O trabalho mais recente publicado:
Mundorama (20/05/2015;
Relação de Originais n. 2822; Publicados n. 1178.
Da diplomacia dos antigos comparada à dos modernos, por Paulo Roberto de Almeida
Sob
a inspiração e com o devido copyright moral corretamente atribuído a um
antecessor bem mais antigo e famoso: Benjamin Constant (De la liberté des anciens comparée à celle des modernes, discurso em 1819; disponível: http://www.panarchy.org/constant/liberte.1819.html; acesso em 21/04/2015).
Messieurs,
Eu me proponho submeter-vos algumas distinções – ainda bastante novas chez nous – entre dois gêneros de diplomacia, cujas diferenças recíprocas podem ter, hélas,
permanecido despercebidas até aqui, ou que, pelo menos, foram pouco
ressaltadas pelos ensaístas. Uma é a diplomacia tradicional, tal como
praticada pelos antigos, bastante apreciada por eles, tanto pelos
profissionais do ramo, quanto pela sociedade em geral. A outra, é esta
que estamos vendo implementada pelos modernos, e que lhes parece, a
eles, perfeitamente adequada às necessidades do país, quando, na
verdade, ela só contempla os interesses do pequeno grupo que a formulou e
que a conduz. Tal exercício de comparação, se não me engano, me parece
interessante por duas razões principais.
Primeiramente, a confusão entre as duas
espécies de diplomacia constitui entre nós, sobretudo numa época
revolucionária como esta, a causa de muitos males. O país parece ter
cansado de tantos experimentos inúteis, cujos autores, irritados pelo
pouco sucesso que tiveram nessas experiências amadoras, ainda tentam
constrangê-lo a aceitar tudo aquilo que a sociedade manifestamente não
quer. Em segundo lugar, porque o governo atual veicula uma noção de
democracia e de participação popular que está nas antípodas do que se
descobriu serem os desejos – talvez confusos – dos estratos mais
esclarecidos da sociedade, que se redescobre um poder que, até aqui, ela
acreditava não possuir. Abrem-se, portanto, perspectivas diferentes
daquelas que tivemos até há pouco, desde a ruptura entre os tempos dos
antigos e esta época dos modernos, chances talvez nunca antes percebidas
pela opinião pública mais engajada na participação cidadã.
Eu sei que se tenta confundir a exata
apreensão e a correta compreensão dessa realidade, apelando para falsos
sinais de adequação entre a diplomacia moderna e a antiga, supostamente
equivalentes, ou ainda, tomando a primeira como funcionalmente superior à
segunda, o que é obviamente falso. A própria opinião pública hesita
quanto aos caminhos e ações que devem ser tomados para realmente
conciliar o que era forte e valioso, nos tempos antigos, e o que de novo
lhe pretendem vender como sendo a sua vontade, mas que, aparentemente,
nada mais é senão o chamado ouro dos tolos, a eterna mercadoria do
populismo, envelopado na fantasia da mistificação. Vamos, portanto,
neste exercício, efetuar as distinções que se impõem entre os dois tipos
de diplomacia.
Da diplomacia dos antigos (sem qualquer demérito pela antiguidade)
Os tempos antigos, do Ancien Régime,
não eram perfeitos, como todos sabem. Depois de convulsões políticas e
sobressaltos econômicos, a nação parecia finalmente ter encontrado o
caminho da estabilização, da previsibilidade, de um futuro um pouco
menos confuso e incerto, do que aqueles que prevaleciam nos tempos da
tirania, ou mesmo durante a fase de reconstrução do regime de
liberdades, época assaz agitada pela demagogia política, pela
exacerbação das vontades, muito perturbada pelo rebaixamento excepcional
das moedas em circulação (foram várias). Ainda se teve de fazer ajustes
de meio de percurso, mas, ao fim e ao cabo dos tempos antigos, tudo
parecia ter entrado nos eixos para a retomada de um processo sustentado
de crescimento e de prosperidade. As dores da transição foram
rapidamente sanadas, tanto porque os modernos prometiam respeitar velhos
acordos e convenções já formalizadas pelos antigos, e se propunham
elevar ainda mais o novo respeito alcançado pelo país nos cenáculos
externos.
