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terça-feira, 7 de janeiro de 2020

O Brasil cada vez mais isolado no mundo - Oliver Stuenkel (RFI)

“O Brasil está cada vez mais isolado no Ocidente”, diz cientista político (Oliver Stuenkel)

RFI Convida, 31/12/2019 - 18:26

Doutor em Ciências Políticas, Oliver Stuenkel é professor de Relações Internacionais na FGV-SP.
Doutor em Ciências Políticas, Oliver Stuenkel é professor de Relações Internacionais na FGV-SP.Arquivo pessoal
Autor de “O mundo pós-ocidental”, Stuenkel fala do isolamento do Brasil no Ocidente e da natural aproximação com a China, passando por questões comerciais, ambientais e de geopolítica. Confira os principais trechos da entrevista.
Sobre a política externa ao longo de 2019, Oliver Stuenkel pontua: “Este ano, a gente viu a maior ruptura na história da política externa brasileira, porque pela primeira vez o Brasil alterou vários dos pilares que guiam a atuação do país no mundo. O mais importante é o apoio ao multilateralismo, que sempre marcou a política externa brasileira, o apoio para a elaboração e manutenção do direito internacional, tudo isso sempre foi a marca registrada do Brasil e isso deixou de ser o caso em 2019”.
“E a outra questão que mudou muito é que o Brasil teve sempre uma previsibilidade bastante grande da sua atuação diplomática. Mesmo durante a ditadura militar, o Brasil sempre foi visto como um ator previsível no mundo, agora a gente tem vários grupos que participam abertamente do processo de criação de política externa: os ideólogos mais perto do presidente da República, os generais que fazem parte de seu governo e também os economistas que buscam uma liberalização. Então tem uma tensão evidente entre estes três grupos e isso cria uma imprevisibilidade”, afirma.
Por conta disso, ele explica, o Brasil deixou de ser um ator confiável: “Isso fica bastante claro no caso argentino: o novo governo não sabia até o último minuto se haveria ou não um representante do governo brasileiro na posse do presidente [Alberto] Fernández. Isso representa bastante bem esta nova forma de fazer política que a gente viu ao longo do último ano”.
Jerusalém
Sobre a anunciada mudança da embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém, Stuenkel analisa: “Este caso demonstra claramente como funciona a política externa do governo Bolsonaro. Ele quer isso, mas os dois outros grupos que importam na criação da política externa brasileira se opõem. Os militares não querem a embaixada brasileira em Jerusalém porque isso coloca o Brasil no meio de um dos conflitos geopolíticos mais difíceis, mais complexos do mundo”.
“Se isso de fato ocorrer, a relação do Brasil, inclusive de segurança, com o mundo árabe vai piorar bastante. Isso explica por que o vice-presidente Hamilton Mourão tem dito publicamente que ele não apoia esta mudança. Da mesma maneira os economistas neoliberais não apoiam esta medida, porque ela teria possivelmente um impacto negativo para a relação comercial do Brasil com o mundo árabe”, continua.
“A decisão sobre se vai haver ou não essa mudança vai depender da briga interna das facções que compõem o governo Bolsonaro. Eu ainda acho que a mudança traria um custo diplomático enorme. O Brasil sempre foi visto como um ator que consegue manter um diálogo com todos os lados e esta decisão faria o Brasil perder isso, além do impacto comercial importante”, adverte.
Relações com os Estados Unidos
Para Oliver Stuenkel, a aproximação do Brasil com os Estados Unidos é a grande aposta do presidente Bolsonaro. “Isso costuma ser uma empreitada difícil porque, para dar certo, o Brasil precisa oferecer ganhos tangíveis ao governo americano, de natureza sobretudo geopolítica, pelo fato de Brasil não ser uma economia tão grande. No fundo, o que importa para esta parceria ser relevante para um presidente americano é ter algum benefício geopolítico, senão o Brasil simplesmente não é importante o suficiente em Washington”, diz.
“No caso de Bolsonaro com Trump, o americano pediu duas coisas para que esta aproximação pudesse de fato acontecer: a primeira é  apoio para derrubar o regime Maduro, na Venezuela, o grande inimigo do governo americano. Bolsonaro até sugeriu inicialmente o apoio brasileiro a uma possível intervenção militar na Venezuela, mas as Forças Armadas, de novo, conseguiram bloquear isso. E também houve muita resistência no Itamaraty. Então o Brasil não anunciou este apoio e deixou de ter um papel relevante na crise venezuelana”, constata.
“O segundo pedido do governo americano é apoio para reduzir a influência chinesa da América do Sul. Isso é importante para Trump e tornaria o Brasil um aliado importante dos EUA. O problema, obviamente, é que o Brasil depende economicamente da China, é o nosso principal parceiro comercial há dez anos, e muitos grupos econômicos que apoiaram a eleição de Bolsonaro – entre eles a agricultura, têm interesse em manter e fortalecer a relação comercial com a China. Isso dificulta muito para o Brasil reduzir a influência chinesa na região; ao meu ver, isso não vai acontecer, e o governo americano já percebe que esta parceria com o Brasil rende pouco. E Trump, sendo protecionista, tem pouco interesse de permitir mais acesso de produtos brasileiros ao mercado americano”, acrescenta.
