Quantas voltas o mundo dá.
Nos anos 1980, o eterno presidente Sarney disse que era contra a privatização do sistema telefônico porque a telefonia era "estratégica" para o país, confundindo telefones com arroz e feijão, ou com escola decente para todas as crianças.
Nos anos 1990, os petistas chutavam -- literalmente, com coices, sim -- os participantes de leilões de privatização, porque eram contra a privataria tucana.
Nos anos 2000, amargamos o caos aéreo, porque os companheiros eram contra a privatização dos aeroportos.
Agora, em 2012, enfrentamos as privatizações incompetentes dos companheiros porque são incompetentes também para administrar aeroportos (além de toda a roubalheira, claro).
Gostaria de ver a cara de um desses companheiros que me afrontavam com o epíteto de ser neoliberal porque eu defendia as liberalizações desde os anos 1980, contra Sarney, o PT, a CUT e os idiotas estatizantes.
Eles são exatamente o quê, agora?
Simplesmente idiotas?
Paulo Roberto de Almeida
Reinaldo Azevedo, 7/02/2012
Eu sou a favor de privatização até de escolinha de jardim da infância, desde que bem-feita. Dilma Rousseff não só é uma notória, como chamar?, retardadora de parcerias com a iniciativa privada como tem em sua carreira um estrondoso insucesso. O seu genial “modelo” de privatização de estradas federais, que levou Elio Gaspari a flertar com a poesia épica, deu com os burros nos buracos. Escrevi bastante a respeito já. Há muita coisa em arquivo. O resumo é este: antes, o usuário enfrentava buracos sem pagar pedágio; agora, enfrenta-os pagando. Bem baratinho!
O setor de aeroportos estava sob o controle de Dilma quando era chefe da Casa Civil. O caos se instalou, e nada de a privatização sair. Saiu. Mas de um jeito, de novo, meio esquisito. Vamos ver. Eu não sou especialista em privatizações, economista, financista ou o que seja. Sou apenas alguém que cuida de alguns aspectos lógicos dos processos. E costumo flagrar algumas incongruências, não devidamente respondidas pelos especialistas. Antes que entre no mérito, uma nota de ironia.
Que coisa, não? Uma das críticas que os petistas, especialmente a sua facção petralha, faziam às privatizações do governo FHC era o financiamento do BNDES. “Então o próprio estado brasileiro vai financiar o capital estrangeiro?”, indagavam, com aquela inteligência peculiar, esquecendo-se que um dos papéis de um banco de fomento é mesmo esse — desde que seja devidamente remunerado. Transformaram a participação do BNDES nas privatizações um crime, o que ajudou a compor a mitologia vigarista da dita “privataria”. Agora, vemos o organismo a financiar nada menos de 80% da operação. Ah, desta vez, estamos diante de uma autêntica obra-prima.
A Folha traz um pequeno e preciso texto na edição desta terça. Leiam. Volto em seguida.
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Pesos-pesados da administração de aeroportos globais, como os de Cingapura, Frankfurt e Zurique, foram derrotados ontem no leilão dos aeroportos brasileiros de Cumbica, Viracopos e Brasília. Quem levou foram operadores da África e da América Latina, que não administram nenhum dos 30 maiores aeroportos do mundo. Os três grupos vencedores pagarão R$ 24,5 bilhões pela concessão, 347% mais que o lance mínimo. O BNDES financia 80% desse investimento. As concessões serão de 20 anos (Cumbica), 25 anos (Brasília) e 30 anos (Viracopos). A estatal Infraero manterá participação de 49%. Os consórcios são obrigados a manter um investimento mínimo (e mais concentrado) até a Copa-14. A Anac (Agência Nacional de Avião Civil) disse que controlará o reajuste das tarifas.
Os vencedores de Cumbica foram o consórcio formado por 90% da Invepar (sociedade entre a construtora OAS e fundos de pensão Previ, Funcef e Petros) e 10% da sul-africana Acsa. “O fato de ser um país emergente não diminui ninguém porque, senão, teríamos de ter o complexo de vira-lata eterno. Não temos vergonha de ser emergentes”, afirmou o ministro da Aviação Civil, Wagner Bittencourt. “São atores perfeitamente possíveis de ganhar e ganharam. Pena que os outros não tenham tido tanta ambição.” O maior aeroporto brasileiro, em Guarulhos, com 30 milhões de passageiros/ano, terá como operadora a Acsa, que trabalha, há quase dez anos, com nove unidades da África do Sul, entre elas a de Johannesburgo e a da Cidade do Cabo. Juntas, recebem 35 milhões de passageiros/ano.
