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quinta-feira, 29 de maio de 2014

Nunca Antes na Diplomacia...: Apresentação Paulo Roberto de Almeida

Nunca Antes na Diplomacia...
ensaios sobre tempos não convencionais na política externa

Paulo Roberto de Almeida
Em publicação pela Editora Appris, Curitiba, 2014

Apresentação 
Paulo Roberto de Almeida

“Nunca antes neste país...” foi, provavelmente, o começo de frase mais repetido nos anos de dominância lulo-petista sobre a vida política brasileira. Aliás, não só na vida política, já que alcançando também a vida social, a cultural, a educacional, a futebolística (e como), além de muitos outros campos, alguns nem mesmo detectados adequadamente pelos cronistas da atualidade, ou por investigadores de fatos havidos e pouco sabidos, a serem revelados em toda a sua amplitude em algum futuro incerto.
Correta ou equivocada, verdadeira ou não (provavelmente há algum exagero na afirmação), a frase veio para ficar, convertendo-se numa espécie de marca registrada do personagem, a ponto de um brincalhão ter sugerido que ele a registrasse, ao menos para arrecadar alguns royalties, a partir do seu uso por terceiras pessoas. É evidente, que num ambiente de tal forma impregnado por essa rica e vistosa personalidade, que comandou soberanamente aos destinos do país nesses tempos do “nunca antes”, a  diplomacia não poderia ficar imune aos fluídos transformadores que, do Palácio do Planalto ou a partir de qualquer outro canto remoto do país, até mesmo em cima de algum palanque de ocasião, se disseminaram, com aquele estilo que lhe era peculiar, sobre tudo e sobre todos. Eles não pouparam nem mesmo o palácio de linhas severas e de curvas suaves, que leva o nome do barão que cedeu o original para uso da jovem república positivista, logo repassado aos cuidados de alguns saudosos do Ancien régime monárquico.
O Itamaraty era tido, nesses meios antigos, como o mais conservador dos (então poucos) ministérios brasileiros, e de fato ele sempre manteve um ar de distanciamento détaché em relação aos assuntos correntes do país, como aliás é também característica de outras diplomacias em outros lugares do mundo. Pois foi nesse ambiente tradicional, marcado, tanto quanto no Vaticano ou nas Forças Armadas, por normas rígidas de disciplina e de hierarquia, que as mudanças foram, justamente, as mais significativas nos tempos de “nunca antes”, bem mais, em todo caso, do que no terreno da economia ou no da política, onde as mesmas políticas econômicas do Ancien régime tucanês e as mesmas práticas políticas dos barões do Congresso continuaram a se desenvolver, como se nunca antes alguém tivesse cogitado mudá-las em profundidade. A diplomacia e a política externa foram, em qualquer hipótese, revolucionadas pelo presidente do povo e por seus assessores mais chegados, entre os quais alguns diplomatas, já ganhos ou convertidos ao novo estilo e às novas práticas que passaram a marcar doravante uma das diplomacias mais ativas (e altivas) do mundo, e soberana, claro, como era de se esperar.
Estes ensaios sobre tempos não convencionais na política externa, redigidos ao longo desses anos surpreendentes, tentam capturar o chamado look and feel – como diriam os profissionais do ramo – dessa diplomacia que ainda não cessou de produzir efeitos continuados, no continente certamente, e em algumas outras partes do mundo também. Ela foi transformadora, como queriam seus formuladores, seus promotores e praticantes, alcançando um sucesso inquestionável, não apenas entre os apparatchiks e militantes do partido da causa, mas também junto a 90% da academia (talvez mais) e muitos outros fellow travelers da causa mudancista. Como observador interessado desse ambiente febril, feito de inúmeras iniciativas inovadoras e de uma ou outra quebra do protocolo tradicional, tentei resumir em meus ensaios irreverentes o sentido da nova agenda e seus impactos, não apenas na diplomacia profissional, mas para o país como um todo, estudioso que sou das coisas do Brasil desde minha primeira adolescência.
Os ensaios aqui reunidos, feitos para revistas diferentes, em diversos momentos desses anos mudancistas, podem se repetir um pouco nos argumentos desenvolvidos sobre a diplomacia do nunca antes e, certamente, eles exibem o mesmo ceticismo fundamental em relação aos fundamentos, aos conceitos e, sobretudo, à implementação da política externa lulo-petista, nas condições em que foi concretizada, com os resultados que exibiu, em função das escolhas feitas (em relação às quais eu mantenho, repito, um ceticismo fundamental). Com tal tipo de atitude, certamente não terei o apoio de 90% dos acadêmicos, que discordarão em 100% de minhas posições, sem mencionar a desaprovação de alguns colegas, que costumam manter a habitual cautela, mesmo sob condições peculiares de trabalho e em face de opções políticas nunca antes surgidas.
Não que isso me preocupe sobremaneira. Durante a maior parte de minha vida pensante, tentei ser o que sou: basicamente, um contrarianista, ou seja, alguém que está sempre questionando os fundamentos de quaisquer propostas de políticas que possam ser apresentadas com as melhores das intenções possíveis. Meu espírito libertário, quase anarquista, não combina muito com grandes burocracias obedientes, e um ex-chefe já me chamou de accident prone diplomat, talvez porque eu tenha esse costume de contestar certas instruções, quando as considero pouco adequadas ao caso em questão, ou quando as encontro em contradição com a minha interpretação do que poderia ser chamado, com alguma latitude conceitual, de interesse nacional. Desse ponto de vista, podemos dizer que eu fui excepcionalmente bem servido pelos anos de diplomacia do nunca antes, de fato uma política externa que nunca antes tinha desabado sobre o Palácio do Itamaraty (mas reconheçamos que, algum dia, isso tinha de acontecer).
