lista de alianças do PT. Mais ainda: isso ultrapassa o terreno da esquerda, como visto no caso de Putin, que é simplesmente o fato da aliança com tudo e todos que se contrapõem aos Estados Unidos.

Disso já sabemos. O que não sabíamos é que o Itamaraty confirma sua submissão caolha, míope, ao que deseja o chefe de Estado. Já o fez sob Bolsonaro, está fazendo novamente sob Lula.

Diplomacia presidencial pode ser um problema, dependendo da qualidade do chefe do Executivo. Vargas, Geisel e FHC conduziram pessoalmente a diplomacia do Brasil em seus respectivos mandatos. Com os demais presidentes, o Itamaraty teve certa latitude de ação, de aconselhamento e até de condução de determinados assuntos.

Diplomacia personalista sempre é um problema, pois que o chefe de Estado conduz as relações exteriores segundo critérios que podem não ser os mais adequados do ponto de vista dos interesses do Brasil, tal como refletidos na agenda do Itamaraty.

Lamento pelos meus colegas diplomatas, lamento pelo Brasil.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 1/04/2024

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Governo Lula produz parecer que embasa possível vinda de Putin ao Brasil no G20

Texto oferece defesa para descumprir eventuais ordens de prisão do TPI contra chefes de Estado


BRASÍLIA

O governo Lula (PT) produziu um parecer com argumentação jurídica que embasa eventual vinda ao Brasil do presidente da Rússia, Vladimir Putin, mesmo ele sendo alvo de um mandado internacional de prisão.

O documento foi submetido em novembro do ano passado à Comissão de Direito Internacional da ONU. O órgão atualmente trabalha na elaboração de uma normativa sobre imunidade de jurisdição a chefes de Estado. O status, que também pode ser conferido a outras altas autoridades, garante que esses líderes não sejam processados ou atingidos por ações judiciais vigentes nos países que os recebem em visitas internacionais.

O governo brasileiro não cita diretamente Putin no texto, mas faz referência a um cenário que se encaixa na situação atual do líder russo: ele é alvo de um mandado de prisão expedido pelo TPI (Tribunal Penal Internacional), acusado de ter permitido que ocorressem crimes de guerra no conflito com a Ucrânia.

Como o Brasil é signatário do Estatuto de Roma, que criou o TPI, o país em tese está obrigado a prender Putin caso ele desembarque em território nacional. Encarcerá-lo em solo brasileiro é, no entanto, um cenário considerado inimaginável devido às consequências geopolíticas e de segurança que a detenção do líder da segunda maior potência militar do planeta representaria.

Ainda assim, a hipótese de uma ordem de prisão tem potencial de criar, no mínimo, constrangimento diplomático para Brasil e Rússia em plena cúpula do G20 caso Putin venha para o encontro no Rio de Janeiro em novembro.

O texto submetido à Comissão de Direito Internacional não tem efeito prático e tampouco é garantia de que o Brasil estaria livre de censura do TPI caso ignore uma ordem do tribunal durante possível passagem de Putin pelo país, segundo especialistas ouvidos pela Folha.

Ele indica, porém, uma opinião oficial do governo Lula no sentido de que a imunidade de jurisdição de Putin deveria protegê-lo do alcance do TPI na hipótese de que essa viagem se concretize.

O principal argumento do documento é que acordos que criam tribunais internacionais (como é o caso do Estatuto de Roma) devem ter efeito apenas entre as partes que assinaram o tratado.

Por essa tese, um chefe de Estado de um país não signatário não poderia ter sua imunidade ignorada mesmo ao estar em um território que reconhece a autoridade dessa corte internacional. A Rússia retirou sua assinatura do Estatuto de Roma em 2016.

Em um dos parágrafos do parecer, o Brasil concorda que a imunidade de jurisdição para altas autoridades "não deve afetar os direitos e as obrigações dos Estados partes diante de acordos que estabeleceram cortes e tribunais penais internacionais". Mas em seguida destaca que isso deve ocorrer no âmbito das "relações entre as partes desses acordos".

"É norma básica da lei internacional geral, codificada no artigo 34 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que 'um tratado não cria obrigações ou direitos para um terceiro Estado sem o seu consentimento'", diz o texto.

"Dessa forma, enquanto os artigos [sobre imunidade] não afetam obrigações de tratados referentes a tribunais internacionais, esses acordos internacionais não afetam a imunidade de agentes de Estados não partes".

O Brasil afirma ainda que a imunidade de jurisdição para dirigentes é essencial "para promover entendimentos pacíficos de disputas internacionais e relações amigáveis entre os Estados, inclusive na medida em que permite que funcionários de Estados participem em conferências internacionais e missões em países estrangeiros".