Embora o aeroporto de Johannesburgo seja elogiado pela beleza, o país não primou pela excelência na Copa-10. Jatos executivos lotaram os pátios e voos comerciais tiveram de ser desviados. Houve caso de aviões vindos da Europa que tiveram de retornar em pleno voo. Viracopos, em Campinas, será operado pela Egis, consultoria francesa que administra 11 aeroportos na África (Argélia, Congo, Gabão) e na Polinésia, além do terceiro aeroporto de Paris, o Beauvais, a 55 km da capital francesa. Juntos, têm 13 milhões de passageiros ao ano (menos que Congonhas, que recebe 16,7 milhões). A Egis tem 10% do consórcio, em sociedade com a Triunfo (45%) e a UTC (45%).
Vencedores do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, em Natal, o consórcio formado pela Infravix (construtora Engevix) e pelo operador aeroportuário argentino Corporación América, foi o mais agressivo no leilão, levando Brasília com 675% de ágio. Com 40 aeroportos na América do Sul e na Armênia, dos quais 33 na Argentina, a empresa tem uma história conturbada em seu país. Venceu o leilão de privatização nos anos 90 pagando ágio elevadíssimo, mas não conseguiu honrar contratos. Com dívidas de US$ 600 milhões e atrasos no cronograma de investimentos, o grupo conseguiu, em 2007, renegociar o contrato, trocando a dívida por uma participação de 20% do Estado. Com a “reestatização”, deixou de pagar a outorga em troca de um porcentual das receitas para o governo.
Voltei
Como se vê, ninguém tem experiência compatível com o desafio. Vai dar certo? Tomara! Ou estamos lascados. Gigantes não costumam abrir mão de bons negócios, assim, por nada. Essa conversa do ministro sobre “vira-lata” é só bobagem retórica para tentar transformar inexperiência num elemento de exultação.
O “modelo tucano”, como diriam os petistas, também contemplava a participação dos fundos de pensão (todos dominados pelo PT, note-se) e o financiamento do BNDES. Mas não tinha o governo como sócio — como terá o modelo Dilma, por intermédio da incompetente Infraero. A estatal publica em seu site um longo questionário com perguntas e respostas. Uma delas é esta:
Como fica a situação dos funcionários da Infraero que trabalham nos aeroportos concedidos, eles serão demitidos?
Não. Os empregados não serão demitidos. Aqueles que não quiserem trabalhar nas concessionárias, a seu critério, poderão continuar na Infraero. O governo e os sindicatos estão negociando uma ampla rede de benefícios e garantias aos trabalhadores da empresa de modo que o processo seja vantajoso para todos.
Huuummm… Se a nova administradora do aeroporto não quiser trabalhar com o funcionário “x”, ele fica na Infraero, certo? Mas fazendo exatamente o quê? Nesse caso, quem paga o seu salário? Não será certamente a nova empresa formada pelos investidores e pela estatal. Eu estou enganado, ou, no modelo de privatização do PT, a Infraero, na prática, ficou com todo o passivo trabalhista?
A manutenção de 49% das ações nas mãos da estatal é só o PT acendendo uma vela para o atraso, para marcar a diferença — para pior — na comparação com os tucanos. É claro que as empresas que venceram a disputa poderiam ter oferecido muito mais se soubessem que ficariam com 100% dos rendimentos — não apenas com 51%. De todo modo, notem que o “modelo tucano” não entrega a empresas privadas a administração de um patrimônio público, que é o que vai acontecer no “modelo petista”. Afinal, aqueles 49% que pertencem à Infraero estarão sob gestão privada. Eu dou graças aos céus por isso, confesso. Mas e as esquerdas sempre tão zelosas?
Fim de uma vigarice histórica
O PT venceu três eleições fazendo terrorismo com as privatizações. Em 2002, conseguiu convencer amplas camadas do eleitorado de que as formidavelmente bem-sucedidas privatizações da Telebras e da Vale eram um mal para o país. Em 2006 e 2010, acusou seus adversários de quererem privatizar a Petrobras, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil. Era só terrorismo eleitoral.
Agora, dado o desastre em que se encontra a infraestrutura aeroportuária brasileira, o partido não teve saída e resolveu fazer o óbvio, chegando aonde estavam os adversários que tanto demonizaram, só que com quase 15 anos de atraso. Não obstante, alguns franjas verdadeiramente criminosas do governismo ainda insistem em criar, ora vejam!, a “CPI da Privataria”… É patético!