Espero que os leitores destas páginas tenham tanta satisfação em sua leitura, quanto eu tive em sua feitura, um período de intensas reflexões, mas não vinculadas a muitas ações, se alguma. Aprendi, ao longo do meu período de autoexílio voluntário, durante os anos de chumbo do regime militar brasileiro, que algum distanciamento crítico em relação ao objeto de estudo pode ser útil para abrir o espírito a outras visões e outras percepções da realidade analisada. Na Europa, nos primeiros sete anos da década de maiores transformações nunca antes vistas no Brasil até então, eu pude ver o país sob outros olhos, inclusive comparando-o com as economias emergentes – o termo ainda não estava na moda – da América Latina, ou com outros países em desenvolvimento (o termo já tinha substituído ao anterior, mais depreciativo, de países subdesenvolvidos). Pude, assim, avaliar nossa situação relativa, em face de tantos outros exemplos de fracasso e de alguns bem sucedidos. A Ásia Pacífico ainda não tinha decolado tão espetacularmente quanto o fez nos últimos anos da Guerra Fria, e depois, no auge da globalização triunfante, antecedendo às crises financeiras que abalaram a confiança dos novos dinâmicos nas virtudes das economias de mercado totalmente abertas. O Brasil, aliás, com suas taxas “milagrosas” de crescimento, atraía os asiáticos, que vinham ao Brasil tentar entender qual era a receita para crescer acima de 10% anuais no PIB.
É curioso, a esse respeito, que os novos companheiros da distribuição de renda e da inclusão social tenham demonstrado tanta apreciação pelo modelo “militar” de planejamento estatal e de crescimento econômico, tanto pela voz do seu guia máximo, quanto pela ação do seus economistas improvisados. Talvez eles gostem do capitalismo estatal e do stalinismo industrial praticado pelos militares, já que certamente desgostam da vertente mais liberal da economia de mercado, o que eu não deixo de registrar nestes ensaios críticos sobre a diplomacia do nunca antes. De fato, nunca antes na diplomacia tínhamos assistido a defesas tão consistentes de modelos autoritários, quando não de ditaduras longevas, o que justamente deveria causar certos sentimentos contraditórios em militantes que supostamente tanto sofreram sob a nossa tão desprezada ditadura.
Os ensaios aqui reunidos, alguns deles inéditos, representam apenas uma parte da minha reconhecidamente grande produção de livros e de artigos sobre as questões das relações econômicas internacionais, da diplomacia brasileira e do desenvolvimento econômico comparado, embora eles constituam a fração mais importante dos trabalhos produzidos sobre a diplomacia destes últimos dez anos. Ficaram de fora alguns outros ensaios importantes, seja porque foram escritos e publicados em inglês, francês ou espanhol, em revistas do Brasil e do exterior, seja porque já tinham sido incluídos em livros coletivos publicados sob a responsabilidade de colegas acadêmicos. Listei na bibliografia geral esses outros trabalhos que guardam pertinência para a temática aqui abordada, junto com todos os demais títulos citados nos ensaios compilados, e um ou outro título consultado, mas não expressamente referenciado em notas de rodapé.
São muitos os livros e artigos que manipulei ao longo dessa década voltada basicamente para os estudos, uma vez que não estive diretamente envolvido com nenhuma vertente da diplomacia companheira (o que talvez tenha vindo a calhar para o pleno exercício de minha liberdade de pensamento). Muitos desses livros e artigos, vários de colegas de carreira, estão resenhados num volume que intitulei Prata da Casa: os livros dos diplomatas, e que ainda aguarda edição impressa, para os interessados na bibliografia da área. Continuarei, como é natural, produzindo outros trabalhos, sobre os mesmos temas e outros correlatos, em torno dos quais mantenho laços afetivos muito especiais, como podem ser os da história econômica e do desenvolvimento brasileiro.
Recebo muitos comentários de leitores de meus livros e artigos através de meu site pessoal ou do blog que mantenho sobre temas afins: Diplomatizzando, que parece contar com alguma audiência fiel entre estudantes e alguns colegas (que, via de regra, me escrevem anonimamente para também relatar o que pensam a respeito da diplomacia do nunca antes ou sobre outros aspectos do governo companheiro). Espero continuar ativo na próxima década, assim como estive atento aos temas de minha predileção na década que acaba de se encerrar. Esta é uma forma de manter contato com leitores desconhecidos e de assim continuar apresentando minhas reflexões sobre os tempos não convencionais que estamos atravessando atualmente.
Não creio que venha a me surpreender outra vez com novos eventos bizarros, na diplomacia ou fora dela, tantas foram as surpresas desta década memorável, vários delas registradas nestas páginas. Justificam-se, assim, plenamente, tanto a frase símbolo deste período (que ainda não se encerrou), quanto o título do livro, plenamente adequados, ao que parece, à diplomacia companheira. De fato, nunca antes neste país de repetições involuntárias, palavras tão simples soaram tão adequadas e ajustaram-se tão bem aos tempos que correm. Boa leitura a todos...