E faz eco a uma crítica que já circulou entre representantes de países em desenvolvimento sobre o mandado do TPI contra Putin: a de que a corte está sendo usada politicamente. "[A imunidade de jurisdição] contribui para a estabilidade das relações internacionais, por prevenir o exercício abusivo, arbitrário e politicamente motivado da jurisdição criminal que pode ser usado contra agentes dos Estados".

Folha questionou o Itamaraty sobre o parecer apresentado na ONU e sua relação com a possível vinda de Putin ao Brasil. O ministério respondeu que não comentaria, uma vez que o documento faz observações iniciais de um tema que ainda será negociado longamente no âmbito da Comissão de Direito Internacional.

A reportagem também encaminhou o parecer a quatro especialistas em direito internacional. Três viram na argumentação uma tentativa de flexibilizar as obrigações do Brasil junto ao TPI e disseram que a hipótese descrita na redação se aplica à situação de Putin.

André de Carvalho Ramos, professor de Direito Internacional da USP (Universidade de São Paulo), diz que a argumentação feita pelo Brasil tem como base um dispositivo específico previsto no próprio Estatuto de Roma: o de que um pedido do TPI pode não ter efeito caso o Estado requerido seja obrigado a atuar de forma incompatível com o direito internacional "em matéria de imunidade dos Estados".

O problema, prossegue o professor, é que já existe precedente sobre esse tema.

"O TPI decidiu que a Jordânia violou o Estatuto de Roma ao não prender em 2017 o então presidente do Sudão Omar al-Bashir durante visita dele ao país. Pois bem, a Jordânia apelou e, em 2019, o TPI decidiu que a norma consuetudinária [invocada pelo Brasil] só se aplica a tribunais nacionais, inexistindo norma consuetudinária imunizante em face de tribunais internacionais, como o TPI", diz ele.

"No plano do TPI, mesmo que o Judiciário brasileiro dê razão ao governo federal, há fortíssima probabilidade do Brasil ter o mesmo destino que a Jordânia."

Wagner Menezes, presidente da Academia Brasileira de Direito Internacional, opina que a argumentação apresentada pelo Brasil "relativiza" o alcance do Estatuto de Roma e vai na contramão de um dos principais objetivos do TPI: o de constranger a movimentação internacional de pessoas acusadas de crimes de guerra e contra a humanidade.

"Não é relevante se a Rússia ratificou ou não o Estatuto. O Brasil não tem qualquer tipo de relação, nesse caso, com a Rússia. Trata-se de um tema da relação do Brasil com o tribunal", afirma.

Professor titular de Teoria e História do Direito Internacional, Arno Dal Ri Jr. vê na redação submetida pelo governo à ONU uma "cortina de fumaça". Ele também classifica a argumentação de "frágil".

"Os termos do documento são hipotéticos, em que se levanta vários quadros e hipóteses, dentre essas aquela de legitimação da vinda do Putin através da imunidade típica de chefes de Estado", diz.

"É um jogo muito dúbio que está sendo feito, no qual se sabe a realidade de que, em caso de pedido de entrega pelo TPI não cumprido pelo Brasil, existiria uma colisão [com o Estatuto de Roma] e o Brasil que seria responsabilizado por isso. Mas usa-se uma interpretação ampliada para retirar o foco do real problema jurídico que poderia advir."

Já o advogado e doutor em Direito Marcelo Peregrino Ferreira tem opinião diferente e não enxerga na hipótese tratada pelo parecer algo que beneficie o caso russo. "Acho que a investida do Brasil não é contra o Estatuto de Roma ou outra corte internacional, mas contra a suspensão da imunidade pela jurisdição criminal comum de países que não tem um tratado entre si. E a proposta brasileira não me parece beneficiar o caso russo", diz ele.

A possível vinda de Putin ao Brasil para a cúpula do G20 é um tema altamente sensível. Se confirmada, ela deve virar o fato político mais impactante da reunião.

Desde que ordenou a invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022, o líder russo virou alvo de uma operação que, orquestrada por Estados Unidos e Europa, busca isolá-lo nos diferentes fóruns internacionais. Ele não compareceu às duas últimas edições do G20, na Índia e na Indonésia —nenhum dos países é signatário do Estatuto de Roma.

A eventual vinda de Putin à cúpula no Rio de Janeiro motivou polêmica antes mesmo de o Brasil iniciar seu mandato na presidência do G20.

Em setembro de 2023, quando participava da cúpula do fórum em Nova Déli, Lula afirmou que seu homólogo russo não corria o risco de ser preso caso decidisse vir à edição seguinte do evento. "Se eu for presidente do Brasil, e se ele [Putin] vier para o Brasil, não tem como ele ser preso. Não, ele não será preso. Ninguém vai desrespeitar o Brasil", disse o petista na ocasião.

