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terça-feira, 28 de julho de 2009

1244) Brasil-Paraguai: as perguntas que faltam responder

Matéria do Observatório da Imprensa:

ITAIPU, BRASIL & PARAGUAI: A reportagem que faltou
Por Rolf Kuntz em 28/7/2009

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva concordou em triplicar o preço pago ao Paraguai pela energia de Itaipu – de 120 milhões de dólares para 360 milhões de dólares anuais – e, além disso, decidiu permitir a venda direta de eletricidade no mercado brasileiro, num processo gradual, sem intermediação da Eletrobrás. Será preciso submeter as duas decisões aos Congressos dos dois países. Lula transmitiu ao colega Fernando Lugo, na sexta-feira (24/7), a disposição de oferecer melhores condições para a comercialização da eletricidade não consumida pelos paraguaios. O entendimento básico foi sacramentado no dia seguinte, depois de concluída a reunião de cúpula do Mercosul. Uma comissão terá 60 dias para dar a forma final à proposta de mudanças.

A imprensa brasileira cuidou do tema durante a semana toda. Acompanhou as conversas preliminares entre diplomatas e caçou detalhes a respeito de preços e de como os consumidores brasileiros serão afetados. Mostrou o empenho da diplomacia brasileira em fortalecer politicamente o presidente paraguaio. Mas o esforço de reportagem falhou num detalhe: ninguém tratou seriamente, pelo menos até o fim de semana, de confrontar a autorização oferecida ao Paraguai com as disposições do Tratado de Itaipu. Ainda na sexta-feira, o assessor especial da presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, havia chamado a atenção para uma dificuldade: os negociadores estavam procurando uma forma de não mexer no Tratado.

Ninguém parece ter tido o cuidado de perguntar onde estava o risco. A explicação não apareceu nas edições de sábado (25/7). No domingo (26), nenhum jornal explicou por que será preciso submeter inovações ao Congresso dos respectivos países.

Fontes à disposição

Se alguém tivesse tido curiosidade suficiente para ler o Tratado, poderia ter formulado algumas perguntas interessantes. O documento, assinado em 26 de abril de 1973, regula em dois artigos a divisão da energia produzida pela usina de Itaipu e as condições de comercialização do excedente.

Pelo artigo XIII, a energia "será dividida em partes iguais entre os dois países, sendo reconhecido a cada um deles o direito de aquisição, na forma estabelecida no artigo XIV", da parcela não utilizada pelo outro país para o próprio consumo. Segundo o artigo XIV, "a aquisição dos serviços de eletricidade da Itaipu será realizada pela Eletrobrás e pela Ande [Administración Nacional de Electricidad], que também poderão fazê-la por intermédio das empresas ou entidades brasileiras ou paraguaias que indicarem".

O texto parece claro: a compra e a venda serão sempre realizadas pela Ande e pela Eletrobrás, diretamente ou "por intermédio" de empresas ou entidades indicadas. Em outras palavras: quem comprar comprará em nome de uma das duas entidades estatais.

Perguntas evidentes:

1. É possível conciliar essas disposições com a venda de energia no mercado livre?

2. O simples fato de o Tratado não proibir expressamente esse tipo de venda corresponde a uma autorização?

3. Se a resposta à pergunta anterior for positiva, por que o artigo XIV designa explicitamente duas entidades vendedoras e compradoras?

Se o governo brasileiro decidiu aceitar a atuação da Ande como vendedora no mercado livre, algum assessor presidencial deve ter apontado uma base legal para essa decisão. Qual pode ser essa base? Pauteiros, editores e repórteres deveriam ter pensado em explorar esse tópico, procurando fontes oficiais e especialistas em direito internacional. Há alguns muito bons tanto em escritórios de advocacia quanto nas universidades.

O leitor dança

Nenhuma dessas perguntas é irrelevante. Durante muito tempo, o governo brasileiro, pressionado pelo paraguaio, aceitou em princípio discutir a elevação do preço pago pela energia, mas sempre rejeitou mexer no Tratado. Teria mudado de ideia?

À primeira vista, a autorização para a Ande ingressar no mercado, embora de forma gradual, colide com as disposições do artigo XIV. Especialistas podem propor uma interpretação diferente e mais favorável à decisão negociada entre os dois governos, mas seria preciso ouvi-los. Nesta, como em muitas outras coberturas, faltou a repórteres, pauteiros e editores aquela preocupação simples e elementar: examinar os textos.

Essa falha ocorre não só em coberturas de eventos internacionais, mas também no acompanhamento rotineiro de projetos em tramitação no Congresso. Os jornais publicam as opiniões de políticos e técnicos favoráveis e contrários ao projeto, mas com frequência deixam de cumprir a tarefa elementar publicar o texto ou um bom resumo de seus pontos mais polêmicos. O leitor acaba acompanhando o assunto por meio das palavras das pessoas interessadas, mas não tem a informação mínima e básica sobre o tema em discussão.

Um comentário:

Pedro Erik disse...

Grande Paulo,

Concordo com a sua crítica aos jornais (jornalistas) brasileiros. Já dei aula para jornalistas e o que eu dizia para eles era que deveriam aprender lógica. Se conseguissem raciocinar com a lógica, colocariam qualquer autoridade contra a parede.

No caso em pauta, bastariam se perguntar: por que tanta dificuldade com o negócio? Por que negociação em segredo? Por que triplicar? Com as essas perguntas iriam direto para o Tratado de 1973 e responderiam o que você pediu que fizessem. Assim, informariam melhor os leitores e mesmo os políticos, consequentemente teríamos um país melhor.

Abraço,
Pedro Erik