Paulo Roberto de Almeida

Hartford, abril de 2014

Nunca Antes na Diplomacia: Prefacio do Embaixador Rubens Antonio Barbosa

Nunca Antes na Diplomacia...
ensaios sobre tempos não convencionais na política externa

Paulo Roberto de Almeida
Em publicação pela Editora Appris, Curitiba, 2014


Prefácio
Embaixador Rubens Antônio Barbosa

“Estamos no ano 50 antes de Cristo. Toda a Gália foi ocupada pelos romanos... Toda? Não! Uma pequena aldeia povoada por irredutíveis gauleses ainda resiste bravamente ao invasor. E a vida não é nada fácil para as guarnições de legionários romanos...”. Assim começa cada nova aventura dos dois heróis daquela pequena aldeia, Asterix e Obelix: ajudados por uma poção mágica (apenas o baixinho Asterix, já que o gordo Obelix caiu num caldeirão da poção quando bebê), ajudam a recuperar um pouco do orgulho abatido dos gauleses, depois da derrota frente aos legionários de Júlio César.
Paulo Roberto de Almeida não é exatamente um “asterisco” bibliográfico na literatura de relações internacionais e de política externa do Brasil. Ele tampouco se parece com Obelix, mesmo se, vez por outra, arremessa petardos intelectuais em direção daqueles que Raymond Aron costumava chamar de “almas cândidas”, ou seja, os acadêmicos ingênuos que interpretam o mundo através de seus livros, ou de modelos teóricos aparentemente racionais, mas alheios às realidades econômicas e geopolíticas de uma ordem internacional anárquica e sempre cambiante. Desde 1993, quando publicou seu primeiro livro, sobre o Mercosul, acumulou mais de uma dúzia de obras de destaque nesses campos, além de dezenas de artigos em revistas no Brasil e no exterior.
Este livro, no qual ele reuniu alguns dos seus trabalhos sobre a diplomacia e a política externa do Brasil, apresenta esse seu lado analítico “gaulês”, no exame e na avaliação do que representaram, para o Itamaraty, os anos de diplomacia partidária, um período de desvios nas melhores tradições da Casa de Rio Branco. As políticas seguidas por Lula e pelo PT desfizeram, pela primeira vez em quase dois séculos, o consenso nacional que sempre existiu em torno dessa diplomacia, para surpresa de muitos que, como eu, acompanham ou participam da política externa.
Quando Paulo Roberto trabalhou comigo, na Embaixada do Brasil em Washington, entre 1999 e 2003, eu o qualifiquei de accident-prone diplomat, pelo seu lado provocador, talvez até arrogante, na defesa de seus argumentos – uma atitude que ele mesmo chama de “contrarianista” –, o que o levou a contestar, mais de uma vez, antigas posições da diplomacia brasileira. Sua resistência “gaulesa” está bem exemplificada aqui, não exatamente numa crítica ao Itamaraty, que ele defende a cada vez, mas ao que já se convencionou chamar de “diplomacia companheira”, muito bem acolhida por quase todos os militantes da causa, mas essencialmente nociva, pelos seus resultados efetivos (na verdade, falta de), do ponto de vista dos interesses nacionais.
Muitas de minhas opiniões – expostas de forma menos radicais, é verdade – coincidem com suas críticas a essa “diplomacia do nunca antes...”, um exemplo, entre vários outros, da vontade de protagonismo político dos novos “donos do poder”, na conhecida expressão de Raymundo Faoro. O Itamaraty continuou a fazer diplomacia, mas, a partir de 2003, passou a estar acompanhado – ou, melhor, controlado indevidamente – por aqueles que passaram a determinar a política externa do Brasil com base em critérios essencialmente partidários. As novas orientações então dadas para a diplomacia a ser promovida pela Casa de Rio Branco passaram a divergir, e bastante, das posições sempre defendidas pela instituição, criando uma herança pesada, não só para o Itamaraty, mas para as relações exteriores do Brasil, como um todo.
Não se trata de criticar a ideologia, a visão de mundo, que o PT trouxe para a politica externa. Não se cuida de entrar em um debate ideológico para desqualificá-la ou para saber se essa percepção é a mais conveniente para o Brasil. A visão de mundo do Partido dos Trabalhadores (PT), seguida na política externa e também nas negociações comerciais, é legitima pois resulta na aplicação de uma plataforma político-partidária vitoriosa em três eleições, mesmo que nunca tenha sido discutida a fundo, pois está bem longe das principais preocupações do eleitorado. A questão aqui, do ponto de vista dos interesses do Brasil, é saber quais os resultados da aplicação dos princípios programáticos do PT sobre a política externa e comercial nos últimos doze anos, e se esses resultados foram, ou não, favoráveis ao País.
Em meus artigos em jornais e revistas, e em minhas participações em programas de TV e em rádios, venho reafirmando que a partidarização da política externa afeta profundamente a credibilidade do Brasil e do Itamaraty, uma vez que se deixou de lado o rigor técnico e a excelência profissional que sempre caracterizaram a instituição. O Brasil passou a apoiar regimes autoritários, especialmente na África e na América do Sul. Na verdade, o Itamaraty foi submetido a diretrizes e a orientações de políticas que ele nunca teria adotado se mantido o processo decisório anterior, em cada um dos temas mais controversos que invadiram a sua agenda a partir de 2003.