No que se refere especificamente à
diplomacia, a dos antigos sabia preservar o legado de tradições
profissionais ainda mais antigas, e estava, senão codificada, pelo menos
sistematizada num conjunto de práticas e de posturas que contemplavam
os grandes interesses da nação na frente externa, sem constituir
necessariamente uma alavanca poderosa para o seu desenvolvimento. Mas
isto se devia a que ela era efetivamente tradicional, e se apegava ainda
a velhas doutrinas que, se tinham tido sucesso em determinadas épocas,
talvez não se prestassem mais aos novos tempos de abertura econômica e
de liberalização comercial. Os diplomatas do Ancien Régime
tinham sido treinados em escolas que valorizavam antigas noções de
independência nacional e de autonomia tecnológica, de tempos nos quais
se justificava o mercantilismo e se promovia, até com orgulho, a
autarquia. No geral, contudo, eles sabiam distinguir, de modo bastante
claro, entre os interesses do Estado (e da nação) e os dos grupos
políticos que a dividiam em correntes contraditórias, passavelmente
opostas entre si.
Mais importante, talvez, não tanto quanto
aos temas e posturas, mas quanto aos procedimentos e formas de
trabalho, a diplomacia dos antigos se desenvolvia mediante processos e
métodos formalizados e rotineiros, que constituíam uma cadeia previsível
de decisões, transparente, eficiente. Seu formato era o de uma perfeita
pirâmide: na sua base estavam os trabalhadores manuais, aparentemente
assimilados aos antigos ilotas, mas perfeitamente treinados nas técnicas
e inseridos numa organização que sabia valorizar a competência primária
e a responsabilidade individual sobre dossiês adrede distribuídos pelas
áreas de competência específica. Cada uma destas era chamada a se
manifestar sobre um determinado assunto, congregando opiniões e
argumentos – todos eles rigorosamente apoiados em dados empíricos e
simulações de efeitos – que depois eram assemblados e levados à
consideração do nível superior para sua ultimação sob a forma de
instrução, prontamente transmitida a um dos muitos agentes da
instituição no exterior. Os tribunos eleitos reconheciam o valor da
organização e vários chefes do Ancien Régime se valiam dessas
competências, trazendo para trabalhar junto de si um determinado número
desses profissionais, que podiam assim se exercer diretamente no centro
de comando de decisões políticas. Aparentemente funcionou a contento de
todos.
Este era o universo dos antigos, no campo
da diplomacia; suas tarefas não eram unicamente compostas de missões
informativas ou representativas, mas também de um papel formulador e
executor da própria substância da política exterior que o soberano
pretendia implementar, sempre sob estreito aconselhamento e consultas
constantes entre os técnicos e os responsáveis últimos pelas decisões.
Plebeus e aristocratas conviviam nessa atmosfera ainda um pouco
patrimonialista, pois as regras eram conhecidas de todos, e mesmo servos
de gleba podiam aspirar, um dia, alcançar pelos seus próprios méritos
uma posição de maior realce na hierarquia disciplinada que constituía o
edifício diplomático dos antigos. Alguns membros da casta compareciam à
ágora, em algumas ocasiões, para explicar aos cidadãos as razões de tais
e tais escolhas; no mais das vezes, contudo, se tratava de um clã
bastante discreto e reservado, mesmo se alguns ousavam, por vezes,
assinar escritos explicativos ou mesmo panfletos interpretativos. Os
meios não eram especialmente abundantes, mas eram suficientes para o
correto desempenho das missões que lhes eram atribuídas, de modo claro,
direto, devidamente registradas nos anais e expedientes cuidadosamente
preservados e regularmente arquivados.
