sábado, 9 de novembro de 2024

Coligação anti-Haddad - Tiberio Canuto

Coligação anti-Haddad

Tiberio Canuto

Formou-se uma coligação de ministros do governo Lula contra o ajuste fiscal  pretendido por Haddad.  Quanto mais  Lula demora em bater o martelo, mais resistências se articulam. Dentro e fora do governo. Duas consequências são previsíveis:

  1 - Em vez de  um ajuste estruturante como prometiam o ministro da Fazenda e Simone Tebet  teremos um ajustezinho que  levará o Brasil, no médio  prazo, a mais um voo de galinha, com um pibinho, aumento da inflação e dos juros. Lula cede às pressões  dos seus ministros e das corporações, mas pode ter de disputar a reeleição em um quadro inflacionário e de baixo crescimento econômico e a consequente volta do desemprego. Se a sua preocupação é não ver  sua imagem agastada por ser obrigado a tomar medidas de reajustes antipáticas, mais à frente  sofrerá um desgaste bem maior se, como é previsível,  venha disputar a reeleição  em um quadro de crise econômica e social.  Os brasileiros aprenderam a não ter tolerância com a inflação.  O s anos Dilma, particularmente os do seu segundo mandato  fazem parte da memória recente dos brasileiros.

Imaginem o tamanho do estrago Lula tendo de disputar a reeleição  com inflação  de 7% a 8%,  dólar valendo sete reais, taxa básica de juros  básico  superior a 14%, a dívida pública chegando a 84%  do PIB. Isso não é terrorismo. É o que acontecerá  se o ajuste fiscal for um traque. 

2 – Ao não  conseguir convencer o governo – e aí principalmente ao não conseguir convencer Lula da necessidade de tomar medidas estruturantes – Hadad sofre  uma derrota séria. Sairá bem menor deste embate com a imagem desgastada.  Só um governo esquizofrênico  conspira para enfraquecer seu próprio ministra da Fazenda. O que pode acontecer de pior para a política econômica é ter  um ministro da economia  sem autoridade, combatido pelos seus próprios pares. Isso afeta  as expectativas, que em economia são fundamentais. 

O fato é mais grave  quando se leva em consideração  que Haddad é a única alternativa  do PT e do seu campo para ser o sucessor de Lula.  É  muita autofagia expô-lo, publicamente,  ao desgaste. Toda a credibilidade e respeitabilidade  do ministro da Fazenda está indo de água abaixo  por erros de condução de Lula, na definição do pacote a ser adotado.

A estratégia de Lula de deixar seus ministros se digladiar para depois arbitrar que caminho  seguir leva a um assembleísmo como estamos vendo. Isso alimenta a leitura que o próprio Lula tem interesses em desidratar o pacote e estimula seus ministros da área social a oferecer tenaz resistência  às propostas de Haddad.   É um absurdo o presidente assistir em seu gabinete os .inistros do Trabalho e da Fazenda  baterem boca.Ou alguém acredita que Rui Costa lideraria a coligação anti-ajuste fiscal  à revelia de Lula?

O governo e a autoridade do presidente também se enfraquece. Instala-se a anarquia, com ministros  publicamente dizendo que em suas áreas não se mexe  a não ser que os demitam. Outros dizem que deixam o governo se houver corte em suas áreas.  Ora, ao não efetuar cortes nas áreas dos ministros  verborrágicos Lula passa recibo de  que cedeu à chantagem.

Lula deveria fazer o que faria um presidente a altura das exigências. Inquerir e questionar seu ministro da Fazenda, até  chegar  a um consenso com o responsável pela política econômica sore as medidas necessárias. A partir daí comunicar aos outros ministros, proibindo-os de torpedear  publicamente o pacote do reajuste, que deixaria de ser do ministro da Fazenda para ser do próprio presidente da República. 

Mas é exigir muito que Lula  atue como um estadista que pense no Brasil, mesmo que isto provoque desgastes momentâneos à sua imagem.

Em vez disso, deixou correr solto   a coligação anti-haddad , engrossada pelas centrais sindicais e pela direção do PT.

A aliança Rui Costa-Gleisi Hoffman está desmoralizando Haddad.

Trotsky dizia que a revolução era como a figura mitológica Cronos, o deus do tempo que comia os próprios filhos.  É o que o governo e o PT estão fazendo com o seu melhor quadro.

