Paulo Roberto de Almeida
As personalidades mais
relevantes no século XX, aquelas que provocaram o maior impacto político,
intelectual, econômico e social na vida de milhões de habitantes do planeta,
foram todas nascidas no século XIX. Minha lista, a seguir, é puramente
indicativa, com mini-caracterizações a cada vez, mas sem maiores análises de
conteúdo.
Três grandes pensadores
mudaram nossa maneira de pensar o mundo: Karl
Marx, Sigmund Freud e Albert Einstein. O primeiro morreu no
próprio século XIX, mas seu maior impacto se deu no século XX, por meio de
discípulos não exatamente filósofos sociais, como ele, mas revolucionários que
conseguiram atrasar a economia de mercado, destruir países inteiros, e serem
direta e indiretamente responsáveis pela morte de milhões de vítimas inocentes,
a maior parte civis comuns. Freud
tentou criar uma teoria científica do inconsciente: de certa forma conseguiu,
mas seus discípulos bem menos dotados fizeram uma confusão tremenda na
psicanálise, que hoje se divide entre freudianos ortodoxos e diversas outras
correntes analíticas, desde os junguianos sensatos até os lacanianos
indecifráveis. Einstein revolucionou
as bases da física e da cosmologia, corrigindo Newton e abrindo novos caminhos
para a pesquisa do universo.
O maior estadista do
século XX era um imperialista decidido, Winston
Churchill, que defendeu o império britânico até sua erosão inevitável, mas
foi o homem que resistiu aos maiores tiranos do século XX, com destaque para
Hitler. Foi ele quem alertou, desde o início, para os perigos do bolchevismo,
sem sucesso porém, e para a ameaça terrível do hitlerismo, não apenas para o
seu próprio país, mas para toda a humanidade, e isso desde o início, tendo
ficado isolado durante muitos anos, até ser chamado na hora mais decisiva para
a Grã-Bretanha, para a Europa e para o mundo. Ele não teria conseguido salvar o
mundo de Hitler, contudo, se não fosse por Franklin
Delano Roosevelt, um dos grandes (e poucos) estadistas dos Estados Unidos,
um país geralmente fechado sobre si mesmo, mas que salvou a humanidade dos
piores tiranos em diversas ocasiões (depois de terem tentado todas as outras
vias, como ironizou o próprio Churchill).
Estes dois são os homens que asseguraram a sobrevivência da civilização durante
suas horas mais sombrias. Se Roosevelt
não tivesse vindo em socorro do Reino Unido, este teria provavelmente soçobrado
ante Hitler, mas isso devemos a Churchill, pois a tendência americana
ainda era isolacionista até 1941, e Roosevelt
teria grandes dificuldades em envolver o seu país na guerra, se não fosse pelo
ataque japonês a Pearl Harbor, e a declaração de guerra da Alemanha nazista.
Do lado do mal, podemos
igualmente alinhar três personalidades nascidas no século XIX: Adolf Hitler, Joseph Stalin e Mao Tsé-tung,
tiranos absolutos, homens que trouxeram morte e destruição para os seus
próprios povos e as infligiram a outros também, direta ou indiretamente. Stalin, na sequência de Lênin, um gênio
em política, mas um ignaro em economia, foi o homem que mais matou comunista,
além de cidadãos comuns, do seu próprio país. Hitler foi tirano absoluto, um demente político, um psicopata com
imenso poder de sedução sobre um povo humilhado por Versalhes e por seus
próprios erros políticos e econômicos: foi o que mais produziu destruições
materiais, escravização de povos inteiros e o genocídio deliberado de milhões
de inocentes, por razões puramente ideológicas e raciais. Mao foi outro tirano com a mesma obsessão pelo poder absoluto, que matou
milhões de inocentes, direta e indiretamente, do seu próprio povo. Os três
juntos devem ter eliminado mais de cem milhões de pessoas, entre militares,
militantes e civis inocentes.