Relações com a China
Se com Washington as relações deixam a desejar, com Pequim tudo vai de vento em popa, segundo Stuenkel.
“A princípio, as relações estão ótimas. Eu conversei ao longo do ano com diplomatas chineses e empresários brasileiros que dependem desta relação e acredito que o vice-presidente brasileiro teve um papel fundamental para consertar a relação bilateral entre o Brasil e a China. Havia bastante preocupação no início de 2019 de que esta relação poderia sofrer em função da retórica anti-China de Bolsonaro", conta.
Além disso, ele explica que grupos poderosos que apoiam o governo Bolsonaro deixaram muito claro que “o custo de ter uma relação ruim com a China é altíssimo”. E tem uma outra razão que ajudou o Bolsonaro a parar de falar mal da China: seus eleitores não enxergam a China como uma ameaça, como é o caso dos EUA”, avalia.
“A China é fundamental para atrair investimentos externos e será um parceiro cada vez mais importante. O Brasil exporta para a China mais que o dobro do que exporta para os Estados Unidos. Essa dependência só vai aumentar, porque a China não consegue se alimentar. Isso será o nosso futuro econômico. A China sabe disso e trata o Brasil como um parceiro de longo prazo. Isso explica por que Xi Jinping, ao ser atacado por Bolsonaro, nunca respondeu nem atacou de volta, porque, para ele, a relação com o Brasil é mais importante do que o presidente atual do Brasil”, pontua.
Relações com a França
Para o especialista, as relações com a França e com o continente europeu tendem a piorar, com a exceção dos países governados pela extrema direita, com os quais Bolsonaro se identifica.
“O Brasil a partir de agora é visto como um ator imprevisível. O atual presidente não se deixa controlar facilmente, utiliza muito as mídias sociais – e isso vale também para o presidente americano – e os próprios diplomatas brasileiros ficam sabendo de mudanças da política externa brasileira pelo Twitter”, diz.
“Houve pedidos dos principais assessores de Bolsonaro para que pudesse haver uma distensão da relação do Brasil com a França, sobretudo no auge dos incêndios na Amazônia”, conta.
“Parece que não vai melhorar muito em 2020, porque o tema do meio ambiente é cada vez mais importante, sobretudo na Europa, isso não vale apenas para a França. O tema ambiental é cada vez mais central e isso vai dificultar toda a relação destes países com o Brasil, porque o Brasil é visto como um vilão nesta questão ambiental, em função de vários comentários do presidente e seus assessores questionando a existência da mudança climática”, analisa.
Para Stuenkel, dificilmente o Brasil chegará a ter, nos próximos três anos, uma boa relação com países europeus governados por centristas. “O Brasil tem uma ótima relação com governos de extrema direita, como é o caso da Hungria, mas a relação com a maioria dos outros governos será muito difícil”.
“Dificilmente esta reputação que Bolsonaro adquiriu ao longo do último ano vá mudar. Ele é muito mal visto pela maioria da população europeia e seria um custo muito alto para um presidente francês ou alemão receber Bolsonaro na Europa”, avalia.
Outra novidade da política externa brasileira, segundo o professor, é a inclusão do tema religioso. “Isso também é cada vez mais relevante na política externa de países como Hungria e Polônia. No passado vimos isso também no caso da Itália. Isso certamente vai aumentar ainda mais para satisfazer demandas de grupos internos. Igrejas evangélicas estão tendo participação cada vez maior na articulação da política externa – e este também é o caso nos EUA – então isso me parece que vai se tornar uma nova marca registrada do Brasil”, prevê.
Risco de isolamento?
“Me parece que o Brasil já está bastante isolado, sobretudo no Ocidente. Isso fica bastante claro. Ao longo do último ano eu visitei várias capitais do mundo ocidental e a gente vê claramente que o Brasil é visto como um parceiro difícil, pouco popular em geral, a associação que a maioria dos europeus faz do Brasil hoje é negativa, principalmente pelo tema ambiental. Mas eu não diria que o mesmo é o caso na Ásia, por exemplo, ou na África, onde o tema ambiental não é tao relevante”, explica.
Stuenkel acredita que “por conta desta mudança da reputação brasileira no Ocidente, o governo brasileiro será lembrado por sua aproximação com a Ásia, porque lá esta atuação controversa em relação ao meio ambiente ainda não teve um impacto negativo sobre a reputação do Brasil”.
“O Brasil está cada vez mais solado no Ocidente e isso vai aproximá-lo ainda mais da China”, afirma.
Para ele, em 2020 será importante manter uma boa relação tanto com Washington quanto com Pequim.  
“Outras questões importantes para 2020 é ver como se dará o Brexit, que terá um impacto importante na política global, na economia europeia, que ainda é importante para o Brasil; e qual será o resultado das eleições dos estados Unidos em novembro. Se Trump não for reeleito, me parece que há uma necessidade de reorientar a política externa brasileira porque Bolsonaro perderia sua grande inspiração”, finaliza.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Submarinos nucleares: sao realmente necessarios?