Brasil: um passo à frente, dois para trás- Instituto Millenium, Paulo Roberto de Almeida

 Brasil: um passo à frente, dois para trás

 Instituto Millenium, Paulo Roberto de Almeida 

Primeiro a transcrição, depois o comentário:

“A alta de ontem [8/11/2024, na Selic] só coroou um movimento que já vinha acontecendo desde maio, com as projeções do mercado para a taxa Selic cada vez mais se descolando dos juros efetivos. No final de 2023, o boletim Focus mostrava um mercado otimista, que esperava terminar 2024 com a taxa de 9%, a sonhada Selic de um dígito. Hoje, no entanto, essa previsão já foi atualizada para 11,75%.”

Instituto Millenium

Comentário de Paulo Roberto de Almeida:

O Brasil nunca decepcionaria Roberto Campos, quem disse que o Brasil não perde oportunidade de perder oportunidades.

Com todo o aprendizado que já tivemos da má experiência da política econômica a partir de 2006, culmimando com a maior  crise e recessão econômica de nossa história, em 2014-15, seria de se esperar que os mesmos dirigentes petistas tivessem aprendido as lições de gastança desmesurada, do desequilíbrio fiscal e da irresponsabilidade orçamentária.

Não, parece que não aprendemos nada. Voltamos a cometer os mesmos erros.

Por acaso viramos argentinos?

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 9/11/2024


A decisão geopolítica mais relevante deste século - Paulo Roberto de Almeida

 A decisão geopolítica mais relevante para o resto deste século é a decisão de Trump se ele forçará, ou não, a Ucrânia a capitular em face de Putin. Se o fizer, estaremos de volta aos anos 1930. No comércio internacional já é o caso, aliás direto ao mercantilismo. 

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 9/11/3024

Surpresas da evolução “civilizatória” - Paulo Roberto de Almeida

Surpresas da evolução “civilizatória”

Paulo Roberto de Almeida


Em alguns momentos na vida de uma nação, qualquer uma das mais conhecidas, uma maioria de ignaros, preconceituosos e inconscientes vota em favos de um deles, tão ignorante quanto, mas suficientemente retórico, falador e convincente para lograr o apoio dessa maioria para se apossar do poder político nacional.

Já ocorreu na trajetória de muitos países. Relembrando apenas os casos mais notórios: Itália nos anos 1920, Alemanha nos anos 1930, Argentina nos anos 1940, continuando nos anos 1950 e mais além, Brasil em 1960 (elegendo Jânio, com consequências imprevisíveis nos anos seguintes), alguns europeus nos anos 1970 (Grécia, Itália etc.), vários países latino-americanos nos anos 1980 (levando todo o continente a estagnar em face de asiáticos nos anos seguintes), a Rússia nos anos 1990 (com consequências terríveis para o país e para o mundo todo nos 20 anos seguintes), os EUA duas vezes seguidas nos anos recentes, com efeitos inclusive sobre o Brasil, talvez durante mais anos no futuro previsível.

É uma espécie de maldição que se abate sobre diversas sociedades e nações: a ignorância também pode prevalecer pela via democrática mais de uma vez. Está aí a Argentina que não me deixa mentir.

Estou sendo muito irônico, sarcástico ou o quê? Por acaso estou errado nos registros históricos?

Paulo Roberto Almeida

Brasília, 9/11/2024


Rússia: “Vamos fazer Ciência, não a guerra” - Glauco Arbix

From: Glauco Arbix (Linkedin)

Putin conseguiu degradar uma ciência outrora pujante. Vigiados e amordaçados, pesquisadores de todas as áreas procuram outros países e ambientes para gerar conhecimento. Fora do complexo militar, que concentra o interesse do governo, os laboratórios se degradam e manifestações críticas à guerra são duramente reprimidas. A revista Science trouxe uma sequência de depoimentos de cientistas que, ainda na Rússia, mas protegidos pelo anonimato, relataram a censura e a vigilância sobre as universidades e a pesquisa. Cientistas, ainda na Rússia, na condição de anonimato, falaram da mordaça e do controle que constrange hoje a ciência russa. Mesmo assim, contra o medo, uma carta aberta com mais de 4 mil assinaturas de cientistas e estudantes contra a guerra conseguiu circular. E foi reprimida com milhares de prisões. Essa resistência é exemplo para quem acha que a ciência é neutra e nada tem a ver com a política. Ciência não floresce em torres de marfim. Precisa de liberdade e da troca de conhecimento. Seria oportuno que, no G20, a ciência brasileira se manifestasse contra a guerra da Ucrânia e repetisse a exclamação dos cientistas russos gravada na carta aberta: ‘Vamos fazer ciência e não a guerra!'.

https://lnkd.in/dmDxvgy3 


Russia problems are compoundig faster than you think - Operator Starsky

 Russia problems are compoundig faster than you think

https://youtu.be/3za70_RNitA?si=h6j-Jex347bbTX4z

Operator Starsky, the well-known Ukrainian veteran, reservist, blogger, and co-founder of the Propaganda Study Institute, says that Russia is anxious to prove to others that it is a global leader. However, the recent BRICS meeting in Kazan, Russia, like Moscow's move to import North Korean troops, are signs that all is not well in the Kremlin.

