Meu artigo mais recente, recém publicado:
Contra as
parcerias estratégicas: um relatório de minoria
Revista Monções: Revista
do Curso de Relações Internacionais da UFGD (vol. 4, n. 7, jan.-jun. 2015, pp.
113-129; ISSN: 2316-8323; dossiê sobre “As parcerias estratégicas
na política externa brasileira contemporânea: um balanço necessário”;
Relação de Originais n. 2832; Relação de Publicados n. 1192.
Sumário:
1. O que é estratégico numa parceria?
2. Quando o estratégico vira simplesmente tático
3. Parcerias são sempre assimétricas, estrategicamente desiguais
4. A experiência brasileira: parcerias ex-ante,
frustração garantida
5. A proliferação e o abuso de uma relação não assumida
Resumo: Ensaio analítico e opinativo deliberadamente contrário ao princípio e à aplicação das chamadas parcerias estratégicas, com exame da experiência brasileira nessa área nos últimos 15 anos. Depois de dissecar o fenômeno, bastante disseminado no período recente, de estabelecimento de parcerias estratégicas, o ensaio argumenta que elas possuem muito pouco de verdadeiramente estratégico, constituindo bem mais expedientes táticos empregados por Estados para reforçarem a defesa e a promoção de seus interesses nacionais exclusivos na cena internacional. Geralmente de cunho bilateral, uma parceria estratégica não corrige nenhuma das diferenças ou assimetrias estruturais que necessariamente existem entre os parceiros. São repertoriados os casos mais comuns da interface brasileira nessa área, constatando-se o mero caráter ideológico do empreendimento.
Introdução: o que é um relatório de minoria?
Dá-se o nome de
“relatório de minoria” nos casos em que um ou mais membros de uma comissão
governamental qualquer, convocada oficialmente para apresentar um diagnóstico
sobre uma questão de interesse público, divergem das conclusões gerais ou das
recomendações formuladas pela maioria dos membros dessa comissão. Havendo
previsão para tal nas regras de procedimento, o dissidente, mas também,
eventualmente, alguns outros membros que os acompanham apenas parcialmente,
podem, se assim for acordado, assinar um relatório de minoria, dando conta de
suas próprias conclusões, as razões que os fizeram opor-se ao relatório da
maioria, e propor, se for o caso, suas próprias recomendações a respeito da
questão que motivou a formação da comissão em causa. O relatório de minoria
também é levado ao conhecimento da autoridade que encomendou o trabalho à
comissão – geralmente independente, ou integrando membros sem qualquer vínculo
com o governo em questão – que poderá, ou
não, levar em consideração tais opiniões dissidentes.
Tais situações
são muito comuns nos governos parlamentares, ou de forte atuação congressual,
quando os partidos hegemônicos ou as coalizões formadas no âmbito do
Legislativo assentem em abrir a discussão da questão a um amplo leque de
opiniões. Elas são menos frequentes nos regimes estreitamente
presidencialistas, e provavelmente nas instituições privadas, que preferem
atribuir um mandato executivo a um grupo determinado que possui latitude analítica
e de formulação de sugestões, mas são mais rígidos quanto às regras de
procedimento. No caso de instituições fortemente hierarquizadas – a exemplo das
militares, do Vaticano, ou, para ficar num caso mais próximo, o do Itamaraty,
no Brasil – essa possibilidade praticamente inexiste, em função de alguns
pressupostos dogmáticos, para não dizer que a própria formação de comissões
independentes para analisar uma questão qualquer e oferecer sugestões de
medidas pertinentes é um evento raro no plano da organização e do seu processo
decisório. Empresas privadas, por sua vez, são eminentemente práticas e
objetivas, não tendo de prestar contas senão a seus dirigentes e acionistas
majoritários, o que limita bastante, senão inviabiliza, não só comissões desse
tipo, mas também relatórios de minoria: o que se pretende é oferecer soluções
rápidas a problemas práticos, não fazer algum exame de consciência sobre
escolhas políticas transcendentes.
Em relação ao
tema das parcerias
estratégicas na política externa brasileira, mesmo não
considerando nenhuma avaliação de tipo executivo ou governamental, é de se
presumir que o tema recolha não só a adesão da maior parte dos funcionários de
Estado encarregados da área – ou seja, os diplomatas e seus chefes políticos –
mas também a concordância da parte dos analistas acadêmicos quando à sua
importância, e até mesmo a sua necessidade. É de se presumir, portanto, que
qualquer balanço que se
faça sobre as parcerias estratégicas estabelecidas pelo governo brasileiro nos
últimos dez ou quinze anos, tenderá a considerar essa possibilidade de atuação
no plano externo não apenas como uma necessidade objetiva da atuação
diplomática do Brasil, como também um recurso de configuração eminentemente
positiva nesse tipo de cenário de atuação estatal na frente externa.
O que se pretende apresentar aqui, no entanto, é um
“relatório de minoria” a respeito da questão, tanto no plano puramente
conceitual, quanto no de sua aplicação prática na política externa brasileira
desse período. O autor tem nitidamente consciência de que suas posições são
perfeitamente minoritárias, para não dizer claramente dissidentes, do
mainstream prevalecente tanto no ambiente funcional da diplomacia brasileira,
quanto nos meios acadêmicos. O ensaio assume assim um caráter mais opinativo do
que propriamente expositivo ou analítico, uma vez que pretende focar sobre os
fundamentos das escolhas feitas bem como suas modalidades operacionais, ao
mesmo tempo em que considera exemplos retirados a experiência brasileira
recente. Como indica o seu título, a
postura é claramente contrária não apenas ao princípio subjacente à tal tipo de
atuação diplomática, em geral, como especificamente às escolhas feitas pela
diplomacia brasileira desde 2003.
1. O que é estratégico numa parceria?
(...)
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