A perda da vitalidade do pensamento independente em todos os escalões, pela extrema centralização das decisões, a discriminação ideológica contra vários de seus funcionários e arranhões no princípio hierárquico não ajudam a recuperar a imagem de um serviço diplomático até aqui considerado um dos mais eficientes do mundo. Nossa política externa nunca tinha deixado de ser de Estado, e foram extremamente raros os momentos de nossa história nos quais predominou algum tipo de viés ideológico, geralmente não coincidente com os interesses permanentes do País.
A partidarização da politica externa trouxe consequências negativas para a ação do Itamaraty e, via de consequência, também para a politica de comércio exterior. Esses desvios repercutiram amplamente nas negociações comerciais externas, na qual simpatias políticas prevaleceram sobre obrigações contraídas no âmbito do Mercosul ou até sobre regras prevalecentes no sistema multilateral da OMC. A prioridade desequilibrada atribuída a uma mal designada “diplomacia Sul-Sul” e a vontade ingênua de inaugurar uma “nova geografia do comércio internacional” fizeram com que os exportadores brasileiros deixassem de abrir mercados em países desenvolvidos, resultando em déficits extraordinários com nossos maiores parceiros da Europa e com os EUA. Por outro lado, as ações na África e no Oriente Médio não produziram ganhos políticos significativos, nem comerciais expressivos, já que, em termos percentuais, o crescimento do intercâmbio comercial com essas regiões foi bastante reduzido. Adotou-se uma concepção distorcida do que sejam “assimetrias estruturais”, que formam a própria base do comércio mundial e o Brasil, longe de exibir a maior renda per capita do Mercosul, passou a subsidiar obras que poderiam ser financiadas pelos bancos multilaterais existentes.
O Mercosul, como um instrumento de abertura de mercados, foi um dos projetos que mais sofreu com a partidarização da política externa nos últimos doze anos. A retórica e as decisões político-ideológicas passaram a prevalecer sobre a realidade econômica. Esqueceu-se que o Mercosul não é uma união de governos, mas de Estados. Prevaleceram as agendas nacionais sobre a agenda da integração regional.
A visão externa politicamente distorcida nos governos Lula e Dilma fez com que o objetivo de abertura comercial fosse relegado a um segundo plano, com nítido retrocesso em todas as áreas, e com que o Mercosul comercial se transformasse e adquirisse uma dimensão social e cidadã, no jargão hoje dominante. O Mercosul é, hoje, uma sombra do que já foi, e precisa ser urgentemente reformulado. Os lamentáveis episódios relativos à suspensão do Paraguai e ao ingresso político da Venezuela no bloco ainda estão na lembrança de todos. Menos ideologia e mais pragmatismo na área externa são as chaves para recuperar as oportunidades perdidas no últimos anos, nessa e em muitas outras áreas. 
O processo de integração regional e o relacionamento bilateral com os países sul-americanos foram aspectos da politica externa em que a retórica oficial foi mais efetiva que os avanços concretos. O Brasil ficou a reboque dos acontecimentos e agora tem de enfrentar o desafio de assumir a liderança em nossa região e repensar o processo de integração.
Nunca antes na história do País, e de sua diplomacia, preconceitos ideológicos e plataforma partidária influíram tanto nas questões de competência do Itamaraty de analisar e recomendar cursos de ação para que a chefia do Executivo possa tomar decisões. Ao contrário da política externa “ativa e altiva” nos oito anos de Lula, o atual governo se retraiu e evita tratar questões relevantes que o Brasil, pelo seu peso no cenário externo, não pode ignorar .
A marginalização do Itamaraty, sobretudo no tratamento dos assuntos relacionados aos países vizinhos da América do Sul, certamente não estaria agradando ao Barão do Rio Branco, que ensinou que “a pasta das Relações Exteriores não é e não deve ser uma pasta de política interna”. Não é segredo o descaso com que o Itamaraty tem sido tratado e a pouca importância que tem sido dada às posturas recomendadas pela Chancelaria para problemas que afetam diretamente o que seria, de fato, o interesse do Brasil. Impõe-se uma nova politica externa e uma nova estratégia de negociação comercial, sem preconceitos ideológicos,  
Todos esses temas estão amplamente analisados por Paulo Roberto, nos diversos trabalhos aqui coletados. Eu louvo a sua coragem, no sentido de romper a cortina de silêncio em torno das más escolhas feitas na última década, expondo abertamente a sua contrariedade com as posições adotadas em nome do Brasil. Ele pagou um alto preço por essa independência de pensamento, mas com isso contribuiu para resgatar um pouco da dignidade do Itamaraty durante esse período. Sem recorrer a qualquer tipo de poção mágica – a não ser sua capacidade de interpretar as relações exteriores do Brasil em função de princípios e valores longamente consolidados ao longo de nossa história diplomática –, Paulo Roberto oferece aqui exemplo de resistência intelectual, nesta espécie de quilombo diplomático que ele construiu para si mesmo, com estes ensaios sobre “tempos não convencionais na política externa”...