Russia has continued to struggle with a lack of manpower. To cope with this, Russia is offering new military recruits tens of thousands of dollars to join the military. The catch? Most never make it back home alive.

Russians, knowing that the odds are against them surviving for long in the army, are reluctant to join, hence Moscow's initiative to attract more mercenaries from the developing world.

Dealing with a lack of able-bodied soldiers and internal economic problems, whilst winter approaches, things are likely to get only worse for Russia.

Vladimir Putin is facing a quagmire from which he has few means by which he can escape.

Operator Starsky can be followed: /‪@StarskyUA‬ 

https://x.com/@starskyua 


sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Augusto de Franco faz uma análise preliminar da vitória de Trump - Identidade Democrática

Uma análise de um dos mais finos analistas do jogo democrático no Brasil e no mundo. 

Minha análise preliminar da vitória de Trump

La victoria aplastante de Trump en Iowa allana el camino a su nominación  como candidato republicano a presidente | Elecciones USA | EL PAÍS

Trump está eleito. Pelo voto popular e pelo colégio eleitoral. Elegeu também a maioria do Senado e da Câmara. Elegeu a maioria dos governadores. E pode ampliar sua maioria na suprema corte. Com isso, aumentam as chances de que ele inaugure uma nova era nos EUA. O que vem por aí, todavia, não será bom para a democracia e para a humanidade.

Será péssimo para a Ucrânia e muito ruim para a coalizão das democracias liberais que foram decisivas para impedir que o expansionismo neoczarista de Putin tomasse o país e dissolvesse aquela nação. Será ruim para a União Europeia, dinamitada por dentro por aliados de Trump, como Viktor Orbán e por salientes expoentes da extrema-direita como Ventura, Abascal, Wilders, Chrupalla e Weidel, Purra, Salvini, Le Pen. Será ruim para a OTAN e para os países por ela protegidos (sobretudo os bálticos, a Suécia e até a Polônia) contra a avanço do eixo autocrático tendo como ponta de lança a ditadura expansionista russa. Será ruim para as democracias liberais como um todo. E será ruim para os regimes eleitorais que estão resistindo à ascensão ou ao retorno de populistas de direita (por exemplo, no Brasil, para os que tentam impedir a volta ao poder do bolsonarismo).

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Será ruim para o desenvolvimento sustentável do planeta, na medida em que Trump é um negacionista das mudanças climáticas. Além disso, o isolacionismo trumpista tipo America First, será ruim para o desenvolvimento humano e social dos países periféricos que precisam da ajuda americana e ocidental. Por último, será ruim para a paz no mundo (se Trump estivesse vivo em 1942, falaria cinicamente em paz numa Europa ocupada pelos nazistas; aliás, os EUA nem teriam entrado na guerra contra Hitler). 

Claro que, mais diretamente, a primeira vítima será o próprio modo de vida democrático da sociedade americana: não que Trump e o trumpismo (MAGA) sejam capazes de acabar com a democracia americana; não, pelo menos, nos curto e médio prazos, mas os EUA iniciarão um longo processo de “mutação genética” capaz de alterar lentamente (ou não tão lentamente) o “DNA” do seu regime democrático.

A vitória de Trump pode - dependendo de como ele quiser e for capaz de governar - instalar ou acirrar uma guerra civil fria nos EUA, ainda que no início subterrânea. Se isso acontecer, num suposto estado de guerra não declarado, não haverá estabilidade a não ser no movimento de avanço da autocratização. Se a cultura democrática da sociedade americana não conseguir resistir a isso teremos uma desconstrução dos EUA tal como hoje se configuram. Não será mais, a rigor, mais uma (única) "nação": em breve teremos “estados progressivamente desunidos”. Impossível prever agora o desfecho desse processo nos médio e longo prazos.