Messieurs, estou sendo, par hasard,
condescendente com a diplomacia dos antigos? Não creio, tanto porque
frequentei muito esses meios e sei do que vos falo, tanto pela minha
experiência pessoal de terreno, quanto por delongados estudos e as
muitas missões empreendidas a serviço dos barões daqueles tempos. Não
pretendo que ela fosse perfeita, longe disso, mas parece ter sido
bastante respeitada, na região e fora dela, chegando mesmo alguns
vizinhos a inventar esse provável exagero ao dizer que essa diplomacia
nunca improvisava. Não estou muito seguro disso, e creio mesmo que ela
devia improvisar de tempos em tempos, uma vez que algumas decisões
tinham de ser tomadas mesmo com escassa informação disponível, inclusive
porque o pessoal era limitado em número – a despeito de ser de
qualidade notoriamente superior à de outros serviços – e também porque a
agenda de negociações não esperava que estivéssemos totalmente prontos
para nos impor toda a sua urgência e sua grande complexidade.
Muitas vezes suávamos frios em
conferências multilaterais, quando decisões relevantes para a economia
nacional tinham de ser tomadas, mesmo na ausência de instruções precisas
da capital, ou em face de orientações lacunares e insuficientes para
adotar uma das opções sobre a mesa; nessas horas valia a experiência do
negociador, seu conhecimento dos dossiês, e algum tirocínio do que fosse
o interesse nacional, em toda a sua complexidade, livre de qualquer
amarra da política vulgar. À falta de instruções seguras da capital,
podíamos ser conservadores, mas sempre animados de propósitos legítimos:
preservar os ganhos já alcançados pelo país na economia mundial,
avaliar eventuais ganhos oferecidos pelas novas regras que se cogitava
implementar, e decidir, apoiados no melhor conhecimento de que se
dispunha, as opções apresentando as melhores vantagens comparativas,
ainda que relativas, como ensinou mestre David Ricardo. Havendo
cláusulas de exceção, ou reservas quanto a dispositivos intrusivos, se
podia fazer recurso a esse tipo de expediente de escape, ou de socorro.
Opções abertas sempre são de melhor alvitre do que obrigações muito
rígidas ou regras inderrogáveis.
Em resumo, a antiga diplomacia, ou a diplomacia dos antigos, era um mélange
de conservação e de renovação, de cautela e de ousadia, de passos bem
medidos, com poucas rupturas de continuidade, tudo meticulosamente
registrado, documentado, para iluminar a memória dos contemporâneos com
os registros do passado, e para instruir os futuros cronistas sobre os
motivos de terem sido conduzidos os assuntos em tal ou tal sentido, num
serviço tão tradicional quanto circunspecto em sua maneira de ser. Mais
importante: éramos respeitados em função do nosso saber (feito, na
verdade, bem mais de experiência adquirida) e da dedicação ao estudo dos
dossiês. Até se dizia, vejam só, que representávamos o consenso
possível em matérias sempre tão complexas quanto são os assuntos
exteriores, envolvendo soberania e, mais que tudo, a credibilidade
nacional.
Voilà Messieurs, creio ter traçado um retrato peut-être trop flatteur,
mas assaz realista da diplomacia do Ancien Régime, sem sequer precisar
abordar algum tema de substância, apenas me limitando ao seu espírito,
ao seu modo de ser, vale dizer, à sua natureza profunda. Não é preciso,
aliás, penetrar nas querelas políticas, ou nas disputas dos políticos –
sempre mutáveis e inconstantes –, para refletir sobre as características
dessa diplomacia que criou escola e deixou saudades em espíritos mais
sentimentais. Ela constituía, acima de várias outras qualidades, um modo
de ser, o resultado natural de uma longa evolução, um estilo muito
peculiar entre todos os demais serviços do Estado. E, se me permitem uma
referência literária, retirada do nosso caro Buffon, em seu discours de réception na Academia, ousaria dizer que, nessa diplomacia dos antigos, le style c’est l’homme même,
ou seja, ela era fundamentalmente uma maneira de ser, ou então, de
navegar, entre um porto e outro de todas as representações abertas ao
engenho e arte dos nossos nômades profissionais.
