Agora o Brasil abriga um senador de oposição, perseguido pelo governo de La Paz. Não se sabe quais ações fora do quadro bilateral o governo brasileiro está empreendendo para tirar o boliviano em questão de seu local de "residência" para um asilo a que tem direito, no Brasil ou em terceiro país. Provavelmente, ele não conta com o mesmo apoio político de que desfrutava o ex-presidente hondurenho.
Tudo uma questão de aliados, amigos, companheiros, vocês entendem...
Paulo Roberto de Almeida
O Snowden bolivariano
No modesto quarto no primeiro andar de um prédio comercial, o asilado político ajeita-se como pode. Há 14 meses, seu mundo restringe-se a um cômodo de 20 metros quadrados na embaixada de uma nação amiga, mobiliado com uma cama, escrivaninha e frigobar. O banheiro é compartilhado. Tomar sol, apenas pela fresta da janela. Como todo refugiado, resta-lhe a escolha ingrata: entregar-se às autoridades ou aguentar firme até que consiga passagem para outra pátria.
Não é Julian Assange, o fundador do WikiLeaks, que para evitar sua extradição para Suécia se pôs à mercê da Embaixada de Equador em Londres. Tampouco me refiro a Edward Snowden, o bisbilhoteiro americano que derramou segredos da espionagem de Washington e acabou confinado no aeroporto de Moscou.
O relato acima é de Roger Pinto, o Snowden bolivariano. Quem? Perguntaria o leitor. Esquecido nas manchetes e nos malabarismos diplomáticos dos dois refugiados mais célebres do planeta está o drama do boliviano que, desde maio de 2012, está preso na Embaixada do Brasil, em La Paz. Guardadas as proporções, seu caso é emblemático para América Latina, ainda sob o luar do finado caudilho Hugo Chávez, e um problemão para a diplomacia regional.
Senador pelo Departamento de Pando, leste da Bolívia, Roger Pinto é conservador, rico, politicamente articulado e um crítico implacável do governo do presidente Evo Morales. Oposicionista do bloco Convergência Nacional, já integrou um movimento pela independência administrativa e fiscal de um naco tropical do país. A proposta não vingou, mas conseguiu provocar urticária no governo de Evo.
Para piorar, Roger também acusou um integrante do governo de envolvimento com o narcotráfico internacional. Em seguida, ele se tornou alvo de uma chuva de processos, acusado de delitos dos mais diversos, desde corrupção a doações irregulares para uma universidade.
Entre petições e impropérios - e muitas ameaças de morte -, o senador optou pela retirada e bateu à porta da embaixada brasileira. Disse que era um perseguido político e pediu asilo. Brasília, corretamente, o concedeu e ficou por isso mesmo.
Pela Constituição boliviana, todo cidadão tem o direito de pleitear o asilo. No entanto, nos meandros da Carta redigida a dedo pelo partido governante, não há regras nem normas claras para conceder o salvo-conduto. Sem ele, a concessão de asilo cai no vazio. Eis o labirinto de Roger, um asilado entre quatro paredes.
Evo rebate a crítica com um argumento familiar. O senador não seria nenhum prisioneiro político, mas um criminoso comum. Logo, só cabe ao réu render-se à justiça. O argumento soa razoável, não fosse o magistrado boliviano togado pela mesma cartilha bolivariana.
Segundo a Fundação Nueva Democracia, que defende os direitos humanos na Bolívia, a Justiça virou joguete na mão do governo. Apenas nos últimos quatro meses de 2012, o grupo contabilizou 11 casos de suspensão ou de destituição de autoridades democraticamente eleitas, 21 casos de perseguição judicial por motivações políticas e 5 casos de suspensão de autoridades judiciais por causas políticas.
Segunda a Nueva Democracia, são "flagrantes violações de direitos humanos" atribuídas à atuação dos órgãos de segurança, ao Ministério Público e às autoridades da Justiça. Nas palavras de Jorge Quiroga, ex-presidente boliviano, "não se pode oferecer a um americano detido em Moscou o que não se cumpre com um boliviano em La Paz".
Aí está o fio condutor que une Roger Pinto a Edward Snowden e Julian Assange. Heróis ou bandidos, escolha você. Certamente, todos devem explicações pelos seus atos perante a Justiça. Mas que Justiça?
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