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sábado, 27 de janeiro de 2024

Itaipu e o preço da energia: conflito Brasil-Paraguai - Catia Seabra (FSP)

 

Governo Lula sobe tom e ameaça romper acordo com Paraguai sobre energia de Itaipu

Presidente resiste a pagar mais caro por 33% da energia vendida pelos paraguaios; vizinhos podem ir a corte internacional


Folha de S. Paulo, 25.jan.2024
BRASÍLIA

Em meio ao embate entre os dois sócios de Itaipu Binacional pelo valor da tarifa, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ameaça rescindir o acordo que obriga o Brasil a comprar a energia elétrica que deixa de ser consumida pelos paraguaios.

Pelo Tratado de Itaipu, cada país tem direito a 50% da energia gerada pela hidrelétrica. Mas os paraguaios nunca atingiram essa cota, consumindo ainda hoje cerca de 17% do total produzido.

Em abril de 1973, o Brasil assumiu um compromisso de compra de toda a energia excedente do Paraguai, como forma de garantir a viabilidade financeira do empreendimento.

Presidente do Paraguai, Santiago Peña, ouve Lula em cerimônia sobre investimentos de Brasil, Paraguai e Bolívia durante encontro do Mercosul no Rio. - Daniel Ramalho - 7.dez.2023/AFP

Esse compromisso brasileiro não está expresso no corpo do Tratado que constituiu a empresa binacional. Mas em um documento em anexo, a "nota reversal número cinco" —que, de acordo com o governo, hoje é passível de revisão.

O tratado reconhece aos dois países o direito de aquisição do que não for utilizado pelo outro parceiro comercial. No tratado, Brasil e Paraguai também se comprometem a adquirir toda a potência instalada da usina. Mas o texto não define como se dará essa compra.

E, neste momento de divergência acerca do valor da tarifa, as autoridades brasileiras estudam lançar mão de um instrumento jurídico para, como vêm chamando, "denunciar" o acordo –ou seja, informar ao Paraguai que pretendem rompê-lo.

Nesse caso, o Paraguai poderá recorrer a uma corte internacional.

A rescisão desse acordo comercial é apontada como uma medida drástica, sem precedente na relação entre os associados, à beira de um incidente diplomático. Também afetaria a economia paraguaia.

Em 2022, por exemplo, os paraguaios consumiram seus 17% da energia gerada pela usina. O Brasil comprou os 33% restantes da cota paraguaia por cerca de US$ 1 bilhão.

Ainda em 2022, foram pagos outros US$ 218 milhões ao Paraguai para aquisição da energia que foi produzida acima do que estava previsto.

A venda da energia é fundamental para a economia do Paraguai, que defende o aumento do preço.

As autoridades brasileiras argumentam que a tarifa deve permanecer mais baixa após o fim do pagamento da dívida pela construção da usina, o que ocorreu no fim de 2023.

O governo defende manter o patamar de US$ 16,71 por kW. Já o Paraguai reivindica cerca de US$ 22 por kW. Cada dólar representa uma receita adicional superior a US$ 136 milhões à estatal, a ser partilhada entre os dois países.

Como forma de pressão, os paraguaios se recusaram a firmar um acordo que permitiria o funcionamento administrativo de Itaipu até que um consenso sobre a tarifa fosse alcançado, conforme revelou a Folha.

Tradicionalmente, as diretorias das duas margens de Itaipu, a brasileira e a paraguaia, celebram um instrumento, chamado de procedimento provisório, para evitar a paralisação das atividades enquanto o preço da energia não é definido.

Desta vez, os sócios paraguaios se recusaram a avalizar o procedimento. Com isso, fornecedores e funcionários ficaram sem receber.

Segundo aliados, Lula ficou contrariado com a suspensão de pagamentos, incluindo férias e parcela do 13º salário. Os funcionários recebem o salário no dia 25, e a Justiça do Trabalho ordenou o pagamento.

É nesse ambiente que os chanceleres dos dois países têm conversado para discutir o chamado Anexo C do Tratado de Itaipu, documento que define as bases financeiras da binacional.

Segundo aliados, está nas discussões desse documento a obrigatoriedade de compra pelo Brasil da energia a que Paraguai tem direito e não usa.

Diretor-geral de Itaipu, o ex-deputado Enio Verri nega que esse seja um revide brasileiro ao boicote paraguaio. "Essa é uma pauta importante para discutirmos no Anexo C", afirmou.

