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segunda-feira, 15 de março de 2010
1883) Cuba: uma pedra no sapato de certas diplomacias...
Lula confunde, em Cuba, nos EUA, no Irã
Sergio Leo
Valor Econômico, 15/03/2010
Deve ser para evitar maior confronto com o governo dos Estados Unidos que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva evita dizer em público o que pensam muitos integrantes do governo sobre Cuba: o país, único experimento socialista sobrevivente da Guerra Fria nas Américas, foi, durante a história recente, alvo de todo tipo de sabotagem por parte dos governos americanos, de atentados contra Fidel Castro ao embargo econômico contra a ilha, condenado em todo o continente. Mas, quem sabe, Lula evita o argumento porque nem mesmo ele pode justificar os recentes - e indefensáveis - ataques que fez aos dissidentes cubanos.
Provocado a se manifestar sobre a morte de um dissidente em greve de fome e sobre as prisões de opositores ao regime, Lula pode ter pensado na dificuldade do regime cubano, em manter a estabilidade política de um país pobre com governo contrário aos interesses dos EUA. Se considerasse essa situação motivo suficiente para evitar ataques abertos ao governo de Raúl Castro, poderia esquivar-se da pergunta, mas não: criticou os presos. O fato concreto, como diria o próprio Lula, é que, com a repressão em Cuba, os irmãos Castro e o apoio de Lula sabotam não só o bom senso, mas até a tentativa do governo Barack Obama de distensão nas relações com a ilha.
Obama mostrou, desde o início do governo, disposição para relaxar os constrangimentos impostos a Cuba e aos cubanos. Quem conhece os mecanismos da política americana é capaz de imaginar a dificuldade do novo governo dos EUA, já às voltas com problemas sérios como as guerras herdadas dos republicanos e a necessidade de uma reforma de saúde, para ganhar no Congresso aprovação a medidas de aproximação com Cuba. É muito maior que no Brasil o poder do Congresso nos EUA, e é forte a influência da comunidade cubana exilada.
Uma Cuba menos policialesca contra a dissidência interna, disposta a soltar dissidentes presos por crime de opinião, daria bons argumentos a Obama, na discussão política americana, para, num gesto de reciprocidade, avançar na retirada do embargo econômico, que oprime a ilha e prejudica até interesses de empresas americanas dispostas a fazer negócios com o regime de Fidel e Raúl Castro. Lula poderia ajudar nesse esforço, mas o endosso cego e surdo à ação stalinista contra a oposição só reforça a linha dura na ilha e desmoraliza as credenciais democráticas do presidente brasileiro.
Curiosamente, as relações entre Brasil e Estados Unidos, até na contenciosa questão do programa nuclear iraniano, são bem mais amistosas do que parecem acreditar os comentaristas brasileiros que usam o fígado, não o cérebro, para analisar a política externa do Brasil. No Executivo americano, pelo menos, há respeito - ainda que acompanhado de incômodo - aos argumentos levantados pelo Brasil para negar o apoio às sanções contra o Irã defendidas pela Casa Branca.
Os EUA compreendem que o Brasil, ele próprio engajado em um programa nuclear com fins pacíficos, relute em condenar os programas dos outros. E, principalmente, o governo dos EUA reconhece que a posição brasileira é motivada não por antiamericanismo, mas pela avaliação de que sanções contra o Irã só isolariam o país e fortaleceriam os radicais, no país, deixando pouco espaço para os moderados. Se transpostos a Cuba, os argumentos levantados no Planalto para o Irã, mais motivos teria Lula para interceder pelos dissidentes, ou, pelo menos, não buscar justificativas para a repressão cubana. No entanto, o presidente brasileiro preferiu comparar os dissidentes a delinquentes comuns. Mas não é essa a questão levantada pelos EUA sobre o Irã.
O que americanos, franceses, alemães dizem do Brasil, no caso iraniano é que os brasileiros chegaram um pouco tarde nessa negociação e podem atrapalhar. É considerada ingênua a ideia do governo em Brasília, de que gestões políticas e diplomáticas podem atrair o Irã a um acordo para tornar mais transparente seu programa e dar garantia de que não o usará para fins militares. Isso já foi tentado, pela França, sem resultado.