Rubens Antônio Barbosa
Ex-embaixador em Londres (1994-1999) e em Washington (1999-2004),
presidente do Conselho de Comércio Exterior da FIESP.

Nunca Antes na Diplomacia...: a politica externa brasileira em tempos nao convencionais - livro de Paulo Roberto de Almeida (capa)

Recebi a capa de meu próximo livro, que reproduzo abaixo.

Agora tenho de corrigir as provas, enviar eventuais correções e observações de volta, e aguardar impressão e lançamento.
No momento, o que posso fazer é reproduzir novamente o sumário do livro e o texto que a Editora preparou para sua apresentação.
Em post subsequente, transcreverei o prefácio generosamente preparado pelo Embaixador Rubens Antonio Barbosa, com quem trabalhei em algumas etapas de minha carreira (Brasília, desde o início, e novamente na volta do meu primeiro posto no exterior, em Montevidéu, Brasília, e Washington, finalmente, onde ele se aposentou, e de onde eu voltei a Brasília.
A minha própria apresentação a esse livro, que postarei mais adiante, se coloca numa postura contrária a, provavelmente, 90% dos acadêmicos que se dedicam a escrever, analisar, especular sobre a política externa companheira.
Vamos aguardar as reações.
Paulo Roberto de Almeida

Nunca Antes na Diplomacia...
ensaios sobre tempos não convencionais na política externa

Paulo Roberto de Almeida
Em publicação pela Editora Appris, Curitiba, 2014

Sumário:
Prefácio, Embaixador Rubens Antônio Barbosa
Apresentação

2. As relações internacionais do Brasil em perspectiva histórica
3. Processos decisórios na história da política externa brasileira
4. A política da política externa: as várias diplomacias presidenciais
5. Duas diplomacias em perspectiva: a profissional e a engajada
6. As novas roupas da diplomacia regional do Brasil
7. Uma nova arquitetura diplomática?: mudanças na política externa
8. Pensamento e ação da diplomacia engajada: uma visão crítica
9. Nunca antes na diplomacia: balanço e avaliação
10. Uma política externa exótica: seus efeitos institucionais
11. A opção preferencial pelo Sul: um novo determinismo geográfico?
12. Uma grande estratégia para o Brasil?
13. O Barão do Rio Branco: o que ele fez, então?; o que faria, agora?

