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terça-feira, 15 de setembro de 2009
1373) O Brasil e o G20 financeiro: artigo em Mundorama
Paulo Roberto de Almeida
Mundorama, 14 de Setembro de 2009
Este breve ensaio efetua uma análise de conjuntura da economia brasileira, mais pelo lado das políticas econômicas do que propriamente pelos principais indicadores setoriais. Foram focalizadas a situação econômica previamente e no decorrer da crise, as principais respostas das autoridades econômicas e as perspectivas que se oferecem ao Brasil no pós-crise, relativamente favoráveis no conjunto do G20. São também tecidas considerações sobre as principais propostas brasileiras para uma nova arquitetura financeira internacional, em torno de posições que o país partilha com os demais Brics, cujo teor essencial é o aumento da participação dos emergentes nos processos decisórios mundiais.
O Brasil no G20: ativos políticos e limitações econômicas
Embora não imune a seus efeitos mais graves, no seu pico recessivo – entre o terceiro trimestre de 2008 e o primeiro semestre de 2009 – o Brasil parece ter resistido bem à crise financeira internacional iniciada no setor imobiliário americano e que logo se propagou para todo o sistema bancário e, daí, para uma crise econômica internacional. Ele foi um dos primeiros países a demandar reuniões internacionais de coordenação, tanto para conter os efeitos mais devastadores da crise, como para impulsionar o que considera ser uma agenda inconclusa das relações econômicas internacionais: a rodada Doha de negociações comerciais multilaterais da OMC. Suas demandas favoráveis à maior regulação do setor financeiro.
Em virtude de sua diplomacia hiperativa – em grande medida derivada da exposição internacional de seu presidente – o Brasil possui, prima facie, ativos políticos para sugerir questões para a formulação da agenda financeira internacional, muito embora, no plano estritamente econômico, seus ativos sejam bem mais limitados, em função da baixa intensidade de seu comércio internacional, sua situação de importador liquido de capitais e o caráter não conversível de sua moeda.
A situação macroeconômica pré-crise e as respostas à crise
O Brasil vinha numa trajetória relativamente satisfatória de crescimento e estabilidade no período anterior à crise, graças à demanda internacional por seus produtos primários de exportação, os altos preços alcançados por estes, a descoberta de gigantescas jazidas off shore de petróleo e a vasta atração de investimentos estrangeiros. Os canais de propagação da crise internacional no Brasil foram, principalmente: a exaustão dos créditos para o comércio exterior; a retração dos mercados externos e dos investimentos estrangeiros; a queda brusca nos preços dos principais produtos de exportação, o que gerou desemprego setorial no Brasil e revisão completa dos planos de investimentos na base produtiva nacional. O momento mais dramático foi a queda brutal da produção industrial no último trimestre de 2008, com o aumento concomitante do desemprego no setor, fazendo com que as estimativas dos analistas quanto aos indicadores de crescimento passassem do pessimismo ao catastrófico.
As respostas do governo, mais especificamente do Banco Central, foram adequadas ao momento, embora o lado monetário e financeiro tenha sido bem mais coerente do que o lado fiscal. No plano das autoridades monetárias, o que se fez foi classicamente keynesiano: injeção de liquidez na veia do sistema, com redução dos depósitos compulsórios; extensão dos créditos ao setor bancário; atuação na frente cambial e de comércio exterior, com a redução concomitante dos juros de referência. No que se refere às autoridades fiscais, as medidas não tiveram quase nada de verdadeiramente anticíclicas: a despeito da redução de impostos indiretos em alguns setores – mas atingindo apenas aqueles que teriam de ser transferidos aos estados e municípios, e não as contribuições devidas unicamente ao poder central – houve uma elevação generalizada de gastos em rubricas que são permanentes – como aumentos nos salários do funcionalismo e promessas renovadas no que se refere ao salário mínimo e Bolsa-Família – com muito pouco acréscimo nos investimentos em infra-estrutura e quase nenhum alívio na carga fiscal da massa dos contribuintes-consumidores. Por outro lado, o aumento exagerado do crédito através dos bancos públicos – que já concentram uma grande proporção dos empréstimos no Brasil – pode vir a provocar insuficiência de oferta produtiva e pressões inflacionárias, o que poderá obrigar o Copom a elevar novamente os juros, quebrando o ciclo de baixa iniciado em janeiro de 2009 (até um patamar inédito na história do Brasil: 8,75%).
As respostas dos membros do G20 e a posição do Brasil
Os membros do G20 também atuaram segundo as linhas clássicas do keynesianismo aplicado. No caso do Brasil, os fundamentos macroeconômicos são bem mais sólidos do que por ocasião de crises passadas, o que justifica a manutenção, pelas principais agências de avaliação de risco, do investment grade atribuído anteriormente ao Brasil, e o fluxo ascendente de capitais externos, tanto de investimento direto como de cunho puramente financeiro. Por outro lado, a demanda da China – convertida em principal parceiro comercial no começo de 2009 – por produtos primários de exportação brasileira atuou no sentido da revalorização dos seus preços, o que pode minimizar o impacto negativo da crise internacional sobre nossa balança de transações correntes. O setor financeiro, por sua vez, não foi sequer arranhado, a despeito do retraimento de fontes externas de financiamento, graças à aplicação judiciosa por parte do Banco Central das regras prudenciais de Basiléia e à herança do Proer, que eliminou completamente o perigo de bancos privados e públicos administrados de maneira irresponsável na primeira metade da década passada. O grande mérito do governo atual no plano econômico foi, justamente, o de ter preservado o núcleo essencial das políticas adotadas antes do seu início, quais sejam: flutuação cambial, metas de inflação e responsabilidade fiscal, tanto pelo lado da preservação do superávit primário como da vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal, que o partido atualmente no poder pretendia desmantelar quando era oposição.