Uma opinião cética de um observador político no New York Times de hoje (abaixo)
Não me surpreende que militares em geral, marinheiros em particular, defendam a idéia. Para militares, deter toda a panóplia possível de armas ofensivas e de dissuasão está na lógica do seu trabalho: se é para atacar, ou para se defender, melhor dispor de TODA E QUALQUER ARMA IMAGINÁVEL.
O que me surpreende é que líderes civis entreguem a esses profissionais tudo o que eles desejam, mesmo brinquedos de 8 bilhões de dólares.
É um pouco como pais irresponsáveis dando todos os presentes que uma criança visivelmente e declaradamente deseja ao entrar num palácio de brinquedos, essas superlojas de jogos e brinquedos que são a alegria dos petizes (como se dizia antigamente) e o terror dos pais.
Militares são como crianças, precisam ser controlados.
Acredito que pais responsáveis tenham melhor utilização para o seu dinheiro do que comprar todos os brinquedos na shopping list dos filhos.
Governantes responsáveis compram apenas os brinquedos "necessários" et encore...
Um país não deve se armar para todas as hipóteses possíveis, pois o cenário é infinito. Um país só deve se armar para assegurar um mínimo de defesa, tendo em conta que sua diplomacia está ali para construir um ambiente de paz.
Megalomaníacos, e pais idiotas, se deixam arrastar pelos desejos de crianças abusadas, mesmo aquelas crianças de farda e galardões.
Ainda vou escrever sobre isso...
Paulo Roberto de Almeida

Run Silent. Run Deep. Run Obsolete.
By Timothy Egan
The New York Times, July 14, 2010

QUILCENE, Wash. — We’re digging clams and picking oysters on one of the longest days of the year. It’s a huge bounty, this frutti di mare, bringing to mind what the natives always said about Puget Sound: when the tide is out, the table is set.

And then the waters roil and there appears off the horizon a vessel that could destroy much of the world in an eyeblink.

It’s one thing to see an orca breach, a nine-ton black-and-white flash of Indian art come to life, or a great blue heron swoop for prey, its thin legs unfolding like the collapsible frame of an umbrella. All seems right in the world.

But when a 560-foot-long Trident submarine breaks the surface, carrying a nuclear payload that could wipe out any number of cities, you have to check the time and place. Is this 2010, or 1964?

Just as the Russian spies, with their Facebook poses and quaint plans to get Secret Informations about the Google, made us realize the cold war maintains a peculiar grip, catching a glimpse of a nuclear submarine prompts a similar reaction. The doomsday architecture of Mutual Assured Destruction is still very much in place. The sub was bound for Naval Base Kitsap, home to what the Seattle Times in 2006 called the largest nuclear weapons storehouse in the United States.

These vessels have helped to keep the peace for decades; the service of the men and women who run silent and deep and nearly undetectable is laudable. But what about the policy behind MAD? Is it as outdated as those spies?

As the sea leg of the triad of nuclear deterrence, the Trident submarines provide “the nation’s most survivable and enduring nuclear strike capability,” as stated by the Navy. Their mission is to launch a massive and final lethal blow in the event that the worst has happened: “nuclear combat toe-to-toe with the Ruskies,” in the memorable drawl of Major T. J. “King” Kong, the Slim Pickens character in “Dr. Strangelove.”