Nem Cuba nem Irã são, porém, um impedimento ao esforço (real) dos governos dos EUA e Brasil de fazer uma parceria no continente. Foi reconhecido em Washington o papel legítimo do Brasil como interlocutor do regime iraniano, a quem Lula transmitiu preocupações semelhantes às dos EUA e da Europa em relação à defesa dos direitos humanos e a condenação ao uso bélico da energia nuclear. O Brasil é um mercado atraente, em um momento em que Obama se empenha em um programa para dobrar as exportações americanas em cinco anos, e um aliado de peso num continente complicado como o sul-americano.
Há uma faceta importante da diplomacia - especialmente nos Estados Unidos: a diplomacia parlamentar. Fazer política externa mirando o público interno é quase inevitável, e Lula, com certas declarações unidimensionais de agrado a Cuba, Venezuela e Irã, parece cobiçar a aliança incondicional da esquerda brasileira para as próximas eleições. Deveria levar em conta, porém, que, assim, degrada a credibilidade alcançada por seu governo moderado no mundo político internacional, e, com isso, mina as condições políticas, nos EUA, para firmar o apoio da administração americana. Prejudica brigas parlamentares importantes que Obama se mostrou disposto a travar, como o fim da tarifa punitiva ao etanol brasileiro, só para dar um exemplo evidente.
Há cabeças nos EUA capazes de compreender as sutilezas do jogo diplomático que o maniqueísmo de certos analistas brasileiros não deixa transparecer no debate político brasileiro. Há uma disputa surda de influência na América do Sul e, mais recentemente, na América Central e Caribe, entre duas esquerdas, a pragmática e moderada de Lula, e a revolucionária e confrontacional de Hugo Chávez. Essa disputa se estende a Cuba, onde o endurecimento de Lula em relação aos Castro deixaria livre o espaço à radicalização de Chávez. A pressão discreta de Lula para uma transição gradual de Cuba às liberdades democráticas é reconhecida em Washington. Mas derrapadas como o ataque aos dissidentes cubanos são difíceis de entender. Ou de engolir.
Sergio Leo é repórter especial e escreve às segundas-feiras
E-mail: sergio.leo@valor.com.br
14 comentários:
Penso que Lula, mesmo tendo uma atração especial pelo autoritarismo comunista, não teria razões para explicitar isso em público e se queimar perante a comunidade internacional, bem num momento em que ele torra milhões com uma assessoria de imprensa especializada, com o objetivo de tentar projetar sua imagem mundialmente. Então acredito que é plausível pensar que Lula eo PT tenham o "rabo preso" com os Castro - razão que o levaria a declarar apoio à violência da ditadura cubana e também a investir milhões lá. Imagina o escândalo que seria se Fidel revelasse que ajudou a financiar as campanhas de Lula, da mesma maneira que financiou a guerrilha brasileira desde o início dos anos 60? Para os Castro uma revelação dessas não traria maiores problemas do que eles já tem, mas para Lula eo PT... seria o fim.
Vc esta absolutamente correto taurus. Tem muito mais coisas atras dessa estranha relação Cuba-PT.
Eu gostei da matéria, não tachou os Eua como imperialistas desenfreados e onipresentes.
JD
Prezado Sr.,
Desculpe-me mas acho que o jornalista deve frequentar a dimenção "Z", se não vejamos:
"No Executivo americano, pelo menos, há respeito - ainda que acompanhado de incômodo - aos argumentos levantados pelo Brasil para negar o apoio às sanções contra o Irã defendidas pela Casa Branca".
Não meu caro, não há mais. Pode ter havido no passado, mas agora...
"...A pressão discreta de Lula para uma transição gradual de Cuba às liberdades democráticas é reconhecida em Washington".
Lulla e seus asseclas só estão preocupados com eles próprios. O discurso a favor dos Castros não foi para a esquerda LatAm, mas sim para os nefilibatas internos(sindicatos, professores das universidades públicas, movimentos socias? etc.)que ainda vivem com a cabeça nos anos 60, pois elles vão precisar muito dessa turma, para eleger Stela presidente.
Abs
O Lula, ao tratar o assunto Cuba, tenta justificar o injustificável.