Messieurs, essa era a diplomacia
dos antigos, como penosamente me vem agora à mente umas poucas
lembranças, fugidias, de uma época que não parece muito perto de voltar,
uma vez que estamos reduzidos à diplomacia dos modernos, nestes tempos
não convencionais, nunca antes vistos num país tão contraditório e tão
cheio de surpresas.
Da diplomacia dos modernos (e das surpresas que ela trouxe)
O que traz a diplomacia dos modernos a
esse ambiente já vetusto, mas jamais empoeirado, que constituía a
diplomacia dos antigos num país em transformação? O que poderia ela
representar de novo para um serviço talvez enclausurado na sua
suficiência, infenso às reviravoltas do poder, mas jamais distante das
preocupações fundamentais da nação? Do que seria feita a modernidade
numa área tão sensível da ação estatal?
Aos olhos de alguns, parecia que,
finalmente, se instalava o republicanismo por entre as colunas um
tantinho aristocráticas, quase monárquicas, do Ancien Régime. A chegada
dos modernos foi cantada em prosa e verso como sendo o reencontro da
nação com suas raízes profundas, certamente mais rústicas do que os
trejeitos das elites nos ambientes acarpetados dos palácios de função. A
nação parecia prestes a resgatar certas dívidas antigas, tão antigas
quanto as oligarquias carcomidas que rapidamente foram se aliando aos
novos representantes da modernidade ensaiada, estes ainda incertos sobre
como controlar aquela máquina imensa, quase uma imensa caverna
regurgitando de tesouros insuspeitos. Lampedusa, provavelmente, saberia
encontrar as palavras certas para fazer a descrição fiel da nova
situação, e poderia escolher as boas imagens para representar os
cristãos-novos da modernidade anunciada em tons algo triunfalistas.
Não se tinha percebido ainda qual era o espírito dessa república de fachada, à la
Potemkin, com muita figuração e pouco conteúdo, muito discurso e pouca
substância, com excesso de publicidade e grau extremamente baixo de
realizações. Na verdade, se manteve, no começo pelo menos, muitas das
orientações gerais que tinham sido legadas pelo Ancien Régime,
mesmo se este era denunciado desonestamente por alguma herança que se
pretendia malfadada. Eram arroubos de aprendizes, em meio à preservação
das anteriores linhas de conduta no tocante ao que importava: o emprego,
a moeda, o valor das pequenas coisas, a credibilidade das regras
estáveis. As coisas só começaram a se complicar, realmente, do meio para
o fim, mas na diplomacia a coisa se precipitou.
A diplomacia dos antigos foi mudada desde
o início, em nome de uma suposta modernidade que hoje se considera ser
uma mera volta atrás na roda da História, um retorno a velhas concepções
que acreditávamos terem sido superadas por experiências já testadas e
desacreditadas pelos fracassos acumulados em anos e décadas de ensaios e
erros, inclusive em tentativas frustradas dos antigos. As concepções
que comandaram as mudanças já estavam sedimentadas desde longas décadas
nas mentes dos soi-disant modernos; alguns deles, aliás,
conseguiam ser ainda mais coerentemente anacrônicos: eles mantinham as
mesmas ideias desde os tempos em que o Império distribuía as cartas um
pouco em todas as partes do universo, sobretudo no hemisfério, e
pretendiam aplicá-las aos novos tempos, como se o mundo tivesse se
mantido tal qual, como se o Império fosse o mesmo, depois de quatro ou
cinco décadas de mudanças não controladas.
