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quinta-feira, 2 de setembro de 2010

A funcao social da terra e as bobagens economicas da Constituicao

Um leitor de minha postagem:

"Nacionalismo fundiario só pode atrasar o país"

pede-me, "por obséquio [para] explicar, ou me dar uma referência para leitura sobre qual o problema com a terra ter uma "função social"? Por que isso é uma "manifestação de estupidez econômica"?"

Bem, essa e outras disposições da Constituição mereceriam um tratado de economia, ou mais precisamente de economia política, e pode-se inclusive ficar impressionado com o "pensamento" econômico que sustentou essa e outras disposições da Constituição.

O Brasil é um país que vem de uma longa tradição de intervencionismo econômico e as pessoas não conseguem perceber, simplesmente, como essa tradição contaminou as mentalidades a ponto de poucos se aperceberem como esse intervencionismo representa, na verdade, um autoritarismo político incompatível com os princípios de uma sociedade verdadeiramente livre.
O fato é que o Brasil não é uma sociedade livre, do contrário não haveria uma disposição como essa, que obriga a "terra" a cumprir uma "função social".

Começo pela contradição primária de que ninguém sabe explicar o que é exatamente essa funcão social. Ela é definida por burocratas, que intervêm, assim, na propriedade de outra pessoa, uma pessoa privada.

Todo brasileiro, todo cidadão, deveria ter o direito, simples, banal, de possuir ativos, quaisquer tipos de ativos, e de dispor deles da maneira que desejar.
Por exemplo, possuir terras, para seu lazer pessoal, para proteger a natureza, para criar minhocas em estado selvagem (ou seja, sem cuidados), ou simplesmente para contemplar. Este direito é subtraído ao proprietário de terras, que precisa, em função de uma disposição autoritária da Constituição, atender a uma mal definida "função social".

Alguém já se perguntou qual é a função social do industrial, do verdureiro, do quitandeiro, do vendedor de pipoca? Alguém tem o direito de exigir que o verdureiro venda, além de verduras, bebidas ou cigarros, por exemplo?

Por que será que só o proprietário de terras tem de produzir necessariamente alimentos ou qualquer outra coisa em suas terras?
Por que ele não teria o direito de deixar suas terras tranquilamente intocadas, apenas esperando a chuva?
O governo, se precisar, poderia estabelecer impostos diferenciados para terrenos produtivos e para terrenos "especulativos", ainda que isso seja uma discriminação e uma violência que não deveriam existir numa sociedade verdadeiramente livre.
Mas, nenhum burocrata deveria ter o direito de decretar a expropriação de terras apenas porque o seu legítimo proprietário não cumpre uma "função social", que não existe em nenhuma outra atividade social, econômica, simplesmente humana.

Trata-se, simplesmente, de uma violência contra o direito, contra as pessoas, contra a racionalidade econômica.
E que ninguém invoque o direito de brasileiros produzirem ou comerem para justificar a violência, pois o mercado se encarrega de produzir tudo que as pessoas desejam.
Numa sociedade livre, as pessoas interessadas em produzir sempre vão encontrar como, onde, quanto produzir. E as pessoas necessitando comprar, sempre vão encontrar o que encontrar, na quantidade requerida, aos preços de mercado.

A Constituição tem muitas outras disposições tão irracionais quanto esta, intrusivas, cerceadoras da liberdade das pessoas, intervencionista na vida econômica ou simplesmente irracional do ponto de vista de uma boa gestão econômica.
Vou tentar esclarecer esses pontos em próximas oportunidades.

Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 3 setembro 2010)

4 comentários:

Anônimo disse...

Cara Paulo,
Rapidamente: o direito à propriedade não é mais absoluto, como no início do século XIX. Você deveria ler mais sobre o tema, para não escrever bobagens.
José Eduardo - Curitiba PR

Airton disse...

Tenho acompanhado com frequência as postagens deste blog. Apesar de não concordar com algumas opiniões aqui expostas, devo reconhecer que o senhor, professor, tem oferecido um verdadeiro serviço de utilidade pública a todos aqueles que procuram pontos de vista consistentes.