Essa estratégia, no entanto, divide até integrantes do governo Lula.

Enquanto uma ala afirma que seria mais vantajoso comprar energia no mercado livre, a preço mais barato, há quem defenda a manutenção do acordo com os paraguaios, lembrando que os termos do Tratado de Itaipu são a garantia de fornecimento contínuo de energia, sem sobressaltos.

Afirmam ainda que a tarifa de Itaipu teria pouco impacto na conta de luz no país, já que representa cerca de 8% do mercado brasileiro. No Paraguai, supera 80%.

Mas, na segunda-feira (15), após uma tensa reunião com o presidente do Paraguai, Santiago Peña, Lula afirmou que é necessário fazer uma "discussão profunda" sobre esse trecho do tratado entre os países.

Segundo integrantes do governo, não há registro de que essa carta-compromisso, que foi assinada durante o regime militar, tenha passado pelo Congresso Nacional brasileiro.

Um especialista, que prefere não ser identificado, chega a afirmar que esses contratos de compra nunca foram firmados.

O tema divide os especialistas no setor energético. Diretora técnica da PSR Energy Consulting and Analytics, Angela Gomes afirma que o tratado dá aos dois países preferência para aquisição de energia. Mas não está clara a obrigação de compra por parte do Brasil.

Segundo cálculos apresentados por Angela, a tarifa proposta pelos paraguaios faria saltar dos atuais R$ 261 para estimados R$ 323 o MWh, representando um custo adicional de R$ 3 bilhões para o Brasil.

Ela diz ainda que a sobreoferta estrutural de energia e a margem de expansão do setor dão ao Brasil poder de negociação com os paraguaios.

"Acho que o Brasil tem poder de barganha nesse momento para negociar esse preço e não aceitar as condições paraguaias", afirma.

Na opinião de Thais Prandini, sócia-diretora da E.smart Consulting, a mudança nos termos do acordo exigiria uma negociação entre os dois países.

Embora afirme não haver fundamento para o aumento de tarifa proposto pelo Paraguai, ela ressalta que o rompimento de um acordo estratégico poderia trazer consequências políticas, além de não ser recomendável abrir mão da energia produzida por Itaipu. "Causaria um desgaste entre os dois países e queremos continuar amigos", afirma.

Para o diretor de Energia Elétrica da Abrace (Associação dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres), Victor Iocca, não faz sentido o Brasil manter um acordo a um custo tão elevado.

Segundo ele, o Brasil está em condições confortáveis para negociar com o Paraguai.


segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Lula deu bronca em equipe após reunião com Paraguai sobre Itaipu - Catia Seabra, Ricardo Della Coletta (FSP)

 Lula deu bronca em equipe após reunião com Paraguai sobre Itaipu


Presidente se irritou com ministros por falta de coordenação e ter sido obrigado a discutir tarifa com Santiago Peña

Catia Seabra
Ricardo Della Coletta
Folha de S. Paulo, 22/01/2024

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se irritou com o desempenho de sua equipe durante a reunião que teve com o líder do Paraguai, Santiago Peña, na segunda-feira (15) em Brasília.

De acordo com diferentes auxiliares ouvidos pela Folha, Lula manifestou sua contrariedade durante encontro com ministros na manhã de quarta-feira (17).

Na ocasião, ele queixou-se aos ministros Mauro Vieira (Relações Exteriores) e Fernando Haddad (Fazenda) do que avaliou como falta de iniciativa e sintonia dos seus subordinados para defender a posição do Brasil nas negociações sobre a usina hidrelétrica de Itaipu.

A principal reclamação de Lula foi com a pauta da audiência. Os paraguaios desembarcaram em Brasília dispostos a pressionar Lula pelo aumento do preço da energia elétrica cobrado pela binacional.

Eles querem que os recursos oriundos do reajuste sirvam para financiar projetos de desenvolvimento e infraestrutura no país vizinho, um dos mais pobres da região.

Brasil e Paraguai estão no meio da renegociação das bases financeiras do tratado que concretizou a usina, que é gerida pelos dois países.

O governo Peña quer elevar a tarifa para os valores cobrados antes da quitação da dívida bilionária contraída há cerca de 50 anos para a construção da hidrelétrica, enquanto o Brasil se opõe com medo dos impactos desse reajuste na conta dos consumidores.