Os modernos pretendiam rejeitar qualquer
aliança com os representantes do Império e estabelecer uma parceria dita
estratégica com os representantes do Império do Meio, que eles
acreditavam ser os novos aliados preferenciais. Sequer se lembravam de
uma velha frase do mais famoso imperador do Oriente, segundo quem o
imperialismo era apenas um “tigre de papel”, e como tal deveria ser
tratado. Esses companheiros orientais, por falar nisso, abandonaram
antigas diatribes anti-imperialistas e trataram de usar a seu proveito,
na máxima extensão possível, as benesses do velho Império – que
continuava novo, na verdade – para negócios dos mais diversos tipos:
troca de saberes, comércio ampliado, investimentos, pirataria,
contrafação, possibilidades no campo das capacitações humanas em ciência
e tecnologia, enfim, tudo aquilo em que o Império imperialista (se nos
perdoam a redundância) continua primando pela excelência.
Totalmente ignaros quanto a essas
mudanças certamente dialéticas, os modernos inventaram uma tal de
“mudança no eixo das relações de força no mundo”, para a qual pretendiam
contar com o apoio e a ação conjunta dos companheiros orientais, mas
nisso se viram frustrados pelo pouco companheirismo e reduzida
coordenação da parte dos novos companheiros. Eles até queriam inaugurar
essa trouvaille bizarre que seria uma “nova geografia
do comércio internacional”, feita essencialmente de relações Sul-Sul,
como se esses intercâmbios tivessem de ser feitos à exclusão de todos os
demais, com os velhos parceiros do Norte, aliás bem mais providos de
mercados e de créditos do que os novos, os do Sul, recorrendo, por
vezes, a insolvências e outras práticas heterodoxas, digamos assim. Os
modernos nem se deram conta que os companheiros orientais já tinham
inaugurado, bem antes, a tal de “nova geografia do comércio
internacional”, que era feita, justamente, de suas exportações de todos
os tipos de produtos para todos os parceiros possíveis, com ênfase
especial nos mercados dos velhos imperialistas, os mais atrativos a que
podem aspirar os emergentes dinâmicos da economia mundial.
Em outra iniciativa infeliz, os modernos
se empenharam em implodir propostas dos velhos imperialistas de
liberalizar o comércio no âmbito regional, alegando que o que eles
pretendiam não era bem integração, e sim um projeto de anexação,
perverso portanto, e como tal devendo ser devidamente sabotado pelos
novos anti-imperialistas no poder. Tal foi feito, com sucesso
surpreendentemente rápido, tendo os modernos encontrado aliados
complacentes (ainda mais anti-imperialistas) no próprio continente, o
que permitiu uma implosão rápida, definitiva, sem apelo, desse projeto
imperialista. Menos feliz foi constatar que os demais possíveis
parceiros na luta anti-imperialista logo apelaram ao império para que
este negociasse tratados bilaterais de adesão, que lhes permitisse
acesso privilegiado ao mercado dos velhacos imperialistas. Ah, ces lâches, ces traîtres! Eles não percebem que estão se metendo na jaula do leão.
Inabalados por essas surpresas
desagradáveis, os modernos buscaram expulsar o império de todas as
instâncias de coordenação e consulta da região, e assim também foi
feito, com a constituição de novas entidades, exclusivamente regionais,
numa mostra de orgulho e de afirmação identitários que certamente
contaria com a plena aprovação dos próceres da independência, esses
antigos heróis da pátria continental, enfim liberta da tutela imperial e
de influências nefastas vindas de parceiros não desejados. Mais um
sucesso, igualmente, nessa nova empreitada, e assim passamos a dispor,
graças aos modernos, de entidades dedicadas exclusivamente aos
interesses regionais, mesmo se esses interesses estavam difusamente
representados nas novas estruturas para poder cumprir adequadamente o
que supostamente eram os seus objetivos: integrar todos num impulso
vital em direção de um novo tipo de desenvolvimento, autônomo, integral,
justo, igualitário, inclusivo, progressista, soberano, ativo e altivo, bref, moderno.