MAD makes sense in a rational world: the Russians or Chinese would never try to wipe us out, because we would then wipe them out. They want to live well and prosper, as do we.

But MAD makes less sense at a time when the enemies of civilization are cave-dwelling religious fanatics who target cartoonists and kill innocent children at soccer telecasts and think, if they die in nuclear Armageddon, a sexual reward awaits them in heaven.

American policy, as stated in the Nuclear Posture Review updated by the Obama administration in April, rightfully targets nuclear proliferation by rogue nations — North Korea and Iran — and nuclear terror by free-agent zealots as the top priority. But then it also continues the cold war triad of nuclear deterrence — MAD.

Yes, the report notes that the United States and Russia have reduced strategic nuclear weapons by about 75 percent since the end of the cold war. And the new Strategic Arms Limitation Treaty backed by Obama and facing a round of hearings in Congress would scale those weapons back even more.

“It is in the United States’ interest and that of nearly all other nations that the nearly 65-year-record of nuclear non-use be extended forever.” Such is the goal, as stated in the review.
And despite Mitt Romney’s uninformed posturing against the treaty, Republicans with the most knowledge of American defense strategy, led by Senator Richard Lugar of Indiana, say the new pact would continue the works of Presidents Reagan and Bush the elder to deescalate cold war tensions while upgrading overall deterrent strategy.

But why not kill the cold war altogether? Deconstruct MAD, or take a couple hundred cities off the hit list? Even if this treaty goes into effect, the United States will retain 240 ballistic missiles just on the submarines alone, according to information presented to Congress.

Why not a much larger reset? The deterrence would still be there, even with a pair of submarines, let alone the dozen-plus out there now, not to mention the new class of extraordinarily costly submarines under construction.

These new submarines may cost about $8.2 billion each to build, the Congressional Budget Office reported a few months ago. The first one, always the most pricey, may run up to $13 billion, which would make it the most expensive Navy vessel ever built. In May, Defense Secretary Robert Gates questioned whether the cost of all these new ships was worth it in the big view of getting the most safety for the most buck.

His legitimate query was greeted by a collective ho-hum. MAD and all its budget-busting infrastructure is just so much a part of the scenery now.

What we will get for those billions are sleek new nuclear-armed behemoths to replace the sleek old nuclear-armed behemoths, all in service to a dinosaur policy. Once the subs are in use, they will likely perform the same tired mission, ready to fire the last shot in a world going down. Meanwhile, above the surface of the ocean, crazed religious leaders in tents and Flintstone huts plot murder against innocents using Radio Shack rejects.

The purpose of these subs, like MAD itself, is rarely questioned. As so they glide in and out of Puget Sound, as the seasons roll by and the decades pass, powered by the inertia of a policy dating to black-and-white television, spies in ill-fitting suits, and a fear of Doomsday just a few ticks of the clock away.

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Addendum:
Uma leitora, Lara Wasser, ao ler meus comentários iniciais, escreveu-me o que segue:

Acredito que o que menos importa no projeto do submarino nuclear é a questão estratégica operacional militar. O que mais importa é que o Brasil construirá um reator nuclear e terá todo o domínio do ciclo do combustível nuclear.

Os desafios para se produzir um reator pequeno, para ser alocado em um submarino são significativos. O submarino será o pano de fundo de um grande salto tecnológico.

A usina que transformará o yellow-cake (urânio enriquecido) no gás hexafluoreto de urânio, em seguida em dióxido de urânio (pastilhas) já está operando em testes em Rezende. Para realizar esse processo o Brasil precisava contratar o serviço ao Canadá e a França em duas etapas, agora será feito aqui com tecnologia nacional.

O Brasil construirá 5 usinas nucleares a médio prazo. Se o projeto do submarino prosperar, como esperado, as usinas poderão usar reatores nacionais. O custo do Kwh nuclear cairá significativamente.

Era preciso ir a Lua? Quanto a sociedade americana se beneficia dos desenvolvimentos tecnológicos que foram necessários para o feito? Incalculável, eu diria.


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Novo Addendum, por Mário Machado, sobre a postagem "Submarinos nucleares: sao realmente necessarios?":

Me pergunto se para ter o domínio de todo esse ciclo-nuclear que a leitora descreveu é preciso o submarino, não seria mais proveitoso e barato fazer logo o programa para gerar energia e combustível nuclear aqui sem o desvio de energia e foco de construir um submarino que é muito mais que um reator, necessita do casco, das instalações onde construir esse submarino, bases de operação, centenas, se não milhares de marinheiros ligados a manutenção, operação e vigilância dos portos onde este submarino se encontra.