O Brasil e as causas das guerras
Isaac Roitman, Paulo Roberto de Almeida
O cientista Isaac Roitman, em artigo publicado no Monitor Mercantil, reproduzido no boletim da Academia Brasileira de Ciências, e transcrito neste mesmo espaço,
https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/12/sera-possivel-acabarmos-com-as-guerras.html ,
elencou as causas das guerras na humanidade:
- Disputas territoriais: países ou grupos podem lutar por territórios específicos devido à sua localização estratégica, recursos naturais ou valor histórico.
- Conflitos ideológicos: diferenças em crenças políticas, religiosas ou sociais podem levar a confrontos, como visto em guerras civis e conflitos internacionais.
- Rivalidades étnicas e religiosas: conflitos entre diferentes grupos étnicos ou religiosos têm sido uma causa comum de guerra ao longo da história.
- Competição por recursos naturais: a busca por recursos como água, minerais, petróleo e terras agrícolas.
- Questões de poder e hegemonia: países ou líderes podem buscar expandir seu poder e influência, levando a guerras de conquista ou expansão territorial.
- Nacionalismo exacerbado: um forte senso de identidade nacional e desejo de independência pode levar a conflitos, como visto nas guerras de independência.
Essas parecem ser as causas principais, embora seja possível haver combinações entre elas, ou seja, mais de um fator agindo junto com outros. Ainda assim caberia distinguir entre guerras civis, ou seja, internas aos países, e guerras entre Estados, envolvendo soberania e projeção externa das forças armadas.
Guerras civis são mais suscetíveis de envolverem questões étnicas e religiosas e conflitos ideológicos, assim como questões de poder sobre o Estado por diferentes grupos ou movimentos políticos (ou até tribais, em certas circunstâncias).
Guerras entre Estados derivam de questões territoriais (fronteiriças ou regiões mais amplas), competição por recursos naturais (mais frequente na fase pré-ONU), questões de hegemonia, muito incitadas por nacionalismo exacerbado, ou por alguns dos demais fatores das guerras civis (internas), quando possuindo projeção além das fronteiras reconhecidas de um Estado, geralmente vis-à-vis algum vizinho com o qual disputas chegam ao seu nível máximo de fricção.
O Brasil nunca se envolveu em guerras por disputas de territórios, pois sua diplomacia, mesmo a "colonial" (Alexandre de Gusmão) e sobretudo a imperial e republicana conduziram processos negociadores ou recorreram a arbitragens que evitaram contenciosos bélicos.
Tampouco tivemos conflitos ideológicos com vizinhos, mas tivemos guerras civis ou rebeliões internas por esse motivo: republicanos no Império, comunistas na República, repressão militar dos "guardiões" da ordem, militares, contra civis, ou políticos, em crises institucionais.
Não há traços de "competição por recursos naturais" em nossa história, mas poucas fricções nessa área: a ridícula "guerra da lagosta" com a França, no início dos anos 1960, ou a conflitos sobre o uso dos recursos hídricos com a Argentina, na bacia do Prata, nos anos 1960 e 70 (resolvidos diplomaticamente).
Houve certa competição nuclear entre os dois países, finalmente superada na redemocratização em ambos os países, quando Argentina e Brasil conseguiram sair de suas ditaduras militares. Questões de poder e hegemonia, assim como nacionalismo exacerbado podem ter agregado algumas doses de fricção entre os dois países em momentos diversos.
Guerra externa, mesmo, só tivemos na invasão do território brasileiro pelo ditador Solano Lopez do Paraguai, no século XIX, uma "maldita guerra" que nos atrasou ainda mais, e que pode ter construído um exército que depois se julgou dono do país.
Depois, tivemos uma participação incipiente na Grande Guerra e uma mais decisiva (internamente, não externamente) na Segunda Guerra Mundial, que aliás ajudou na derrubada da ditadura do Estado Novo.
Nos últimos anos não nos envolvemos em nenhuma guerra, apenas em "missões de paz", seja da OEA (República Dominicana, 1965), a pedido dos EUA, e em muitas da ONU, sendo a da Minustah uma das mais relevantes. Evitamos participar da Guerra da Coreia (1950-53, autorizada pela ONU), na guerra do Vietnã, unilateral da parte dos EUA (que consultaram os ditadores da época), na primeira guerra do Golfo (1991, também autorizada pela ONU, mas totalmente conduzida pelos EUA) ou na invasão do Afeganistão, pós atentados terroristas de 2001 (também autorizada pela ONU, mas levada a efeito pelos EUA com apoio de outros países).
O Brasil é um país defensivo e pacífico, tendo nas cláusulas internacionais da CF-1988, a resolução pacífica das controvérsias como princípio básico de nossa diplomacia. As primeiras constituições da República proibiam o recurso à guerra, e a atual exige resolução do Congresso para o envio de tropas ao exterior.
Existe vasta literatura sobre guerra e paz na doutrina diplomática brasileira e nos registros históricos de nossos envolvimentos em conflitos externos.
De resto, disputas ideológicas não costumam levar a guerras internas, mas a golpes de Estado ou tentativas de rupturas no sistema democrático.
Estamos justamente examinando uma dessas tentativas recentemente, um planejamento ridículo para o que seria um "golpe pastelão", que não poderia dar certo. Mas bem que tentaram os incompetentes extremistas de direita do governo Bolsonaro, do jeito mais burro que já registramos em nossa história política. Não sei se entrará para o registro histórico como uma tentativa realista e factível, ou como um sonho louco de incompetentes militares e civis demenciais. Vamos aguardar o julgamento jurídico e o julgamento dos historiadores.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4 de dezembro de 2024
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