Não importa muito se essa modernidade se
fez em torno de velhas ideias, as tais defendidas pelos modernos,
retiradas por eles de velhos alfarrábios de outras eras, feitas de muita
intervenção estatal, de dirigismo, de protecionismo, de espaços para a
implementação de políticas setoriais de desenvolvimento nacional. Tudo
isso, ao fim e ao cabo, vai contra os objetivos da integração que se
pretende impulsionar mediante projetos grandiosos traçados nas
conferências de cúpula e nos encontros políticos. Enfim, não se pode
pretender que tudo se faça ao mesmo tempo, e que tudo aconteça como num
passe de mágica, inclusive, naquilo que funcionava antes. Existia, por
exemplo, um pequeno espaço de livre comércio, que deveria evoluir para
uma união aduaneira, e depois, de maneira otimista, para um mercado
comum, como o daqueles velhos europeus imperialistas. O fato é que essas
coisas meramente comerciais foram julgadas pouco condizentes com o novo
espírito inclusivo, progressista, dos modernos. Não houve hesitação: o
ânimo mesquinhamente comercialista que tinha presidido à assinatura dos
velhos acordos foi substituído pela nova abertura de espírito, social,
inclusivo, avançado e progressista, dos novos acordos rapidamente
concluídos, todos eles destinados a melhor defender os direitos sociais
dos trabalhadores, mesmo se o comércio – esse outro grande traidor das
melhores esperanças – insistia em diminuir perigosamente de volume e
enfrentar alguns sobressaltos imprevistos.
No terreno dos procedimentos, finalmente,
as mudanças foram sensíveis, lato senso, e muito pouco sensíveis,
estrito senso. A começar pela famosa pirâmide dos processos decisórios,
rapidamente invertida pelo esprit partisan, dito de centralismo
democrático (na verdade autoritário) dos modernos. Os ilotas
responsáveis pelo trabalho duro em cada uma das áreas e células em que
se tinha organizado a casa antiga, numa divisão social do trabalho dada
pelas competências técnicas de cada um, passaram a ser mais orientados
pela linha do comitê central, do que preferencialmente pela análise
técnica de cada assunto do dossiê; assim, todo o processo começou a
funcionar de modo estranhamente alterado, de cima para baixo, e não
segundo o curso natural das coisas, como ocorria no Ancien Régime.
De resto, como explicar decisões bizarras e tomadas de posição
inéditas, que dificilmente teriam emergido a partir do fluxo normal de
estudo dos temas, baseado na memória dos antigos e nos maços da memória
coletiva? Aliás, pergunta-se até onde, e se, algumas delas estão
devidamente registradas nos cartapácios onde antigamente se guardava
todo o itinerário anotado das instruções adotadas?
Que reste-t-il de tout cela? Une photo, vieille photo, d’une ancienne demeure?
Messieurs, o quadro que estou
traçando pode parecer exageradamente sombrio, e pouco condizente com as
novas disposições dos modernos, mas o fato é que nenhum dos objetivos
que eles mesmos se tinham fixado para sua diplomacia ativa e altiva – e
soberana, cela va sans dire – foram alcançados, e não foi por falta de empenho: não só o representante le plus en vue
dos modernos saiu pelo mundo em desabalada carreira de viagens,
visitas, convescotes e outras conferências grandiosas, como também o
assessor principal para essas coisas de soberania passou o tempo todo
indo de um aeroporto a outro, de uma capital a outra. Era preciso
proclamar os novos tempos e as intenções de mudança nas relações de
força teimosamente presentes no mundo arrogante dos velhos senhores, e
de reforma do comércio internacional, em prol da tal nova geografia.
