Este é um texto, por assim dizer, histórico, não exatamente porque desempenhou um grande papel na vida e na história da nação, mas simplesmente porque representou a continuidade da vida e da história de uma revista importante para a nação e para toda a sua comunidade acadêmica.
Com efeito, depois do falecimento de Cleantho de Paiva Leite, no Rio de Janeiro, em outubro de 1992, a RBPI corria o risco de desaparecer para sempre, e com ela toda uma etapa da história diplomática do Brasil; não que a revista tenha tido qualquer papel oficial na formulação e execução da política externa brasileira, mas é porque, graças a Cleantho, a José Honório Rodrigues e a tantos outros companheiros de viagem de seu longo itinerário no Rio de Janeiro (1958-1992), entre eles Hélio Jaguaribe, os embaixadores Lorenzo Fernandez, Roberto Campos, Amaury Banhos Porto de Oliveira, Rubens Ricupero, Luis Felipe de Seixas Corrêa, Luiz Augusto Souto Maior e tantos outros, ela sempre acompanhou, documentou, por vezes antecipou etapas relevantes da diplomacia brasileira, em suas ações e pensamento.
Quis o destino que eu tenha me encontrado com o Cleantho diversas vezes em seus últimos meses de vida, ele me pedindo sempre trabalhos para publicar, eu encaminhando o que tinha produzido de mais recente.
Por isso mesmo, quando de sua morte tomei imediatamente o cuidado de "salvar" a revista, o que naquela situação significava trazê-la para Brasília. Depois, foi preciso conseguir dinheiro para o primeiro número, o que obtive em grande medida graças ao apoio de meu amigo Stefan Bogdan Salej, um esloveno brasileiro que soube apreciar e valorizar a importância daquele momento.
Um pouco dessa história vai contada aqui nesta nota introdutória ao primeiro número de Brasília, que teve como editor o Prof. Amado Luiz Cervo.
Paulo Roberto de Almeida
A Retomada de um Empreendimento Exemplar
A revista
que ora se publica em nova série representa a preservação de um persistente e
denodado esforço de divulgação, debate e informação sobre questões ligadas à política
internacional, às relações exteriores do Brasil e à própria história do
Itamaraty, cuja continuidade ao longo das últimas quatro décadas deve-se
essencialmente à abnegada dedicação de Cleantho de Paiva Leite, cuja memória
reverenciamos neste primeiro número da fase de Brasília. Com efeito, a
existência e a manutenção continuada da Revista Brasileira de Política
Internacional estão indissociavelmente ligadas à pessoa de Cleantho e a seu
empenho em preservar no Brasil um veículo exemplar de circulação de materiais
sobre as relações internacionais e a política externa brasileira. A entrada da
revista numa nova etapa de seu itinerário editorial justifica que se faça uma
apresentação sumária de sua história e das condições de sua retomada em
Brasília.
Em 27 de
janeiro de 1954, no velho Palácio Itamaraty do Rio de Janeiro, era fundado o
Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, definido como sociedade civil
com finalidades culturais, com o objetivo de “realizar, promover e incentivar
estudos sobre problemas internacionais, especialmente os de interesse para o
Brasil”. Entre seus membros fundadores estava Cleantho de Paiva Leite, que foi
ao mesmo tempo, durante longos anos e até a sua morte, ocorrida em outubro de
1992, seu Diretor Executivo.
Em 1958, no
âmbito do plano de trabalho do IBRI, que incluia um “programa de publicações”,
era lançada a Revista Brasileira de Política Internacional, em cuja Editoria,
durante longos anos, esteve igualmente Cleantho de Paiva Leite. A RBPI
desempenhou um importante papel na difusão de matérias e documentos relativos à
política internacional, às relações exteriores do Brasil, bem como ao próprio
pensamento e prática brasileira em temas de política externa.
Decana das
revistas brasileiras de relações internacionais, que são reconhecidamente muito
poucas, a RBPI preencheu uma lacuna inestimável em nossa cultura política e
acadêmica, reunindo, nas dezenas de volumes editados quase que artesanalmente
ao longo dos últimos 35 anos, um somatório extremamente rico de informações,
análises e documentos sobre a política internacional e as relações exteriores
do Brasil. Ela constitui, assim, uma “memória escrita” privilegiada sobre a
política externa brasileira e uma fonte de referência indispensável para toda
pesquisa acadêmica sobre as relações internacionais nas últimas três décadas e
meia.