Dias depois, Lula voltou atrás e afirmou que a decisão sobre uma eventual prisão caberia ao Poder Judiciário. "Se o Putin decidir ir ao Brasil, quem toma a decisão de prendê-lo ou não é a Justiça, não o governo nem o Congresso Nacional."


segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Lula deu bronca em equipe após reunião com Paraguai sobre Itaipu - Catia Seabra, Ricardo Della Coletta (FSP)

 Lula deu bronca em equipe após reunião com Paraguai sobre Itaipu


Presidente se irritou com ministros por falta de coordenação e ter sido obrigado a discutir tarifa com Santiago Peña

Catia Seabra
Ricardo Della Coletta
Folha de S. Paulo, 22/01/2024

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se irritou com o desempenho de sua equipe durante a reunião que teve com o líder do Paraguai, Santiago Peña, na segunda-feira (15) em Brasília.

De acordo com diferentes auxiliares ouvidos pela Folha, Lula manifestou sua contrariedade durante encontro com ministros na manhã de quarta-feira (17).

Na ocasião, ele queixou-se aos ministros Mauro Vieira (Relações Exteriores) e Fernando Haddad (Fazenda) do que avaliou como falta de iniciativa e sintonia dos seus subordinados para defender a posição do Brasil nas negociações sobre a usina hidrelétrica de Itaipu.

A principal reclamação de Lula foi com a pauta da audiência. Os paraguaios desembarcaram em Brasília dispostos a pressionar Lula pelo aumento do preço da energia elétrica cobrado pela binacional.

Eles querem que os recursos oriundos do reajuste sirvam para financiar projetos de desenvolvimento e infraestrutura no país vizinho, um dos mais pobres da região.

Brasil e Paraguai estão no meio da renegociação das bases financeiras do tratado que concretizou a usina, que é gerida pelos dois países.

O governo Peña quer elevar a tarifa para os valores cobrados antes da quitação da dívida bilionária contraída há cerca de 50 anos para a construção da hidrelétrica, enquanto o Brasil se opõe com medo dos impactos desse reajuste na conta dos consumidores.

Lula já entrou contrariado na reunião com Peña e sua equipe, por considerar que não cabia aos presidentes discutirem questões técnicas como tarifa de energia.

O presidente avalia que esse debate caberia ao corpo diplomático e aos representantes do Brasil no conselho de Itaipu. Penã insistiu para conversar diretamente com Lula, sem que as autoridades brasileiras conseguissem convencer os paraguaios que a pauta deveria antes ser resolvida em nível técnico.

Ainda segundo interlocutores, Lula se queixou de não ter sido devidamente preparado por seus auxiliares sobre os argumentos que poderiam ser apresentados pelos paraguaios.

Nesse sentido, a equipe de Lula não ajudou a mudar o quadro adverso para o presidente. Por sua vez, Peña, ex-ministro da Fazenda do Paraguai, entrou na sala munido de dados técnicos para argumentar em prol do aumento da tarifa.

No Paraguai, as condições do tratado de Itaipu são consideradas um tema existencial para o governo, com potencial de gerar crises e até ameaçar presidentes. Assuntos da usina são centrais na pasta da Fazenda paraguaia.

Peña chegou a apresentar um documento assinado por Lula e o então presidente do Paraguai, Fernando Lugo, em 2009, no qual os dois países se comprometeram a trabalhar contra a desigualdade regional no continente.

Embora não cite diretamente a tarifa agora em negociação, o texto foi exibido como prova de um compromisso passado de Lula pela manutenção dos preços praticados por Itaipu durante o pagamento da dívida da empresa.

De acordo com pessoas que testemunharam a audiência, Haddad e o diretor-geral de Itaipu, Enio Verri, intervieram para contestar alguns dos argumentos levantados pelos paraguaios.

As autoridades brasileiras alegam que a tarifa deve permanecer mais baixa após o pagamento da dívida da construção, o que ocorreu no final de 2023.

O governo defende manter o patamar de US$ 16,71 por kW (quilowatt). Já o Paraguai reivindica cerca de US$ 22 por kW. Cada dólar representa uma receita adicional superior a US$ 136 milhões à estatal, a ser partilhada entre os dois países.

A Folha colheu relatos de diferentes pessoas que acompanharam a audiência com Peña. Segundo elas, Lula tentou contornar a pressão paraguaia citando de memória fatos de negociações anteriores sobre Itaipu que ele conduziu com outros dois presidentes do país vizinho: Nicanor Duarte e Lugo.