Fala-se que as instituições americanas são resilientes e que o fato de o povo ter votado majoritariamente em Trump é uma prova disso. Venceu quem teve mais votos. Mas tal discurso parece mais aquelas recomendações de autoajuda. Um consolo ou autoconsolo. No entanto, é impossível deixar de ver que a vitória de Trump revela uma crise da democracia americana (e não só da democracia americana). A maioria dos americanos perdeu a confiança nas suas instituições tradicionais. Corporações, forças armadas, universidades, tribunais - muitos milhões de cidadãos do Estados Unidos não confiam mais em nada disso. Mas a provavelmente obscurantista Era Trump, que agora começa, é um dos efeitos da terceira grande onda de autocratização que já engolfa o mundo todo em meados da terceira década deste século. Vale a pena dar uma espiada no diagrama abaixo:

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Não sabemos se (e quando) haverá uma quarta onda de democratização; ou seja, não sabemos quanto vai durar esta terceira onda de autocratização na qual estamos imersos. Trump - ou o trumpismo MAGA - no poder não abrevia, antes prorroga a duração da terceira onda de autocratização. Seu provável sucessor, J. D. Vance, eleito agora vice-presidente, pode piorar muito as coisas porque é mais articulado intelectualmente, inclusive com bilionários e “ideólogos tecnológicos” que já descartaram abertamente a democracia (e agora a desafiam), como Musk e Thiel. 

Não foram os analistas políticos e sim as urnas que mostraram que as instituições americanas não são mais confiáveis para a maioria dos americanos. Se tivermos que apostar em alguma coisa daqui para a frente será na cultura democrática da sociedade americana. Vamos ver. Quase certo, porém, que vem por aí mais um período de trevas: a democracia, na história, já passou por muitos períodos assim. Aliás, a democracia já ficou sumida durante dois milênios, de 322 a.C., com o fim da democracia ateniense, até meados do século 17, quando o parlamento inglês resolveu resistir ao poder despótico de Carlos I - para ressurgir, ou ser reinventada, como regime eleitoral pré-democrático em 1790 na Inglaterra e Irlanda (seguida em 1792 pela França e em 1796 pelos EUA), mas somente como democracia liberal em 1919.

Há uma cultura democrática na base da sociedade americana, sobretudo nas grandes cidades das costas leste e oeste (mas não nas zonas rurais do grande "centrão" do país). É essa cultura que ainda mantém a democracia nos EUA - a defesa de um modo de vida democrático - não mais a cultura predominante no establishment político, não o sistema judicial (e a suprema corte), não o defasado sistema eleitoral, não as direções dos maiores partidos - que sempre quiseram, desde os Pais Fundadores, uma república governável (de inspiração romana, oligárquica e aristocrática, que tomava a ordem como sentido da política), muito mais do que uma democracia (de inspiração ateniense, que tomasse a liberdade como sentido da política). 

São míticas as afirmações de que os Estados Unidos foram o primeiro país democrático, são a maior e a melhor democracia do mundo e são modelo de democracia plena. Os EUA forem o quarto país a adotar um regime eleitoral, na onda pré-democrática que vai de 1790 a 1848. Os EUA também foram retardatários na primeira onda de democratização, que vai de 1849 a 1921. Além disso os EUA foram retardatários em termos de adotar a democracia liberal. A Suíça já foi democracia liberal em 1849, a Austrália em 1858, a Bélgica em 1897, a Dinamarca em 1902, a Noruega em 1906, a Nova Zelândia em 1913, a Holanda em 1918 e a Inglaterra em 1919. Os EUA só viraram uma democracia liberal em 1969. 

Cabe reconhecer, por último, que os EUA não são mais, há muito tempo, uma democracia plena (e sim flawed) (1) e está em jogo, neste momento, até quando vão poder continuar sendo considerados uma democracia liberal (categoria na qual, como foi dito acima, se juntou muito tardiamente). Mas há uma vigorosa cultura democrática na sociedade americana - que cresceu a partir da extraordinária acumulação de capital social, em especial na Nova Inglaterra, a partir de meados do século 19 - e essa cultura era o único fator que poderia ter impedido a nova eleição do populista-autoritário, escroque e boçal, Donald Trump. Não deu. Talvez porque o capital social americano venha sendo continuamente dilapidado, seja pela centralização em Washington e pela multicentralização governamental na maioria dos estados, seja pela recorrência sistemática aos tribunais para resolver qualquer dilema banal da ação coletiva, seja pelo complexo científico-industrial-militar e, claro, pelas guerras. Agora estamos prestes a ver se o que ainda sobrou dessa cultura democrática será suficiente para resistir à Era Trump.

