Do tempo em que eu fazia resenhas mais alentadas. Ainda faço, mas com a falta de tempo e a multiplicação dos livros, tenho tido de apelar para as mini-resenhas. Dá trabalho igual para ler o livro, mas o fato de ter de escrever poucas linhas me poupa de um ou dois dias de trabalho depois.
Paulo Roberto de Almeida
PATERSON, Thomas G. e Dennis Merril (orgs.). Major Problems in American Foreign Relations. 4ª ed.; Lexington, Mas.: Heath, 1995. Volume I: To 1920 (576 p.); Volume II: Since 1914 (755 p.)
A obra integra uma coleção original editada sob a direção do historiador Paterson, da Universidade de Connecticut, "Major Problems in American History Series", que já publicou mais de duas dezenas de títulos de história política, social, regional ou sobre períodos determinados da história dos Estados Unidos. Em todos esses "major problems", o modelo básico é o mesmo: uma seção de "fontes primárias", seguida de análises por historiadores reputados nos diversos campos ou períodos em causa. No caso desta obra sobre as relações exteriores, houve um progresso conceitual em relação às três primeiras edições, cujos títulos remetiam tão simplesmente à American Foreign Policy, noção agora ampliada para a abordagem do conjunto das interações (econômicas, políticas, militares, culturais) entre sociedades, organizações e Estados envolvidos em quase três séculos de história daquele país. O primeiro dos dois alentados volumes trata das relações da nação americana com o mundo desde o período colonial (o primeiro documento é de 1630) até o final da Primeira Guerra Mundial e o segundo – cujo primeiro capítulo de documentos históricos é exatamente o mesmo que conclui o primeiro livro – examina o período subsequente, até o final da Guerra Fria (o último documento é um artigo de Brzezinski na Foreign Affairs, do outono de 1992).
Cada um dos volumes tem início por um capítulo metodológico que antecipa a documentação de referência e os ensaios setoriais. O do primeiro tem caráter explicativo – ele se chama, precisamente, "Explaining American Foreign Relations" –, no qual autores consagrados situam o contexto e explicam as principais características e realizações das relações exteriores da nação americana, com destaque para a política de "portas abertas", a "busca do poder", o "racismo na ideologia americana" e o que se poderia chamar de concepção washingtoniana do mundo ("The Unique American Prism"). No segundo volume, de forma similar, estudiosos acadêmicos examinam, em "Approaching the Study of American Foreign Relations", as próprias interpretações sobre o itinerário dos Estados Unidos em direção do status de grande poder mundial, discutem os valores e condicionantes de sua presença no mundo e introduzem os grandes temas que moldaram suas relações internacionais, inclusive, no que se refere ao período contemporâneo, a questão do "gênero", o que não deixa de ser politicamente correto. Para William Appleman Williams, por exemplo, que muito influenciou os estudos subsequentes com o seu The Tragedy of American Diplomacy(1959), o expansionismo econômico – Open Door Policy – é a chave para entender as relações exteriores dos Estados Unidos, o que terminou por violar os próprios princípios sobre os quais elas deveriam se assentar.
A estrutura formal dos 14 capítulos substantivos do primeiro e dos 13 do segundo volume, é, como se disse, idêntica: entre cinco e dez documentos relevantes para cada uma das fases examinadas – geralmente declarações presidenciais, notas de chancelaria ou textos de autores contemporâneos aos problemas tratados –, complementados por três a quatro ensaios de especialistas no tema ou no período em questão. Tem-se inicialmente, portanto, uma abordagem direta pelas fontes primárias, seguida de interpretações de scholars. Os ensaios destes últimos revelam como diferentes analistas colocam os documentos em perspectivas diversas e chegam a conclusões por vezes divergentes, quando não a concepções opostas sobre os mesmos processos, confrontação aliás deliberadamente buscada pelos dois organizadores.
Entre a era colonial e o final da Guerra Fria, um longo itinerário de afirmação internacional se desenha, a partir da expansão territorial no continente (pela aquisição ou pela conquista) e da presença econômica e militar nas regiões adjacentes e mesmo algumas longínquas (como a China e as Filipinas). Episódios dessa lenta evolução para uma política internacional de poder são a Doutrina Monroe, o destino manifesto e o envolvimento em questões internacionais, no Caribe, no Atlântico e no Pacífico. A América Latina, enquanto tal, à exceção do problema cubano, sequer comparece nas entradas de documentos selecionados ou na discussão dos problemas das relações exteriores dos EUA. A falta de um índice – falha geralmente imperdoável em edições norte-americanas, mas neste caso uma lacuna compreensível em virtude da concepção mesma da obra – dificulta, por exemplo, conferir quantas vezes o Brasil "entrou" na agenda do Department of State: provavelmente em raras ocasiões. Assim, a "good neighbour policy" de Roosevelt ou a Aliança para o Progresso de Kennedy sequer são citadas, mas Cuba e a crise dos mísseis comparecem com não menos de treze documentos em um importante capítulo. A política de "big stick" do energicamente expansionista Theodore Roosevelt recebe um capítulo, contendo, é verdade, um documento do chanceler argentino Luis Maria Drago contra o recolhimento forçado de dívidas, mas ainda assim se trata mais da hegemonia norte-americana no Caribe e na América Central do que do relacionamento hemisférico em seu conjunto.
A seleção é entretanto pertinente, pois não há como negar a absoluta marginalidade da América Latina nas relações internacionais. Depois de seguir a ascensão econômica da "nova Roma" no século XIX, os organizadores dedicam o essencial de sua atenção para as crises internacionais e as grandes guerras deste século, que recebem uma cobertura praticamente completa. Vários historiadores reconhecem o unilateralismo dos Estados Unidos. O afastamento da Liga e o desprezo pela ONU nos anos recentes se combinam ao "imperial overstretch" e ao declínio relativo sublinhados por Paul Kennedy, mas foram também os EUA que construiram, em grande medida, o multilateralismo contemporâneo.
Os organizadores conseguiram colocar estudantes e pesquisadores em contato com os documentos "fundadores" da diplomacia dos EUA, reunindo igualmente um leque respeitável e demonstrativo de seus mais ilustres intérpretes. Trata-se, pois, de excelente obra de referência e de estudo, cujo modelo estrutural e exemplo de análise interpretativa mereceriam – por que não? – ser imitados em volume similar sobre as relações exteriores do Brasil desde 1808. Delgado de Carvalho havia elaborado algo aproximado, tanto em seu hoje esgotado História Diplomática do Brasil como no Atlas de Relações Internacionais, em cooperação com a Profª. Therezinha de Castro, ela mesma organizadora de uma também desaparecida História Documental do Brasil. Quem sabe o exemplo dos "major problems" não frutifica entre nós?
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