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sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Clash of civilizations? Nao! Conflito DENTRO do islamismo...

O cientista político Samuel P. Huntington desenvolveu uma tese, interessante no plano conceitual, mas inoperante no plano prático, sobre a convivência, ou conflito, entre diferentes configurações civilizacionais, que infelizmente foi reduzida, por críticos simplistas (e por muita gente que sequer leu o seu livro), a um enfrentamento entre a civilização ocidental, vilipendiada como hegemônica, colonialista, dominadora (ou outras coisas perversas, como capitalistas, por exemplo), e as grandes civilizações orientais, supostamente autênticas, legítimas, mais conciliadoras, ou em todo caso não imperialistas. Dentre estas últimas, figuraria, obviamente uma coisa chamada civilização islâmica, outra simplificação em face das diferentes configurações históricas e sociais das diferentes sociedades islâmicas, cobrindo um vasto leque de formações sociais que foram sendo transformadas ao longo dos tempos por influxos religiosos, culturais, econômicos e políticos, de origem local, regional ou transnacional. 

Seja como for, volta e meia surgem conflitos como este que agora se alastrou em diferentes países islâmicos contra um filme idiota feito nos EUA e que ofende, ao que parece, Maomé, considerado profeta nessa religião. Profeta não é deus, mas um emissário de deus, ou o seu porta-voz, para os que crêem.
Seja qual for a agressão cometida contra esse profeta, a violência irracional, deslanchada contra alvos americanos, ocidentais, cristãos -- em países como Afeganistão, Argélia, Bangladesh, Egito, Índia, Irã, Iraque, Líbano, Líbia, Malásia, Paquistão, Sudão e Yemen, entre outros -- é algo inaceitável para os nossos padrões civilizatórios. Matar em nome da religião é algo bárbaro, selvagem, e como tal deve ser condenado.

Alguns poderão dizer que o que foi foi feito agora, nesses países, não difere muito da queima de heréticos na Idade Média, ou do trucidamento de populações inteiras nas guerras de religião, ocorridas já na Idade Moderna, no coração da Europa. 
Se considerarmos que o islã surgiu 622 anos depois do cristianismo, bastaria esperar, digamos assim, mais um pouco para que o islã consiga chegar aos padrões civilizatórios alcançados pelo Ocidente, pouco menos de cinco séculos atrás. Faltariam assim, nessa hipótese, pouco mais de cem anos para que o islã começasse a convergir para esses padrões mais humanos, ou menos selvagens.

Não creio que seja uma questão de tempo, mas de diferenças no itinerário histórico do cristianismo e do islamismo. O primeiro sofreu contestações desde seu início, praticamente, desenvolvendo diversas vertentes, como aliás ocorre com versões ligeiramente diferentes do islã.
Mas existe um aspecto que dificulta a superação do fanatismo e do fundamentalismo, como ocorreu nas sociedades cristãs.

Por diferentes mecanismos, que seria ocioso explicar em detalhe agora, as sociedades cristãs admitiram a possibilidade de exegese, que significa a possibilidade de interpretar o livro sagrado, por meio de uma leitura não literal, e de considerar as "estórias bíblicas" simplesmente de forma alegórica, quase que como fábulas sobre o homem e o universo. Daí, contestar cientificamente o livro santo, até negá-lo no plano da geologia, da antropologia e da história, foi um passo relevante, que permitiu o avanço científico dessas sociedades.

Nada disso ocorreu nas sociedades islâmicas, embora algumas tenham avançado para a modernidade conciliando fé e agenda econômica e até política, na Ásia Pacífico, por exemplo. Nas sociedades árabes, ou naquelas mais islamizadas completamente do Oriente Médio, esse passo e essa conciliação parecem ser mais difíceis.

Já escrevi algo a respeito, e remeto a meu artigo de alguns anos atrás: 

295. Tradicionalismo e modernização nas sociedades islâmicas: uma impossível transição entre o fundamentalismo e a tolerância?, Espaço Acadêmico (Maringá, a. I, n. 6, nov. 2001; link: http://www.espacoacademico.com.br/006/06almeida_isla.htm). Relação de Trabalhos n. 825. 

9 comentários:

Anônimo disse...

Prezado Dr. P.R.A.,

Sugerimos, dentre outros, os trabalhos de Oswald Spangley ("Der Untergang des Abendlades."["The Decline of the West."],ca.1918-1923), Arnold J. Toynbee CH ("A Study of History.", ca.1934-1963; e "The World and the West.", 1953); que antecederam à Huntingtom no estudo dos conflitos "intercivilizacionais"!

Spangley resume os conflitos entre a civilização ocidental-cristã,a qual designa "Faustian", e o islão (Oriente Próximo),o qual designa "Magian"; da seguinte forma:

"EVERY CULTURE POSSESSES ITS OWN ETHIC [176]

WESTERN mankind, without exception, is under the influence of an immense optical illusion. Everyone demands something of the rest. We say "thou shalt" in the conviction that so-and-so in fact will, can and must be changed or fashioned or arranged conformably to the order, and our belief both in the efficacy of, and in our title to give, such orders is unshakable. That, and nothing short of it, is<,/i> for us, morale. In the ethics of the West everything is direction, claim to power, will to affect the distant. here Luther is completely at one with Nietzsche, Popes with Darwinians, Socialists with jesuits; for one and all, the beginning of morale is a claim to general and permanent validity...

(continua no próximo post)

Anônimo disse...

