The Wall Street Journal, August 12, 2013
A força da economia mundial está se deslocando para o mundo desenvolvido, afastando-se das economias emergentes que deram impulso ao crescimento desde a crise financeira.
Pela primeira vez desde meados de 2007, as economias avançadas, incluindo o Japão, os Estados Unidos e a Europa, estão contribuindo coletivamente mais para o crescimento da economia global — que movimenta US$ 74 trilhões — do que países emergentes como a China, a Índia e o Brasil, segundo dados compilados pela firma de investimentos Bridgewater Associates LP.
A reviravolta pode redistribuir os fluxos de capital mundiais e derrubar as previsões que grandes empresas acalentaram baseadas numa visão otimista dos mercados emergentes.
Entre as forças motrizes da mudança está um ressurgimento do Japão, que durante anos esteve entre os países de mais fraco desempenho da economia mundial. Economistas projetam que o PIB do Japão cresceu a uma taxa anualizada de 3,6% no último trimestre, um pouco mais lento do que o ritmo de 4,1% do primeiro, mas ainda assim uma mudança drástica depois de anos de estagnação.
A recuperação da economia americana tem produzido um crescimento constante, embora lento. E espera-se que relatórios a serem divulgados esta semana mostrem que a Europa teve ligeira expansão no último trimestre, após uma longa recessão.
Ao mesmo tempo, os países mais fortes do mundo emergente — como Brasil, Rússia, Índia e China — enfrentam dificuldades ou recuam depois de um desempenho estelar nos últimos anos.
A virada poderia criar novos desafios para as empresas ao redor do mundo que mantêm grandes operações globais.
Empresas que vendem para os mercados emergentes já estão sentindo o aperto. As condições em todo o mundo "abrandaram em um grau muito mais elevado do que tínhamos previsto", diz Richard White, diretor-presidente da Flexible Steel Lacing Co., fabricante americana de peças para correias transportadoras usadas no setor manufatureiro e de mineração. A empresa, de capital fechado, tinha feito planos com base em uma desaceleração no crescimento das vendas anuais dos 20% registrados nos últimos anos para 12%. Em vez disso, as vendas se estagnaram, diz White. Como resultado, o executivo diz que paralisou as contratações nos EUA, onde estão 600 dos seus 900 trabalhadores em todo o mundo.
"A causa parece ser a China", diz White, cuja empresa opera em 10 países e vende produtos em mais de 150. "A demanda que eles tinham — a necessidade de minério de ferro, cobre e carvão — estava alimentando a atividade de mineração na Austrália, África do Sul e América do Sul."
A reorganização do mapa do crescimento mundial é incipiente e poderia ser revertida caso as economias emergentes voltem a se recuperar, mesmo que só um pouco.
Muitas economias de mercados emergentes continuam sendo as de crescimento mais rápido do mundo, mesmo que não estejam se expandindo na mesma velocidade de antes. Os economistas esperam que o PIB da China, a segunda maior economia do mundo, cresça a um ritmo de 7,5% este ano, o mais lento desde 1990, mas que supera de longe o crescimento de cerca de 2% previsto para os EUA. Alguns economistas calculam que a China vai crescer de forma ainda mais lenta do que a meta do governo. Os economistas esperam que economias emergentes menores, desde o Sudeste Asiático até a América do Sul, mantenham taxas de crescimento relativamente robustas.
Um sinal de que as economias emergentes não estão se beneficiando diretamente do ressurgimento em países desenvolvidos é o índice de gerentes de compra nesses países, um indicador do crescimento do PIB. Para os países em desenvolvimento, o índice atingiu seu nível mais baixo desde o início de 2009, segundo um indicador agregado compilado pela consultoria econômica Capital Economics. As mesmas medidas para os EUA, Europa e Japão mostram expansão.
A titubeante recuperação da Europa ainda não se traduziu num aumento da atividade comercial que poderia ajudar as economias emergentes. O renascimento do Japão — ele é hoje o país que cresce mais rápido entre as grandes economias desenvolvidas — também não tem beneficiado seus vizinhos. A recuperação do Japão é acompanhada de um iene acentuadamente mais fraco, o que torna as importações mais caras e faz com que os japoneses estejam mais propensos a comprar produtos feitos localmente.