Quando Peña lançou mão da declaração conjunta assinada em 2009, por exemplo, Lula esquivou-se ao brincar que havia sido mais fácil negociar temas relacionados a Itaipu com Nicanor, de direita, do que com líderes ideologicamente próximos, em uma referência a Lugo.

O documento firmado por Lula e Lugo serviu como base para que, pouco depois, o Brasil se comprometesse a financiar a montagem de uma linha de transmissão entre Itaipu e a região de Assunção.

Nesse sentido, Lula também afirmou a Peña que, na época do acordo com Lugo, havia sido muito difícil convencer a população brasileira e parlamentares de que o investimento seria bom para o Brasil.

Outra fonte de insatisfação de Lula está na recusa do governo paraguaio em firmar um acordo que permitiria o funcionamento administrativo de Itaipu até que um consenso sobre a tarifa seja alcançado.

Tradicionalmente, as diretorias das duas margens, brasileira e paraguaia, selam um procedimento provisório para evitar a paralisação das atividades enquanto o preço não é definido.

Desta vez, os sócios paraguaios se recusaram a avalizar o procedimento. Com isso, fornecedores e funcionários ficaram sem receber.

Na sexta-feira (19), a diretoria-geral de Itaipu divulgou uma circular aos funcionários explicando a situação e informou estar em busca de uma solução consensual.

Depois da reunião com Peña, Lula deu declarações no Itamaraty em que reconheceu as divergências com o líder paraguaio sobre Itaipu.

O petista disse querer finalizar a renovação do contrato da usina o mais rápido possível e afirmou que irá ao Paraguai para seguir as negociações.

"Eu disse ao companheiro [Peña] que vamos rediscutir a questão das tarifas de Itaipu. Nós temos divergência na tarifa, mas estamos dispostos a encontrar solução conjuntamente e nos próximos dias vamos voltar a fazer reunião", afirmou.


terça-feira, 13 de junho de 2023

A estranha viagem de Celso Amorim para falar de paz na Ucrânia em fórum da Noruega, que acabou sendo desmarcada - Ricardo Della Coletta (FSP)

A alegação de que Amorim "ficou em Brasília para participar da recepção de Ursula von der Leyen" não se sustenta minimamente. Lula deve ter vetado a viagem depois que Amorim havia confirmado presença, mas depois que sua performance em Hiroshima ficou abaixo do esperado, e até do desejável, sendo não só ofuscado pela presença de Zelensky, como também se recusou a encontrar o presidente ucraniano. 

Lula é do tipo vingativo, e não pretende mais falar com Zelensky, e por isso Celso Amorim teve de cancelar sua viagem, já que o chefe prefere privilegiar Putin e seus amigos autocratas, a lutar verdadeiramente pela paz na Ucrânia. 

Lamento mais essa diminuição da credibilidade diplomática do Brasil, e antecipo que este novo gesto deve retirar do Brasil a credencial para continuar propugnando por um "Clube da Paz". Resta ver o que Lula vai conversar com Macron, e outros líderes mundiais, e como ele vai seguir em suas tergiversações sobre como se obter "menos intervenção armada na Ucrânia", conforma ele recitou para a comissária europeia.

Custa a crer que a diplomacia brasileira possa ser humilhada pelo seu próprio chefe.

Paulo Roberto de Almeida

 Celso Amorim confirma e depois cancela ida a fórum sobre paz na Noruega

Principal assessor de Lula para política externa apresentaria visão brasileira sobre conflito na Ucrânia
Folha de S. Paulo, 13 junho 2023 às 14h13
Ricardo Della Coletta

O assessor especial do presidente Lula (PT), Celso Amorim, cancelou a participação que faria em uma das principais conferências internacionais sobre negociações de paz, o Oslo Forum.

O convite foi feito pelo governo da Noruega, que sedia o encontro. De acordo com a assessoria especial do Planalto, Amorim abriria um dos dias de debate para falar sobre a visão do Brasil em relação ao conflito entre Ucrânia e Rússia —tema que figura entre as prioridades do presidente brasileiro na arena externa.

Também havia a possibilidade de uma reunião de Amorim com o premiê da Noruega, Jonas Gahr Støre —ambos se conhecem porque coincidiram na chefia das respectivas chancelarias entre 2005 e 2010.

A viagem do principal assessor de Lula para temas internacionais chegou a ser publicada no Diário Oficial. Em 6 de junho, o petista autorizou o afastamento de Amorim entre 11 e 15 deste mês para ir a Oslo.