(continuação do post anterior)


...The moral imperative as the form of morale is Faustian and only Faustian. It is quite wrong to associate Christianity with the moral imperative. It was not Christianity that transformed Faustian man, but Faustian man who transformed Christianity--and he not only made it a new religious but also gave it a new moral direction. The "it" became "I," the passion- charged centre of the world, the foundation of the great Sacrament of personal contrition. Will-to-power even in ethics, the passionate striving to set up a proper morale as a universal truth, and to enforce it upon humanity, to reinterpret or overcome or destroy everything otherwise constituted--nothing is more characteristically our own than this is. And in virtue of it the Gothic springtime proceeded to a profound--and never yet appreciated--inward transformation of the morale of Jesus. A quite spiritual morale welling from Magian [he uses this term for culture of the Near-East] feeling--a morale or conduct recommended as potent for salvation, a morale the knowledge of which was communicated as a special act of grace-- was recast as a morale of imperative command....

...Every Classical ethic that we know or can conceive of constitutes man an individual static entity, a body among bodies, and all Western valuations relate to him as a centre of effect in an infinite generality...

(continua no próximo post)

Anônimo disse...

(continuação do post anterior)


Quanto à Toynbee sugerimos a magistral exposição sobre "The World and the West."; na BBC Radio 4; The Reith Lectures:"The Psychology of Encounter." (no link:http://www.bbc.co.uk/programmes/p00h9lpw)

O próprio termo "conflito de civilizações"("clash of civilizations")fora tomado emprestado por Huntingtom do artigo "The Roots of Muslim Rage"(The Atlantic Monthly, September 1990;no link:http://www.theatlantic.com/magazine/archive/1990/09/the-roots-of-muslim-rage/304643/?single_page=true); da lavra de Bernard Lewis da Princeton University:
"A Clash of Civilizations

(...)

It should by now be clear that we are facing a mood and a movement far transcending the level of issues and policies and the governments that pursue them. This is no less than a clash of civilizations—the perhaps irrational but surely historic reaction of an ancient rival against our Judeo-Christian heritage, our secular present, and the worldwide expansion of both. It is crucially important that we on our side should not be provoked into an equally historic but also equally irrational reaction against that rival.

(...)

(continua no próximo post)

Anônimo disse...

(continuação do post anterior, parte final)

(...)

"The movement nowadays called fundamentalism is not the only Islamic tradition. There are others, more tolerant, more open, that helped to inspire the great achievements of Islamic civilization in the past, and we may hope that these other traditions will in time prevail. But before this issue is decided there will be a hard struggle, in which we of the West can do little or nothing. Even the attempt might do harm, for these are issues that Muslims must decide among themselves. And in the meantime we must take great care on all sides to avoid the danger of a new era of religious wars, arising from the exacerbation of differences and the revival of ancient prejudices.

"To this end we must strive to achieve a better appreciation of other religious and political cultures, through the study of their history, their literature, and their achievements. At the same time, we may hope that they will try to achieve a better understanding of ours, and especially that they will understand and respect, even if they do not choose to adopt for themselves, our Western perception of the proper relationship between religion and politics.(...)"

Vale!


Anônimo disse...

Prezado Dr. P.R.A.,

Sugerimos, dentre outros, os trabalhos de Oswald Spangley ("Der Untergang des Abendlades."["The Decline of the West."],ca.1918-1923), Arnold J. Toynbee CH ("A Study of History.", ca.1934-1963; e "The World and the West.", 1953); que antecederam à Huntingtom no estudo dos conflitos "intercivilizacionais"!

Spangley resume os conflitos entre a civilização ocidental judaico-cristã,a qual designa "Faustian", e o islão (Oriente Próximo),o qual designa "Magian"; da seguinte forma:

"EVERY CULTURE POSSESSES ITS OWN ETHIC [176]

WESTERN mankind, without exception, is under the influence of an immense optical illusion. Everyone demands something of the rest. We say "thou shalt" in the conviction that so-and-so in fact will, can and must be changed or fashioned or arranged conformably to the order, and our belief both in the efficacy of, and in our title to give, such orders is unshakable. That, and nothing short of it, is<,/i> for us, morale. In the ethics of the West everything is direction, claim to power, will to affect the distant. here Luther is completely at one with Nietzsche, Popes with Darwinians, Socialists with jesuits; for one and all, the beginning of morale is a claim to general and permanent validity...

(continua no próximo post)

Raul Abreu de Assis disse...

O que eu acho lamentavel êh o tom de condescendência De diversos pronunciamentos públicos, quase pedindo desculpas pelo filme ofensivo a religião muçulmana. Um exemplo típico de padrão duplo por causa da presença da religião. Liderança ocidental fraca, muito fraca.

E essa postura ainda conta com algum apoio oriental:

http://usa.chinadaily.com.cn/world/2012-09/15/content_15759968.htm

Abraços,

RAA

Paulo Roberto de Almeida disse...

O Oswald Spangley citado se chama, na verdade, Oswald Spengler...
Paulo Roberto de Almeida

Anônimo disse...

Exato! Oswald Arnold Gottfried "Spengler"( e não "Spangley"!).

Obrigado!

Vale!

P.S.:No mesmo diapasão de análise sobre o artigo de Huntingtom, sugerimos ainda:"O CHOQUE DAS CIVILIZAÇÔES: as consequências desta ideologia nas disputas de poder no séc.XXI."; da ESCOLA SUPERIOR DE GEOPOLÍTICA E ESTRATÉGIGIA/Organização para Estudos Científicos (O.E.C); texto debate de 30.08.2001; Profº Fernando G. Sampaio; no link:http://www.defesanet.com.br/esge/choque_civilizacoes.pdf

Anônimo disse...

"The fallacy of the phrase, 'the Muslim world'."

http://www.aljazeera.com/indepth/opinion/2012/09/20129168313878423.html

"Attacks on US embassies and autumn of apologetics after Arab Spring."

http://www.aljazeera.com/indepth/opinion/2012/09/2012916782219909.html

Vale