A privatização dos aeroportos, que é bem-vinda, também é a evidência de uma fraude: a do discurso petista. Vamos torcer para que os aspectos deletérios da operação, como essa Infraero no meio da pista, não comprometam a sua eficiência. Porque seremos nós, como sempre, a pagar o pato.
O principal objetivo de uma privatização é a contenção de despesas. Se os companheiros continuarão a tirar lasquinhas, então pra que a privatização? Esse caso apenas prova que o velho discurso de que as estatais são um patrimônio do "povo" não passa de conversa fiada.
ResponderExcluirNão exatamente, caro Anônimo.
ResponderExcluirO principal objetivo de uma privatização é oferecer um serviço público em melhores condições (mais barato, de melhor qualidade, mais eficiente, etc) do que se fosse feito pelo próprio Estado.
Sabe-se, por experiência -- mas suspeito que alguma equação econômica possa provar isso teoricamente também -- que serviços coletivos (salvo casos especialíssimos, como defesa e Justiça, por exemplo, mas eu mesmo tenho dúvidas disso) são melhor prestados por firmas privadas, ou pelo menos por entidades que tenham critérios de mercado (mesmo quando os elementos de mercado são mais difusos, nos exemplos acima, por exemplo), ou então em condições market-like.
As considerações de preço vêm em segundo lugar: por exemplo, se Defesa Nacional é um bem essencial à Nação, da qual dependa sua sobrevivência, e se apenas o Estado é capaz de dá-la (embora eu tenha dúvidas, como disse), então se deve fazer sem privatização, qualquer que seja o custo.
As lasquinhas dos companheiros são porque eles são bandidos, mesmo, não porque algum setor fique melhor no setor privado ou no público (eles já abandonaram qualquer crença em qualquer coisa, querem apenas sobreviver no conforto do poder...).
Um Estado não privatiza para conter despesas, ou não exatamente: geralmente é porque não tem recursos para novos investimentos (o que manteria a rentabilidade do sistema, se os retornos são garantidos por um simples cálculo de custo-benefício) ou porque é muito incompetente para fazê-lo diretamente, o que parece o caso atualmente.
Incompetência e falta de recursos são as marcas registradas dos companheiros, mas eles continuam aumentando as despesas (com eles mesmos, claro).
Paulo Roberto de Almeida
O senhor tá de má-vontade com o governo, só pode ser! Eles trabalham tão bem. O senhor tem algum preconceito bobo contra bandidos? Enfim...
ResponderExcluirAcho que o senhor vai gostar do texto escrito por Leandro Roque, do IMB, sobre a "privatização" do aeroporto de Guarulhos. Abraço.
"Em vez de entregar nosso maior e mais movimentado aeroporto para suíços, alemães e cingapurianos comprovadamente competentes, o governo preferiu "vendê-lo" para fundos de pensão de estatais brasileiras e para uma estatal sul-africana. E com recursos do BNDES, é claro, pois capitalismo e risco não são coisas com as quais estamos acostumados — principalmente fundos de pensão de estatais e empreiteiras que sempre trabalharam em parceria com o governo.
"[...] E estas três empresas, por serem sérias e competentes, não podiam se dar ao luxo de fazer ofertas astronômicas em leilões cujo marco regulatório ainda é incerto. Sendo empresas genuinamente privadas, elas não podem se aventurar em terreno desconhecido. Muito menos podem elas competir com estatais, cujo caixa, ao menos em teoria, é farto.
"[...] Portanto, ficamos assim: três estatais irão operar o mais movimentado aeroporto da América Latina. Nada menos que 80% do empreendimento será financiado pelo BNDES (leia-se 'dinheiro tomado dos pagadores de impostos e emprestado a juros muito abaixo dos de mercado para as empresas favoritas do governo')."
http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1219
O problema de se privatizar defesa nacional, por exemplo, é que nenhum companheiro vai se candidatar a bucha de canhāo e morrer. Já numa privatizaçāo de uma Infraero, modelo PT, sempre tem uma vaguinha em um conselho, e ninguém morre de tiro em CA.
ResponderExcluirQuem sempre morre em guerra é povo, que é soldado, cabo, sargento e garotada que é oficial até 30 anos. Depois dos 30, o cara já é major e nao vai pra linha de frente. Na marinha e aeronáutica, major e corveta morrem mesmo.
Ou seja, nāo há boquinha em força armada.