Vous savez, Messieurs, ce qui en est résulté de tous ces projets. Enfin,
c’est le droit, pour chacun, d’influer sur l’administration du
Gouvernement, soit par la nomination de tous ou de certains
fonctionnaires, soit par des représentations, des pétitions, des
demandes, que l’autorité est plus ou moins obligée de prendre en
considération. Os modernos abusaram de todas essas prerrogativas até a exaustão, multiplicando cargos e novas agências estatais à outrance. C’est probablement par un coup de malchance que as aspirações não se materializaram; e não foi certamente por falta de presença no mundo: nenhum petit village ficou à margem da nova cartografia universal tão sabiamente desenhada pelo guia genial dos povos.
Mas, o que restou, finalmente, da
diplomacia dos modernos, comparada à dos antigos? Vejamos antes,
brevemente, em que consistia a diplomacia dos antigos, como nos
recomendaria nosso velho amigo Benjamin Constant. Ela consistia em
exercer coletivamente, mas diretamente, antigos princípios de soberania –
sem precisar ficar proclamando a sua defesa a cada instância, a cada
momento, en tout et pour tout – e a deliberar, no pleno
respeito dos processos decisórios bem experimentados, sobre todos os
acordos e os tratados de aliança e de cooperação, dos quais pleno e
integral conhecimento era dado em seguida ao corpo parlamentar da nação,
para seu debate e eventual aprovação; ela também se preocupava em dar a
devida publicidade a esses atos internacionais pelos meios disponíveis,
para que os citoyens deles tivessem consciência, sem que qualquer secret d’office fosse subtraído aos representantes da nação.
Messieurs, s’il y a un souvenir qui me poursuit sans cesse, c’est celui-ci : ele pode até parecer une vieille chanson d’automne,
mas ele se baseia nas boas qualidades da diplomacia dos antigos em
comparação com essa, supostamente “moderna”, dos modernos. Em todos os
pontos de substância, e mesmo nos de organização e métodos, em torno dos
quais as duas foram exercidas, em suas respectivas plenitudes, não
encontro modernidades efetivas na diplomacia dos modernos, só velharias,
e muitos fracassos acumulados. Alors, que reste-t-il des beaux jours das parcerias estratégicas, escolhidas entre os anti-hegemônicos, que prometiam nos conduzir aux sommets des inner circles do poder mundial, a tal de democratização das relações internacionais? Que reste-t-il
da fabulosa organização sem a tutela do império, que pretendia manter a
democracia e inaugurar uma nova era de desenvolvimento inclusivo, com
comércio ampliado entre os parceiros progressistas e novos direitos
assegurados a todo o povo trabalhador? Que reste-t-il de tout cela? Une photo, vieille photo?
O fato é, Messieurs, que a
diplomacia dos modernos falhou, miseravelmente, nas suas expectativas
mais otimistas, e até nas mais prosaicas, aquelas que dependiam da
concordância dos novos aliados e parceiros estratégicos para mudar
irreversivelmente o velho mundo dos velhacos imperialistas. Existem,
claro, novos e ambiciosos órgãos, como esses bancos de financiamento
estatal, que proliferaram como champignons après la pluie, e
que deveriam trazer novos negócios para nossos mais valentes
capitalistas. Mas a realidade é que não falta dinheiro no mundo; o que
falta, na verdade, são bons projetos para serem financiados com o
dinheiro privado dos capitalistas, sempre ávidos para colocar seus
recursos em coisas que lhes permitam retornos razoáveis.
Esta é, de fato, uma pergunta que je me fais, Messieurs:
se existe tanto dinheiro privado pelo mundo, por que fazer arranjos
financeiros oficiais em todos esses bancos estatais, por que dispersar o
dinheiro público, quando ele deveria se dirigir às nossas necessidades
realmente sociais e mais urgentes? E se uma análise de custo-benefício
indicar que não caberia realizar investimentos que tiveram uma decisão
puramente política em seu desenho e avaliação? O que fazer com tantos
capitalistas promíscuos que se aproximam dos modernos apenas para
arrancar os parcos recursos? E o que dizer dos impostos de todos os citoyens que são canalizados para projetos duvidosos no exterior, et
qui plus est, tenus dans le plus grand secret ? C’est cela une marque
de diplomatie, par hasard ? La diplomatie du secret, du cache-cache ?