Na frente cambial, após uma paradoxal valorização do dólar (em meio à crise de confiança na economia americana) e uma desvalorização sensível da moeda brasileira entre setembro de 2008 e fevereiro de 2009 (que atingiu quase 50% entre seu pico de valorização, em julho de 2008, e o fundo do poço, em dezembro), o real voltou a conhecer o mesmo fenômeno da valorização gradual, que tanto preocupa os exportadores e os industriais de modo geral. O Banco Central tem respondido com novas compras de divisas, tendo as reservas ultrapassado o pico de 209 bilhões de dólares do período anterior à crise. Mas as autoridades financeiras têm resistido sensatamente às demandas de setores dirigistas por ativismo cambial e controles dos fluxos de capitais. Pouco se fala, porém, do enorme custo fiscal do carregamento dessas reservas – quase 20 bilhões de dólares por ano – ademais da enorme concentração das divisas em títulos do Tesouro americano, com juros negativos e perspectivas de desvalorização ulterior do dólar americano.
Perspectivas brasileiras para Pittsburgh: a ação através dos Brics
Desde a primeira reunião de cúpula do G20 em Washington (em novembro de 2008), passando pela reunião de Londres (de abril de 2009) e, provavelmente também nesta próxima reunião de Pittsburgh (setembro de 2009), o Brasil vem mantendo posições relativamente próximas do grupo de “regulacionistas keynesianos”, como poderiam ser assim designados aqueles que pretendem introduzir medidas mais rígidas de controle dos fluxos de capital, que pretendem criar mecanismos que possam “coibir” a “especulação financeira”, inclusive no sentido de reforçar e ampliar os instrumentos prudenciais e regulatórios sobre as atividades das instituições financeiras – concebidas num sentido amplo. No plano da conjuntura econômica e da luta pela recuperação da economia mundial pós-crise, o Brasil advoga a manutenção das medidas fiscais de estímulo à economia pelo tempo que for necessário para a retomada plena do ritmo de atividade. Ele também acha que os países precisam introduzir sanções contra os paraísos fiscais, considerados um dos condutos da especulação. No plano das relações econômicas internacionais, o Brasil prega a retomada e a conclusão da Rodada Doha de negociações comerciais multilaterais como um dos componentes da retomada ordenada da atividade econômica.
Finalmente, no que tange a nova “arquitetura” do sistema financeiro internacional, o Brasil propõe uma redistribuição e ampliação do sistema de cotas das duas instituições de Bretton Woods, no sentido de fazer a participação dos países em desenvolvimento (ou, na nova linguagem, os emergentes) elevar-se à proporção de 47% sobre o capital total, reduzindo-se de maneira concomitante a participação dos países avançados (atualmente de 60% sobre o total). A sugestão é que o processo se dê em detrimento dos pequenos países europeus, como aliás já sugerido pelos próprios Estados Unidos. Todo o ativismo reformista brasileiro se dá, atualmente, em conjunção com os Brics, muito embora a China – a despeito de ter lançado inicialmente a idéia – não tenha aderido, no encontro de Londres, à sugestão de que os países do G20 e as instituições financeiras multilaterais concebem um novo instrumento de reserva internacional (e possivelmente de troca também), baseado numa cesta de moedas dos países mais relevantes. Contraditoriamente, porem, os quatro Brics possuem imensas reservas em dólar e não teriam, assim, interesse, numa rápida desvalorização da moeda americana. As reservas brasileiras em divisas ascendem atualmente a mais de 215 bilhões de dólares, das quais aproximadamente três quartos estão aplicadas em T-bonds.
Conclusões: visões contraditórias sobre a crise e a gestão econômica
O Brasil se encontra relativamente preparado para uma nova fase de crescimento, à condição que o mau comportamento fiscal do governo, exibido atualmente, não seja exacerbado e que sua voracidade tributária seja contida em limites razoáveis, para permitir que o setor privado possa investir e criar riquezas, emprego e renda, atividades que apenas ele pode fazer. Dada a propensão governamental ao gasto excessivo, muitos temem a formação de uma bomba-relógio fiscal, a explodir em algum momento da próxima década, a despeito de um contexto de provável retomada do crescimento mundial. O Brasil, em todo caso, é o país de menor crescimento entre os emergentes, uma característica que ele deveria tentar superar. O setor privado já fez a sua parte, no sentido de se ajustar às novas condições dos mercados internacionais; cabe ao governo, agora, tentar fazer a sua, sobretudo atuando de modo responsável no plano fiscal.
No plano internacional, finalmente, o Brasil deve continuar a se articular com os três outros membros do Bric, bem como com outros países relevantes dentre os emergentes – como a África do Sul, país com o qual o Brasil constitui um outro grupo, junto com a Índia (o IBSA) – no sentido de oferecer propostas reformistas das instituições financeiras que contemplem o aumento do poder decisório desses países nessas instituições.
Paulo Roberto de Almeida é Doutor em ciências sociais pela Universidade de Bruxelas (1984); diplomata de carreira do serviço exterior brasileiro desde 1977; professor de Economia Política Internacional no Mestrado em Direito do Centro Universitário de Brasilia (Uniceub); autor de diversos livros de história diplomática e de relações internacionais (pralmeida@mac.com).
from → 1. Boletim Mundorama, Brasil, Economia Internacional, Instituições Internacionais, Política Externa
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