Ah, como era duro chegar no meu primeiro posto...
Desde quando comecei a pesquisar nos arquivos históricos do
Itamaraty, tendo antes começado pelos velhos e excelentes relatórios dos
Negócios Estrangeiros do Império, costumava ler, e anotar, com enorme prazer
trechos desses despachos e ofícios de que se valia a nossa chancelaria para
manter um serviço diplomático de alta qualidade, a despeito dos meios exíguos
com que sempre contou em toda a sua história. Atualmente, quase não precisamos
mais buscar nos maços matérias para esse tipo de reflexão: elas chegam até nós,
literalmente, graças ao trabalho dedicado do Arquivo Histórico e Diplomático,
ou mais exatamente do Centro de História
e Documentação Diplomática, que vem editando material de alta qualidade e
divulgando esse material editado nos Cadernos, regularmente publicados.
Vejam, por exemplo, este despacho de instruções ao encarregado de
negócios em uma primeira missão brasileira numa das repúblicas americanas,
durante o período regencial:
O regente em nome do
Imperador, confiando no seu zelo, dignou-se nomeá-lo encarregado de negócios do
Brasil junto a esse governo, como verá da competente carta de crença e da de
chancelaria, que o regente escreve ao presidente daquela república.
O governo brasileiro deseja conservar
perfeitas relações de amizade com os Estados conterrâneos e é para as estreitar
ainda mais que há nomeado agentes diplomáticos que neles residam. Cumprirá,
pois, que, apenas V.Mce. chegar à capital e depois de ter feito a entrega das
cartas sobreditas, procure por todos os meios adequados de capacitar esse
governo das puras intenções dos brasileiros, fazendo desvanecer quaisquer
impressões sinistras – que ocorrências imprevistas ou calúnias de mal
intencionados tenham, por acaso, originado – e pedindo-me logo informações
quando fatos sobrevenham, de que não tenha conhecimento.
Convirá,
indispensavelmente, que V.Mce., por todos os meios, indague dos sucessos
políticos que possam, direta ou indiretamente, interessar o Brasil e que hajam
lugar em qualquer das repúblicas americanas... Na correspondência com esta
Secretaria de Estado, me participará tudo circunstanciadamente e, bem assim,
aos nossos agentes [nas demais presidentes...]
O Governo Imperial está
informado do grande consumo que esse Estado já faz dos nossos gêneros coloniais
e este ramo de comércio – que convém ser animado por V.Me., quanto estiver a
seu alcance – há toda probabilidade que, para o futuro, se torne mui
considerável, porque nenhuma nação que os possui está em circunstâncias de os
fornecer a [esse país], com mais brevidade e por preço mais cômodo [do que o
Brasil]. Estas razões não podem ser desconhecidas naquele país e, por isso, é
de toda a probabilidade que o governo proponha a V.Mce. a confecção de um
tratado de comércio, a que o Governo Imperial se não oporá... Não deverá,
porém, V.Mce. tomar a iniciativa de semelhante negociação; mas a acolherá,
quando lhe seja feita, sem repugnância, referindo-se ao Governo Imperial para
pedir instruções, insinuando logo que, achando-nos ligados a ajustes com
algumas nações europeias, os quais devem durar até o ano de 1842 – os de mais
longo prazo –, não poderão conceder-se [a esse país] favores especiais antes
daquela época, porque as outras nações os gozariam, seja qual for a posição
especial em que nos achemos para com as nações americanas e o interesse
comercial que disso derivasse. (...)
E como por esta repartição
se oficiará seguidamente a V.Me., em tempo adequado se lhe marcará o que
convier acrescentar a estas instruções, e a concluirei asseverando a V.Me. que
espero ter muitas ocasiões de poder louvar os seus bons serviços e que, pela
cópia do decreto respectivo, vai V.Me vencendo o ordenado anual de 2:400$000
réis.
Paço, em 22 de julho de 1836
Antonio Paulino Limpo de Abreu,
Ministro dos Negócios Estrangeiros
(AHI 317/04/11; in: Cadernos do CHDD, 13/24, 2014, p. 17-19)
Dois contos e quatrocentos mil réis, foi quanto recebeu o
encarregado de negócios, junto com as instruções para trasladar-se a uma das
repúblicas americanas, nos primórdios dos nossos serviços na região. Parece que
a quantia lhe pareceu pouca, pois ele escreveu logo em seguida ao ministro para
dizer-lhe que:
Nomeado pelo governo de
S.M.I. encarregado de negócios... tendo de me retirar para o lugar de meu
destino e fazer prolongada viagem por terra (extensão de quatrocentas léguas
para mais) com todas as dificuldades de péssimas estradas, em que se não acha
nem mesmo o necessário para as primeiras exigências da vida; tendo de levar em
minha companhia minha esposa e meus três filhos em tenra idade, obrigado
portanto a carregar comigo tudo quanto me for preciso mesmo os mais pequenos
arranjos; tenho reconhecido que nem que empregue a maior economia, é de
absoluta impossibilidade dar conta dessa viagem com a exígua ajuda de custo que
se me concede; atendendo ainda a mesquinhez do ordenado que vou perceber. Por
esses motivos venho perante V.Exa. pedir que se digne aumentar-me essa ajuda de
custo, elevando-a à quantia [de] dois contos e quatrocentos mil réis, sem a
qual não se pode efetuar tão longínqua viagem.
(Ofício, 26/07/1836; AHI 230/03/15; in: Cadernos do CHDD, 13/24, 2014, p. 20)
Aparentemente, ele recebeu o que pedia, pois seguiu sua longa viagem
em direção ao seu destino. Não precisou fazer greve...
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 10 de maio de 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.