Bibliografia geral
Livros de Paulo Roberto de Almeida

Nunca antes na diplomacia? Provavelmente...
Tudo o que sempre lhe intrigou na política externa da era do “nunca antes”, e não tinha a quem perguntar?
Agora já tem, ou, pelo menos, onde ler a respeito. Um diplomata experiente explica o que representaram esses tempos não convencionais na diplomacia brasileira.
Conceitos, fundamentos, ideias (as boas e as más), mas sobretudo os resultados práticos, examinados com isenção, em torno de uma diplomacia que rompeu o consenso nacional de que ela sempre desfrutou tradicionalmente. De fato, nunca antes...

Paulo Roberto de Almeida assina aqui uma de suas obras mais lúcidas, apresentando uma visão contrarianista ao “pensamento único” sobre a política externa dos últimos anos.


Este livro apresenta uma avaliação do que representaram, para o Itamaraty, os anos de diplomacia partidária, um período de desvios nas melhores tradições da Casa de Rio Branco.
Nunca antes na história do País, e de sua diplomacia, preconceitos ideológicos e plataforma partidária influíram tanto nas questões de competência do Itamaraty.
Eu louvo a sua coragem, no sentido de romper a cortina de silêncio em torno das más escolhas feitas na última década, expondo abertamente a sua contrariedade com as posições adotadas em nome do Brasil.
Do Prefácio do Embaixador Rubens Antônio Barbosa,
presidente do Conselho de Comércio Exterior da FIESP.


As ideias e as práticas da diplomacia brasileira nos últimos 20 anos
Ideias, mesmo velhas e totalmente desajustadas, estão sempre por trás de certas práticas. A história, ao contrário do que se pensa, nunca se repete, mas ideias antigas têm esse péssimo costume de permanecer mais tempo do que seria desejável, ou recomendável, sobretudo quando se trata de orientar políticas públicas. Desde o início do novo milênio, o Brasil tem vivido com algumas dessas ideias que parecem ter vindo de uma outra época, e elas têm influenciado diversas políticas, inclusive a externa.
Este livro apresenta as ideias que estiveram por trás da diplomacia brasileira nas últimas duas décadas, as boas e as más, e discorre sobre como elas foram aplicadas às mais importantes questões da política externa brasileira no período. A obra se debruça, em primeiro lugar, sobre a formulação e a execução da diplomacia brasileira, tanto em perspectiva histórica, desde sua emergência no século XIX, como no contexto de sua implementação, nos anos do “nunca antes” . Mas ela também faz, em segundo e mais importante lugar, uma defesa da diplomacia profissional, encarnada no e pelo Itamaraty, ao mesmo tempo em que apresenta uma visão crítica e um questionamento quanto aos resultados efetivos da diplomacia não profissional, implementada nesses tempos não convencionais, no ambiente regional e no âmbito internacional.
O autor examina as iniciativas diplomáticas implementadas desde os últimos anos do século precedente e segue as principais mudanças introduzidas desde o início do atual, registrando as continuidades e enfatizando as rupturas. Ocorreram mudanças significativas, sobretudo nos processos decisórios e nas preferências políticas, mas também nas orientações econômicas. O Mercosul, por exemplo, deixou de ser um espaço integrado de abertura econômica e de liberalização comercial para converter-se num empreendimento político, guiado mais por preconceitos ideológicos do que por considerações de natureza econômica, como era sua vocação original. A chamada diplomacia Sul-Sul tentou mudar as “relações de força no mundo” e inaugurar uma “nova geografia do comércio internacional”. A busca obsessiva por uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU esteve atrás de algumas iniciativas ambiciosas nestes anos, e algumas menos recomendáveis, como a aproximação com alguns regimes pouco frequentáveis, na região e alhures.
Ao tratar de todas essas questões, o autor sabe que nada contra a corrente, na academia ou no ambiente governamental, mas não hesita em defender posições do Itamaraty, quando constata certas práticas não convencionais que puseram em questão o respeito e a credibilidade de que ele sempre desfrutou na região e no mundo. 

 Mini CV do Autor
Paulo Roberto de Almeida é Doutor em Ciências Sociais, Mestre em Planejamento Econômico e diplomata de carreira desde 1977. Foi professor no Instituto Rio Branco e na Universidade de Brasília, diretor do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI) e, desde 2004, é professor de Economia Política no Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub). Como diplomata, serviu em diversos postos no exterior. É editor adjunto da Revista Brasileira de Política Internacional. Publicou muitos livros de relações internacionais e de diplomacia brasileira (www.pralmeida.org).