J’avoue, Messieurs, que je n’ai pas de réponses à toutes ces questions. Começo a desconfiar – mas esta já era uma suposição de départ
– que a diplomacia dos ditos modernos é feita, na verdade, de
velharias, de ideias muito antigas, que se aposentaram em outras
paragens e que acabaram aportando por aqui e aqui ficando, pois
encontraram terreno fértil na cabeça de certos amadores da diplomacia,
uma tribo de exóticos e de sonhadores que ainda não atinou, hélas,
que o mundo mudou, e que eles, sem perceber, acabaram ficando
anacrônicos. E se por acaso estivéssemos todos enganados, no sentido em
que os antigos são os verdadeiros modernos, e que os tais modernos se
revelaram surpreendentemente en arrière des faits et des choses ? Voyez bien, honnêtes gens!
Pode até ser que este meu relatório de minoria, Messieurs, não sirva para muita coisa, em nossos tempos não convencionais. Mas não hesito em apresentá-lo aos senhores, na esperança (peut-être illusoire) de que seu esprit de contradiction possa convencer de ce formidable bouleversement du monde alguns céticos dispersos dans
cette ancienne demeure, riche de traditions, par trop respectable, mais
devenue – comment le dire Messieurs? – dispensable, superflue,
négligeable?
Como diriam em certas terras exóticas,
talvez bizarras: não há bem que sempre dure, não há mal que nunca se
acabe. Os anos de bonança, quando tudo parecia fácil e alcançável,
parecem aujourd’hui révolus. É tempo de pensar em revisar
certas ideias fora de lugar e fora de época; é hora de repensar os
fundamentos dessa tal de diplomacia dos modernos. Mal parafraseando os
epígonos, ela se parece com aquelas estruturas sociais desajustadas,
perdidas na transição entre dois modos de produção, e que não
conseguiram combinar muito bem as forças produtivas da nação, uma
infraestrutura pujante ainda que contida por um Estado feudal, e a
superestrutura das relações de produção, que carecem de que lhes quebrem
os grilhões que as prendem a noções antiquadas, contaminadas pela
poeira dos tempos, mesmo que pouco convencionais. L’édifice bien décoré proposé en tant que modèle et hautement chanté par les modernes ce serait-il, finalement, écroulé ?
Il est temps, Messieurs, de repartir,
alors, pour de bon. J’ai confiance que les bonnes idées prévaudront,
car ce sont elles qui sont les bonnes, même anciennes. En fait,
Messieurs, les modernes, sommes nous. Ils sont les arriérés, les âmes
candides, les décervelés. Défions-nous donc, Messieurs, de cette
admiration béate, déplacée, qu’ils entretiennent pour certaines idées
qui semblaient modernes, mais qui, en fait, ce sont des réminiscences
antiques, d’une époque complètement révolue. Libérons-nous de tout cela,
car nous ne sommes pas esclaves de concepts liés a des anciens
despotismes. La diplomatie antique, Messieurs, voilà la véritable modernité! En plus, elle défend les libertés, contre les amis des dictatures et des tyrannies.
Réjouissons-nous donc de sages
conseils de la diplomatie des anciens, car c’est elle qui nous a amené
les progrès que les civilisations réussies ont consenti à l’Humanité
toute entière. C’est elle qui nous a mené à tout ce que l’ancienne
maison de notre diplomatie a construit de bien et de durable. C’est elle
qui va nous faire revenir sur le chemin de l’avenir, car c’est elle qui
correspond le mieux à l’éducation morale des citoyens…
Nota final: o presente
texto é alegórico, no sentido mais abstrato possível, e não pretende
reproduzir nenhuma situação concreta; honni soit qui mal y pense…
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