Apesar da centralidade que o conflito na Ucrânia tem na política externa de Lula, Amorim alegou questões de agenda para cancelar a visita. De acordo com sua assessoria, ele ficou em Brasília para participar da recepção de Ursula von der Leyen e de outros compromissos nesta semana. A data da passagem da presidente da Comissão Europeia pela capital é conhecida desde meados de abril. Amorim também deve acompanhar Lula em reuniões na Itália e na França na próxima semana, ainda segundo sua assessoria.

O Oslo Forum é organizado pela chancelaria da Noruega, país com ampla tradição na mediação de conflitos, e por uma organização humanitária suíça. Segundo o site do evento, neste ano a reunião abordará os principais acontecimentos diplomáticos e geopolíticos da atualidade, com discussões sobre os conflitos na Ucrânia, no Sudão e no Iêmen, entre outros. "A agenda inclui sessões sobre como garantir que a voz de todas as partes sejam ouvidas e formas de alcançar uma paz sustentável, muitas vezes baseada em acordos duramente conquistados e originados da exaustão militar e do pragmatismo."

Nesta segunda (12), o Oslo Forum anunciou que entre os participantes desta edição estão os chanceleres da Indonésia, Retno Marsudi, e da Colômbia, Álvaro Leyva Durán, além do promotor do Tribunal Penal Internacional Karim Khan. Trata-se do responsável por ter solicitado a expedição do mandado de prisão contra o presidente da Rússia, Vladimir Putin, por acusações de crimes de guerra cometidos na Ucrânia.

Segundo pessoas que conhecem o funcionamento do fórum, a lista completa de participantes é mantida em sigilo. A rede pública de comunicação norueguesa NRK informou recentemente que alguns integrantes do grupo extremista Talibã, que governa o Afeganistão, participariam da conferência. A organização do evento diz que mais de cem mediadores e atores envolvidos em processos de paz devem comparecer.

Amorim é apontado como o arquiteto da abordagem de Lula para a Guerra da Ucrânia. O presidente tentou se colocar desde o início de seu terceiro mandato como possível mediador do conflito, mas declarações vistas pelo Ocidente como favoráveis à Rússia geraram forte desconforto dos EUA e da Europa.

A fala de Lula que gerou mais reações ocorreu em Pequim, durante visita à China, em abril. Na ocasião, cobrou que os EUA "parem de incentivar a guerra e comecem a falar em paz" para encaminhar um acordo no Leste Europeu, uma referência ao envio de armas para que Kiev se defenda das ofensivas russas.

Poucos dias depois, enquanto o chanceler russo, Serguei Lavrov, era recebido em Brasília, um porta-voz do governo americano descreveu a postura de Lula sobre a Ucrânia como "repetição automática da propaganda russa e chinesa" e "profundamente problemática".


quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

China: o novo Império faz exigências ao Brasil - Ricardo Della Coletta (FSP)

 E elas serão cunpridas por Lula…

China envia recado ao Brasil e diz querer prioridade em viagem de chanceler à Ásia

Diplomata chinês afirma a embaixador brasileiro considerar oportuno que Mauro Vieira visite Pequim antes de ir à Índia

FSP, 24.jan.2023 às 23h15
Ricardo Della Coletta

BRASÍLIA - A China enviou um recado ao Itamaraty e disse esperar que o chanceler Mauro Vieira priorize Pequim em uma viagem à Ásia agendada para março.

Em meados de janeiro, o embaixador do Brasil em Pequim, Marcos Galvão, teve uma reunião no Ministério das Relações Exteriores local. Nela, o diplomata encarregado de temas relacionados ao Brasil disse a Galvão ter sido informado que Vieira planeja uma viagem à Índia em março, numa reunião de ministros do G20, e que a primeira passagem do chanceler pela China poderia ocorrer no mesmo contexto.

Em seguida, de acordo com relatos feitos à Folha, o diplomata disse considerar importante que Vieira passe primeiro por Pequim —e só depois vá à Índia.
 
Membros do governo que acompanham o tema disseram, sob condição de anonimato, entender que a mensagem foi uma sinalização de que a China espera um gesto simbólico do Itamaraty no sentido de mostrar que Pequim é o parceiro prioritário do Brasil no continente asiático.

O tema é especialmente sensível, uma vez que China e Índia, ainda que integrem o Brics (bloco com Brasil, Rússia e África do Sul), são rivais regionais e têm um histórico de escaramuças em pontos da fronteira. Déli ainda faz parte de uma aliança para se contrapor à influência de Pequim no Indo-Pacífico, o Quad, ao lado de EUA, Japão e Austrália.