Entre outras
personalidades impactantes não é possível esquecer John Maynard Keynes, o economista mais influente do século, embora
não o de maior eficácia nas suas recomendações. Era um liberal, que por força
das crises do entre-guerras, propôs a intervenção dos governos nos ciclos
econômicos, para vencer, segundo ele, as fases depressivas. Ao inverter a
famosa “lei de Say” – que afirmava
que a oferta cria a sua própria demanda – ele conseguiu legitimar políticos que
sempre acreditaram que o estímulo à demanda é capaz de impulsionar a economia.
Deu no que deu, aliás até hoje, inclusive registrando-se os desastres dos
“keynesianos de botequim”, que infelizmente conhecemos muito bem, pelos
desastres provocados em nosso próprio país.
Do lado do “bem
econômico”, infelizmente com menor sucesso relativo nas definições de políticas
econômicas, temos dois outros nomes do século XIX: Ludwig von Mises e Friedrich
Hayek, dois liberais que tentaram alertar sobre os perigos das economias
coletivistas, fascistas ou socialistas, mas que não foram ouvidos, e não foram
seguidos na maior parte do século XX na maior parte dos países. O renascimento
(muito parcial) do liberalismo, no pós-guerra deve-se, em grande medida a um
economista, já nascido no século XX, Milton
Friedman, que como muitos outros (penso, por exemplo, em Raymond Aron, na França), se esforçou
para corrigir os equívocos keynesianos que os políticos insistiam em cometer. Não
tiveram muito sucesso até que líderes políticos mais ou menos identificados com
essas ideias – mas provavelmente mais influenciados pela situação de crise
econômica vivida em seus países – começaram a inverter os claros exageros do
keynesianismo aplicado: Margaret
Thatcher, no Reino Unido, e Ronald
Reagan, nos EUA, foram esses políticos que permitiram um breve e, como
disse parcial, renascimento do liberalismo clássico, erroneamente etiquetado
pelos intervencionistas e estatizantes como sendo um “neoliberalismo” (embora Friedman usasse esse nome desde 1952).
E no Brasil, quem poderia
ser incorporado a essas personalidades do século XIX que impactaram
decisivamente o país no decorrer do século XX? Sem dúvida alguma, e em primeiro
lugar, o Barão do Rio Branco, o
homem que “fechou” a cartografia nacional, consolidando as fronteiras
territoriais e inaugurando a moderna diplomacia profissional, que antes (e
depois) estava entregue a políticos improvisados em formuladores e executores
da política externa. Depois dele, Getúlio
Vargas, para o bem e para o mal, por ter construído o Brasil moderno – mas,
segundo o poeta Mário de Andrade, o progresso também é uma fatalidade – e por
ter feito do agente principal desse país moderno um Estado omnipresente e todo
poderoso, que terminou por sufocar a economia e a própria sociedade. A outra
personalidade nascida no século XIX e que poderia ter feito do Brasil do século
XX um outro país – mas que infelizmente não teve a oportunidade maior – foi Oswaldo Aranha, um “nepote” de Vargas,
com perfil de estadista que, se tivesse ascendido à presidência teria feito um
país diferente daquele patrocinado por Vargas.
Um outro brasileiro,
nascido no século XX, foi uma espécie de Raymond
Aron brasileiro, Roberto Campos,
no sentido em que ambos tiveram razão muito cedo para serem suficientemente
convincentes no contexto de suas próprias sociedades. Na França da segunda metade
do século XX, se dizia que era melhor estar errado com Jean-Paul Sartre do que
ter razão com Raymond Aron (c’est mieux
d’avoir tort avec Sartre que d’avoir raison avec Aron). No Brasil, Campos, chamado de Bob Fields pelos
seus inimigos e até pelos nacionalistas rastaqueras que pululam até hoje no
país (e agora no Estado), era desprezado inclusive na sua Casa profissional, onde
a maioria, já dominada pelo cepalianismo ambiente, o considerava um
entreguista, como aliás grande parte dos políticos e dos economistas em
funções. Estes, para mim, foram as grandes personalidades do século XX, a maior
parte nascida no século XIX. Num próximo
artigo falarei dos “derrotados” brasileiros nos séculos XIX e XX. Até lá.
Brasília, 25 de
janeiro de 2016.
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