Ao falecer
seu Diretor e ao não dispor a revista de um Conselho Editorial, a RBPI perdeu
seu principal (e mesmo único) animador e financiador, colocando-se portanto o
problema de sua sobrevivência e continuidade. O próprio IBRI estava
praticamente reduzido a alguns membros remanescentes de seus órgãos de cúpula
(os Conselhos Curador e Consultivo), não diretamente engajados na
administração, confecção e circulação da RBPI, que ficou, assim, “órfã” e
ameaçada de desaparecimento.
Desde
outubro de 1992, por iniciativa deste articulista, mobilizaram-se em Brasília
diversos amigos do Cleantho de Paiva Leite que, empenhados em prestar uma
homenagem à sua memória e motivados pelo desejo de impedir o desaparecimento da
RBPI e do próprio IBRI, consideraram a hipótese de se transferir o Instituto
para Brasília, aqui passando a editar a revista. Sugestão nesse sentido foi
encaminhada em novembro de 1992 aos responsáveis pelo IBRI, por intermédio de
familiares de Cleantho, tendo sido muito bem acolhida.
Organizado
em forma de grupo de trabalho e congregando diplomatas e acadêmicos, esse
núcleo de pessoas interessadas no IBRI e na RBPI recebeu, dos membros do IBRI
reunidos no Rio de Janeiro em 27 de janeiro de 1993, mandato pleno para
encaminhar medidas tendentes a viabilizar a continuidade de ambas as
instituições. Na oportunidade, como consignado em Ata da reunião conjunta do
Conselho Curador e do Conselho Consultivo do IBRI dessa data, seus membros remanescentes
aprovaram por unanimidade proposta no sentido de outorgar “todos os poderes
necessários ao Embaixador Sérgio Guarischi Bath [Diretor do Instituto Rio
Branco] para reconstituir a composição desses dois órgãos, designar o novo
Diretor do IBRI e o novo Diretor de sua Revista e adotar todas as providências
necessárias ou convenientes para a continuidade institucional do IBRI e a
manutenção financeira e editorial de sua revista”.
Esse “grupo
de amigos do Cleantho” elaborou proposta de novo Estatuto para o IBRI,
providenciou locais adequados para sua instalação em Brasília (na UnB) e deu
início aos trabalhos de elaboração e publicação da RBPI, segundo princípios
editoriais renovados. Como resultado dessas gestões preliminares, foi
realizada, em 6 de julho de 1993, no Instituto Rio Branco, reunião de fundação
do IBRI de Brasília, com a designação de nova Diretoria e Editor responsável
pela RBPI. Foi eleito como Diretor Geral do IBRI o Professor José Carlos Brandi
Aleixo, cientista político e pesquisador reconhecido nos meios acadêmicos e
diplomáticos, com inúmeros trabalhos publicados no Brasil e no exterior. O
Professor Alcides Costa Vaz se desempenhará como Secretário Executivo do novo
Instituto, tendo assumido os cargos de Primeiro e Segundo Tesoureiros a
Professora Luciara Silveira de Aragão e Frota e o Ministro Adolf Libert
Westphalen, respectivamente. O Embaixador Sérgio Bath, o Conselheiro Paulo
Roberto de Almeida e o Professor José Flávio Sombra Saraiva atuarão no Conselho
Fiscal da nova entidade.
A RBPI
inicia sua etapa de Brasília com novo formato, nova série e nova numeração,
preservando-se contudo a “herança histórica” da RBPI do Rio de Janeiro. Ela
passa a ser orientada por Conselho Editorial amplamente representativo das
categorias mobilizadas para a preservação do IBRI. Os membros fundadores do
IBRI de Brasília recomendaram à Diretoria eleita que indicasse para exercer as
funções de Editor da RBPI o Prof. Amado Luiz Cervo, especialista em relações
internacionais, Titular de História das Relações Exteriores do Brasil do
Departamento de História da UnB e autor de importantes trabalhos sobre a
política exterior do Brasil. Ela passa, assim, a dispor de condições humanas e
materiais para manter-se, pelas próximas décadas, como um instrumento essencial
de comunicação, informação e debate sobre as questões que estiveram na origem
de seu estabelecimento. Cumpre-se, dessa forma, o desejo intelectual pelo qual
sempre se bateu Cleantho de Paiva Leite. Longa vida à decana das revistas de
relações internacionais do Brasil.
Paulo Roberto de Almeida
359.
“Revista Brasileira de Política Internacional: A Retomada de um Empreendimento
Exemplar”, Brasília: 8 julho 1993, 3 p. Reelaboração do texto anterior, com
menção à figura do Cleantho, para servir de Apresentação ao primeiro número da
nova série da RBPI. Publicado na Revista
Brasileira de Política Internacional (nova série: Brasília: ano 36, nº 1,
1993, p. 5-7). Relação de Publicados n. 135.
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