A rivalidade se dá também no campo diplomático. Em 2020, em uma cúpula do Brics, os chineses agiram para que fosse suprimido de um documento oficial trecho sobre o apoio dado por Pequim e Moscou às aspirações dos demais membros para desempenhar "papéis mais relevantes na ONU" —referência ao pleito de Brasil e Índia pela ampliação do Conselho de Segurança da ONU, do qual China e Rússia são membros permanentes.

Na reunião, o gigante asiático se aproveitou da falta de interesse na reforma do colegiado por parte do então presidente Jair Bolsonaro (PL) para reforçar sua posição, num recado principalmente contra a possibilidade de a Índia ganhar um assento permanente.

Procurado, o Itamaraty disse que há uma visita prevista do chanceler Mauro Vieira à Índia nos dias 1º e 2 de março, por ocasião de reunião ministerial do G20. A eventual passagem pela China depende de questões de agenda de ambos os lados e ainda está em avaliação.

Segundo relataram à Folha pessoas com conhecimento do assunto, Galvão também tratou, na reunião na chancelaria chinesa, da ida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a Pequim. Ele ouviu que o regime de Xi Jinping espera receber o petista o quanto antes e que a visita é considerada prioritária pelo país.

No último dia 18, Lula disse que pretende viajar à China em março. O presidente cumpre nesta semana sua primeira agenda internacional, com passagens pela Argentina —onde se encontrou com o homólogo Alberto Fernández e participou da cúpula da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos)— e pelo Uruguai. Em 10 de fevereiro o petista embarca para Washington (EUA), a convite do presidente Joe Biden.

A retomada das relações com a China, principal parceiro comercial do Brasil, é um dos pontos prioritários da política externa agora comandada por Vieira. O maior desafio é encontrar um ponto de equilíbrio em meio ao atual conflito geopolítico protagonizado por Pequim e Washington.

À Folha o chanceler brasileiro disse que o país pretende se guiar pelo interesse nacional. "O que for de interesse nacional será feito, de um lado ou de outro. Não são coisas conflitantes, não vamos deixar de ter uma relação estratégica importantíssima com a China por qualquer outro motivo", disse. "Os EUA foram durante um século o principal parceiro comercial do Brasil. Em 2010, passou a ser a China. Não podemos deixar de conversar e ter relações com nosso maior parceiro, com o qual nós temos um enorme superávit. Da mesma forma com os EUA, que estão no centro de poder mundial."

domingo, 24 de julho de 2022

Bolsonaro consolida enfraquecimento do Itamaraty com mentiras a embaixadores - Ricardo Della Coletta (FSP)

A vergonha continua... 

Bolsonaro consolida enfraquecimento do Itamaraty com mentiras a embaixadores

Ministério é arrastado para eleição em meio a projeto para tornar parlamentares diplomatas sem perda de mandato

Brasília
Folha de S. Paulo, 24 de julho de 2022

As teorias conspiratórias sobre urnas eletrônicas e os ataques contra o sistema eleitoral brasileiro, feitos pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) a uma plateia de embaixadores estrangeiros, consolidaram o enfraquecimento do Itamaraty a poucos meses das eleições.

O episódio —descrito em reserva por diplomatas como vergonhoso e danoso aos interesses nacionais— também arrastou o Ministério das Relações Exteriores para a campanha de reeleição do presidente e colocou em xeque a imagem que Carlos França tenta projetar dentro do Itamaraty: a de um chanceler que trabalha para normalizar a pasta depois do período carregado de tintas ideológicas de Ernesto Araújo.

A avaliação foi feita à Folha por diferentes diplomatas consultados desde segunda (18), quando Bolsonaro abriu as portas do Palácio da Alvorada para dezenas de chefes de missões diplomáticas estrangeiras e acusou ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de tramarem sua derrota no pleito de outubro.

Embora o Itamaraty tenha tentado se manter distante do episódio, diplomatas dizem que o ministério foi fatalmente vinculado ao caso por ser o órgão responsável por aconselhar a Presidência da República sobre assuntos de política externa. Também cabe à pasta o relacionamento com a comunidade diplomática sediada em Brasília —no caso, a plateia escolhida por Bolsonaro.

Além do mais, França esteve presente no Alvorada e acompanhou a exposição em que Bolsonaro reciclou mentiras e atacou o sistema eleitoral. No Itamaraty, a atitude do presidente foi amplamente criticada em conversas reservadas. O diagnóstico geral é que a palestra internacionalizou uma crise que até o momento era doméstica e retratou o Brasil como uma espécie de republiqueta em que o próprio chefe do Executivo comanda uma ofensiva institucional contra o Judiciário.