Sobre o tema, parece-me que há um conflito entre idéias de naturezas distintas: uma econômica e outra jurídica. O que muitos estudantes de direito não entendem é que o próprio Direito tenta acompanhar a Economia, pois esta representa uma realidade, enquanto aquele um artifício. A história demonstra que quando a regulação econômica ignora as premissas básicas do mercado, o conflito daí resultante gera gravosos prejuízos à estabilidade das instituições. A propriedade, sacramentada pela Constituição, é um direito fundamental de primeira geração, representando um dos sustentáculos do Estado de Direito. A função social da terra talvez não seja uma bobagem econômica na Constituição, mas, indubitavelmente, tem sido superestimada. E isso, a meu sentir, tem ocorrido porque pouca credibilidade se tem oferecido aos direitos de liberdade, como a propriedade, de tal forma que a teoria da supremacia da constituição tem se confundido com a prevalência dos direitos sociais face aos direitos individuais, pelo só fato de o texto constitucional assumir uma perspectiva essencialmente dirigista, restando caracterizado um verdadeiro totalitarismo constitucional. Há juristas que pensam que os recursos econômicos surgem do nada. Acredito que algumas teorias jurídicas, tal como a função social da terra, deveriam ser abordadas sob uma ótica mais realista.

Mariana Brasil disse...

Caro Paulo Roberto de Almeida:

Muito obrigada por sua explicação, e pelo ponto de vista novo que me foi oferecido.

Quando eu era criança, simplemente aprendi de uma professora de história (de esquerda, como a maioria) que a terra deveria ter uma função social porque há muita gente que não tem terras próprias e que gostaria de ter para trabalhar nelas e produzir alimento e riqueza. Logo, a concentração fundiária e a não utilzação das terras para produção era uma coisa injusta, e portanto errada.

Vejo que não é tão simples assim.

Estou passando um período de 6 meses na China, e cada vez mais me revolto em como o nosso país foi deixado pra trás - ou pior, perdeu o bonde que a China e diversos outros pegaram. Não estou aqui defendendo o método chinês de crescimento, veja bem. Mas é cada vez mais claro para mim que era para o Brasil ter crescido muito mais. Só agora eu vejo que lá em casa a gente se contenta com migalhas de desenvolvimento econômico e social. Pior, nós celebramos essas migalhas como nunca antes na história desse país.

Mas enfim. Migalha ou não, pelo menos tem menos gente morrendo de fome...

Paulo Roberto de Almeida disse...

Mariana,
Grato novamente pelo comentario, sobre um tema que já foi objeto de dois outros posts meus.
O Brasil tem, de fato, propriedades agrícolas muito grandes, mas é uma bobagem perpetrada por certos interpretes de meados do século passado essa história de que a "concentração fundiária" -- que hoje já não é tão grande assim -- impede os pobres e ao Brasil inteiro de se alimentar direito, e que a terra tem de ser "desconcentrada" para que alimentos suficientes sejam produzidos.
A reforma agrária não tem NENHUMA função econômica, apenas uma função social residual, e ainda assim pouco racional do ponto de vista econômico e produtivo, pois preserva uma agricultura de baixa produtividade que pretende ser subsidiada pelos cidadãos para continuar existindo.
Essa coisa de função social é de fato uma bobagem de juristas que ignoram as realidades econômicas e que, pior ainda, ofendem até o que deveria ser um direito básico que é o direito de propriedade.

Quando se olha o Brasil a partir de fora, como você agora está fazendo a partir de fora, na China (que não é de forma alguma modelo de crescimento para nós, mas que de fato cresce e se moderniza rapidamente), a gente percebe como somos lentos, como somos de mentalidade atrasada, como somos difíceis, no plano da burocracia, para crescer rapidamente, como estamos ficando para trás, como nosso estatismo renitente.
Por acaso também estou na China. Você pode me contatar diretamente através do meu site: www.pralmeida.org.
Paulo Roberto de Almeida