As causas da vitória de Trump são, portanto, muito mais profundas do que a falta de um discurso "progressista" palatável ao homem e a mulher comuns de classe média que votam em massa no "agente laranja". Alguns dizem que os progressistas estão entregando o mundo de bandeja aos fascistas por uma espécie de deficiência de marketing eleitoral. É como se tivessem um discurso inadequado ou não conseguissem mais conversar com parte do eleitorado. Mas isso está, simplesmente, errado. E é uma narrativa enganadora. Está errada, em primeiro lugar, essa classificação das forças políticas em conservadores, liberais e socialistas - os dois últimos compondo um mesmo campo progressista. O que é progressista? Zé Dirceu é progressista? Se for, os democratas não podemos ser progressistas. Liberais e socialistas (hoje populistas de esquerda, iliberais) não podem compor um mesmo campo. Está errada, em segundo lugar, porque não diz uma palavra sobre a maior ameaça que paira sobre as democracias liberais na atualidade: a formação de um agressivo eixo autocrático reunindo as maiores e mais brutais ditaduras do planeta.

Sim, eleito Donald Trump, temos de ter cuidado com essa conversa (da esquerda, dita progressista) de que a "internacional fascista" é a principal ou a única ameaça à democracia. 

É verdade que agora temos mais um - o sexto - governante populista-autoritário, dito de extrema-direita, no mundo: Orbán, Erdogan, Meloni, Bukele, Milei e... Trump! Mas ainda é um número muito menor do que o de autocratas, ditos de esquerda, que governam ditaduras: Xi Jinping (China), Kim Jong-un (Coreia do Norte), Phạm Minh Chính (Vietnam), Díaz-Canel (Cuba), Nicolás Maduro (Venezuela), Daniel Ortega (Nicarágua), Sonexay Siphandone (Laos) - para não falar de Vladimir Putin (Rússia), que investe nos dois lados e, claro, dos autocratas islâmicos, como Ali Khamenei (Irã), Bashar al-Assad (Síria) e não menos do que outros quinze ditadores (2). E atenção: não estão incluídos aqui os chefes de governo de regimes eleitorais não-autoritários e não-liberais, parasitados por populismos de esquerda (ainda chamados de democracias apenas eleitorais ou defeituosas), que se alinham ao eixo autocrático, como López Obrador e Claudia Sheinbaum (México), Xiomara e Manuel Zelaya (Honduras), Luis Arce e Evo Morales (Bolívia), Gustavo Petro (Colômbia), Lula da Silva (Brasil), Cyril Ramaphosa (África do Sul), talvez Prabowo Subianto (Indonésia) et coetera.

Podem ser apontados outros fatores. Embora isso não tenha sido determinante para a derrota de Kamala, é claro que a esquerda identitária americana atrapalhou muito a postulação da candidata democrata. Como diz o Yascha Mounk, trata-se de uma visão "paralela à visão de mundo tribalista que historicamente caracterizou a extrema-direita". Kamala, que namorou com essa visão ao concorrer as primárias democratas em 2019, não conseguiu se desvencilhar totalmente desses aloprados que propunham desfinanciar a polícia ou descriminalizar travessias ilegais de fronteira - embora ela não tenha feito mais isso na campanha eleitoral de 2024. Mas a nódoa ficou porque ela não enfrentou abertamente os fundamentos dessa visão antidemocrática e eleitoralmente suicida.

Tais razões, entretanto, são menores diante da influência da ascensão de um eixo autocrático, o mais poderoso já articulado em toda a história humana e da segunda grande guerra fria que já está em curso. De certo ponto de vista, os EUA, nas eleições de ontem, foram um palco dessa guerra, que não é mais a confrontação de dois blocos geograficamente demarcados, como foi a primeira guerra fria e sim um conflito fractal que pervade todas as fronteiras instalando polarizações que dividem as sociedades nacionais. Sem tal polarização, Trump não teria vencido. Mas esse é tema para um próximo artigo.

Notas

(1) Os EUA figuram em vigésimo-nono lugar do ranking de democracia da The Economist Intelligence Unit (2023).

(2) Entre os quais Hibatullah Azhundzada (do Afeganistão), Mohammad bin Salman (da Arábia Saudita), Salman bin Hamad bin Isa Al Khalifa (do Barein), Mohammed bin Abdul Rahman Al Thani (do Catar), Xeique Mohammed bin Rashid Al Maktoum (dos Emirados Árabes Unidos), Mohammed Ali al-Houthi (do Iémen), Abdullah II bin Al Hussein (da Jordânia), Mishal Al-Ahmad Al-Jaber Al-Sabah (do Kuwait), Mohamed al-Menfi e Abdul Hamid Mohammed al-Dabaib (da Líbia), Maomé VI e Aziz Akhannouch (do Marrocos), Haitham bin Tariq Al Said (de Omã), Hassan Sheikh Mohamud (da Somália), Abdel Fattah al-Burhan (do Sudão). 

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