Tratou-se, segundo diplomatas ouvidos, de um ato voltado para o público interno, em especial a militância bolsonarista mais radical. O presidente também ignorou alertas de que a repercussão internacional seria majoritariamente negativa —o que se confirmou na imprensa estrangeira e nas notas que foram divulgadas pelos governos dos EUA e do Reino Unido reafirmando a confiança nas urnas eletrônicas.

Nos dias após o palanque montado no Alvorada, houve mobilização para tentar afastar os diplomatas do ocorrido. A articulação resultou numa nota divulgada pela ADB (Associação dos Diplomatas Brasileiros), que manifestou "plena confiança" na Justiça Eleitoral e no sistema eletrônico de votação.

"Desde sua implantação, em 1996, o sistema brasileiro de votação eletrônica é objeto de reiteradas demandas de cooperação internacional de transferência de conhecimento e tecnologia. Ao longo desse tempo, a diplomacia brasileira testemunhou sempre elevados padrões de confiabilidade que se tornaram referência internacional indissociável da imagem do Brasil como uma das maiores e mais sólidas democracias do mundo", afirma o comunicado da associação.

França não conseguiu evitar críticas de colegas devido à realização do evento no Alvorada. Um ato do tipo deveria ter sido desaconselhado pela chancelaria nos mais fortes termos, de acordo com diplomatas ouvidos, que ficaram apreensivos com o fato de ele não ter tido êxito na tentativa de preservar a diplomacia brasileira de uma agenda que consideram danosa aos interesses nacionais.

Essa visão é compartilhada por embaixadores estrangeiros ouvidos pela Folha sob reserva. Existe também o receio no Itamaraty de que o ministério seja envolvido ao longo do processo eleitoral em novos ataques de Bolsonaro ao sistema de votação. Uma das datas no calendário que gera apreensão é o encontro anual da Assembleia-Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), em setembro.

Embora a reunião de líderes esteja agendada para acontecer poucos dias antes do primeiro turno, o que deve reduzir as chances de Bolsonaro ir ao encontro, existe o temor de que o presidente queira utilizar o palco para outra vez internacionalizar sua campanha contra a Justiça Eleitoral.

Questionado sobre o tema e o papel de França na reunião no Alvorada, o Ministério das Relações Exteriores não respondeu aos questionamentos feitos pela Folha.

Internamente, o ministro é considerado alguém que vinha conseguindo afastar o Itamaraty, ao menos em parte, das pautas bolsonaristas, o que não impediu que a pasta publicasse nota de pesar pela morte de Luiz de Orleans e Bragança, neto da princesa Isabel, chamando-o de "Sua Alteza Imperial e Real".

Diplomatas próximos a França alegam que ele era contra a realização da apresentação no Alvorada, mas não tinha o que fazer diante da decisão do Planalto de promover o evento. Seus aliados também costumam defendê-lo com o argumento de que, não fosse ele o ministro, haveria o risco de Bolsonaro indicar para o Itamaraty um substituto com perfil parecido ao do antecessor. 

O projeto é considerado um duro golpe na carreira diplomática, e França, até o último momento, teve uma atuação pública discreta contra o texto —o que também lhe gerou críticas entre colegas.

Seus aliados novamente o defendem e dizem que ele articulou nos bastidores a não votação da PEC. O adiamento ocorreu após o chanceler ameaçar cancelar uma agenda na ONU em Nova York para voltar a Brasília e trabalhar contra a proposta, tendo obtido do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a promessa de que a proposição não avançaria no momento.

Por fim, o fato de que países como EUA e China estão sem embaixadores em Brasília, sendo representado por encarregados de negócios há meses, reforça o enfraquecimento diplomático do governo brasileiro.

Quando o Itamaraty deu sinais de enfraquecimento

Apresentação a embaixadores 
Bolsonaro reuniu embaixadores no Palácio da Alvorada e propagou mentiras sobre o sistema eleitoral brasileiro. A apresentação recebeu críticas de outros Poderes e instituições, e representações estrangeiras depois reafirmaram apoio ao sistema. A Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB) disse em nota ter confiança na Justiça Eleitoral.