Ao declarar que a ditadura assassina dos irmão Castro é assunto de soberania nacional, e portanto deve ser respeitada, é o tipo de endorso indireto que qualquer chefe de estado (principalmente de uma democracia) sentiria vergonha de fazer.
Paulo,
Penso que o levantado pelo Taurus é plausível e que o envolvimento com Cuba de pessoas que ocupam o atual governo vem de longa data é óbvio. No entanto, não acredito ser muito provável que após a derrocada da URSS a ilha tivesse divisas suficientes a ponto de financiar as campanhas do PT - embora não descarte a hipótese. Existe algo que talvez viesse a lume pelo exame detalhado do Foro de São Paulo.
Penso que seja a hora de uma maior pressão para o respeito dos direitos humanos e não falo somente no caso cubano. Não sei a quantas anda o processo de desmobilização de Guantânamo, todavia, casos de abuso de presos por tropas estadunidenses também foram registrados em teatros de operações de guerra. E no Brasil uma polícia sem investimentos e mal treinada também atenta contra a dignidade do cidadão. É claro que na América não há outra nação que chegue ao extremo de Cuba, mas parece que há muito a ser feito em matéria de direitos humanos.
No entanto, no momento em que o Governo Federal brasileiro faz estranhas alianças, acho difícil que o Brasil se esforce nesse sentido.
Vinicius,
A questao das relacoes do PT com Cuba nao passava pelas relacoes normais, orcamentarias, do Estado cubano, e sim por canais especiais, em torno de pessoas, algumas das quais voce pode desconfiar quem sejam.
Nao tem nada a ver com o Foro de SP, que é um simples instrumento de manipulação de Cuba sobre partidos simpaticos a causa, mas sim canais paralelos e mais ligados a outros setores...
Há quem diga que esses canais especiais dos quais falaste estariam ocultos sob o FSP... Embora eu acredite que muito do que se fale esteja contaminado de alarmismo exacerbado e de muita "teoria da conspiração".
Entretanto, a questão principal é a existência de tais canais, independente das aparências sob as quais se escondam.
Concordo contigo quanto ao centro de gravitação de tais canais e não tenho como dizer se nada nesse sentido se desenvolve sob o FSP. Sabe-se lá o que se esconde...
Um grande abraço!
Ao Vinícius:
Mesmo que a torneira tivesse sido fechada após o fim da URSS, seria igualmente grave Cuba ter financiado o PT nos anos 80 (quando o partido era mais pobre e Cuba mais rica). Por outro lado, acho que mesmo com pouca grana nos anos 90 e 2000, para eles seria um investimento interessante ajudar um partido amigo no Brasil, dado o retorno que isto poderia trazer, por exemplo, através de vetos a condenações em organismos internacionais, investimentos milionários no país, e apoio aos abusos contra opositores- coisas que Lula e Chaves fazem hoje. Vale lembrar que há alguns anos estourou na imprensa o caso dos dólares de Cuba que o PT teria recebido na campanha de 2002. E recentemente foi denunciado por uma revista argentina o finaciamento cubano a um sindicalista apoiador de Kirchner, que organizou uma cúpula anti-bush em Mar del Plata, no ano de 2005.
Re-visitando este tópico, percebi a minha tentativa de assassinato à lingua portuguesa ao inventar a palavra "endorso" (talvez de endorse/endorsement)!!!
Retificando: "endosso" indireto.
PS: Se é que me vale de atenuante, moro fora do Brasil a alguns anos, e, admito, meu português já não é o mesmo.
Paulo,
Nem reparei nisso... Mas já que te quiseste corrigir, notei aquele "a alguns anos", quando, em verdade, é "há alguns anos", pq o "a/há" é o verbo haver.
Não quero que publiques isto. No que menos penso quando visito teu diplomatizzando é em ortografia. Venho diariamente pelo conteúdo e pelos "bons ares" daqui.
Um grande abraço de quem te tem em alta estima.
Olá Vinícius,
Agradeço pela sua correção.
De toda forma, acredito que esteja confundindo os "Paulos". Não sou o PRA, sou apenas um visitante e leitor frequente deste blog.
Abr,
Que gafe, argh!
Posso estar a fazer um gracejo fora de hora, mas só falar em Lula e as gafes surgem nos comentários. Pelo menos aqui ninguém defendeu os tribunais (sic) de Cuba.
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