Lula já entrou contrariado na reunião com Peña e sua equipe, por considerar que não cabia aos presidentes discutirem questões técnicas como tarifa de energia.

O presidente avalia que esse debate caberia ao corpo diplomático e aos representantes do Brasil no conselho de Itaipu. Penã insistiu para conversar diretamente com Lula, sem que as autoridades brasileiras conseguissem convencer os paraguaios que a pauta deveria antes ser resolvida em nível técnico.

Ainda segundo interlocutores, Lula se queixou de não ter sido devidamente preparado por seus auxiliares sobre os argumentos que poderiam ser apresentados pelos paraguaios.

Nesse sentido, a equipe de Lula não ajudou a mudar o quadro adverso para o presidente. Por sua vez, Peña, ex-ministro da Fazenda do Paraguai, entrou na sala munido de dados técnicos para argumentar em prol do aumento da tarifa.

No Paraguai, as condições do tratado de Itaipu são consideradas um tema existencial para o governo, com potencial de gerar crises e até ameaçar presidentes. Assuntos da usina são centrais na pasta da Fazenda paraguaia.

Peña chegou a apresentar um documento assinado por Lula e o então presidente do Paraguai, Fernando Lugo, em 2009, no qual os dois países se comprometeram a trabalhar contra a desigualdade regional no continente.

Embora não cite diretamente a tarifa agora em negociação, o texto foi exibido como prova de um compromisso passado de Lula pela manutenção dos preços praticados por Itaipu durante o pagamento da dívida da empresa.

De acordo com pessoas que testemunharam a audiência, Haddad e o diretor-geral de Itaipu, Enio Verri, intervieram para contestar alguns dos argumentos levantados pelos paraguaios.

As autoridades brasileiras alegam que a tarifa deve permanecer mais baixa após o pagamento da dívida da construção, o que ocorreu no final de 2023.

O governo defende manter o patamar de US$ 16,71 por kW (quilowatt). Já o Paraguai reivindica cerca de US$ 22 por kW. Cada dólar representa uma receita adicional superior a US$ 136 milhões à estatal, a ser partilhada entre os dois países.

A Folha colheu relatos de diferentes pessoas que acompanharam a audiência com Peña. Segundo elas, Lula tentou contornar a pressão paraguaia citando de memória fatos de negociações anteriores sobre Itaipu que ele conduziu com outros dois presidentes do país vizinho: Nicanor Duarte e Lugo.

Quando Peña lançou mão da declaração conjunta assinada em 2009, por exemplo, Lula esquivou-se ao brincar que havia sido mais fácil negociar temas relacionados a Itaipu com Nicanor, de direita, do que com líderes ideologicamente próximos, em uma referência a Lugo.

O documento firmado por Lula e Lugo serviu como base para que, pouco depois, o Brasil se comprometesse a financiar a montagem de uma linha de transmissão entre Itaipu e a região de Assunção.

Nesse sentido, Lula também afirmou a Peña que, na época do acordo com Lugo, havia sido muito difícil convencer a população brasileira e parlamentares de que o investimento seria bom para o Brasil.

Outra fonte de insatisfação de Lula está na recusa do governo paraguaio em firmar um acordo que permitiria o funcionamento administrativo de Itaipu até que um consenso sobre a tarifa seja alcançado.

Tradicionalmente, as diretorias das duas margens, brasileira e paraguaia, selam um procedimento provisório para evitar a paralisação das atividades enquanto o preço não é definido.

Desta vez, os sócios paraguaios se recusaram a avalizar o procedimento. Com isso, fornecedores e funcionários ficaram sem receber.

Na sexta-feira (19), a diretoria-geral de Itaipu divulgou uma circular aos funcionários explicando a situação e informou estar em busca de uma solução consensual.

Depois da reunião com Peña, Lula deu declarações no Itamaraty em que reconheceu as divergências com o líder paraguaio sobre Itaipu.

O petista disse querer finalizar a renovação do contrato da usina o mais rápido possível e afirmou que irá ao Paraguai para seguir as negociações.

"Eu disse ao companheiro [Peña] que vamos rediscutir a questão das tarifas de Itaipu. Nós temos divergência na tarifa, mas estamos dispostos a encontrar solução conjuntamente e nos próximos dias vamos voltar a fazer reunião", afirmou.