PEC 34 
Proposta de emenda à Constituição em tramitação no Senado abre caminho para políticos virarem embaixadores sem perderem o mandato. O projeto é criticado por diplomatas, professores de relações internacionais e pesquisadores. O Itamaraty também se manifestou contra a PEC e afirmou, em nota, que a natureza do cargo de embaixador "recomenda distanciamento da política partidária"

Ausência de representantes no Brasil 
O país tem um déficit na representação das chefias de missões diplomáticas em Brasília.
China e EUA, por exemplo, são representadas por encarregados de negócios, e países do entorno regional, entre os quais Argentina e Chile, também estão sem embaixadores na capital federal, o que também reforça o enfraquecimento diplomático do governo brasileiro.


segunda-feira, 11 de julho de 2022

PT quer que China seja mediadora de negociações sobre a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia - Bruno Boghossian, Ricardo Della Coletta (FSP)

 Aliado de Lula se reúne com europeus e defende China como mediadora na Ucrânia


Ex-chanceler Celso Amorim falou sobre política externa com diplomatas da UE em evento de missão francesa

11.jul.2022 às 7h00
Bruno Boghossian
Ricardo Della Coletta

BRASÍLIA - Principal conselheiro do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para assuntos internacionais, o ex-chanceler Celso Amorim se reuniu no último dia 28 com um grupo de diplomatas europeus para apresentar o que seriam as linhas gerais da política externa de um terceiro mandato do petista.

Amorim viajou a Brasília para participar de uma reunião organizada pela representação diplomática da França, comandada pela embaixadora Brigitte Collet. Além dos franceses, participaram o chefe da delegação da União Europeia no Brasil, Ignacio Ibáñez, e representantes das demais missões europeias em Brasília.

A conversa se deu num contexto em que Lula lidera as pesquisas de intenção de voto, com 19 pontos de vantagem sobre Jair Bolsonaro (PL), segundo o último levantamento do Datafolha. Alguns governos europeus —notadamente o de Paris, anfitrião do encontro— têm ainda um histórico de conflitos com o atual presidente.

Procurada, a embaixada da França no Brasil não quis se manifestar.

De acordo com relatos feitos sob reserva, o ex-ministro das Relações Exteriores iniciou sua apresentação ressaltando que não é dirigente do PT e que não participou da elaboração das diretrizes do plano de governo de Lula. Portanto, não falaria em nome do ex-presidente ou da campanha.

A avaliação entre os presentes, no entanto, é que Amorim será uma das vozes mais ouvidas pelo petista em temas internacionais num eventual novo governo —não importa quem esteja no Itamaraty.

Um dos pontos debatidos com os europeus foi a Guerra da Ucrânia, tema central na agenda da União Europeia, que apoia a resistência militar liderada por Volodimir Zelenski contra a Rússia —mesmo em meio a tensões e sinais de cansaço.

Em março, uma entrevista de Lula à revista Time causou mal-estar, depois de o petista dizer que o líder ucraniano era tão responsável pela situação quanto Vladimir Putin e que EUA e UE estimularam o conflito.

Ainda segundo os relatos, na reunião Amorim afirmou que a Rússia precisa ser criticada, por ter cruzado uma linha vermelha ao invadir um território sem autorização das Nações Unidas, mas classificou a estratégia do Ocidente de debilitar Moscou por meio de sanções de "extremamente perigosa" —Bolsonaro já criticou o mecanismo.

Participantes do encontro disseram à Folha que Amorim argumentou que é necessário ter uma dose de "realismo político" e encontrar um mediador com poder de persuasão sobre os dois lados. Papel, segundo ele, que poderia ser desempenhado pela China. Pequim firmou, antes do conflito, uma "parceria sem limites" com a Rússia, em um movimento criticado pelos EUA, que travam com a potência asiática uma Guerra Fria 2.0.

Os presentes também quiseram saber a opinião do ex-chanceler sobre o acordo entre UE e Mercosul. Assinado em 2019, o tratado está bloqueado principalmente por causa das críticas de europeus como a França à agenda de Bolsonaro para o ambiente. Para o governo brasileiro, a posição de Paris é tachada de protecionismo agrícola.

Os europeus estavam apreensivos por declarações recentes de Lula. Numa viagem ao continente em novembro, o petista defendeu a reformulação do acordo comercial.

Segundo pessoas na plateia, Amorim moderou essa fala: defendeu que o tratado precisa passar por "reflexões e ajustes" que preservem condições para o desenvolvimento industrial e tecnológico dos membros do Mercosul.

Ele ainda fez o alerta de que não pode haver pressa, defendendo que o acordo não seja assinado antes do início de um eventual novo governo —o argumento é de que um texto assinado ainda na gestão Bolsonaro teria "vício de origem".

O ex-ministro abordou ainda pleitos históricos do Itamaraty, como o de uma reforma no Conselho de Segurança da ONU. Segundo ele, a estrutura do colegiado não tem sido eficaz para a resolução de desafios globais.

Amorim detalhou sua visão sobre o papel da Europa para o Brasil, afirmando que a UE tem um papel estratégico no cenário global, podendo servir como ponto de equilíbrio num mundo cada vez mais dividido pela disputa EUA-China.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/07/aliado-de-lula-se-reune-com-europeus-e-defende-china-como-mediadora-na-ucrania.shtml