Como vai demorar para sair, e eu já estou encerrando os escritos (ou pelo menos diminuindo o ritmo), para me dedicar à arrumação das centenas de livros, dos milhares de papéis, e dos poucos pertences pessoais, já vou divulgar aqui as mini-resenhas preparadas para a próxima revista da Associação dos Diplomatas Brasileiros (um pouco menos capitalizados, atualmente, para comprar livros editados comercialmente, e mais dedicados a ler os livros gratuitos da Funag...).
Prata
da Casa - Boletim ADB: 4to. trimestre 2015
Paulo Roberto
de Almeida
Revista da
Associação dos Diplomatas Brasileiros
(ano 23, n. 91, outubro-novembro-dezembro
2015, p. 3x-3x; ISSN: 0104-8503)
(1)
Abelardo Arantes Jr.:
A passagem do
neoestalinismo ao capitalismo liberal na União Soviética e na Europa Oriental
(Brasília: Funag, 2015, 533 p.; ISBN: 978-85-7631-549-0;
Coleção relações internacionais)
Curiosa
esta tese de doutorado (UnB): nela se descobre que o socialismo surgiu por
“deficiências do liberalismo no Ocidente”, que a contrarrevolução estalinista
de 1923-27 traiu o marxismo-leninismo e os trabalhadores e está na origem dos eventos
de 1989-91, quando a elite neoestalinista, numa espécie de conspiração para
continuar no poder, efetuou sua conversão ao liberalismo. A tese é uma verdadeira
revolução na história da Europa oriental e na do marxismo: a derrota do
socialismo pode não ter sido definitiva e movimentos revolucionários de cunho
socialista podem ser retomados; a elite neoestalinista usa malabarismos ideológicos
para manter-se no poder, em aliança com a elite liberal. Mas seria o período
pós-1991 marcado pelo “predomínio absoluto da hegemonia ocidental”? E será a
Rússia pós-soviética um capitalismo liberal? Curioso...
(2)
Paulo
Cordeiro de Andrade Pinto:
Diplomacia e
política de defesa: o Brasil no debate sobre a segurança hemisférica na
década pós-Guerra Fria (1990-2000)
(Brasília:
Funag, 2015, 262 p.; ISBN: 978-85-7631-566-7; Coleção CAE)
A tese não foi publicada
quando devia e ficou defasada: já não se está nos anos 1990 quando os perversos
imperialistas pretendiam fazer das FFAA os cães de guarda dos seus interesses
na região: luta contra o narcotráfico e coisa e tal. Muita coisa mudou e o
debate ficou para trás. O que mudou foi a criação de instâncias próprias de
defesa no âmbito sul-americano, que aliás pretende a mesma coisa que os
imperialistas expulsos: a promoção da coexistência pacífica regional, no que o
Brasil está empenhado, mas sem os intrometidos. Aqui se superou a “reticência
brasileira”. O mais importante, porém, seria saber contra quem, exatamente, exercer
a defesa, com quais ferramentas e alianças fazê-lo. Quem sabe está na hora de
reabrir o debate e discutir seriamente a questão, sem paranoias e sem falsos
amigos? A tese oferece a base histórica para começar a pensar.
(3)
Luiz
Alberto Figueiredo Machado:
A plataforma
continental brasileira e o direito do mar: considerações para uma ação política
(Brasília:
Funag, 2015, 174 p.; ISBN: 978-85-7631-555-1; Coleção CAE)
Publicada 15 anos
depois da defesa, a tese do ex-chanceler (então conselheiro) integra um pequeno
grupo de trabalhos altamente especializados sobre o direito do mar e os
interesses brasileiros nos diversos aspectos dessa área anteriormente
insondável, e agora devassada justamente em função de trabalhos técnicos de
grande qualidade sobre a “ultima fronteira física” do Brasil, algumas vezes
designada como “Amazônia azul”. A análise histórica e jurídica para trás
permanece inteiramente válida, e as tarefas à frente caminham no sentido aqui
discutido, o que confirma, não um caráter visionário, mas a adequação dos
argumentos de 2000 às realidades do presente (e não apenas em função do
pré-sal). Muito do que se fez, pelo Itamaraty e outros órgãos, em prol da extensão
dos limites da plataforma brasileira, seguiu o roteiro traçado neste livro.
(4)
Renato Baumann et alii:
BRICS: estudos
e documentos
(Brasília:
Funag, 2015, 350 p.; ISBN: 978-85-7631-546-19; Coleção relações
internacionais)
Dois diplomatas
participam desta obra coletiva: Flávio Damico, de um ponto de vista histórico,
analisa em primeiro lugar as razões históricas, econômicas e políticas que
marcaram a passagem de uma simples sigla para uma realidade
político-diplomática dotada de certo peso na comunidade internacional (embora
muito disso se deve à China, quase exclusivamente). Carlos Márcio Cozendey,
negociador internacional na área econômica, trata dos dois instrumentos
aprovados na cúpula de Fortaleza, o Novo Banco de Desenvolvimento e o Acordo Contingente
de Reservas. O título desse capítulo é, aliás, significativo: “Visão ou Miragem?”
Cada país deve ter a sua visão sobre esses processos, mas a forte ênfase
estatal em cada uma de suas iniciativas pode transformar tudo isso em miragem
(o autor acha que não), se não forem simples utopias. A ver...
(5)
Valério
de Oliveira Mazzuoli; Eduardo Bacchi Gomes (orgs.):
Direito da Integração Regional: diálogo
entre jurisdições na América Latina
(São
Paulo: Saraiva, 2015, 590 p.; ISBN: 978-85-02-62745-1)
Um único
diplomata neste volume coletivo: Otávio Cançado Trindade, que assina um estudo
da jurisprudência internacional em matéria de controvérsias entre Estados no
campo dos direitos humanos. Entre 1794 e 1900 ocorreram 177 arbitragens entre
Estados, e só nos últimos 15 anos 80 Estados participaram de procedimentos
contenciosos na Corte Internacional de Justiça, mas existem diferentes
instâncias, mais de 20 foros, com funções judiciais ou quase judiciais. As
questões de direitos humanos não costumam integrar controvérsias no campo da
integração regional, geralmente limitadas a problemas comerciais, ou
econômicos, no sentido amplo. O ingresso da Venezuela bolivariana no Mercosul
pode, justamente, suscitar questões relevantes na área, mas os estudos do autor
cobrem basicamente casos no âmbito europeu e da ONU.
(6)
Nilo
Dytz Filho:
Crise e reforma da Unesco: reflexões
sobre a promoção do poder brando do Brasil no plano multilateral
(Brasília:
Funag, 2014, 334 p.; ISBN: 978-85-7631-511-7; Coleção CAE)
Houve um tempo em
que a Unesco gastava a maior parte do seu orçamento na própria sede, ou pelo
menos em Paris e arredores, uma das razões, junto com seu terceiro-mundismo rastaquera e a visão contrária ao chamado Ocidente, pelas quais os EUA se afastaram do órgão.
Isso passou, mas a organização continua precisando de reformas, a serem feitas
por uma auditoria externa, independente. Em 2011, os EUA, novamente, cortaram a
sua dotação, por causa da admissão da Palestina. O Brasil tem poder, brando ou
outro qualquer, para influenciar em processos ulteriores de reforma? A Unesco
está à venda, como pergunta o próprio autor? Brando ou não, esse poder só se
materializa com mais dinheiro. O Brasil está disposto a colocar mais dinheiro
em Paris, ainda que seja para países em desenvolvimento? O mais provável é que
a Unesco continue em crise.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 4 de setembro de 2015, 3 p.
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