Os dados compilados pela Bridgewater, baseados em parte numa estimativa das taxas atuais de crescimento, em vez de dados oficiais, mostram os EUA, Japão e outros mercados desenvolvidos contribuindo com cerca de 60% dos cerca de US$ 2,4 trilhões na atividade econômica adicional que o mundo registrará este ano, segundo a previsão de economistas. Os mercados emergentes contribuirão com o restante.
Algumas grandes multinacionais afirmam que a desaceleração não é problema. Os emergentes "continuam a ser uma fonte fantástica de oportunidade", disse Herbert Hainer, diretor-presidente da gigante alemã de produtos esportivos Adidas AG,ADS.XE -0.04% a analistas na semana passada.
Mas os resultados da Adidas mostram um impacto de curto prazo. A desaceleração da Rússia pesou sobre seus resultados, disse Hainer, e sua receita na China cresceu 6% no primeiro semestre, em comparação com um crescimento de 19% em igual período do ano passado e de 38% no primeiro semestre de 2011.
Não há uma razão única que explique por que as economias emergentes do mundo estão sofrendo. O aumento das taxas de juros dos EUA, com base em expectativas de que o Federal Reserve vai pisar no freio em seu programa de compra de títulos de dívida, apertou o crédito em algumas partes do mundo emergente que estão expostas aos mercados financeiros globais.
O formato da atual recuperação americana também desempenha um papel. As últimas duas expansões registradas pelos EUA — o boom tecnológico da década de 90 e o boom imobiliário da década de 2000 — foram impulsionadas pela demanda do consumidor, que tem sido relativamente modesta nos últimos anos. Isso significa um crescimento mais lento da demanda por bens estrangeiros.
A atual expansão americana foi impulsionada em parte pela produção doméstica de combustíveis, o que cria demanda para equipamentos feitos nos EUA. E os salários estagnados nos EUA significam que os custos trabalhistas caíram em relação aos de rivais como a China.
A natureza da recuperação americana é um dos indicadores de que o padrão tradicional, em que o crescimento do mundo desenvolvido é apoiado pelos grandes exportadores do mundo emergente, pode estar se rompendo em lugares como a Ásia.
"Nós não podemos andar na carona do Ocidente. A Ásia se tornou muito grande", diz Frederic Neumann, um dos diretores de economia do HSBC HSBA.LN +1.75%para a Ásia.
Indicadores recentes mostram que a desaceleração da China pode estar chegando ao fim, com a produção comercial e industrial dando sinais de recuperação. Mas poucos preveem um retorno às taxas de crescimento de dois dígitos do passado.
E a desaceleração da China tem amortecido a demanda por commodities e outros bens importados, com efeitos de longo alcance na América Latina e no Sudeste Asiático.
O Brasil, a maior economia da América Latina, estagnou em parte devido ao declínio do apetite chinês por produtos como minério de ferro e carvão. O PIB brasileiro cresceu cerca de 1% no ano passado, depois de ter subido notáveis 7,5% em 2010. O real caiu ao longo dos últimos dois anos, somando-se às preocupações com o aumento da inflação. Pelo menos um milhão de manifestantes foram às ruas para protestar em junho deste ano, num reflexo da ansiedade causada pela desaceleração.
Indonésia, a maior economia do Sudeste Asiático, também tem sido golpeada pela desaceleração da China, com uma queda drástica nas exportações de carvão e óleo de palma. O PIB cresceu a um ritmo anualizado de 5,9% no segundo trimestre, o pior resultado desde 2010.
Problemas domésticos também afetam países como a Índia, onde a má administração da economia levou a um declínio da moeda local, a rupia, e a um aumento dos déficits em conta corrente.
Certamente, a desaceleração do crescimento em muitas economias emergentes tem sido suave, aquém de níveis considerados de crise, o que leva algumas multinacionais a manter uma perspectiva positiva.
O lucro da Vale SA, VALE5.BR +3.24% maior produtora de minério de ferro do mundo, caiu por oito trimestres consecutivos. A China é de longe o maior cliente da Vale, mas os chineses vão continuar precisando de minério brasileiro, diz José Carlos Martins, o diretor de estratégia da empresa.
"Há um monte de gente perdendo o sono por causa China", diz ele, "mas eu não".
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