Piketty distorceu dados sobre concentracao de renda - Herbert Grubel

De fato, o economista francês isolou o capital como personagem principal de sua história, da mesma forma como Marx havia feito, no século XIX, em relação ao "modo burguês de produção", tendo "demonstrado" todas as perversidades do "capital" contra a classe trabalhadora. As teses de Marx, equivocadas como eram, conquistaram milhões ao redor do mundo, porque tocaram numa corda sensível que impacta diversos estratos sociais em todas as sociedades: existem pessoas mais ricas do que eu, logo elas são ricas porque eu sou pobre, e portanto, a riqueza delas se faz em detrimento do meu bem-estar.
Esta é exatamente a operação mental que levou Piketty a agrupar os dados sobre riqueza ao longo do tempo e decretar, tão equivocadamente quanto Marx, que os ricos estavam ficando mais ricos, e os pobres, ou a classe média, estava bloqueada nas baixas faixas de renda.
Portanto -- e esta é a solução absolutamente ilógica, equivocada, distorcida, mas que corresponde aos desejos difusos dos mais pobres por maior grau de "igualdade"  na sociedade -- a solução consiste em taxar pesadamente os muito ricos e redistribuir esse patrimônio, essa riqueza, essa renda extra dos super-ricos entre os mais pobres, assim a sociedade ficará mais "igualitária", todos se sentirão melhor e a felicidade está instalada (pelas mãos do governo, claro). Parece simples, mas é totalmente equivocado, dificilmente implementável na prática e redundaria em menor crescimento econômico (e portanto em menos oportunidades para os mais pobres).
É o que se constata pela leitura desta nota abaixo.
Piketty deixa de considerar a dinâmica dos estratos sociais que ascendem temporariamente à riqueza, e embaralha a todos sob essa roupagem marxista do "capital". Tão equivocado quanto o barbudo alemão do século XIX.
Paulo Roberto de Almeida

What Piketty Misses

Herbert Grubel
The Winnipeg Free Press, May 26, 2014
Thomas Piketty’s book, Capital in the Twenty-First Century, is a global best seller that has attracted more reviews from academics and public intellectuals than any other economics book in recent memory.
But none of these many reviews point out that the voluminous statistics used by Piketty are of limited relevance for reaching his neo-Marxian conclusion about the inevitability of rising inequality and the collapse of existing market economies. The statistics he uses are snapshots of the distribution of income taken of a population whose composition changes with every picture taken.
What is more relevant to the assessment of future income distribution and the likelihood of the demise of market economies is information that traces the incomes of the same individuals through time. Only in recent years have governments begun to publish this information sporadically. In the United States, one set of data has been authored by the Treasury. In Canada, Statistics Canada has published some data which received virtually no attention. The Fraser Institute published a study using data specifically compiled by the agency at considerable cost.
The Canadian data provides information that surprises many. Out of 100 workers who were in the lowest income quintile in 1990, 87 had moved to higher income quintiles 19 years later, with 21 of them having reached the very top quintile. Income mobility also results in downward movements. Of 100 Canadians in the highest income quintile in 1990, 36 were in lower quintiles 19 years later.
Another important finding of the Fraser Institute data puts a lie to the many reports about the demise of the middle class. The same Canadian families who had inflation-adjusted incomes in the lowest quintile in 1990 had incomes 280 per cent higher by 2009. During the same period, families in the top quintile initially experienced an increase of only 112 per cent. The incomes of the middle three quintiles rose by 153 per cent. The data show that all Canadians have become richer, the poor more so than the rich and the middle class has more than kept pace with the rich.
The income distribution dynamics revealed by these statistics is primarily the result of the life-time pattern of income, which most readers have experienced firsthand. Pay and productivity are low in one’s first job but rise with age and work experience and later decrease with the onset of age-related disabilities and retirement.
The time pattern of incomes of individuals is also caused by short-lived influences on the ability to work, such as illnesses and personal decisions about raising children, further education and changes in life style. In Western market economies, the impact of these events on income is limited through access to social security benefits and private insurance.
High incomes also tend to be earned only for limited periods of time as a result of one-off events like the realization of capital gains and earning performance bonuses. Statistics Canada data show that in recent years, earners in the top one per cent did not have incomes at that level five years earlier. The Forbes data on billionaires shows that only 10 per cent of those on the 1982 list were still on the list in 2012, even after adjustment for inflation over the 30 years.
Most of the extra-ordinary recent growth in the income of top earners, the infamous one per cent, is due to the growth in the market for their services, which has been driven by the introduction of new electronic media, globalization and the growth in incomes of audiences. For example, professional athletes, creative artists and entertainers now reach millions rather than the hundreds who used to fit into arenas or thousand in movie theaters.
The globalization of commerce has increased the size of firms and raised the dollar value of the contributions managers can make to their bottom line. A firm with domestic sales of $100 million can offer a top manager expected to raise sales by one per cent less than it can pay after globalization raised this same firm’s sales to $10 billion. The earnings of Bill Gates and Steve Jobs and their top managers would have been much smaller if their innovations had been sold only in the United States rather than in the entire world.
Piketty errs when he concludes that the rich are getting richer and the poor are getting poorer. Dynamic income statistics show everyone is getting richer, the poor more so than the rich. The bottom line: Piketty’s case for confiscatory income taxes and imposts on wealth to prevent “potentially terrifying” events is simply based on the use of wrong data.


Politica energetica continua erratica: governo nao sabe o que faz

Depois de ter determinado uma absurda mistura de biodiesel de mamona no diesel fossil -- e ter, assim, misturado matriz energetica com prtoblema social -- e depois de ter afundado o etanol combustivel com sua mais que absurda politica de precos para a gasolina, o governo agora mete os pes pelas maos novamente ao determinar, sem maiores estudos tecnicos e de formacao de precos de mercado, a adicao suplementar de biodiesel de soja ao diesel combustivel, numa demonstracao suplementar que so atua na improvisaqcao, por puxadinhos, por medidas erraticas que tentam conter problemas que ele mesmo criou com sua mais do que equivocada politica energetica, que ja destruiu a Petrobras.
Paulo Roberto de Almeida

Por que só agora?

29 de maio de 2014 | 2h 07
Celso Ming - O Estado de S.Paulo
 
A presidente Dilma autorizou ontem o aumento da participação de biodiesel na mistura com o óleo diesel, utilizada tanto nos motores dos caminhões, como em boa parte das termoelétricas.
A partir de 1.º de junho essa participação irá de 5% para 6%; e, a partir de 1.º de novembro, de 6% para 7%. O anúncio foi feito como se tratasse de uma decisão de excelência técnica que só trará benefícios: diversificará a matriz energética, reduzirá o consumo de derivados de petróleo, cria mais um mercado cativo para o setor da soja e melhora as condições operacionais da agricultura familiar.
Se é tudo isso - e, de fato é -, por que então esse aumento da adição do biodiesel não foi providenciado antes, uma vez que há anos o setor enfrenta forte capacidade ociosa?
O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, calcula que deixará de ser importado 1,2 bilhão de litros de óleo diesel por ano, o equivalente a uma despesa de US$ 1 bilhão, a preços de hoje, não incluídas aí as despesas com frete e seguros. Lobão também lembrou que mais biodiesel na mistura contribui para a redução de emissões de gás carbônico na atmosfera. Se é assim, por que o governo não reconheceu esses benefícios mais cedo, quando poderia ter reduzido ainda mais as importações de óleo diesel e ter contribuído também mais para preservar o meio ambiente?
Mais interessado, no momento, em quebrar a resistência e a irrigação do agronegócio, que vem tratando a presidente Dilma com vaias e protestos explícitos ou difusos, o governo desconsiderou de repente dois argumentos a que vinha se agarrando para negar esse aumento da participação do biodiesel no coquetel com o óleo diesel: o primeiro deles, o de que encareceria demais os combustíveis, e o segundo, o de que os preços da mistura final ficariam mais vulneráveis aos vaivéns das cotações internacionais da soja, especialmente em períodos sujeitos a drásticas oscilações climáticas.
Ontem, a presidente Dilma preferiu dizer que o impacto da nova mistura sobre a inflação "é insignificante". Se, ao contrário do que vinha sustentando o ministro da Fazenda, Guido Mantega, "é insignificante", especialmente diante dos demais benefícios proporcionados, por que - outra vez - essa autorização veio só agora?
No que diz respeito à vulnerabilidade das cotações da soja a períodos de seca dos grandes produtores mundiais, como Estados Unidos, Brasil e Argentina, ninguém chegou a levá-la em consideração.
Curiosamente, os mesmos argumentos usados pelo governo Dilma para justificar esse aumento de biodiesel na mistura com o diesel impõem-se na defesa das vantagens de outro biocombustível, o etanol. E, no entanto, ao obrigar a Petrobrás a pagar parte da conta do consumidor de gasolina, além de avançar sobre o caixa da Petrobrás, a política do governo prostrou o setor do etanol, sem acenar até agora com nenhuma perspectiva de redenção.